CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

PRIIT PIKAMÄE

apresentadas em 30 de setembro de 2021 ( 1 )

Processo C‑483/20

XXXX

contra

Commissaire général aux réfugiés et aux apatrides

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Bélgica)]

«Reenvio prejudicial — Política comum em matéria de asilo e de proteção subsidiária — Filho menor que obteve proteção internacional num Estado‑Membro — Procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de proteção internacional — Diretiva 2013/32/UE — Artigo 33.o, n.o 2, alínea a) — Inadmissibilidade do pedido de proteção internacional do progenitor em virtude da concessão anterior do estatuto de refugiado noutro Estado‑Membro — Direito ao respeito da vida familiar — Interesse superior da criança — Artigos 7.o, 18.o e 24.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Risco real e comprovado de ser objeto de um tratamento incompatível com o direito ao respeito da vida familiar — Normas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional — Diretiva 2011/95/UE»

Índice

 

I. Quadro jurídico

 

A. Direito da União

 

B. Direito belga

 

II. Litígio no processo principal e questões prejudiciais

 

III. Tramitação processual no Tribunal de Justiça

 

IV. Análise jurídica

 

A. Considerações preliminares

 

B. Quanto ao mecanismo da inadmissibilidade do pedido de proteção internacional previsto no artigo 33.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2013/32

 

1. Quanto à interpretação literal, sistemática e teleológica

 

2. Quanto à falta de automaticidade do indeferimento por inadmissibilidade do pedido de proteção internacional

 

C. Quanto ao risco sério de um tratamento contrário ao artigo 7.o da Carta, lido em conjugação com os seus artigos 18.o e 24.

 

1. Quanto à proteção da vida familiar conferida pelas Diretivas 2011/95 e 2013/32

 

2. Quanto ao estatuto do requerente no Estado Membro de acolhimento

 

a) Quanto ao artigo 23.o da Diretiva 2011/95

 

b) Quanto à Diretiva 2003/86

 

3. Quanto à relação entre o requerente e o seu familiar

 

D. Conclusão intercalar

 

E. Quanto às consequências da admissibilidade do pedido de proteção internacional

 

V. Conclusão

1.

As rotas migratórias são frequentemente o resultado da combinação de dois elementos: o acaso e a necessidade. No processo submetido ao Tribunal de Justiça, um nacional sírio chegou, depois de ter transitado pela Líbia e pela Turquia, à Áustria, país no qual apresentou, por necessidade, um pedido de proteção internacional. Após ter obtido o estatuto de refugiado, o interessado deslocou‑se para a Bélgica para se juntar às suas duas filhas, uma das quais menor, e apresentou aí um novo pedido de proteção internacional, declarado não admissível tendo em conta o reconhecimento anterior no primeiro Estado‑Membro.

2.

É neste contexto que se suscita, nomeadamente, a questão, tanto quanto é do meu conhecimento inédita, de saber se o direito fundamental ao respeito da vida familiar, consagrado no artigo 7.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), lido em conjugação com a obrigação de tomar em consideração o interesse superior da criança, enunciada no artigo 24.o, n.o 2, desta última, pode pôr em causa o mecanismo da inadmissibilidade dos pedidos de proteção internacional previsto no artigo 33.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2013/32/UE ( 2 ).

I. Quadro jurídico

A.   Direito da União

3.

Além de certas disposições de direito primário, a saber, o artigo 78.o TFUE e os artigos 7.o, 18.o e 24.o da Carta, são pertinentes, no âmbito do presente processo, os artigos 2.o, 14.o, 33.o e 34.o da Diretiva 2013/32, os artigos 2.o, 23.o, 24.o da Diretiva 2011/95/UE ( 3 ) e os artigos 2.o, 3.o e 10.o da Diretiva 2003/86/CE ( 4 ).

B.   Direito belga

4.

O artigo 10.o, n.o 1, ponto 7, da loi sur l’accès au territoire, le séjour, l’établissement et l’éloignement des étrangers, du 15 décembre 1980 [Lei de 15 de dezembro de 1980, Relativa ao Acesso ao Território, à Residência, ao Estabelecimento e ao Afastamento dos Estrangeiros, de 15 de dezembro de 1980 (Moniteur belge de 31 de dezembro de 1980, p. 14584)], dispõe:

«1.   Sem prejuízo do disposto nos artigos 9.o e 12.o, serão automaticamente autorizados a residir no Reino por um período superior a três meses:

[…]

7o O pai e a mãe de um estrangeiro reconhecido como refugiado na aceção do artigo 48/3 ou que beneficie da proteção subsidiária, que com ele venham viver, desde que este tenha idade inferior a 18 anos e tenha entrado no Reino sem estar acompanhado por um estrangeiro adulto responsável por ele nos termos da lei e que não se encontre efetivamente a cargo desse adulto ou tenha sido deixado só depois de ter entrado no Reino.

[…]»

5.

O artigo 57/6 da loi sur l’accès au territoire, le séjour, l’établissement et l’éloignement des étrangers, du 15 décembre 1980 [Lei Relativa ao Acesso ao Território, à Residência, ao Estabelecimento e ao Afastamento dos Estrangeiros), conforme alterada pela loi du 21 novembre 2017 (Lei de 21 de novembro de 2017) (Moniteur belge de 12 de março de 2018, p. 19712)], dispõe:

«[...]

3.   O Commissaire général aux réfugiés et aux apatrides (Comissário Geral para os Refugiados e Apátridas) pode declarar inadmissível um pedido de proteção internacional quando:

[...]

3o O requerente já beneficiar de proteção internacional noutro Estado‑Membro da União Europeia

[...]»

II. Litígio no processo principal e questões prejudiciais

6.

Em 1 de dezembro de 2015, o recorrente no processo principal, nacional sírio, obteve o estatuto de refugiado na Áustria. No início do ano de 2016, deslocou‑se para a Bélgica para aí se juntar às suas duas filhas, das quais, uma é menor, e que aí obtiveram o estatuto conferido pela proteção subsidiária em 14 de dezembro de 2016. Este recorrente é detentor da autoridade parental sobre esta menor com a qual vive, mas não dispõe de um título de residência na Bélgica.

7.

No mês de junho de 2018, o recorrente no processo principal apresentou um pedido de proteção internacional na Bélgica. Em 11 de fevereiro de 2019, o Commissaire général aux réfugiés et aux apatrides (Comissário Geral para os Refugiados e Apátridas — Bélgica) declarou esse pedido inadmissível pelo facto de já ter sido concedida ao interessado proteção internacional por outro Estado‑Membro. Por Acórdão de 8 de maio de 2019, o Conseil du contentieux des étrangers (Conselho do Contencioso dos Estrangeiros — Bélgica) negou provimento ao recurso interposto pelo recorrente no processo principal contra essa decisão de inadmissibilidade.

8.

Por petição apresentada em 21 de maio de 2019, o recorrente no processo principal interpôs recurso de cassação deste acórdão para o órgão jurisdicional de reenvio. Alega que, nas circunstâncias do caso em apreço, o respeito do princípio da unidade familiar e do interesse superior da criança se opõe a que o Estado belga possa fazer uso da sua faculdade de declarar inadmissível o seu pedido de proteção internacional. Alega igualmente que o respeito do mesmo princípio exige que lhe seja concedida esta proteção para que possa, designadamente, beneficiar das vantagens previstas nos artigos 24.o a 35.o da Diretiva 2011/95, o que não está totalmente desligado da lógica da proteção internacional.

9.

Segundo o recorrido no processo principal, o princípio da unidade familiar que pode levar à concessão de um estatuto «derivado» não é aplicável no caso em apreço, uma vez que o recorrente no processo principal e as suas filhas já dispõem de proteção internacional. Por outro lado, considera que o mero interesse superior da criança não pode justificar a aplicação desse princípio nem a concessão dessa proteção.

10.

Nestas condições, o Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Bélgica) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«O direito da União Europeia, essencialmente os artigos 18.o e 24.o da [Carta], os artigos 2.o, 20.o, 23.o e 31.o da [Diretiva 2011/95] e o artigo 25.o, n.o 6, da [Diretiva 2013/32] opõe‑se a que, em virtude da faculdade conferida pelo artigo 33.o, n.o 2, alínea a), da [Diretiva 2013/32], um Estado‑Membro indefira um pedido de proteção internacional por inadmissibilidade devido à proteção já concedida por outro Estado‑Membro, quando o requerente é o pai de um menor não acompanhado que obteve proteção no primeiro Estado‑Membro, que é o único progenitor da família nuclear presente a seu lado, que vive com ele e que a autoridade parental em relação à criança lhe foi reconhecida pelo referido Estado‑Membro? Os princípios da unidade familiar e o princípio que impõe o respeito do interesse superior da criança não exigem, pelo contrário, que a proteção seja concedida ao progenitor pelo Estado onde o filho obteve proteção?»

III. Tramitação processual no Tribunal de Justiça

11.

A Comissão Europeia e os Governos belga e italiano apresentaram observações escritas.

IV. Análise jurídica

A.   Considerações preliminares

12.

Parece‑me necessário, a título preliminar, formular algumas observações relativas ao alcance do pedido de decisão prejudicial em ligação com o teor dos articulados das partes interessadas, uma vez que o referido pedido contém formalmente duas questões dirigidas ao Tribunal de Justiça:

a primeira diz respeito à possibilidade de um Estado‑Membro declarar inadmissível, com fundamento no artigo 33.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2013/32, um pedido de proteção internacional apresentado por um progenitor que vive com o seu filho menor, beneficiário da proteção subsidiária neste Estado, quando um outro Estado‑Membro concedeu anteriormente essa proteção ao referido progenitor;

a segunda evoca a necessária concessão de uma proteção internacional a esse progenitor pelo Estado no qual o seu filho obteve proteção subsidiária e isto em aplicação dos «princípios da unidade familiar e [do respeito] do interesse superior da criança».

13.

Apesar de estas duas questões estarem indubitavelmente ligadas, dada a reflexão global que as mesmas implicam sobre o regime de asilo europeu comum e a proteção da vida familiar que este oferece, não têm claramente o mesmo objeto, a questão da apreciação da admissibilidade do pedido de proteção internacional não pode ser confundida com a da apreciação do mérito desse pedido.

14.

Ora, devo salientar que, nas suas observações, as partes interessadas empenharam‑se em demonstrar que as Diretivas 2011/95 e 2013/32, lidas à luz dos artigos 7.o, 18.o e 24.o da Carta, não exigem que um Estado‑Membro conceda a proteção internacional numa situação como a do recorrente no processo principal. Por outras palavras, não pode ser concedido ao interessado nenhum estatuto de proteção internacional na sequência de um pedido que tem como único objetivo assegurar o reagrupamento familiar. E é por dedução desta apreciação de fundo que as partes interessadas concluíram de modo idêntico pela possibilidade de um Estado‑Membro fazer uso da faculdade conferida pelo artigo 33.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2013/32 e, , declarar não admissível o pedido de proteção apresentado por esse recorrente. Este raciocínio parece‑me criticável na medida em que omite uma análise indispensável e prévia da problemática específica da admissibilidade dos pedidos de proteção internacional e, portanto, a questão da interpretação do artigo 33.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2013/32.

B.   Quanto ao mecanismo da inadmissibilidade do pedido de proteção internacional previsto no artigo 33.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2013/32

15.

Com a sua primeira questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 33.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2013/32, lido à luz dos artigos 7.o, 18.o e do artigo 24.o, n.o 2, da Carta ( 5 ), deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um Estado‑Membro exerça a faculdade conferida por esta disposição de indeferir um pedido de concessão da proteção internacional como sendo inadmissível pelo facto de já ter sido concedida ao requerente essa proteção por outro Estado‑Membro, quando esse requerente é o pai de uma criança menor que obteve o benefício da proteção subsidiária noutro Estado destinatário do pedido acima referido e é o único progenitor que com ele vive e detentor, a este título, da autoridade parental. Segundo jurisprudência constante, para a interpretação de uma disposição do direito da União, há que ter em conta não só os termos dessa disposição mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que a mesma faz parte ( 6 ).

1. Quanto à interpretação literal, sistemática e teleológica

16.

A Diretiva 2013/32 tem por objetivo, segundo o seu artigo 1.o, definir procedimentos comuns de concessão e de retirada da proteção internacional ao abrigo da Diretiva 2011/95. Nos termos do artigo 33.o, n.o 1, da Diretiva 2013/32, além dos casos em que um pedido não é apreciado em conformidade com o Regulamento (UE) n.o 604/2013 ( 7 ), os Estados‑Membros não são obrigados a analisar se o requerente preenche as condições para beneficiar de proteção internacional, em conformidade com a Diretiva 2011/95, quando o pedido for considerado não admissível nos termos deste artigo. A este respeito, o artigo 33.o, n.o 2, da Diretiva 2013/32 enumera de forma exaustiva as situações nas quais os Estados‑Membros «podem considerar» um pedido de proteção internacional como sendo inadmissível ( 8 ). Da redação do artigo 33.o, n.o 2, da Diretiva 2013/32 resulta que o legislador da União não pretendeu impor aos Estados‑Membros que introduzissem, nos seus direitos respetivos, a obrigação de as autoridades competentes procederem à apreciação da admissibilidade dos pedidos de proteção internacional, nem que previssem, perante um dos fundamentos de inadmissibilidade mencionados nesta disposição, o indeferimento de um pedido sem uma apreciação prévia quanto ao fundo.

17.

Assim, trata‑se efetivamente apenas de uma simples faculdade dada aos Estados‑Membros ( 9 ), mas também de uma derrogação à obrigação de estes apreciarem todos os pedidos quanto ao fundo segundo os termos do considerando 43 dessa diretiva ( 10 ). O Tribunal de Justiça precisou, assim, que o artigo 33.o da Diretiva 2013/32 visa flexibilizar a obrigação do Estado‑Membro responsável de analisar um pedido de proteção internacional através da definição das situações em que tal pedido é considerado como sendo inadmissível ( 11 ). Por força do artigo 33.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2013/32, os Estados‑Membros podem considerar como sendo inadmissível um pedido de proteção internacional quando a proteção internacional foi concedida por outro Estado‑Membro e, assim, indeferir, sem o apreciar quanto ao fundo, este pedido, faculdade e fundamento implementados pelo Reino da Bélgica na sua legislação.

18.

A evocação, pelo Tribunal de Justiça, de uma flexibilização na execução, pelos Estados‑Membros, da sua obrigação de análise dos pedidos de proteção internacional traduz um dos objetivos prosseguidos pelo legislador da União através da adoção do artigo 33.o da Diretiva 2013/32, a saber, o objetivo de economia processual ( 12 ). A intenção do legislador é, assim, permitir ao segundo Estado‑Membro destinatário do pedido de proteção internacional que não proceda a uma nova análise completa deste quanto ao fundo, já apreciado e deferido pelo primeiro Estado‑Membro. Este mecanismo da inadmissibilidade tem por vocação simplificar e reduzir os encargos da apreciação que incumbem às autoridades nacionais competentes para prevenir qualquer estrangulamento do sistema devido à obrigação de essas autoridades tratarem pedidos múltiplos apresentados pelo mesmo requerente ( 13 ). A dimensão de economia processual é, além disso, indissociável do objetivo de celeridade prosseguido pela Diretiva 2013/32, uma vez que o facto de a decisão ser proferida o mais rapidamente possível está descrito, nos termos do considerando 18 desta diretiva, como sendo do interesse tanto dos Estados‑Membros como dos requerentes de proteção internacional.

19.

Por último, há que referir outro objetivo prosseguido pelo legislador da União através de vários instrumentos jurídicos que constituem o regime de asilo comum europeu, o Regulamento n.o 604/2013 ( 14 ), a Diretiva 2011/95 ( 15 ) e a Diretiva 2013/32 ( 16 ), a saber, a limitação dos fluxos secundários de requerentes de proteção internacional na União. A este respeito, quanto à aproximação das normas processuais, o facto de forçar o segundo Estado‑Membro a apreciar quanto ao fundo um pedido de proteção internacional, já deferido no primeiro Estado‑Membro, pode ser de molde a encorajar a busca de certos nacionais de países terceiros, detentores da proteção internacional, de um melhor nível de proteção ou de condições materiais de existência mais vantajosas, em contradição com o objetivo suprarreferido.

20.

Contudo, não se pode deduzir das considerações anteriores que a aplicação do artigo 33.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2013/32 conduz a uma forma de indeferimento automático do segundo pedido de proteção internacional apresentado num Estado‑Membro por um nacional de um país terceiro que já tenha obtido essa proteção noutro Estado.

2. Quanto à falta de automaticidade do indeferimento por inadmissibilidade do pedido de proteção internacional

21.

Importa salientar, em primeiro lugar, que a adoção o mais rapidamente possível da decisão do pedido de proteção internacional não pode, de qualquer modo, ter lugar sem que seja previamente efetuada, em conformidade com o considerando 18 da Diretiva 2013/32, uma apreciação adequada e completa da situação do seu autor ( 17 ).

22.

A este respeito, esta diretiva enuncia de forma inequívoca a obrigação de dar ao requerente de uma proteção internacional a possibilidade ter uma entrevista pessoal antes da adoção de uma decisão sobre o seu pedido. Assim, o artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2013/32 dispõe, à semelhança do que previa o artigo 12.o, n.o 1, da Diretiva 2005/85, que, antes de o órgão de decisão se pronunciar, é dada a possibilidade ao requerente de ter uma entrevista pessoal sobre o seu pedido de proteção internacional com uma pessoa competente ao abrigo do direito nacional para conduzir essa entrevista. Esta obrigação, que faz parte dos princípios de base e das garantias fundamentais enunciadas, respetivamente, no capítulo II destas diretivas, é válida tanto para as decisões de admissibilidade como para as decisões de mérito. A circunstância de essa obrigação se aplicar igualmente às decisões de admissibilidade está expressamente confirmada no artigo 34.o da Diretiva 2013/32, epigrafado «Regras especiais sobre a entrevista relativa à admissibilidade do pedido», que dispõe, no seu n.o 1, que os Estados‑Membros devem permitir que os requerentes apresentem as suas observações relativamente à aplicação dos fundamentos referidos no artigo 33.o desta diretiva às suas circunstâncias particulares antes de o órgão de decisão decidir da admissibilidade de um pedido de proteção internacional e que, para o efeito, devem realizar uma entrevista pessoal para aferir a admissibilidade do pedido ( 18 ).

23.

O artigo 34.o, n.o 1, da Diretiva 2013/32 precisa também que os Estados‑Membros só podem prever uma exceção à regra segundo a qual realizam uma entrevista pessoal com o requerente sobre a admissibilidade do seu pedido de proteção internacional em conformidade com o artigo 42.o desta diretiva, em caso de um pedido subsequente ( 19 ). A circunstância de o legislador da União ter escolhido, no âmbito da referida diretiva, prever, por um lado, uma obrigação clara e expressa de os Estados‑Membros realizarem uma entrevista pessoal ao requerente de proteção internacional antes da adoção de uma decisão sobre o seu pedido e, por outro, um catálogo exaustivo de exceções a esta obrigação reflete a importância fundamental que atribui a essa entrevista pessoal para o procedimento de asilo ( 20 ).

24.

O direito conferido ao requerente pelos artigos 14.o e 34.o da Diretiva 2013/32 de poder expor, numa entrevista pessoal, o seu ponto de vista quanto à aplicabilidade à sua situação particular de um fundamento de inadmissibilidade se exerce, em princípio, fora da presença de familiares, em conformidade com o artigo 15.o, n.o 1, desta diretiva e é acompanhado de garantias específicas, detalhadas nos n.os 2 e 3, do suprarreferido artigo, destinadas a assegurar a efetividade desse direito ( 21 ). Importa, todavia, salientar que a autoridade nacional competente pode considerar que a presença de outros membros da família é necessária para proceder a uma apreciação adequada, o que demonstra claramente a tomada em conta da problemática familiar no desenrolar do processo.

25.

Importa, em segundo lugar, salientar que o Tribunal de Justiça já admitiu uma exceção à aplicação do mecanismo da inadmissibilidade previsto pela Diretiva 2013/32, mais especificamente no artigo 33.o, n.o 2, alínea a), da mesma. Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, esta disposição opõe‑se a que um Estado‑Membro exerça a faculdade por esta conferida de declarar um pedido de concessão do estatuto de refugiado não admissível pelo facto de já ter sido concedida ao requerente essa proteção subsidiária por outro Estado‑Membro, quando as condições de vida previsíveis que o referido requerente terá como beneficiário dessa proteção nesse outro Estado‑Membro o expuserem a um risco sério de sofrer um trato desumano ou degradante, na aceção do artigo 4.o da Carta ( 22 ).

26.

Segundo o Tribunal de Justiça, a faculdade conferida no artigo 33.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2013/32 constitui, no quadro do procedimento comum de asilo instituído por esta diretiva, uma expressão do princípio da confiança mútua, que permite e impõe aos Estados‑Membros presumir, no contexto do regime de asilo comum europeu, que o tratamento dado aos requerentes de proteção internacional em cada Estado‑Membro está em conformidade com as exigências da Carta, da Convenção relativa ao estatuto dos refugiados, assinada em Genebra [Recueil des traités des Nations unies, vol. 189, p. 150, n.o 2545 (1954)] (a seguir «Convenção de Genebra»), e da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais assinada em Roma em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»). Esta presunção e o exercício da referida faculdade que daí decorre não podem justificar‑se quando se demonstre que, na realidade, não é esse o caso num determinado Estado‑Membro ( 23 ).

27.

Resulta desta jurisprudência que a presunção de respeito dos direitos fundamentais, decorrente do princípio da confiança mútua, é ilidível e que, embora, ao responder às questões prejudiciais submetidas neste sentido pelo órgão jurisdicional de reenvio, o Tribunal de Justiça tenha consagrado uma exceção à aplicação do mecanismo da inadmissibilidade previsto no artigo 33.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2013/32 em face da violação dos artigos 1.o e 4.o da Carta, a premissa do raciocínio que seguiu diz respeito ao conjunto dos direitos fundamentais ( 24 ), incluindo o artigo 7.o relativo à proteção da vida familiar e o artigo 24.o, n.o 2, da mesma relativo à obrigação de tomar em consideração o interesse superior da criança, tal como o artigo 18.o da Carta ( 25 ).

28.

No âmbito da presente instância prejudicial, coloca‑se a questão de saber se a declaração de inadmissibilidade do pedido de proteção internacional é suscetível, nas circunstâncias do processo principal, de conduzir a uma violação dos direitos fundamentais do requerente.

C.   Quanto ao risco sério de um tratamento contrário ao artigo 7.o da Carta, lido em conjugação com os seus artigos 18.o e 24.o

1. Quanto à proteção da vida familiar conferida pelas Diretivas 2011/95 e 2013/32

29.

É pacífico que a elaboração do regime de asilo europeu comum responde à vontade do legislador da União de fazer respeitar os direitos fundamentais dos requerentes de proteção internacional, decorrentes da Convenção de Genebra, da Carta e da CEDH ( 26 ), nomeadamente, o direito ao respeito da vida familiar.

30.

Tanto a Diretiva 2011/95 como a Diretiva 2013/32 foram adotadas com fundamento no artigo 78.o TFUE e tendo em vista realizar o objetivo estabelecido por esse artigo, uma política comum da União em matéria de asilo, de proteção subsidiária e de proteção temporária em conformidade com a Convenção de Genebra, bem como assegurar o respeito do artigo 18.o da Carta. Além disso, resulta do considerando 3 destas duas diretivas que, inspirando‑se nas conclusões do Conselho Europeu de Tampere, o legislador da União procedeu de forma a que o regime de asilo comum europeu que as referidas diretivas contribuem para definir assente na aplicação integral e global da Convenção de Genebra ( 27 ). A este respeito, a Ata Final da Conferência de Plenipotenciários das Nações Unidas que elaborou o texto da convenção reconheceu expressamente o «direito essencial» do refugiado à unidade familiar e recomendou aos Estados signatários a adoção das medidas necessárias à sua preservação e, de um modo mais geral, à proteção da família do refugiado, o que traduz a existência de um vínculo estreito entre o direito do refugiado à unidade familiar e a lógica da proteção internacional ( 28 ).

31.

A Diretiva 2011/95 procura assegurar o pleno respeito da dignidade humana e o direito de asilo dos «requerentes de asilo e dos membros da sua família acompanhantes» (considerando 16) e impõe expressamente aos Estados que assegurem a preservação da unidade familiar, prevendo um determinado número de direitos em benefício dos membros da família do beneficiário de proteção internacional (artigo 23.o, n.os 1 e 2), a fim de facilitar a integração destas pessoas no Estado‑Membro de acolhimento. O considerando 60 da Diretiva 2013/32 menciona que esta última respeita os direitos fundamentais e observa os princípios consagrados na Carta. Em especial, esta diretiva procura assegurar o pleno respeito da dignidade humana e promover a aplicação, nomeadamente, dos artigos 18.o e 24.o da Carta, devendo ser aplicada em conformidade com estas disposições. Embora a proteção da vida familiar, prevista no artigo 7.o da Carta, não figure entre os objetivos principais da referida diretiva, há que relembrar que, segundo jurisprudência constante, este artigo deve ser lido em conjugação com a obrigação de tomar em consideração o interesse superior da criança, reconhecido no artigo 24.o, n.o 2, da Carta, e tendo em conta a necessidade da criança de manter regularmente relações pessoais com ambos os progenitores, expressa no n.o 3 do mesmo artigo ( 29 ).

32.

O considerando 33 da Diretiva 2013/32 enuncia claramente que o interesse superior da criança deve ser uma consideração primordial para os Estados‑Membros quando da aplicação desta ( 30 ), em conformidade com a Carta e com a Convenção internacional dos Direitos da Criança de 1989 ( 31 ), o que se traduz numa obrigação expressa e geral prevista no artigo 25.o, n.o 6, desta diretiva. Para apreciar o interesse superior da criança, os Estados‑Membros devem, nomeadamente, ter devidamente em conta o bem‑estar e o desenvolvimento social do menor, incluindo o seu passado. Assim, as disposições da Diretiva 2013/32 não podem ser interpretadas de modo a violar o referido direito fundamental do menor de manter regularmente relações pessoais com ambos os progenitores, cujo respeito se confunde incontestavelmente com o superior interesse da criança ( 32 ). Recordo que incumbe aos Estados‑Membros não só interpretarem o direito nacional em conformidade com o direito da União, mas também evitarem basear‑se numa interpretação de um diploma de direito derivado que seja suscetível de entrar em conflito com os direitos fundamentais protegidos pela ordem jurídica da União ( 33 ).

33.

Neste contexto ( 34 ), há que considerar que, na hipótese de o requerente de proteção internacional ficar exposto, em caso de transferência para o Estado‑Membro que inicialmente lhe tiver concedido o estatuto de refugiado ou o benefício da proteção subsidiária, a um risco sério de sofrer um tratamento incompatível com o artigo 7.o da Carta, lido em conjugação com os seus artigos 18.o e 24.o, o Estado‑Membro no qual foi apresentado o novo pedido não deveria ter a possibilidade de invocar a inadmissibilidade contra esse pedido. Esta situação reveste, na minha opinião, o caráter excecional exigido pela jurisprudência do Tribunal de Justiça ( 35 ) para ilidir a presunção decorrente do princípio da confiança mútua.

34.

A apreciação de um risco sério de sofrer um tratamento contrário ao artigo 7.o da Carta, lido em conjugação com os seus artigos 18.o e 24.o, só pode ser efetuada depois de ter sido dada ao requerente a oportunidade de apresentar, na entrevista pessoal relativa à admissibilidade do pedido prevista no artigo 14.o, n.o 1, e no artigo 34.o, n.o 1, da Diretiva 2013/32, todos os elementos, nomeadamente de ordem pessoal, suscetíveis de confirmar a sua existência. Por conseguinte, se a autoridade responsável pondera considerar como sendo inadmissível um pedido de proteção internacional em aplicação do fundamento previsto no artigo 33.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2013/32, essa entrevista deve ter por objetivo dar ao requerente não apenas a oportunidade de se exprimir sobre a questão de saber se lhe foi efetivamente concedida proteção internacional por outro Estado‑Membro, mas sobretudo a possibilidade de expor todos os elementos que caracterizam a sua situação específica a fim de permitir a esse órgão excluir que esse requerente incorria, caso fosse enviado para outro Estado‑Membro, no risco suprarreferido ( 36 ).

35.

Quanto à determinação do risco sério de violação deste direito fundamental ao respeito da vida familiar, apreciado em correlação com a obrigação de tomar em consideração o interesse superior da criança, exige que se tenham em conta dois elementos: o estatuto jurídico do requerente de proteção internacional no Estado‑Membro onde reside na companhia do membro da sua família beneficiário da referida proteção, por um lado, e a natureza das relações mantidas pelo interessado com este último, por outro.

2. Quanto ao estatuto do requerente no Estado‑Membro de acolhimento

36.

O facto de o requerente ter um estatuto que lhe assegura uma certa estabilidade e segurança quanto à sua residência no Estado‑Membro de acolhimento afigura‑se‑me suscetível de afastar qualquer risco de transferência para o primeiro Estado‑Membro e, correlativamente, de garantir a unidade familiar no Estado de acolhimento. A este respeito, saliento que as partes interessadas alegam que o direito ao respeito da vida familiar e o interesse superior da criança são garantidos por instrumentos jurídicos adequados às circunstâncias do caso em apreço, a saber, o artigo 23.o da Diretiva 2011/95 e a Diretiva 2003/86 cuja aplicação permite conferir um estatuto adequado ao recorrente no processo principal.

a) Quanto ao artigo 23.o da Diretiva 2011/95

37.

O capítulo VII da Diretiva 2011/95, intitulado «Conteúdo da proteção internacional», tem por objeto definir os direitos de que podem beneficiar os candidatos ao estatuto de refugiado ou à proteção subsidiária, cujo pedido tenha sido aceite ( 37 ), direitos entre os quais figura a preservação da unidade familiar em conformidade com o artigo 23.o desta diretiva. Este último impõe, com efeito, aos Estados‑Membros que adaptem o seu direito nacional de maneira a que os membros da família, na aceção prevista no artigo 2.o, alínea j), da referida diretiva, do beneficiário do estatuto de refugiado ou do estatuto conferido pela proteção subsidiária possam, sob certas condições, reclamar os benefícios referidos nos artigos 24.o a 35.o da Diretiva 2011/95, que incluem designadamente a emissão de uma autorização de residência, o acesso ao emprego ou o acesso à educação e que se destinam a preservar a unidade familiar ( 38 ). Este regime jurídico específico tem por objetivo assegurar a melhor integração possível do beneficiário de proteção internacional e dos membros da sua família no Estado‑Membro de acolhimento.

38.

A aplicação do artigo 23.o da Diretiva 2011/95 está sujeita ao preenchimento de três requisitos cumulativos. Em primeiro lugar, o beneficiário potencial dos benefícios em causa deve ser um membro da família na aceção do artigo 2.o, alínea j), desta diretiva. Em segundo lugar, não deve preencher, individualmente, os requisitos necessários para obter a proteção internacional. Em terceiro lugar, o seu estatuto jurídico pessoal deve ser compatível com a concessão dos benefícios previstos pela Diretiva 2011/95 ( 39 ). Considero pertinente analisar mais especialmente os dois primeiros requisitos.

39.

Em primeiro lugar, o artigo 2.o, alínea j), da Diretiva 2011/95 diz respeito aos familiares do beneficiário de proteção internacional presentes no mesmo Estado‑Membro devido ao seu pedido de proteção internacional, desde que a família já estivesse constituída no país de origem. O pai, a mãe ou qualquer outro adulto responsável por um menor são abrangidos na definição de «membro da família». Os laços familiares devem, assim, ser preexistentes à entrada da família no Estado‑Membro de acolhimento ( 40 ) e os membros da família em questão devem estar presentes neste Estado «devido ao seu pedido de proteção internacional», redação que é, na verdade, pouco explícita. A este respeito, partilho da interpretação desta expressão dada pelo advogado‑geral J. Richard de la Tour nas suas conclusões no processo Bundesrepublik Deutschland (Preservação da unidade familiar) ( 41 ), segundo a qual esse requisito pressupõe que os membros da família tenham acompanhado o beneficiário da proteção internacional desde o país de origem até ao Estado‑Membro de acolhimento para efeitos de apresentação do seu pedido, testemunhando assim a sua vontade de se manterem unidos. Esta leitura resulta do considerando 16 da Diretiva 2011/95 que especifica que o legislador da União deve assegurar o respeito integral dos direitos dos «requerentes de asilo e dos membros da sua família acompanhantes» ( 42 ).

40.

Pai de uma filha menor aparentemente não casada e que beneficia do estatuto conferido pela proteção subsidiária, o recorrente no processo principal é suscetível de se enquadrar na categoria de «membros da família», prevista no artigo 2.o, alínea j), terceiro travessão, da Diretiva 2011/95 desde que preencha os dois sub‑requisitos suprarreferidos, o que manifestamente não resulta do dossiê submetido ao Tribunal de Justiça no que diz respeito ao segundo desses requisitos. Com efeito, resulta do pedido de decisão prejudicial e do recurso de cassação interposto pelo recorrente no processo principal que este abandonou o seu país no final do ano de 2013 e chegou no ano de 2014 à Áustria, onde obteve, em 1 de dezembro de 2015, o estatuto de refugiado. Em seguida, deixou a Áustria no início do ano de 2016 para «se juntar» às suas filhas na Bélgica, as quais obtiveram o estatuto conferido pela proteção subsidiária neste país em 14 de dezembro de 2016, e só apresentou o seu pedido de proteção internacional em 14 de junho de 2018. Desta descrição dos factos é possível deduzir que o recorrente e as suas filhas seguiram um percurso migratório diferente, não tendo o primeiro acompanhado as suas filhas no trajeto destas desde o país de origem até ao Estado‑Membro de acolhimento.

41.

Em segundo lugar, o artigo 23.o, n.o 2, da Diretiva 2011/95 aplica‑se unicamente aos membros da família do beneficiário de proteção internacional que, individualmente, não preencham os requisitos necessários para obter a proteção internacional ( 43 ). A aplicação desta disposição pressupõe, assim, que a realização de uma análise do mérito do pedido de proteção internacional apresentado pelo membro da família em questão tenha chegado a uma conclusão negativa quanto à satisfação dos requisitos materiais de concessão do estatuto de refugiado ou do conferido pela proteção subsidiária conforme precisados, respetivamente, nos artigos 9.o e 10.o e 15.o da Diretiva 2011/95. Segundo os termos do artigo 32.o da Diretiva 2013/32, os Estados‑Membros só podem considerar um pedido como sendo infundado se órgão de decisão verificar que o requerente não preenche as condições para beneficiar do estatuto de proteção internacional nos termos da Diretiva 2011/95. Ora, é pacífico que uma declaração de inadmissibilidade do pedido de proteção internacional adotada em aplicação do artigo 33.o da Diretiva 2013/32 não é precedida de qualquer apreciação do mesmo quanto ao fundo, da qual o legislador da União entendeu precisamente dispensar o Estado‑Membro em causa por razões de economia processual. A aplicação do artigo 23.o, n.o 2, da Diretiva 2011/95 só diz respeito a situações nas quais um fundamento de inadmissibilidade não obste ao pedido de proteção internacional.

42.

Pode igualmente questionar‑se sobre a possibilidade de tomar em conta, apenas quanto a esta questão particular da aplicabilidade do artigo 23.o, n.o 2, da Diretiva 2011/95, o fundamento específico de inadmissibilidade previsto no artigo 33.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2013/32. A decisão inicial de concessão da proteção internacional, após análise de mérito de um pedido para esse efeito, inscreve‑se no sistema normativo que comporta conceitos e critérios comuns aos Estados‑Membros instituído pela Diretiva 2011/95. Recorde‑se que o artigo 33.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2013/32 constitui, no âmbito do procedimento comum de asilo estabelecido por esta diretiva, uma expressão do princípio da confiança mútua, que impõe, designadamente no que respeita ao espaço de liberdade, segurança e justiça, que considere, salvo em circunstâncias excecionais, que todos os restantes Estados‑Membros respeitam o direito da União ( 44 ). Mesmo que, no estado do direito atual, não exista um estatuto «europeu» do refugiado ou da proteção subsidiária que seja comum a todos os Estados‑Membros, a aplicação do artigo 33.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2013/32 constitui uma forma de reconhecimento implícito da apreciação correta pelo primeiro Estado‑Membro da fundamentação do pedido de proteção internacional.

43.

Nestas circunstâncias, quer se aborde a decisão de inadmissibilidade do pedido na perspetiva da sua natureza meramente processual quer em conjugação com o fundamento específico de inadmissibilidade suprarreferido, a situação por esta criada parece‑me suscetível de fundamentar a conclusão de inelegibilidade do recorrente no processo principal, detentor comprovado do estatuto de refugiado, para os benefícios previstos nos artigos 24.o a 35.o da Diretiva 2011/95, não sendo aplicável o artigo 23.o, n.o 2, do mesmo ato ( 45 ). Esta última disposição não pode, portanto, assegurar ao recorrente no processo principal uma solução para obter um título de residência que lhe permita residir no mesmo Estado‑Membro que as suas filhas e evitar, assim, qualquer risco de violação do direito fundamental ao respeito da vida familiar.

b) Quanto à Diretiva 2003/86

44.

Nos termos do seu artigo 1.o, a Diretiva 2003/86 tem por objetivo estabelecer as condições em que o direito ao reagrupamento familiar pode ser exercido por nacionais de países terceiros que residam legalmente no território dos Estados‑Membros. De um modo geral, os objetivos prosseguidos por esta diretiva, conforme enunciados nos seus considerandos 4 e 8, são facilitar a integração dos nacionais de países terceiros em causa, permitindo‑lhes ter uma vida familiar normal, e prever condições mais favoráveis para o exercício, pelos refugiados, do seu direito ao reagrupamento familiar, tendo em conta a sua situação específica ( 46 ).

45.

Estes requisitos, previstos no capítulo V da Diretiva, 2003/86 apenas dizem literalmente respeito ao reagrupamento familiar dos «refugiados». O artigo 3.o, n.o 2, alínea c), da referida diretiva precisa, designadamente, que esta não é aplicável quando o requerente do reagrupamento tiver sido autorizado a residir num Estado‑Membro ao abrigo de «uma forma de proteção subsidiária», em conformidade com as obrigações contraídas internacionalmente, o direito interno ou a prática dos Estados‑Membros. Essa redação explica‑se pela inexistência no direito da União, à data da adoção da Diretiva 2003/86, de um estatuto de beneficiário da proteção subsidiária. Não se pode deixar de concluir que o quadro normativo europeu do asilo evoluiu muito com o reconhecimento desse estatuto na Diretiva 2004/83/CE ( 47 ) e com a aproximação dos dois regimes de proteção com a Diretiva 2011/95. Resulta dos considerandos 8, 9 e 39 desta última que o legislador da União pretendeu instituir um estatuto uniforme a favor de todos os beneficiários de uma proteção internacional e que, consequentemente, optou por conceder aos beneficiários do estatuto de proteção subsidiária os mesmos direitos e benefícios a que têm direito os refugiados, com exceção das derrogações necessárias e objetivamente justificadas ( 48 ).

46.

Não obstante esta evolução considerável e as questões suscitadas pelo Comissário para os Direitos Humanos do Conselho da Europa ( 49 ) quanto ao tratamento diferenciado dos dois estatutos em causa, o Tribunal de Justiça declarou que a Diretiva 2003/86 deve ser interpretada no sentido de que não é aplicável a nacionais de países terceiros familiares de um beneficiário do estatuto conferido pela proteção subsidiária. Considerou, a este respeito, que, uma vez que os critérios comuns para a atribuição da proteção subsidiária se inspiraram nos regimes existentes nos Estados‑Membros que esses critérios pretendem harmonizar, se for caso disso substituindo‑os, o artigo 3.o, n.o 2, alínea c), da Diretiva 2003/86 ficaria amplamente privado do seu efeito útil se fosse interpretado no sentido de não visar os beneficiários do estatuto conferido pela proteção subsidiária, previsto no direito da União ( 50 ). Ora, é pacífico que a filha menor do recorrente no processo principal, que é o potencial «requerente do reagrupamento» na aceção do artigo 2.o, alínea c), da Diretiva 2003/86, possui uma autorização de residência na Bélgica devido ao estatuto de beneficiário da proteção subsidiária, o que exclui um reagrupamento familiar neste país em conformidade com a jurisprudência suprarreferida.

47.

Atendendo a esta conclusão, a Comissão refere‑se, por um lado, à possibilidade de um pedido de reagrupamento familiar apresentado na Áustria, país no qual o recorrente no processo principal é detentor do estatuto de refugiado, e, por outro, à legislação belga que autoriza esse reagrupamento quando o requerente do reagrupamento é um beneficiário do estatuto conferido pela proteção subsidiária, designadamente em relação ao pai ou à mãe desse beneficiário que vêm viver com ele, desde que ele tenha idade inferior a dezoito anos, tenha entrado na Bélgica sem estar acompanhado por um estrangeiro responsável por ele nos termos da lei e não se encontre efetivamente a cargo desse adulto ou seja abandonado depois da sua entrada. Quanto à primeira solução suprarreferida, parece‑me suscitar múltiplas dificuldades que podem ser qualificadas de «impeditivas».

48.

Em primeiro lugar, a aplicação da Diretiva 2003/86 é suscetível de conduzir a uma separação familiar temporária. Em conformidade com o artigo 2.o, alíneas a) a d), da Diretiva 2003/86, esta aplica‑se apenas aos requerentes do reagrupamento nacionais de países terceiros, ou seja, a qualquer pessoa que não seja cidadão da União na aceção do artigo 20.o, n.o 1, TFUE, «com residência legal num Estado‑Membro» e que pede o reagrupamento familiar, ou cujos familiares pedem para a ele se reunirem, bem como aos membros da família de um nacional de um país terceiro que se reúnam ao requerente do reagrupamento a fim de manter a unidade familiar, independentemente de os laços familiares serem anteriores ou posteriores à entrada do requerente do reagrupamento. Este pedido deve, em princípio, ser apresentado e analisado quando os familiares residirem fora do território do Estado‑Membro em que o requerente do reagrupamento reside ( 51 ). O recorrente no processo principal poderia, portanto, sendo caso disso, ser obrigado a abandonar a Bélgica e as suas filhas ( 52 ) para se dirigir e instalar sozinho na Áustria, país no qual pode residir legalmente tendo em conta o estatuto de refugiado que lhe foi concedido. As suas filhas, pelo contrário, não poderiam entrar neste país durante o período de análise do pedido, que pode durar nove meses, prazo suscetível de ser prorrogado. O artigo 5.o, n.o 3, segundo parágrafo, e o considerando 7 da Diretiva 2003/86 permitem, todavia, aos Estados‑Membros derrogar a regra geral do primeiro parágrafo e aceitar que a apresentação do pedido seja feita quando os familiares se encontrarem já no seu território, e isto «em circunstâncias adequadas» que são determinadas ao abrigo da sua vasta margem de apreciação.

49.

Em segundo lugar, é possível que o recorrente no processo principal não possa beneficiar de todas as disposições da Diretiva 2003/86 que preveem um tratamento mais favorável dos pedidos de reagrupamento familiar dos refugiados. A título de derrogação, o artigo 12.o, n.o 1, desta diretiva prevê que os Estados‑Membros não podem exigir, no caso de um refugiado e da sua família, a apresentação de provas de que o requerente do reagrupamento dispõe de alojamento adequado, seguro de doença e recursos estáveis suficientes para a sua própria subsistência e para a dos seus familiares. Além do facto de esta derrogação não dizer respeito ao reagrupamento dos filhos maiores, o terceiro parágrafo do mesmo número deste artigo permite aos Estados‑Membros exigir do refugiado o preenchimento das condições estabelecidas no artigo 7.o da referida diretiva se o pedido de reagrupamento familiar não for apresentado no prazo de três meses após a atribuição do estatuto de refugiado. No presente processo, é evidente que o pedido de reagrupamento familiar é apresentado mais de três meses após a atribuição do estatuto do refugiado, que teve lugar em 1 de dezembro de 2015. O preenchimento das referidas condições pode revelar‑se particularmente problemático para o recorrente no processo principal que, há vários anos, vive na Bélgica com as suas filhas.

50.

Em terceiro lugar, a aplicação da Diretiva 2003/86 é suscetível de conduzir a uma separação entre irmãos ( 53 ). Com efeito, o artigo 4.o.o, n.o 2, alínea b), desta diretiva prevê que os Estados‑Membros «podem» autorizar a entrada e residência dos filhos solteiros maiores do requerente do reagrupamento se estes forem «objetivamente incapazes de assegurar o seu próprio sustento por razões de saúde». Por conseguinte, não há qualquer obrigação de os Estados‑Membros permitirem que os filhos maiores do requerente do reagrupamento entrem no seu território e, em caso afirmativo, a autorização é necessariamente condicionada pela exigência da prova de uma relação de dependência com o progenitor em causa, situação que não decorre do dossiê submetido ao Tribunal de Justiça.

51.

Em quarto lugar, a reunificação familiar na Áustria teria como consequência, de facto, a perda, pelas crianças, do estatuto conferido pela proteção subsidiária reconhecida pelo Reino da Bélgica e os benefícios daí decorrentes. Além disso, caso as interessadas decidissem apresentar pedidos de proteção internacional na Áustria, poderiam deparar‑se com o mesmo fundamento de inadmissibilidade que se opõe ao pedido do seu pai e que é o objeto do litígio no processo principal ( 54 ). Na sequência da reunificação familiar obtida por força da Diretiva 2003/86, as filhas do recorrente no processo principal teriam a qualidade de membros da família do requerente do reagrupamento, ou seja, legalmente, uma situação de dependência deste que pode durar vários anos até as mesmas poderem adquirir uma autorização de residência autónoma ( 55 ). Além disso, existem diferenças reais entre as vantagens de que beneficiam os familiares de um nacional de um país terceiro com fundamento na Diretiva 2003/86 e os direitos atribuídos às pessoas que beneficiam da proteção internacional, sendo a comparação desfavorável aos primeiros ( 56 ). A esta conclusão, acrescem as previsíveis dificuldades de adaptação decorrentes de uma nova residência noutro Estado‑Membro, depois de vários anos passados na Bélgica, e uma rotura dos vínculos sociais e afetivos tecidos neste país.

52.

Neste contexto, há que relembrar que as disposições da Diretiva 2003/86 devem ser interpretadas e aplicadas à luz do artigo 7.o e do artigo 24.o, n.os 2 e 3, da Carta, como, de resto, decorre dos termos do considerando 2 e do artigo 5.o, n.o 5, desta diretiva, que impõem aos Estados‑Membros a obrigação de examinarem os pedidos de reagrupamento em questão no interesse das crianças em causa e com o intuito de favorecer a vida familiar. Além deste objetivo, a referida diretiva visa conceder uma proteção aos nacionais de países terceiros, nomeadamente aos menores ( 57 ). Considero difícil sustentar, atentas as considerações anteriores, que a aplicação da Diretiva 2003/86 para efeitos de reagrupamento familiar no Estado‑Membro que atribuiu o estatuto de refugiado, e que torna, assim, aplicável esta norma, esteja em conformidade com os suprarreferidos direitos fundamentais do filho menor. Esta solução levaria, designadamente, à perda do estatuto conferido pela proteção subsidiária, bem como dos benefícios dele decorrentes, a priori, não passíveis de ser retomados no novo país de acolhimento, e a uma eventual separação entre irmãos, consequência, no mínimo, paradoxal num contexto de reagrupamento familiar.

53.

Quanto à segunda solução que se baseia num reagrupamento familiar autorizado sob certas condições pela regulamentação belga, relembre‑se a possibilidade, reconhecida aos Estados‑Membros, no artigo 3.o, n.o 5, da Diretiva 2003/86, de conceder, exclusivamente com fundamento no respetivo direito nacional, um direito de entrada e de residência em condições mais favoráveis. A este respeito, a Comissão, nas Orientações para a Aplicação da Diretiva 2003/86, referiu que as necessidades de proteção humanitária de beneficiários de proteção subsidiária não diferem das dos refugiados e, consequentemente, incentivou os Estados‑Membros a adotar regras que garantam direitos idênticos aos refugiados e aos beneficiários de proteção subsidiária ou temporária ( 58 ). Apesar de um grande número de Estados‑Membros preverem, na respetiva regulamentação nacional, a possibilidade de os beneficiários da proteção subsidiária apresentarem um pedido de reunificação familiar nas mesmas condições em que o podem fazer os refugiados, subsistem disparidades nas referidas regulamentações, algumas das quais ainda comportam diferenças consideráveis no tratamento dos refugiados e dos beneficiários da proteção subsidiária quanto às condições de acesso ao reagrupamento familiar ( 59 ). No caso concreto, não pode deixar de se concluir que resulta do recurso de cassação interposto pelo recorrente no processo principal no órgão jurisdicional de reenvio que este tentou em vão obter o reagrupamento familiar com a sua filha menor pelo facto de não conseguir apresentar os documentos ad hoc exigidos pela administração do município competente. O despacho de reenvio menciona ainda que o interessado não beneficia de um título de residência na Bélgica ( 60 ).

54.

No entanto, e de um modo geral, é concebível que um nacional de um país terceiro, que já beneficie de uma proteção internacional concedida num primeiro Estado‑Membro, consiga ir para outro Estado‑Membro para se reunir com a sua família e apresente um novo pedido de proteção nesse Estado e lhe seja, paralelamente, emitido um título de residência ao abrigo do artigo 13.o, n.o 2, da Diretiva 2003/86 ou em conformidade com uma regulamentação nacional de transposição mais favorável. Na falta deste, pode ser atribuído a este nacional um estatuto de proteção nacional, por razões diferentes da necessidade de proteção internacional, ou seja, a título discricionário e por compaixão ou por razões humanitárias, que não está abrangido pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2011/95. Com efeito, resulta do artigo 2.o, alínea h), in fine, da Diretiva 2011/95 que esta admite que os Estados‑Membros de acolhimento podem conceder, nos termos do respetivo direito nacional, «outra forma» de proteção nacional acompanhada de direitos que permitem às pessoas excluídas do estatuto de refugiado ou de beneficiário da proteção subsidiária permanecer no seu território ( 61 ). Há que verificar, nestas duas hipóteses, se estes estatutos são suscetíveis de assegurar uma certa estabilidade da residência e, subsequentemente, a unidade familiar nesse Estado. Em caso afirmativo, o Estado‑Membro de acolhimento deve poder, na minha opinião, exercer a faculdade que lhe confere o artigo 33.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2013/32 de considerar não admissível o pedido de proteção internacional, independentemente de qualquer análise da relação entre o requerente e o membro da família em questão ( 62 ).

3. Quanto à relação entre o requerente e o seu familiar

55.

Importa sublinhar que, como resulta das Anotações relativas à Carta e em conformidade como o artigo 52.o, n.o 3, deste ato, os direitos garantidos no artigo 7.o da mesma têm o mesmo sentido e o mesmo âmbito que os garantidos no artigo 8.o da CEDH, conforme interpretado pela jurisprudência do TEDH. Nos processos que combinam vida familiar ( 63 ) e imigração, o TEDH procede a uma ponderação dos interesses em presença, a saber, o interesse pessoal dos indivíduos em causa em ter uma vida familiar num determinado território e o interesse geral prosseguido pelo Estado, neste caso, o controlo da imigração. Quando estão em causa crianças, o TEDH considera que há que ter em conta o superior interesse destas. Sobre este ponto em particular, recorda que a ideia de que o interesse superior das crianças deve prevalecer em todas as decisões que lhes dizem respeito é objeto de um amplo consenso, nomeadamente em direito internacional. É certo que esse interesse não é determinante por si só, mas deve, indubitavelmente, ser‑lhe concedido um peso importante. É assim que, nos processos de reagrupamento familiar, o TEDH concede especial atenção à situação dos menores em causa, em especial à sua idade, à sua situação no país ou nos países em causa e ao seu grau de dependência em relação aos seus progenitores ( 64 ).

56.

Saliento que este conceito de «relação de dependência» também é utilizado pelo Tribunal de Justiça na sua jurisprudência relativa ao contencioso migratório ( 65 ). É o que sucede com a concessão a um nacional de um país terceiro, com fundamento nos artigos 20.o e 21.o TFUE, de um direito de residência derivado no território da União, aberto por um familiar que tenha o estatuto de cidadão da União, quando existe entre os dois uma relação de dependência tal que conduziria a que este último fosse obrigado a acompanhar o nacional de país terceiro em causa e a abandonar o território da União, considerado no seu todo ( 66 ). Também é possível tomar como referência a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à apreciação individualizada dos pedidos de reagrupamento exigida pelo artigo 17.o da Diretiva 2003/86 e que deve tomar em conta todos os elementos pertinentes do caso concreto, tendo devidamente em conta os interesses das crianças em causa e com a preocupação de favorecer a vida familiar, elementos de que faz parte o grau de dependência em relação aos pais ( 67 ).

57.

Nestas circunstâncias, a apreciação pela autoridade nacional competente do risco sério de um tratamento contrário ao artigo 7.o da Carta, lido em conjugação com o seu artigo 24.o, dando sequência à entrevista pessoal prevista nos artigos 14.o e 34.o da Diretiva 2013/32, deve ser efetuada tendo em conta todos os elementos pertinentes do caso concreto, nomeadamente, a idade da criança, a sua situação no país em causa ( 68 ) e o grau de dependência desta em relação aos pais, tomando em consideração o seu desenvolvimento físico e emocional, o grau da sua relação afetiva com os pais, sendo tudo isto suscetível de caracterizar o risco que a separação destes implicaria para a relação progenitores‑filho e para o equilíbrio dessa criança. Assim, o facto de o progenitor coabitar com o filho menor é um dos elementos pertinentes a tomar em consideração para determinar a existência de uma relação de dependência entre eles, sem, no entanto, dela constituir uma condição necessária ( 69 ).

D.   Conclusão intercalar

58.

Atendendo a todas as considerações anteriores, proponho ao Tribunal de Justiça que decida que o artigo 33.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2013/32 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um Estado‑Membro exerça a faculdade conferida por esta disposição de indeferir um pedido de concessão do estatuto de refugiado como sendo inadmissível pelo facto de já ter sido concedido ao requerente esse estatuto por outro Estado‑Membro, quando esse requerente corre um risco sério de sofrer, em caso de transferência para o outro Estado‑Membro, um tratamento incompatível com o direito ao respeito da vida familiar, previsto no artigo 7.o da referida Carta, lido em conjugação com a obrigação de tomar em consideração o interesse superior da criança, consagrado no artigo 24.o, n.o 2, da mesma. Esta interpretação não me parece estar em contradição com os objetivos desta diretiva e, mais genericamente, com os do regime de asilo comum europeu.

59.

Quanto à economia processual, não se pode invocar validamente um volume de trabalho suplementar ou desproporcionado que recai sobre as autoridades nacionais competentes tendo em conta as exigências processuais que a Diretiva 2013/32 já previa e mais especificamente a obrigação da entrevista pessoal prévia a qualquer decisão, incluindo a de inadmissibilidade do pedido. A realização dessa entrevista permite, simultaneamente, precisar a situação familiar do requerente e avaliar, se for caso disso, as necessidades de proteção internacional deste. Este procedimento permite, assim, à autoridade competente avaliar com maior precisão e rapidamente a situação do requerente, no interesse tanto do interessado como do Estado‑Membro, o que contribui para o objetivo de celeridade e para a exigência de exaustividade da apreciação do pedido.

60.

No que respeita à prevenção dos fluxos secundários, considero que a situação do recorrente no processo principal, que se deslocou para outro Estado‑Membro após a obtenção do estatuto de refugiado, para se juntar às suas filhas e viver junto delas, não é abrangida, em bom rigor, por este conceito. Esta deslocação no interior da União não tem origem exclusiva, contrariamente ao enunciado no considerando 13 da Diretiva 2013/32, numa diferença entre os regimes jurídicos dos Estados‑Membros, baseando‑se no exercício do direito fundamental previsto no artigo 7.o da Carta. Por outras palavras, a conduta do recorrente não se inscreve no que é comummente designado como «forum shopping» do asilo, uma vez que o interessado não procurava uma melhor proteção jurídica ou aproveitar‑se das diferenças de nível de segurança social oferecidas pelos Estados‑Membros para conseguir melhores condições materiais de vida. Além disso, tendo em conta as condições que regem a proibição de os Estados‑Membros aplicarem o artigo 33.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2013/32, a perspetiva de um «estrangulamento» do sistema parece‑me pouco provável.

61.

A solução preconizada nas presentes conclusões é, em minha opinião, plenamente conforme com outros objetivos prosseguidos pelo legislador da União através da elaboração do regime de asilo comum europeu, a saber, a harmonização das normas, designadamente em matéria de processos de asilo, a proteção e a integração dos beneficiários de proteção internacional e dos seus familiares no Estado‑Membro de acolhimento, bem como a preponderância do interesse superior da criança nas tomadas de decisão. A interpretação proposta do artigo 33.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2013/32 afigura‑se‑me adequada num contexto marcado pela diversidade das eventuais situações dos requerentes de proteção internacional no interior da União. O facto de esta disposição ser facultativa para os Estados‑Membros, de o estatuto de refugiado ser reconhecido automaticamente, a título derivado, a um membro da família do beneficiário de proteção internacional por algumas legislações nacionais ao aplicar o artigo 3.o da Diretiva 2011/95 e de as transposições nacionais da Diretiva 2003/86 terem dado lugar, por vezes, a uma uniformização do estatuto de refugiado com o conferido pela proteção subsidiária, contribui para essa heterogeneidade, em contradição com o objetivo de um processo de harmonização que pretende que os requerentes de proteção internacional sejam tratados de forma idêntica e adequada independentemente da sua localização no território da União.

E.   Quanto às consequências da admissibilidade do pedido de proteção internacional

62.

Com a segunda questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a Diretiva 2011/95 deve ser interpretada no sentido de que impõe ao Estado‑Membro de acolhimento a extensão do benefício da proteção internacional concedida a um menor ao progenitor que com ele coabita, em conformidade com o direito ao respeito da vida familiar consagrado no artigo 7.o da Carta, lido em conjugação com a obrigação de tomar em consideração o interesse superior da criança prevista no seu artigo 24.o, n.o 2. A resposta a esta questão implica, na minha opinião, a formulação de várias observações relacionadas com as consequências da impossibilidade de o Estado‑Membro de acolhimento aplicar a faculdade que lhe é conferida pelo artigo 33.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2013/32 e, portanto, com a admissibilidade do pedido de proteção internacional.

63.

Em primeiro lugar, recorde‑se que o mecanismo de inadmissibilidade previsto no artigo 33.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2013/32 constitui uma derrogação à obrigação de os Estados‑Membros apreciarem quanto ao fundo todos os pedidos de proteção internacional, ou seja, avaliarem se o requerente em causa preenche as condições necessárias para beneficiar de proteção internacional nos termos da Diretiva 2011/95. Esta última prevê, por sua vez e em conformidade com o seu artigo 1.o, normas relativas, antes de mais, às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional, em seguida, a um estatuto uniforme para refugiados e pessoas elegíveis para proteção subsidiária e, por fim, ao conteúdo da proteção concedida. Como o Tribunal de Justiça já precisou, resulta dos artigos 13.o e 18.o da Diretiva 2011/95, lidos em conjugação com as definições dos termos «refugiado» e «pessoa elegível para proteção subsidiária», constantes do artigo 2.o, alíneas d) e f), da mesma, que a proteção internacional a que se refere esta diretiva deve, em princípio, ser concedida a qualquer nacional de um país terceiro ou apátrida que receie com razão ser perseguido em razão da sua raça, religião, nacionalidade, convicções políticas ou pertença a um certo grupo social, ou que corra um risco real de sofrer ofensas graves na aceção do artigo 15.o da referida diretiva ( 70 ).

64.

Por conseguinte, na hipótese de um Estado‑Membro ser confrontado com uma situação que o impeça de fazer uso da faculdade que lhe é conferida pelo artigo 33.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2013/32, cabe‑lhe apreciar o pedido de proteção internacional que lhe foi apresentado e verificar se o requerente dessa proteção internacional preenche os requisitos materiais de concessão dessa proteção conforme acima descritos. O Estado‑Membro deve, assim, considerar e tratar o nacional do país terceiro em causa como um primeiro requerente de proteção internacional, independentemente da que já lhe foi concedida por outro Estado‑Membro. As consequências dessa situação foram claramente previstas pelo legislador da União no âmbito do mecanismo da inadmissibilidade previsto no artigo 33.o n.o 2, alínea a), da Diretiva 2013/32 ( 71 ) e, sob pena de privar esta disposição de efeito útil, a circunstância relativa ao reconhecimento prévio da proteção internacional por um primeiro Estado‑Membro não pode de modo algum ser novamente tida em conta no âmbito da apreciação do pedido quanto ao fundo ( 72 ).

65.

Em segundo lugar, todas as partes interessadas sublinham, em substância, que o pedido apresentado pelo recorrente no processo principal visa assegurar ou tem como único fundamento a reunião da família, uma vez que o interessado não é movido por uma necessidade de proteção internacional já satisfeita na Áustria. Por conseguinte, o seu pedido de proteção internacional não o será verdadeiramente e não pode dar lugar, atendendo aos termos, à economia geral e aos objetivos da Diretiva 2011/95, à concessão de um estatuto abrangido por essa proteção. A este respeito, considero necessário distinguir claramente o próprio instrumento jurídico, o pedido de proteção internacional e o teor dos argumentos e dos elementos de prova apresentados em apoio deste, bem como a eventual motivação subjacente do requerente de proteção internacional.

66.

O conceito de «pedido de proteção internacional» é definido no artigo 2.o, alínea b), da Diretiva 2013/32 como o «pedido de proteção apresentado a um Estado‑Membro por um nacional de um país terceiro ou um apátrida, o qual dê a entender que pretende beneficiar do estatuto de refugiado ou de proteção subsidiária e não solicite expressamente outra forma de proteção não abrangida pelo âmbito de aplicação da [Diretiva 2011/95] e suscetível de ser objeto de um pedido separado». Presume‑se que tal pedido foi apresentado logo que a pessoa em causa manifestou a uma das autoridades referidas no artigo 6, n.o 1, da Diretiva 2013/32, a sua vontade de beneficiar da proteção internacional, sem que a manifestação dessa vontade possa ser sujeita a uma qualquer formalidade administrativa ( 73 ). Resulta inequivocamente da decisão de reenvio que o recorrente no processo principal, em 14 de junho de 2018, apresentou na Bélgica um pedido, considerado como sendo um pedido de proteção internacional e assim tratado pelas autoridades competentes que o declararam inadmissível com fundamento nas disposições nacionais que transpõem o artigo 33.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2013/32.

67.

Quanto ao mérito, o Tribunal de Justiça entendeu que, por força do artigo 13.o da Diretiva 2011/95, os Estados‑Membros concedem o estatuto de refugiado a qualquer nacional de um país terceiro ou apátrida que preencha as condições materiais para ser considerado como sendo um refugiado em conformidade com os capítulos II e III desta diretiva, sem disporem de poder discricionário a este respeito ( 74 ). A mesma solução é aplicada por analogia ao estatuto conferido pela proteção subsidiária tendo em conta a redação idêntica do artigo 18.o da Diretiva 2011/95 ( 75 ). A existência de uma motivação subjacente e oportuna do requerente quanto à preservação da unidade familiar no Estado‑Membro em causa é indiferente no caso concreto, desde que as condições suprarreferidas estejam preenchidas. Neste contexto, a avaliação de um pedido de proteção internacional com base no fundamento único da necessária unidade familiar com o beneficiário dessa proteção, independentemente de qualquer alegação de um risco de perseguições ou de ameaças graves do autor do pedido, só pode concluir, atendendo às disposições da Diretiva 2011/95, por um indeferimento quanto ao mérito. A este respeito, importa salientar que esta diretiva não prevê uma extensão do estatuto de refugiado ou do estatuto conferido pela proteção subsidiária aos membros da família da pessoa à qual esse estatuto é concedido, o que não significa que o vínculo familiar nunca possa ser tido em conta no que respeita à concessão da proteção internacional ( 76 ).

68.

Em terceiro lugar, conforme resulta do considerando 12 da Diretiva 2011/95, as disposições desta visam assegurar a aplicação de critérios comuns de identificação das pessoas que tenham necessidade de proteção internacional, bem como, em todos os Estados‑Membros, um nível mínimo de benefícios à disposição dessas pessoas ( 77 ). Além disso, por força dos considerandos 11 e 12 e do artigo 1.o da Diretiva 2013/32, o quadro de concessão da proteção internacional baseia‑se no conceito de «procedimento único» e assenta nas regras mínimas comuns ( 78 ). Nestas circunstâncias, poder‑se‑á pensar que as situações de requerentes de proteção internacional que apresentam uma semelhança real devem ser tratadas da mesma maneira pelas autoridades nacionais competentes dos diversos Estados‑Membros e exigir a mesma resposta quanto ao fundo. Por outras palavras, deve, a priori, ser reconhecido ao recorrente no processo principal o estatuto de refugiado na Bélgica, o que levaria a uma situação de cumulação de proteção internacional. Embora a existência dessa situação, tal como a sua cessação, não esteja expressamente prevista pelas Diretivas 2011/95 e 2013/32, constitui, no entanto, uma consequência possível do facto de, para os Estados‑Membros, ser facultativa a aplicação do artigo 33.o, n.o 2, alínea a), desta última norma e foi implicitamente mas necessariamente admitida pelo Tribunal de Justiça na sua jurisprudência relativa a esta disposição ( 79 ).

69.

Por uma questão de exaustividade quanto à apreciação desta situação, saliento que, no que diz mais especificamente respeito ao estatuto de refugiado, o artigo 14.o da Diretiva 2011/95, lido em conjugação com o artigo 11.o da mesma, enuncia os casos em que os Estados‑Membros podem ou devem revogar esse estatuto, pôr‑lhe termo ou recusar renová‑lo. Nenhum dos casos, os quais devem ser objeto de uma interpretação restritiva segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados ( 80 ), inclui o do duplo reconhecimento. No entanto, importa salientar que o artigo 45.o da Diretiva 2013/32 que determina as garantias de que beneficia a pessoa em causa quando a autoridade nacional competente considera a retirada, de acordo com o artigo 14.o da Diretiva 2011/95, da proteção internacional que lhe foi concedida, inclui um n.o 5 derrogatório. Este dispõe que os Estados‑Membros podem decidir que a referida proteção se torna juridicamente caduca se o beneficiário de proteção internacional tiver renunciado inequivocamente ao seu reconhecimento como beneficiário de proteção internacional, o que, na minha opinião, pode abranger a hipótese do pedido e da obtenção subsequente num segundo Estado‑Membro da proteção concedida num primeiro Estado. Por último, existe uma forte probabilidade de a situação de duplo reconhecimento ter por consequência que a autorização de residência temporária automaticamente obtida no primeiro Estado‑Membro por força do artigo 24.o da Diretiva 2011/95 não seja renovada, por falta de um pedido do interessado nesse sentido ou tendo em conta a ausência deste do território nacional durante um determinado período, bem como a aquisição de uma nova autorização de residência no segundo Estado‑Membro. Ora, o considerando 40 da Diretiva 2011/95 refere que, dentro dos limites fixados pelas obrigações internacionais, os Estados‑Membros podem determinar que a concessão de benefícios em matéria de acesso ao emprego, à segurança social, aos cuidados de saúde e aos mecanismos de integração exige a emissão prévia de uma autorização de residência. Estes elementos são suscetíveis de relativizar a importância e as consequências, na prática, de um duplo reconhecimento de proteção internacional.

70.

Por fim, assinalamos que, uma vez que uma probabilidade, mesmo forte, nunca é uma certeza, não se exclui que a avaliação a título individual de um segundo pedido de proteção internacional, após a concessão desta por um primeiro Estado‑Membro, possa levar a um indeferimento desse pedido. Apesar do sistema normativo implementado pelas Diretivas 2011/95 e 2013/32 constituir um avanço seguro em direção a um regime de asilo europeu comum, não traduz uma harmonização completa. Como salienta o advogado‑geral J. Richard de la Tour ( 81 ), alguns conceitos fundamentais para aplicação da Diretiva 2011/95 não são definidos stricto sensu, o que permite apreciações diferenciadas dos Estados‑Membros e dá lugar a pedidos de interpretação do direito da União dirigidos ao Tribunal de Justiça. Saliente‑se, no entanto, que, na hipótese de um indeferimento desse pedido quanto ao mérito, o segundo Estado‑Membro poderá, se for caso disso, proporcionar ao indivíduo cujo pedido foi indeferido os benefícios previstos nos artigos 24.o a 35.o da Diretiva 2011/95 e de acordo com o seu artigo 23.o

V. Conclusão

71.

À luz das considerações anteriores, proponho ao Tribunal de Justiça que responda ao Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Bélgica), da seguinte forma:

1)

O artigo 33.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2013/32/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa a procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de proteção internacional, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um Estado‑Membro exerça a faculdade conferida por esta disposição de indeferir um pedido de proteção internacional como sendo inadmissível pelo facto de essa proteção já ter sido concedida ao requerente por outro Estado‑Membro, quando esse requerente corre um risco sério de sofrer, em caso de transferência para o outro Estado‑Membro, um tratamento contrário ao direito ao respeito da vida familiar, previsto no artigo 7.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, lido em conjugação com o artigo 18.o e o artigo 24.o, n.o 2, desta.

A circunstância de o requerente de proteção internacional ser progenitor de um menor beneficiário dessa proteção no Estado‑Membro de acolhimento pode levar a concluir pela existência desse risco, sem prejuízo de caber às autoridades nacionais competentes verificar se o requerente dispõe de um estatuto jurídico que lhe garanta uma residência estável nesse Estado e se a separação da criança do seu progenitor é suscetível de prejudicar as suas relações e o equilíbrio dessa criança.

2)

A admissibilidade do pedido de proteção internacional apresentado pelo referido requerente pressupõe uma apreciação deste quanto ao fundo para verificar se se encontram reunidas as condições de concessão dessa proteção previstas nos artigos 13.o e 18.o da Diretiva 2011/95/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, que estabelece normas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional, a um estatuto uniforme para refugiados ou pessoas elegíveis para proteção subsidiária e ao conteúdo da proteção concedida. Esta diretiva não prevê uma extensão do estatuto de refugiado ou do estatuto conferido pela proteção subsidiária aos membros da família da pessoa à qual esse estatuto é concedido.


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) Diretiva 2013/32/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa a procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de proteção internacional (JO 2013, L 180, p. 60).

( 3 ) Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, que estabelece normas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional, a um estatuto uniforme para refugiados ou pessoas elegíveis para proteção subsidiária e ao conteúdo da proteção concedida (JO 2011, L 337, p. 9).

( 4 ) Diretiva do Conselho, de 22 de setembro de 2003, relativa ao direito ao reagrupamento familiar (JO 2003, L 251, p. 12).

( 5 ) A decisão de reenvio não menciona expressamente o artigo 7.o da Carta, mas refere‑se ao princípio da unidade familiar. Em todo o caso, no âmbito do processo de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça instituído pelo artigo 267.o TFUE, cabe ao Tribunal de Justiça dar ao órgão jurisdicional nacional uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido. Nesta ótica, as questões prejudiciais devem ser resolvidas à luz de todas as disposições dos Tratados e do direito derivado que possam ser pertinentes em relação ao problema que se coloca, incluindo as disposições a que o juiz nacional não fez referência na decisão de reenvio (Acórdãos de 29 de outubro de 2015, Nagy, C‑583/14, EU:C:2015:737, n.o 21, e de 11 de abril de 2019, Repsol Butano e DISA Gas, C‑473/17 e C‑546/17, EU:C:2019:308, n.o 38).

( 6 ) V. Acórdão de 6 de junho de 2013, MA e o. (C‑648/11, EU:C:2013:367, n.o 50 e jurisprudência referida).

( 7 ) Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional apresentado num dos Estados‑Membros por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida (JO 2013, L 180, p. 31).

( 8 ) V. Acórdão de 19 de março de 2020, Bevándorlási és Menekültügyi Hivatal (Tompa) (C‑564/18, EU:C:2020:218, n.o 29).

( 9 ) V. Acórdão de 19 de março de 2019, Ibrahim e o. (C‑297/17, C‑318/17, C‑319/17 e C‑438/17, a seguir «Acórdão Ibrahim e o.», EU:C:2019:219, n.o 58). Este caráter facultativo conduz necessariamente a eventuais disparidades nas regulamentações nacionais relativas ao mecanismo da inadmissibilidade dos pedidos de proteção internacional.

( 10 ) Recordo que, segundo jurisprudência constante, as exceções devem ser objeto de interpretação estrita (Acórdãos de 29 de abril de 2004, Kapper, C‑476/01, EU:C:2004:261, n.o 72; de 12 de novembro de 2009, TeliaSonera Finland; C‑192/08, EU:C:2009:696, n.o 40; e de 5 de março de 2015, Copydan Båndkopi, C‑463/12, EU:C:2015:144, n.o 87).

( 11 ) V. Acórdão de 17 de março de 2016, Mirza (C‑695/15 PPU, EU:C:2016:188, n.o 43).

( 12 ) V. Acórdão Ibrahim e o. (n.o 77).

( 13 ) V., por analogia, no que respeita ao Regulamento Dublim II, Acórdão de 21 de dezembro de 2011, N. S. e o. (C‑411/10 e C‑493/10, EU:C:2011:865, n.o 79).

( 14 ) V. Acórdãos de 17 de março de 2016, Mirza (C‑695/15 PPU, EU:C:2016:188, n.o 52), e de 10 de dezembro de 2020, Minister for Justice and Equality (Pedido de proteção internacional na Irlanda) (C‑616/19, EU:C:2020:1010, n.os 51 e 52).

( 15 ) V. considerando 13 da Diretiva 2011/95 e, por analogia com a Diretiva 2005/85, de 1 de dezembro de 2005, relativa a normas mínimas aplicáveis ao procedimento de concessão e retirada do estatuto de refugiado nos Estados‑Membros (JO 2005, L 326, p. 13; retificação no JO 2006, L 236, p. 36), Acórdão de 10 de dezembro de 2020, Minister for Justice and Equality (Pedido de proteção internacional na Irlanda) (C‑616/19, EU:C:2020:1010, n.os 51 e 52).

( 16 ) V. considerando 13 da Diretiva 2013/32.

( 17 ) Além disso, decorre do Acórdão Ibrahim e o. (n.o 98) que, para determinar se um nacional de um país terceiro ou um apátrida preenche as condições para beneficiar da proteção internacional, os Estados‑Membros devem, em conformidade com o artigo 4.o, n.o 3, da Diretiva 2011/95, efetuar uma avaliação a título individual de cada pedido de proteção internacional.

( 18 ) V. Acórdão de 16 de julho de 2020, Addis (C 517/17, EU:C:2020:579, n.os 46 a 48).

( 19 ) Resulta da decisão de reenvio que o litígio no processo principal não é abrangido por este caso, o qual está previsto no artigo 33.o, n.o 2, alínea d), e no artigo 40.o da Diretiva 2013/32. No Acórdão de 9 de setembro de 2020, Commissaire général aux réfugiés et aux apatrides (Indeferimento de um pedido subsequente — Prazo de recurso) (C‑651/19, EU:C:2020:681, n.o 58), o Tribunal de Justiça precisou que qualquer pedido subsequente de proteção internacional é precedido de um primeiro pedido que foi definitivamente indeferido, no âmbito do qual a autoridade competente efetuou uma apreciação exaustiva para determinar se o requerente em causa reunia as condições para beneficiar de proteção internacional.

( 20 ) V., neste sentido, Acórdão de 16 de julho de 2020, Addis (C‑517/17, EU:C:2020:579, n.os 55 e 59).

( 21 ) V., neste sentido, Acórdão de 16 de julho de 2020, Addis (C‑517/17, EU:C:2020:579, n.o 64).

( 22 ) V. Acórdão Ibrahim e o. (n.o 101) e Despacho de 13 de novembro de 2019, Hamed e Omar (C‑540/17 e C‑541/17, não publicado, EU:C:2019:964, n.o 43).

( 23 ) V., neste sentido, Acórdão Ibrahim e o. (n.os 83 a 86) e Despacho de 13 de novembro de 2019, Hamed e Omar (C‑540/17 e C‑541/17, não publicado, EU:C:2019:964, n.o 41).

( 24 ) Esta conclusão é confirmada pela utilização do termo «nomeadamente» no n.o 83 do Acórdão Ibrahim e o.

( 25 ) No Acórdão Ibrahim e o. (n.os 95 a 100), o Tribunal de Justiça apreciou, aliás, uma eventual violação desta disposição em face de uma recusa sistemática, sem exame real, da concessão por um Estado‑Membro do estatuto de refugiado a requerentes de proteção internacional que preenchessem as condições previstas nos capítulos II e III da Diretiva 2011/95. Apesar de ter entendido que este tratamento não podia ser considerado como sendo conforme com as obrigações decorrentes do artigo 18.o da Carta, o Tribunal de Justiça, no entanto, declarou que os outros Estados‑Membros podem declarar como sendo inadmissível o novo pedido, em aplicação do artigo 33.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2013/32, lido à luz do princípio da confiança mútua, cabendo ao Estado‑Membro que concedeu a proteção subsidiária retomar o processo que visa a obtenção do estatuto de refugiado.

( 26 ) O direito ao respeito da vida familiar é garantido pelo artigo 8.o da CEDH e, segundo o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem» (a seguir «TEDH»), a unidade da família é um direito essencial do refugiado (TEDH, 10 de julho de 2014, Tanda‑Munziga c. France, CE:ECHR:2014:0710JUD000226010, § 75). O Tribunal de Justiça precisou, no Acórdão de 27 de junho de 2006, Parlamento/Conselho (C‑540/03, EU:C:2006:429, n.o 53), que, mesmo que a CEDH não garanta como um direito fundamental o direito de um estrangeiro de entrar e residir no território de um país determinado, excluir uma pessoa de um país onde vivem os seus familiares chegados pode constituir uma ingerência no direito ao respeito da vida familiar tal como é protegido no artigo 8.o, n.o 1, desta convenção.

( 27 ) V., neste sentido, Acórdãos Ibrahim e o. (n.o 97) e de 23 de maio de 2019, Bilali (C‑720/17, EU:C:2019:448, n.o 54).

( 28 ) V. Conclusões do advogado‑geral P. Mengozzi no processo Ahmedbekova (C‑652/16, EU:C:2018:514, n.o 51) e do advogado‑geral J. Richard de la Tour no processo Bundesrepublik Deutschland (Preservação da unidade familiar) (C‑91/20, EU:C:2021:384, n.o 66).

( 29 ) V. Acórdão de 16 de julho de 2020, État belge (Reagrupamento familiar — Menor) (C‑133/19, C‑136/19 e C‑137/19, EU:C:2020:577, n.o 34 e jurisprudência referida).

( 30 ) A tomada em consideração do interesse superior da criança constitui, aliás, uma preocupação transversal de todos os instrumentos jurídicos que integram o regime de asilo comum europeu.

( 31 ) A Convenção sobre os Direitos da Criança, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas na sua Resolução 44/25 de 20 de novembro de 1989 e que entrou em vigor em 2 de setembro de 1990, que vincula cada um dos Estados‑Membros, também reconhece o princípio do respeito pela vida familiar. Esta Convenção baseia‑se no reconhecimento, expresso no seu sexto considerando, de que, para o desenvolvimento harmonioso da sua personalidade, a criança deve crescer num ambiente familiar. Assim, o artigo 9.o desta convenção prevê que os Estados Partes garantem que a criança não é separada dos seus pais contra a vontade destes (n.o 1) e respeitem os direitos da criança separada de um ou de ambos os seus progenitores manter regularmente relações pessoais e contactos diretos com ambos os progenitores, a menos que tal seja contrário ao superior interesse da criança (v., neste sentido, Acórdão de 27 de junho de 2006, Parlamento/Conselho, C‑540/03, EU:C:2006:429, n.o 57).

( 32 ) V., por analogia, Acórdão de 5 de outubro de 2010, McB. (C‑400/10 PPU, EU:C:2010:582, n.o 60 e jurisprudência referida).

( 33 ) V. Acórdão de 13 de março de 2019, E. (C‑635/17, EU:C:2019:192, n.o 54 e jurisprudência referida).

( 34 ) Complementarmente, ainda é possível referir o considerando 17 e o artigo 17.o, n.o 2, do Regulamento n.o 604/2013 dos quais resulta que os Estados‑Membros devem ter a possibilidade de afastar a aplicação dos critérios de responsabilidade, em especial por razões humanitárias e compassivas, a fim de permitir reunir membros da família, familiares ou outros parentes, e de analisar um pedido de proteção internacional que lhes seja apresentado, ou a outro Estado‑Membro, mesmo que tal análise não seja da sua responsabilidade nos termos dos critérios vinculativos previstos no presente regulamento.

( 35 ) V. Acórdão Ibrahim e o. (n.o 84).

( 36 ) V., por analogia, Acórdão de 16 de julho de 2020, Addis (C‑517/17, EU:C:2020:579, n.os 49 e 53).

( 37 ) V., por analogia, Acórdão de 24 de junho de 2015, T. (C‑373/13, EU:C:2015:413, n.o 68).

( 38 ) V., neste sentido, Acórdão de 4 de outubro de 2018, Ahmedbekova (C‑652/16, EU:C:2018:801, n.o 68).

( 39 ) Importa precisar que a reunião destes três requisitos pode revelar‑se insuficiente se a pessoa em questão estiver abrangida num dos casos de exclusão da concessão da proteção internacional previstos nos capítulos III e V da Diretiva 2011/95. De igual modo, o artigo 23.o, n.o 4, deste ato refere que os Estados‑Membros podem ainda recusar, reduzir ou retirar os benefícios referidos nos n.os 1 e 2 deste artigo por motivos de segurança nacional ou ordem pública.

( 40 ) A Diretiva 2011/95 não visa proteger os laços familiares criados posteriormente à entrada do requerente de asilo no Estado‑Membro de acolhimento. Distingue‑se, por isso, da Diretiva 2003/86 que se aplica igualmente às relações familiares constituídas após a chegada do requerente do reagrupamento ao território do Estado‑Membro em causa [v. artigo 2.o, alínea d), da Diretiva 2003/86].

( 41 ) C‑91/20, EU:C:2021:384, n.o 55.

( 42 ) Este segundo requisito constitui um novo elemento distintivo do regime relativo ao reagrupamento familiar instituído pela Diretiva 2003/86, uma vez que esta prevê, no artigo 5.o, n.o 3, que o pedido de reagrupamento deve ser apresentado, salvo derrogação, «quando os familiares residirem fora do território do Estado‑Membro em que reside o requerente do reagrupamento».

( 43 ) Por outras palavras, o membro da família em causa não pode beneficiar da proteção máxima, uma vez que não se encontra determinada a existência de um risco de perseguição ou de ameaças graves a seu respeito, mas é elegível, a fim de assegurar a preservação da unidade familiar com o beneficiário da proteção, para diversos benefícios que o colocam numa situação próxima da desse beneficiário.

( 44 ) V., neste sentido, Acórdão Ibrahim e o. (n.os 84 e 85).

( 45 ) Saliente‑se que, no n.o 39 das suas observações, a Comissão admitiu a inaplicabilidade do artigo 23.o, n.o 2, da Diretiva 2011/95 atendendo à qualidade de refugiado do recorrente no processo principal, o que é igualmente o caso do recorrido no processo principal. Pelo contrário, o Governo italiano alega (n.o 27 das observações) que, «embora não possa obter o estatuto de refugiado (pelo facto de o mesmo já lhe ter sido reconhecido noutro Estado‑Membro), o recorrente no processo principal poderá, em todo o caso, obter um título de residência no Estado no qual a sua filha menor obteve a proteção subsidiária», bem como os outros benefícios previstos no artigo 23.o, n.o 2, da Diretiva 2011/95. A procedência desta alegação, insuficientemente fundamentada, implicaria que se pudesse considerar que a concessão do estatuto de refugiado ao recorrente pode ser tida em conta pelas autoridades competentes belgas para, simultaneamente, declarar inadmissível o segundo pedido de proteção internacional com fundamento no artigo 33.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2013/32 e justificar a aplicação do artigo 23.o, n.o 2, da Diretiva 2011/95 pelo facto de não preencher os requisitos para obter esse estatuto, o que pode parecer intrinsecamente incoerente.

( 46 ) V. Acórdão de 12 de dezembro de 2019, Bevándorlási és Menekültügyi Hivatal (Reagrupamento familiar — Irmã de refugiado) (C‑519/18, EU:C:2019:1070, n.os 34 e 58).

( 47 ) Diretiva do Conselho, de 29 de abril de 2004, que estabelece normas mínimas relativas às condições a preencher por nacionais de países terceiros ou apátridas para poderem beneficiar do estatuto de refugiado ou de pessoa que, por outros motivos, necessite de proteção internacional, bem como relativas ao respetivo estatuto, e relativas ao conteúdo da proteção concedida (JO 2004, L 304, p. 12).

( 48 ) V. Acórdãos de 1 de março de 2016, Alo e Osso (C‑443/14 e C‑444/14, EU:C:2016:127, n.o 32), e de 13 de setembro de 2018, Ahmed (C‑369/17, EU:C:2018:713, n.o 42). Importa salientar que, no ano de 2011, por intermédio de um livro verde relativo ao reagrupamento familiar dos nacionais de países terceiros que vivem na União Europeia (Diretiva 2003/86/CE) [COM(2011) 735 final], a Comissão lançou um debate sobre a eventual reforma dessa diretiva. Um dos pontos objeto de discussão dizia precisamente respeito à questão da exclusão da proteção subsidiária do âmbito de aplicação da diretiva. Apesar do apoio de numerosas organizações internacionais, não se verificou qualquer reformulação desta diretiva que inclua os beneficiários da proteção subsidiária no seu âmbito de aplicação.

( 49 ) Foram suscitadas dúvidas quanto à compatibilidade da exclusão dos beneficiários da proteção subsidiária do regime previsto pela Diretiva 2003/86 com a CEDH pelo Comissário para os Direitos Humanos do Conselho da Europa («Concretizar o direito ao reagrupamento familiar dos refugiados na Europa», Documento de análise, 2017). Chamado a decidir sobre a conformidade com o artigo 8.o da CEDH da imposição de um prazo de espera de três anos para a atribuição do reagrupamento familiar aos beneficiários de um estatuto de proteção subsidiária ou temporária, o TEDH concluiu pela violação desta disposição no Acórdão de 9 de julho de 2021, M.A c. Dinamarca (CE:ECHR:2021:0709JUD000669718). Este tribunal sublinhou, no entanto, que a situação dos beneficiários de uma proteção subsidiária não é a mesma que a dos refugiados (§ 153) e que os Estados‑Membros gozam de uma vasta margem de apreciação no que respeita ao acesso ao reagrupamento familiar dos beneficiários de uma proteção subsidiária (§ 155). Assim, a distinção entre os dois estatutos de proteção não é posta em causa pelo TEDH.

( 50 ) V. Acórdãos de 7 de novembro de 2018, K e B (C‑380/17, EU:C:2018:877, n.o 33), e de 13 de março de 2019, E. (C‑635/17, EU:C:2019:192, n.o 34). Quanto às conclusões da doutrina no que respeita a uma interpretação restritiva da Diretiva 2003/86, v. Peers S., EU Justice and Home Affairs Law (Volume 1: EU Immigration and Asylum Law), 4.a ed., OUP, Oxford, 2016, p. 402.

( 51 ) O artigo 5, n.o 1, da Diretiva 2003/86 prevê que os Estados‑Membros determinam se cabe ao requerente do reagrupamento ou aos seus familiares apresentar o pedido de entrada e residência.

( 52 ) A situação afigura‑se especialmente complexa, uma vez que, segundo o recurso de cassação, vive com a sua filha menor, a sua companheira (refugiada síria), considerada família de acolhimento em casa de quem a sua filha foi colocada, o seu filho comum e os da sua companheira.

( 53 ) O TEDH reconhece que a vida familiar pode existir entre irmãos e precisou que nos processos relativos à colocação de menores deve ser evitada a separação dos irmãos, uma vez que pode ir contra o interesse superior da criança (TEDH, 18 de fevereiro de 1991, Moustaquim c. Bélgica, CE:ECHR:1991:0218JUD001231386, § 36, e 6 de abril de 2010, Mustafa e Armağan Akın c. Turquia, CE:ECHR:2010:0406JUD000469403, § 19).

( 54 ) A legislação austríaca que transpõe a Diretiva 2013/32 prevê que o pedido de asilo é indeferido por ser admissível caso tenha sido concedida proteção internacional por outro Estado‑Membro: § 4, alínea a), da Bundesgesetz über die Gewährung von Asyl (Asylgesetz 2005 — AsylG 2005), que pode ser consultada (em alemão) no seguinte endereço https://www.ris.bka.gv.at/GeltendeFassung.wxe?Abfrage=Bundesnormen&Gesetzesnummer=20004240

( 55 ) V. artigos 13.o e 15.o da Diretiva 2003/86. No Acórdão de 14 de março de 2019, Y. Z. e o. (Fraude no reagrupamento familiar) (C‑557/17, EU:C:2019:203, n.o 47), o Tribunal de Justiça declarou que resulta do objetivo da Diretiva 2003/86, nos termos do considerando 4, bem como de uma leitura de conjunto dessa diretiva, nomeadamente do seu artigo 13.o, n.o 3, e do seu artigo 16.o, n.o 3, que, enquanto os familiares em causa não tiverem adquirido um direito de residência autónomo com base no artigo 15.o da referida diretiva, o seu direito de residência é um direito derivado do direito do requerente do reagrupamento em causa, que se destina a promover a sua integração.

( 56 ) Os artigos 29.o, 30.o e 32.o da Diretiva 2011/95 estabelecem vários direitos e vantagens a favor dos beneficiários da proteção internacional que não são mencionados na Diretiva 2003/86 quanto aos familiares do requerente do reagrupamento, a saber, o acesso a segurança social, cuidados de saúde e alojamento. Estes têm direito à atividade profissional por conta própria ou por conta de outrem em aplicação do artigo 14.o da Diretiva 2003/86, mas os Estados‑Membros podem fixar um prazo de doze meses para autorizarem o exercício dessa atividade e limitar o acesso dos filhos solteiros maiores à mesma.

( 57 ) V. Acórdão de 13 de março de 2019, E. (C‑635/17, EU:C:2019:192, n.os 46 e 56).

( 58 ) COM(2014) 210 final, n.o 6.2, pp. 25 e 26.

( 59 ) Além disso, para enfrentar os desafios decorrentes da crise migratória de 2015, alguns Estados, como a República Federal da Alemanha e o Reino da Suécia, restringiram temporariamente a possibilidade de reunificação familiar aos beneficiários da proteção subsidiária [Relatório da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho sobre a aplicação da Diretiva 2003/86/CE relativa ao direito ao reagrupamento familiar, de 29 de março de 2019, COM(2019) 162 final, p. 4; UNHCR «The “Essential Right” to Family Unity of Refugees and Others in Need of International Proteção in the Context of Family Reunification», pp. 142 a 145, e «Réaliser le droit au regroupement familial des réfugiés en Europe», documento de análise publicado pelo Comissariado para os Direitos Humanos do Conselho da Europa, 2017, pp. 32 a 34].

( 60 ) Por conseguinte, o recorrente no processo principal encontra‑se no território de um Estado‑Membro, sem, aparentemente, preencher as condições de entrada, permanência ou residência no mesmo e está, por esse simples facto, em situação irregular, mesmo que disponha de uma autorização de residência válida noutro Estado‑Membro com o fundamento de que este último lhe reconheceu o estatuto de refugiado. Nestas circunstâncias, deve regressar imediatamente ao território desse Estado, por força do artigo 6.o, n.o 2, da Diretiva 2008/115/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa a normas e procedimentos comuns aos Estados‑Membros para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular (JO 2008, L 348, p. 98), e pode, eventualmente, ser objeto de uma medida de transferência forçada para este, nos termos da regulamentação nacional do Estado em que reside [Acórdão de 24 de fevereiro de 2021, M e o. (Transferência para um Estado‑Membro), C‑673/19, EU:C:2021:127, n.os 30, 33, 45 a 48].

( 61 ) V. Acórdãos de 9 de novembro de 2010, B e D (C‑57/09 e C‑101/09, EU:C:2010:661, n.os 116 a 118), e de 23 de maio de 2019, Bilali (C‑720/17, EU:C:2019:448, n.o 61).

( 62 ) Efetivamente, é provável que, na prática, o facto de beneficiar desse estatuto seja suscetível de prevenir a apresentação de um pedido de proteção internacional no Estado‑Membro de acolhimento da família ou levar à retirada da mesma.

( 63 ) Desde o ano de 2016, o recorrente no processo principal reside na Bélgica e coabita com a sua filha menor. Esta situação caracteriza incontestavelmente a existência de uma «vida familiar», tal como exigida pelo TEDH na sua jurisprudência relativa ao artigo 8.o da CEDH, observando‑se que o referido conceito pode englobar a relação entre um filho legítimo ou natural e o seu pai, independentemente da presença ou não da mãe no lar, e que a proteção que esta disposição garante se estende a todos os membros da família (TEDH, 3 de outubro de 2014, Jeunesse c. Países Baixos, CE:ECHR:2014:1003JUD001273810, § 117).

( 64 ) TEDH, 3 de outubro de 2014, Jeunesse c. Países Baixos (CE:ECHR:2014:1003JUD001273810, § 109 e 118).

( 65 ) Além disso, resulta do considerando 16 e do artigo 16.o do Regulamento n.o 604/2013 que, a fim de garantir o pleno respeito pelo princípio da unidade da família e o interesse superior da criança, a existência de uma relação de dependência entre o requerente de proteção internacional e alguns familiares constitui um critério de responsabilidade vinculativo.

( 66 ) V., neste sentido, Acórdão de 8 de maio de 2018, K.A. e o. (Reagrupamento familiar na Bélgica) (C‑82/16, EU:C:2018:308, n.o 52).

( 67 ) V., neste sentido, Acórdão de 13 de março de 2019, E. (C‑635/17, EU:C:2019:192, n.o 59).

( 68 ) Resulta do Acórdão de 14 de março de 2019, Y. Z. e o. (Fraude no reagrupamento familiar) (C‑557/17, EU:C:2019:203, n.o 54), que podem ser tomados em consideração o período de residência da criança e o do seu progenitor no Estado‑Membro de acolhimento, a idade com que esta chegou a esse Estado‑Membro e a eventual circunstância de aí ter sido criada e educada, bem como a existência de laços familiares, económicos, culturais e sociais do filho e do pai com e no referido Estado‑Membro.

( 69 ) V., por analogia, Acórdão de 8 de maio de 2018, K.A. e o. (Reagrupamento familiar na Bélgica) (C‑82/16, EU:C:2018:308, n.os 71 a 73).

( 70 ) V. Acórdão de 29 de julho de 2019, Torubarov (C‑556/17, EU:C:2019:626, n.os 48 e 49).

( 71 ) Nos termos do artigo 32.o da Diretiva 2013/32, sem prejuízo do seu artigo 27.o relativo à retirada do pedido, os Estados‑Membros só podem considerar um pedido como sendo infundado se o órgão de decisão verificar que o requerente não preenche as condições para beneficiar do estatuto de proteção internacional nos termos da Diretiva 2011/95/UE. O pedido pode mesmo ser indeferido como sendo manifestamente infundado, nos termos das disposições conjugadas do artigo 31.o, n.o 8, alínea b), e do artigo 32.o, n.o 2, da Diretiva 2013/32, se a situação prevista estiver definida no direito interno, como no caso de um pedido de proteção internacional ser apresentado pelo nacional de um país de origem seguro.

( 72 ) A este respeito, não considero pertinentes as observações do Governo belga (n.os 36, 37, 56, 58 e 61) segundo as quais o reconhecimento do estatuto de proteção internacional é reservado apenas às pessoas que preenchem os respetivos requisitos, o que não acontece com os nacionais de um país terceiro, como o recorrente no processo principal, que já tenham esse estatuto concedido num Estado‑Membro, que o protege contra qualquer espécie de perseguição ou ofensa grave.

( 73 ) V. Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Comissão/Hungria (Acolhimento dos requerentes de proteção internacional) (C‑808/18, EU:C:2020:1029, n.o 97).

( 74 ) V. Acórdão de 14 de maio de 2019, M e o. (Revogação do estatuto de refugiado) (C‑391/16, C‑77/17 e C‑78/17, EU:C:2019:403, n.o 89).

( 75 ) V., neste sentido, Acórdão de 23 de maio de 2019, Bilali (C‑720/17, EU:C:2019:448, n.o 36).

( 76 ) V. Acórdão de 4 de outubro de 2018, Ahmedbekova (C‑652/16, EU:C:2018:801, n.o 68). Neste acórdão, o Tribunal de Justiça precisou efetivamente que o artigo 3.o da Diretiva 2011/95 permite a um Estado‑Membro, em caso de concessão de proteção internacional a um membro de uma família, a extensão, em certas condições, do benefício dessa proteção a outros membros da mesma família. Decidiu também que embora um pedido de proteção internacional possa não ser acolhido, enquanto tal, com o fundamento de que um membro da família do requerente tem um receio fundado de perseguição ou corre um risco real de ofensas graves, importa, em contrapartida, tomar em consideração essas ameaças que recaem sobre um membro da família do requerente para determinar se o próprio requerente, devido à sua relação familiar com essa pessoa ameaçada, está exposto a ameaças de perseguição ou a ofensas graves.

( 77 ) V. Acórdão de 14 de maio de 2019, M e o. (Revogação do estatuto de refugiado) (C‑391/16, C‑77/17 e C‑78/17, EU:C:2019:403, n.o 79).

( 78 ) V. Acórdão de 25 de julho de 2018, A (C‑404/17, EU:C:2018:588, n.o 30).

( 79 ) V. Acórdão Ibrahim e o. e Despacho de 13 de novembro de 2019, Hamed e Omar (C‑540/17 e C‑541/17, não publicado, EU:C:2019:964).

( 80 ) Guia e princípios orientadores relativos aos procedimentos e critérios a aplicar para determinar o estatuto dos refugiados nos termos da Convenção de 1951 e do Protocolo de 1967 relativos ao estatuto dos refugiados, dezembro de 2011, HCR/1P/4/FRE/REV. 3, n.o 116.

( 81 ) Conclusões do advogado‑geral J. Richard de la Tour no processo Bundesrepublik Deutschland (Preservação da unidade familiar) (C‑91/20, EU:C:2021:384, n.o 108).