CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MICHAL BOBEK

apresentadas em 6 de outubro de 2021 ( 1 )

Processo C‑348/20 P

Nord Stream 2 AG

contra

Parlamento Europeu

Conselho da União Europeia

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Energia — Mercado interno do gás natural — Diretiva (UE) 2019/692 — Aplicação da Diretiva 2009/73/CE às condutas de gás com destino ou proveniência de países terceiros — Artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE — Legitimidade ativa de um particular — Afetação direta — Afetação individual — Regras relativas à apresentação de prova nos órgãos jurisdicionais da União — Admissibilidade de documentos internos das instituições da União»

I. Introdução

1.

A Nord Stream 2 AG (a seguir «recorrente») impugna o despacho do Tribunal Geral ( 2 ) que julgou inadmissível o seu recurso interposto com base no artigo 263.o TFUE, e que tem por objeto a anulação da Diretiva (UE) 2019/692 do Parlamento Europeu e do Conselho de 17 de abril de 2019 que altera a Diretiva 2009/73/CE que estabelece regras comuns para o mercado interno do gás natural (a seguir «medida controvertida») ( 3 ). A medida controvertida visa garantir que as regras aplicáveis às condutas de transporte de gás que ligam dois ou mais Estados‑Membros sejam igualmente aplicáveis, na União, aos gasodutos com início e término em países terceiros ( 4 ). Nesse despacho, o Tribunal Geral ordenou também que alguns documentos apresentados pela recorrente no decurso do processo fossem removidos dos autos.

2.

O presente recurso suscita duas questões importantes e distintas de ordem processual. Em primeiro lugar, pode uma diretiva dizer diretamente respeito a um particular, na aceção do artigo 263.o TFUE? Em segundo lugar, que considerações devem orientar a apreciação da admissibilidade das provas documentais apresentadas pelas partes no âmbito de processos nos órgãos jurisdicionais da União, em especial a admissibilidade de documentos internos das instituições da União?

II. Quadro factual e jurídico

3.

O quadro factual e jurídico do presente processo pode ser resumido do seguinte modo.

4.

Em conformidade com o seu artigo 1.o, a Diretiva 2009/73/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, que estabelece regras comuns para o mercado interno do gás natural e que revoga a Diretiva 2003/55/CE (a seguir «Diretiva Gás») ( 5 ) estabelece regras comuns para o transporte, distribuição, comercialização e armazenamento de gás natural. Define as normas relativas à organização e ao funcionamento do setor do gás natural e ao acesso ao mercado, bem como os critérios e mecanismos aplicáveis à concessão de autorizações de transporte, distribuição, comercialização e armazenamento de gás natural e à exploração das redes.

5.

A fim de eliminar quaisquer conflitos de interesses entre produtores, fornecedores e operadores das redes de transporte, bem como criar incentivos aos investimentos necessários e também de garantir a entrada de novos operadores no mercado dentro de um quadro regulamentar transparente e eficiente, a Diretiva Gás prevê a separação entre as redes e as atividades de produção e de comercialização ( 6 ). Em especial, o artigo 9.o da mesma diretiva prevê uma obrigação de separação entre as redes de transporte e os operadores das redes de transporte ( 7 ). Além disso, a Diretiva Gás também prevê a introdução de um sistema de acesso não discriminatório de terceiros às redes de transporte e distribuição de gás baseado em tarifas publicadas (artigo 32.o), a ser aprovado pelas entidades reguladoras nacionais (artigo 41.o).

6.

Nos termos do artigo 36.o da Diretiva Gás, as novas infraestruturas importantes do setor do gás, incluindo as interligações, podem, apresentando pedido nesse sentido e em determinadas condições, beneficiar de derrogações, por um período definido, de algumas das obrigações previstas na referida diretiva. Para beneficiar dessas derrogações deve, designadamente, ficar demonstrado que o investimento irá promover a concorrência no fornecimento de gás, bem como aumentar a segurança do abastecimento e que o nível de risco associado ao investimento é de ordem tal que não haveria investimento se uma derrogação não fosse concedida.

7.

A recorrente é uma sociedade constituída em conformidade com o direito suíço cujo único acionista é a sociedade anónima russa de direito público Gazprom. É responsável pela planificação, construção e exploração do gasoduto Nord Stream 2. A construção deste gasoduto teve início em 2018 e, à data da interposição do recurso no presente processo, ainda não estava concluída. À semelhança do gasoduto «Nord Stream» (que passou a ser comummente designado por «Nord Stream 1»), cuja construção terminou em 2012, o gasoduto «Nord Stream 2» é composto por duas condutas de transporte de gás destinadas a garantir o fluxo do gás entre Vyborg (Rússia) e Lubmin (Alemanha).

8.

Em 17 de abril de 2019, agindo por proposta da Comissão Europeia de 8 de novembro de 2017, o Parlamento Europeu e o Conselho da União Europeia adotaram a medida controvertida.

9.

Nos termos do considerando 3 da medida controvertida, a [Diretiva 2019/692] procura eliminar os obstáculos à plena realização do mercado interno do gás natural resultantes da não aplicação, até então, das regras de mercado da União aos gasodutos com início e término em países terceiros.

10.

A este respeito, o artigo 2.o, n.o 17, da Diretiva Gás, conforme alterado pela medida controvertida, prevê que o conceito de «interligação» abrange não apenas «[qualquer] conduta de transporte que atravessa ou transpõe uma fronteira entre Estados‑Membros com a finalidade de ligar as redes de transporte nacionais desses Estados‑Membros», mas também, doravante, «[qualquer] conduta de transporte entre um Estado‑Membro e um país terceiro até ao território dos Estados‑Membros ou ao mar territorial desse Estado‑Membro».

11.

Nos termos do artigo 49.o‑A, n.o 1, da Diretiva Gás, conforme aditado pela medida controvertida, no que se refere aos gasodutos entre um Estado‑Membro e um país terceiro concluídos antes de 23 de maio de 2019, o Estado‑Membro em que estiver localizado o primeiro ponto de ligação de uma conduta de transporte desse tipo com a rede desse Estado‑Membro pode, sob certas condições, decidir derrogar ao disposto em determinadas disposições da Diretiva Gás no que diz respeito às secções desses gasodutos situadas no seu território ou mar territorial. As derrogações desse tipo estão limitadas a um período máximo de 20 anos, sendo tal período, no entanto, renovável.

12.

No que respeita à implementação das alterações que a medida controvertida introduziu na Diretiva Gás, o artigo 2.o dessa medida determina que, salvo algumas exceções, os Estados‑Membros ponham em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à referida diretiva até 24 de fevereiro de 2020, «sem prejuízo das eventuais derrogações nos termos do artigo 49.o‑A da Diretiva 2009/73».

III. Tramitação do processo no Tribunal Geral e despacho recorrido

13.

Por petição que deu entrada em 26 de julho de 2019, a recorrente interpôs um recurso de anulação da medida controvertida, nos termos do artigo 263.o TFUE.

14.

Na sua petição, a recorrente alegou que os objetivos declarados da medida controvertida, designadamente, alargar a aplicação das disposições da Diretiva Gás aos gasodutos de importação offshore a fim de melhorar o funcionamento do mercado interno, permitindo simultaneamente uma derrogação com o intuito de proteger os investimentos existentes, não coincidem com o que a medida efetivamente pretende. Segundo a recorrente, a medida controvertida foi adotada para desencorajar e colocar em situação de desvantagem a exploração do gasoduto Nord Stream 2. Como tal, a legalidade dessa medida estava, no entender da recorrente, viciada por violação dos princípios da não discriminação, da proporcionalidade e da segurança jurídica, e por violação dos requisitos processuais essenciais, abuso de poder e falta de fundamentação.

15.

Em 10 e 11 de outubro de 2019, respetivamente, o Parlamento e o Conselho suscitaram, cada um, uma exceção de inadmissibilidade do recurso. Em 29 de novembro de 2019, a recorrente apresentou as suas observações sobre as exceções de inadmissibilidade, pedindo ao Tribunal Geral que reservasse para final a sua apreciação ou, a título subsidiário, julgar improcedentes as exceções de inadmissibilidade suscitadas.

16.

Em 11 de outubro de 2019, o Conselho pediu ao Tribunal Geral, nos termos do artigo 130.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral (a seguir «pedido de decisão sobre um incidente processual»), que: i) ordene que determinados documentos não façam parte do processo judicial ou, tratando‑se dos três documentos apresentados pela recorrente, que sejam desentranhados dos referidos autos; e ii) que ignore todas as passagens da petição e dos seus anexos que fazem referência a esses documentos do Conselho classificados como «Restreint UE/EU Restricted», que descrevem o seu conteúdo ou os invocam. Os três documentos apresentados pela recorrente, que o Conselho pediu que fossem desentranhados, eram, em primeiro lugar, um Parecer do Serviço Jurídico do Conselho de 27 de setembro de 2017 ( 8 ) (a seguir «parecer do Serviço Jurídico» ou «Anexo A.14»), em segundo lugar, a Recomendação de Decisão do Conselho, apresentada pela Comissão em 9 de junho de 2017, que autoriza a abertura de negociações com vista à celebração de um acordo entre a União Europeia e a Federação da Rússia relativo à exploração do gasoduto Nord Stream 2 (a seguir «Recomendação» ou «Anexo O.20»), e em terceiro lugar, as Diretrizes de negociação de 12 de junho de 2017, anexas à Recomendação (a seguir «Diretrizes de negociação»).

17.

Em 4 de novembro de 2019, a recorrente apresentou as suas observações sobre o incidente processual suscitado, nas quais pediu que o Tribunal Geral o indeferisse.

18.

Em 29 de novembro de 2019, a recorrente pediu ainda ao Tribunal Geral, ao abrigo do artigo 88.o do Regulamento de Processo, a adoção de uma medida de organização do processo ou, eventualmente, uma diligência de instrução, que consistisse em solicitar aos recorridos a apresentação de determinados documentos na posse do Conselho (a seguir «pedido de medida de organização do processo»). O referido pedido tinha por objeto a apresentação de versões não expurgadas desses documentos uma vez que a versão expurgada já tinha sido disponibilizada pelo Conselho, na sequência de um pedido de acesso a documentos ao abrigo do Regulamento (CE) n.o 1049/2001 ( 9 ) formulado por um empregado da recorrente. A esse respeito, a recorrente anexou ao seu pedido duas versões não expurgadas dos referidos documentos previamente obtidos: alguns comentários do Governo alemão à proposta para a medida controvertida (a seguir «documentos alemães não expurgados» ou «Anexos M.26 e M.30»).

19.

Em 17 de janeiro de 2020, o Parlamento e o Conselho apresentaram as suas observações sobre o pedido de medida de organização do processo. O Conselho pediu, nomeadamente, que os anexos M.26 e M.30 fossem desentranhados dos autos.

20.

Em 20 de maio de 2020, o Tribunal Geral proferiu o despacho recorrido cujo dispositivo tem a seguinte redação:

«1)

Os documentos apresentados pela Nord Stream 2 AG como anexos A.14 e O.20 são desentranhados dos autos e as passagens da petição e dos anexos que reproduzem extratos desses documentos não devem ser tidas em conta.

2)

O incidente suscitado pelo Conselho da União Europeia é julgado improcedente quanto ao demais.

3)

Os documentos apresentados pela Nord Stream 2 como anexos M.26 e M.30 são desentranhados dos autos.

4)

O recurso é julgado inadmissível.

5)

Não há que conhecer dos pedidos de intervenção apresentados pela República da Estónia, pela República da Letónia, pela República da Lituânia, pela República da Polónia e pela Comissão Europeia.

6)

A Nord Stream 2 é condenada nas despesas do Parlamento Europeu e do Conselho, com exceção das correspondentes aos pedidos de intervenção.

7)

A Nord Stream 2, o Parlamento e o Conselho, a República da Estónia, a República da Letónia, a República da Lituânia, a República da Polónia e a Comissão suportarão as suas próprias despesas relativas aos pedidos de intervenção.»

IV. Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

21.

No âmbito do presente recurso, interposto em 28 de julho de 2020, a recorrente pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

anular o despacho recorrido, designadamente os n.os 1, 3, 4 e 6 do dispositivo;

na medida em que o Tribunal de Justiça considere que a fase do processo o permite, julgar improcedente a exceção de inadmissibilidade, declarar o recurso admissível e remeter o processo ao Tribunal Geral para decidir sobre o mérito da causa, ou, a título subsidiário, declarar que a medida controvertida afeta diretamente a recorrente e remeter o processo ao Tribunal Geral para decidir sobre a afetação individual ou acrescentar esta questão ao mérito da causa; e

condenar o Conselho e o Parlamento no pagamento das despesas da recorrente, incluindo as despesas do processo no Tribunal Geral.

22.

Por sua vez, o Conselho e o Parlamento (a seguir «recorridos») pedem ao Tribunal de Justiça que negue provimento ao recurso e condene a recorrente nas despesas.

23.

Tendo sido admitidos a intervir em apoio dos pedidos dos recorridos, os Governos da Estónia, da Letónia e da Polónia (a seguir «intervenientes») apresentaram as suas observações. A recorrente respondeu a estas observações.

24.

Em 25 de janeiro de 2021, a recorrente apresentou uma réplica, e, em 5 de março de 2021, e os recorridos a apresentaram uma tréplica.

25.

Em 16 de julho de 2021, em cumprimento de uma medida de organização do processo adotada pelo juiz‑relator e pelo advogado‑geral nos termos do artigo 62.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a recorrente submeteu ao Tribunal de Justiça os documentos que tinha anteriormente apresentado ao Tribunal Geral como anexos A.14, O.20, M.26 e M.30 (a seguir «anexos controvertidos»).

V. Apreciação

26.

A recorrente invoca dois fundamentos de recurso. O primeiro fundamento contesta as conclusões do Tribunal Geral quanto à inexistência de afetação direta. O segundo fundamento diz respeito à decisão do Tribunal Geral relativa aos documentos desentranhados dos autos.

27.

Nas presentes conclusões, debruçar‑me‑ei sobre cada um dos dois fundamentos de recurso na ordem em que foram formulados pela recorrente. Por conseguinte, num primeiro momento, examinarei as conclusões do Tribunal Geral quanto à questão de saber se a medida controvertida dizia diretamente respeito à recorrente (A). Num segundo momento, irei apreciar a decisão do Tribunal Geral relativa a determinados documentos e informações apresentados pela recorrente (B).

A.   Quanto ao primeiro fundamento de recurso: afetação direta

28.

Com o seu primeiro fundamento de recurso, que visa os n.os 102 a 124 do despacho recorrido, a recorrente alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao interpretar e aplicar o requisito relativo à afetação direta e, consequentemente, ao concluir que a recorrente não tinha legitimidade ativa para contestar a medida controvertida. O primeiro fundamento divide‑se em duas partes.

1. Argumentação das partes

29.

Na primeira parte do seu primeiro fundamento, a recorrente alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao basear‑se principalmente no facto de a medida controvertida ser uma diretiva a fim de concluir que não afetou diretamente a sua situação [jurídica]. Segundo a recorrente, resulta de jurisprudência constante que o que importa para efeitos do artigo 263.o TFUE é o conteúdo da medida e não a sua forma. A este respeito, a recorrente menciona vários processos em que os tribunais da União julgaram admissíveis recursos de anulação de diretivas.

30.

Na segunda parte do seu primeiro fundamento, a recorrente critica o Tribunal Geral por ter considerado que a medida controvertida deixou às autoridades nacionais uma margem de apreciação na aplicação das suas disposições no que respeita: i) às obrigações de separação previstas no artigo 9.o da Diretiva Gás, ii) ao regime de derrogações constante do artigo 36.o da Diretiva Gás e iii) ao regime de derrogações estabelecido no artigo 49.o‑A da Diretiva Gás. Segundo a recorrente, o Tribunal Geral não considerou se a medida controvertida atribuía aos Estados‑Membros um verdadeiro poder discricionário a este respeito. Por último, a recorrente alega que o Tribunal Geral se absteve de apreciar se as disposições relativas ao acesso de terceiros (artigo 32.o da Diretiva Gás) e à regulamentação das tarifas (artigo 41.o da Diretiva Gás) afetam a sua posição legal.

31.

Por seu turno, os recorridos, apoiados por todos os intervenientes, defendem o raciocínio seguido pelo Tribunal Geral no sentido de excluir a afetação direta. Em especial, essas partes sublinham que uma diretiva só pode, por definição, produzir efeitos jurídicos em relação a particulares se for transposta para o direito nacional. As mesmas partes sustentam ainda que as disposições específicas da medida controvertida invocadas pela recorrente não podiam afetar diretamente a sociedade, uma vez que, para se tornarem aplicáveis, exigiam a adoção de medidas de execução a nível nacional.

2. Análise

32.

Ao abrigo do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, um recurso interposto por uma pessoa singular ou coletiva contra os atos de que não seja destinatária é admissível em duas situações. Assim, essa pessoa pode interpor recurso contra os atos que lhe digam direta e individualmente respeito, bem como contra os atos regulamentares que não necessitem de medidas de execução, se tais atos lhe disserem diretamente respeito.

33.

É pacífico entre as partes que a medida controvertida não é um «ato regulamentar» na aceção do artigo 263.o TFUE, mas sim um ato legislativo ( 10 ). A legitimidade da recorrente deve, portanto, ser examinada à luz do primeiro cenário referido no número anterior: o recurso interposto pela recorrente no Tribunal Geral é admissível se a medida controvertida disser direta e individualmente respeito à sociedade em causa. Uma vez que o Tribunal Geral concluiu que a recorrente não era diretamente afetada, não procedeu à análise da questão da afetação individual.

34.

Nas secções que se seguem, explicarei, antes de mais, as razões pelas quais considero que a fundamentação invocada no despacho recorrido é pouco convincente. Tal fundamentação pode ser dividida em dois tipos: temos, por um lado, uma fundamentação de natureza sistémica, mais abstrata e teórica (a), e por outro uma relacionada com a situação específica da recorrente (b). A seguir, explicarei de que forma o Tribunal Geral descurou determinados argumentos apresentados pela recorrente (c). Concluo do exposto que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito na interpretação e aplicação do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE à situação em causa.

a) A medida controvertida é uma diretiva e, portanto, não pode ser objeto de recurso interposto por um particular

35.

A primeira fundamentação do Tribunal Geral prende‑se com considerações de natureza sistémica: a medida controvertida não pode dizer diretamente respeito à recorrente por se tratar de uma diretiva.

36.

As passagens relevantes do despacho recorrido têm o seguinte teor: uma diretiva «não pode, por si só, criar obrigações para um particular e não pode, portanto, ser invocada, enquanto tal, pelas autoridades nacionais contra os operadores na falta de medidas de transposição da referida diretiva previamente adotadas por essas autoridades. […] Assim, independentemente da questão de saber se são claras e suficientemente precisas, as disposições da diretiva impugnada não podem, antes da adoção das medidas estatais de transposição e independentemente delas, ser uma fonte direta ou imediata de obrigações para a recorrente suscetível de, a esse título, afetar diretamente a sua posição legal, na aceção do quarto parágrafo do artigo 263.o TFUE […] [Além disso], a diretiva impugnada, enquanto tal e após a sua entrada em vigor, não produz efeitos imediatos e concretos na posição legal dos operadores, como a recorrente, e também nunca antes do termo do prazo [de] transposição previsto no seu artigo 2.o, n.o 1» ( 11 ).

37.

Considero ser errado o raciocínio do Tribunal Geral a este respeito.

38.

Antes de mais, as afirmações do Tribunal Geral são dificilmente conciliáveis com a jurisprudência recordada anteriormente no despacho recorrido, segundo a qual o simples facto de um particular interpor um recurso de anulação de uma diretiva não basta para declarar esse recurso inadmissível. O Tribunal Geral acrescentou que um recurso é, assim, admissível se a diretiva disser direta e individualmente respeito à recorrente ou se constituir um ato regulamentar que lhe diga diretamente respeito e não necessite de medidas de execução ( 12 ).

39.

Concordo com estes princípios. No entanto, contradizem as afirmações do Tribunal Geral, reproduzidas no n.o 36, supra. Com efeito, tais afirmações do órgão jurisdicional de primeira instância resultariam na exclusão da legitimidade dos particulares para impugnar qualquer diretiva. No que diz respeito a este tipo de atos, a afetação direta nunca poderia ser demonstrada, uma vez que, por definição, todas as diretivas i) exigem alguma medida de transposição, ii) antes da transposição não podem impor obrigações aos particulares e contra eles serem invocadas pelas autoridades nacionais ( 13 ).A última afirmação é a fortiori verdadeira antes de ter expirado o prazo de transposição da própria diretiva.

40.

Todavia, não creio que seja possível, no plano conceptual, equiparar realmente a afetação direta ao efeito direto. Embora os dois conceitos apresentem certas semelhanças, são, no entanto, ontologicamente diferentes e prosseguem objetivos diferentes. O quarto parágrafo do artigo 263.o TFUE não exige que o ato impugnado/controvertido tenha efeito direto, muito menos que possa ser invocado pelas autoridades contra particulares. Esta disposição apenas exige que tal ato «produz[a] efeitos jurídicos em relação a terceiros».

41.

Este último conceito é, no entanto, diferente e constitui, no geral, logicamente uma categoria muito mais ampla do que o efeito direto. Tal como consta da jurisprudência, «a condição segundo a qual uma pessoa singular ou coletiva deve ser diretamente afetada pela decisão objeto do recurso, tal como prevista no artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, requer a reunião de dois critérios cumulativos, a saber, que a medida impugnada, por um lado, produza diretamente efeitos na posição legal do particular e, por outro, não deixe nenhum poder de apreciação aos destinatários que estão encarregados da sua execução, uma vez que esta tem caráter puramente automático e decorre apenas da regulamentação da União, sem aplicação de outras regras intermédias ( 14 ).

42.

No caso em apreço, a medida controvertida é suscetível de produzir efeitos jurídicos ao alargar o âmbito de aplicação das regras da Diretiva Gás a situações e destinatários que até então não estavam sujeitas a essas regras. É igualmente evidente, em resultado dessa extensão, que a posição legal da recorrente se alterou: um detalhado regime normativo, que rege as suas atividades, passou a ser aplicável às suas atividades. O ponto crucial da questão é, na realidade, saber se essa alteração da posição da recorrente decorre diretamente da medida controvertida ou, pelo contrário, se só pode resultar da adoção de medidas de execução a nível nacional.

43.

A este respeito, a jurisprudência referida no n.o 41, supra, implica, essencialmente, que, para que se verifique a afetação direta, os efeitos jurídicos do ato impugnado devem ser produzidos pelo próprio ato, automaticamente, sem que a adoção subsequente de qualquer outra medida, quer pela União Europeia, quer pelos Estados‑Membros, seja necessária para esse efeito. Assim, o requisito da afetação direta está preenchido quando se possa estabelecer a existência de um nexo de causalidade direto entre o ato impugnado e a alteração da posição legal do recorrente. O requisito da afetação direta não está preenchido se existir qualquer intervenção adicional, por parte das instituições da União ou por parte das autoridades nacionais, que seja suscetível de quebrar esse nexo ( 15 ).

44.

É significativo que esta apreciação não possa ser feita de forma abstrata, baseando‑se apenas no tipo de ato impugnado. Exige um exame, em particular, do objeto, do conteúdo, do alcance, da substância do ato específico impugnado, assim como do contexto jurídico e factual no qual foi adotado ( 16 ). Conforme afirmou recentemente o advogado‑geral G. Hogan, ao analisar os efeitos de uma medida sobre a posição legal de uma pessoa singular ou coletiva, os tribunais da União adotaram uma «abordagem holística e pragmática, [que] favorece a substância em detrimento da forma» ( 17 ).

45.

Tais princípios são aplicáveis a qualquer ato da União suscetível de ser contestado por via de recurso nos órgãos jurisdicionais da União, qualquer que seja a sua forma e independentemente da designação que lhe seja atribuída ou do rótulo aposto. Como os tribunais da União tem afirmado sistematicamente, «[a] forma sob a qual os atos ou as decisões são adotados é, em princípio, indiferente» no que diz respeito à questão de saber se podem ser objeto de recurso de anulação ( 18 ). Com efeito, para determinar se um ato impugnado produz efeitos jurídicos vinculativos na aceção do artigo 263.o TFUE, «importa atender à substância desse ato e apreciar os referidos efeitos em função de critérios objetivos tais como o conteúdo desse mesmo ato, tendo em conta, se for caso disso, o contexto da adoção deste último, bem como os poderes da instituição que dele é autora» ( 19 ).

46.

Por conseguinte, o facto de a medida controvertida ser uma diretiva não exclui que pode ter efeito direto no que respeita à recorrente.

47.

É certo que, tendo em conta as especificidades deste tipo de legislação ao abrigo do artigo 288.o TFUE, será muito raro que uma determinada disposição de uma diretiva preencha, relativamente a um particular, o requisito da afetação direta. No entanto, muito raro não significa sistematicamente excluído, conforme o raciocínio do Tribunal Geral parece implicar. Se o dictum transversal do Tribunal de Justiça, segundo o qual a substância prevalece sobre a forma ( 20 ) deve ser respeitado, então o tipo de fonte do direito da União escolhido não pode, em abstrato e por si só, predeterminar a natureza da sua substância. Deveras, a jurisprudência assente confirmou que não pode ser excluída a possibilidade de algumas disposições de uma diretiva dizerem diretamente respeito a um determinado particular ( 21 ).

48.

A este respeito, é indiferente que certos efeitos da medida controvertida não tenham sido desencadeados no momento em que a recorrente interpôs o recurso, uma vez que o prazo para a sua transposição ainda corria. Segundo a jurisprudência, o facto de os efeitos de um ato se produzirem apenas numa data ulterior determinada nesse mesmo ato não impede que um particular possa ser diretamente afetado por uma obrigação que decorra desse ato ( 22 ).

49.

Afinal, se se seguisse o raciocínio do Tribunal Geral a este respeito, quase nenhuma diretiva poderia ser objeto de recurso nos órgãos jurisdicionais da União. O prazo de transposição concedido aos Estados‑Membros é quase sempre superior ao prazo de dois meses para a instauração do processo previsto no artigo 263.o, sexto parágrafo, TFUE ( 23 ). A abordagem do Tribunal Geral é, com efeito, infirmada por várias decisões dos órgãos jurisdicionais da União, em que recursos que visavam uma diretiva foram considerados admissíveis, apesar de terem sido interpostos antes do termo do prazo para a sua transposição ( 24 ).

50.

Por último, impõem‑se algumas observações finais relativas às afirmações constantes dos n.os 108 e 109 do despacho recorrido.

51.

Por um lado, o Tribunal Geral concluiu que os efeitos jurídicos alegados pela recorrente são insuficientes para demonstrar a afetação direta. São «apenas […] a consequência da […] escolha [da recorrente] de [desenvolver] e [manter] a sua atividade no território da União». No entanto, não compreendo por que razão uma sociedade não deveria poder impugnar uma medida da União que afeta a sua posição, pelo simples facto de, em teoria, ser suscetível de se deslocar para um país fora da União, escapando assim à aplicação das regras do mercado interno. O artigo 263.o do TFUE exige que o ato produza efeitos jurídicos e não efeitos jurídicos «inevitáveis».

52.

Designadamente, a afirmação do Tribunal Geral dificilmente pode ser conciliada com o direito à ação que o artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta») garante a «toda a pessoa» (e não apenas a pessoas singulares e coletivas que sejam «forçadas» a permanecer na União), bem como com a liberdade de empresa e o direito de propriedade reconhecidos, respetivamente, nos artigos 16.o e 17.o da Carta. Se levarmos o raciocínio do Tribunal Geral ao extremo, praticamente nenhuma sociedade poderia impugnar um ato da União: as sociedades podem sempre, em princípio, deslocar‑se para fora da União Europeia.

53.

A jurisprudência invocada pelo Tribunal Geral a este respeito não se afigura pertinente. O acórdão referido — Air Transport Association of America e o. — não incide sobre uma questão processual como a suscitada no presente processo (a admissibilidade de um recurso de anulação por parte de um particular), mas antes sobre uma questão de mérito (a capacidade da União para adotar medidas que algumas sociedades consideraram ter certos efeitos extraterritoriais) ( 25 ). Talvez mais importante ainda, juízos tribunais da União deixaram claro que a questão da existência de afetação direta não é excluída pelo facto de o impacto da posição jurídica da recorrente decorrente do ato da União em questão ser também um reflexo de determinadas escolhas feitas pelos operadores económicos em causa ( 26 ), ou que a recorrente poderia evitar as consequências decorrentes do ato da União impugnado tomando um rumo diferente de ação ( 27 ).

54.

Por outro lado, o Tribunal Geral afirmou, no n.o 109 do despacho recorrido, que «aceitar o ponto de vista da recorrente, de que a sua posição legal foi diretamente afetada pela entrada em vigor da diretiva impugnada, pois, se assim não fosse, a exploração [do seu gasoduto Nord Stream 2] teria escapado ao âmbito de aplicação material da Diretiva 2009/73, equivaleria a considerar que, sempre que a União legisla de novo num qualquer domínio submetendo os operadores a obrigações a que não estavam antes sujeitos, essa legislação, mesmo adotada sob a forma de diretiva e de acordo com o processo legislativo ordinário, afeta direta e necessariamente os operadores na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE». O Tribunal Geral acrescentou que tal posição seria contrária à redação do artigo 288.o TFUE, segundo o qual as diretivas exigem medidas nacionais de execução.

55.

Tendo já explicado por que razão, em princípio, nada obsta a que as diretivas possam ser objeto de recurso nos termos do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, não é necessário reiterar a minha argumentação a este respeito. Acrescento apenas que a posição do Tribunal Geral teria igualmente por consequência que a legitimidade dos recorrentes não privilegiados para pedir a anulação de um ato prejudicial ao abrigo do artigo 263.o TFUE poderia facilmente ser posta em causa pelas instituições da União, através da conveniência de adotar tal ato como uma «diretiva» ( 28 ).

56.

A sugestão do Tribunal Geral de que seria demasiado fácil para os recorrentes pessoas singulares impugnarem a legislação da União se se acolhesse o argumento da recorrente relativo à afetação direta pode, portanto, ser afastada ao recordar a diferença entre o conceito de «afetação direta» e o de «afetação individual». Estes dois requisitos, naturalmente cumulativos, desempenham um papel diferente no contexto do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE. A afetação direta visa verificar se a posição da recorrente é imediatamente afetada. A afetação individual visa determinar se a recorrente é afetada devido a circunstâncias específicas que a distinguem de qualquer outra pessoa que também possa ser afetada.

57.

É, portanto, a observância deste último critério — que, simplesmente, exige que a recorrente se encontre numa situação equivalente à de um destinatário da medida ( 29 ) — que exclui uma situação como a temida pelo Tribunal Geral. Com efeito, uma nova legislação (seja na forma de regulamento ou de diretiva) é suscetível de afetar vários operadores económicos. No entanto, apenas aqueles que respeitem a rigorosa «fórmula de Plaumann» ( 30 ) podem ser reconhecidos como tendo legitimidade nos termos do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE. O risco de criar uma ação popular contra a legislação da União, evocado pelo Tribunal Geral, é, assim, manifestamente infundado.

58.

Em suma, considero que a primeira parte do primeiro fundamento da recorrente é procedente. Todavia, esta conclusão, por si só, não é suficiente para anular o despacho recorrido. Com efeito, conforme foi referido supra, a conclusão do Tribunal Geral no que respeita à inexistência de afetação direta baseia‑se igualmente noutra fundamentação.

b) As autoridades dos Estados‑Membros dispunham uma margem de apreciação na transposição das disposições pertinentes da diretiva

59.

A segunda fundamentação invocada pelo Tribunal Geral para excluir a afetação direta está relacionada com a posição específica da recorrente e com o conteúdo das disposições jurídicas invocadas. Nos n.os 111 a 123 do despacho recorrido, o Tribunal Geral excluiu a afetação direta com o fundamento de que as disposições do ato impugnado, que a recorrente considerou afetarem a sua posição legal, exigiam medidas de execução a nível nacional.

60.

Nesta parte do seu raciocínio, o Tribunal Geral aplicou o requisito da afetação direta, não obstante as suas próprias reservas anteriores baseadas no facto de esse instrumento ser uma diretiva. No entanto, no que se refere a esta parte do despacho recorrido, mais uma vez não posso concordar com o Tribunal Geral.

61.

Importa recordar que o requisito relativo à desnecessidade de medidas de execução não significa que de qualquer ato de execução exclua imediata e necessariamente a afetação direta. Em especial, conforme foi corretamente salientado nos n.os 102 e 103 do despacho recorrido, considera‑se preenchido o requisito da afetação direta, nomeadamente quando, apesar de existirem medidas de execução, na realidade as autoridades não dispõem de uma verdadeira margem de apreciação quanto à forma como o ato principal da União deveria de ser implementado. Conforme afirmou o advogado‑geral M. Wathelet, a fim de excluir a afetação direta, «a margem de apreciação do autor do ato intermédio que aplica o ato da União não pode ser puramente formal. Deve ser a fonte da afetação jurídica do recorrente» ( 31 ).

62.

Existe uma vasta jurisprudência ilustrativa a este respeito. Por exemplo, a afetação direta foi declarada em circunstâncias em que o ato da União em questão regulava exaustivamente a forma como as autoridades nacionais eram obrigadas a tomar as suas decisões ( 32 ) ou o resultado a alcançar, independentemente do conteúdo dos mecanismos específicos postos em prática pelas autoridades nacionais para alcançar esse resultado ( 33 ); ou quando o papel das autoridades nacionais era extremamente secundário e de caráter burocrático ( 34 ) ou puramente mecânico; ( 35 ) ou quando os Estados‑Membros adotavam simples medidas acessórias adicionais ao ato da União em questão ( 36 ).

63.

Além disso, juízos tribunais da União também afirmaram que a questão de saber se um ato da União de que um recorrente não é destinatário lhe diz diretamente respeito deve ser apreciada «à luz do objeto de tal ato» ( 37 ). Isto significa que é irrelevante que o ato da União impugnado possa, na prática, produzir outros efeitos apenas após a adoção das medidas de execução, desde que os efeitos jurídicos invocados pela recorrente decorram direta e automaticamente desse ato ( 38 ).

64.

Considero que o Tribunal Geral captou bem a lógica subjacente a essa jurisprudência numa das suas decisões anteriores: «no caso de um ato [da União] ser dirigido a um Estado‑Membro por uma instituição, se a ação que deve empreender o Estado‑Membro na sequência desse ato tiver um caráter automático, ou se, de qualquer forma, o resultado não é duvidoso, então o ato diz diretamente respeito a toda e qualquer pessoa que seja afetada por essa ação. […] Por outras palavras, o ato em questão não deve depender, para produzir os seus efeitos, do exercício de um poder discricionário por terceiro, a menos que seja evidente que tal poder só pode exercer‑se num determinado sentido» ( 39 ).

65.

Mais uma vez, conforme anteriormente afirmado ( 40 ), a essência da abordagem é a prevalência da substância sobre a forma: se, na sequência da aprovação da medida da União e diretamente dela decorrente, o ato que será posteriormente adotado a nível nacional já é uma conclusão óbvia, seria bastante formalista sugerir que o particular deve, no entanto, ainda esperar semanas, meses ou mesmo anos para impugnar, nesta situação através de uma decisão prejudicial, o conteúdo da medida que já era anteriormente conhecido antes ( 41 ).

66.

É à luz destes princípios que a fundamentação apresentada nos n.os 111 a 123 do despacho recorrido deve ser reapreciada.

67.

Perante o Tribunal Geral, a recorrente alegou que a medida controvertida acarretaria três consequências apara a sua posição legal, ao tornar três disposições que lhe imporiam novas obrigações. Essas disposições diriam respeito a: i) separação, ii) acesso de terceiros e iii) regulamentação de tarifas. A recorrente alegou ainda que, embora a Diretiva Gás incluísse nos artigos 36.o e 49.o‑A a possibilidade de conceder, respetivamente, uma isenção e uma derrogação ( 42 ) à aplicação dessas regras, tais disposições não eram manifestamente aplicáveis à sua situação.

68.

A questão fundamental que se coloca é, portanto, a de saber se o Tribunal Geral teve razão em considerar que nenhum dos três tipos de efeitos jurídicos alegados pela recorrente decorre diretamente da medida controvertida.

69.

Em primeiro lugar, há que começar pela análise de um elemento que o Tribunal Geral abordou quase de passagem, mas que é, na minha opinião, bastante pertinente para os três aspetos suscitados pela recorrente. Nos n.os 119 a 123 do despacho recorrido, o Tribunal Geral considerou que, para determinar se a medida controvertida diz diretamente respeito à recorrente, era indiferente que não pudesse ser concedida a essa sociedade a isenção e/ou a derrogação constantes, respetivamente, dos artigos 36.o e 49.o‑A da Diretiva Gás. O Tribunal Geral salientou, em substância, que, mesmo que as disposições da medida controvertida não sejam aplicáveis à recorrente, essa sociedade poderia ainda assim ter pedido essa derrogação e consequentemente, impugnado a decisão ou as decisões negativas nos órgãos jurisdicionais nacionais, e, neste contexto, invocar a nulidade do ato da União, apresentando assim um processo de decisão prejudicial sobre a validade da medida controvertida.

70.

Tais afirmações parecem minimizar, de maneira bastante significativa, a importância geral das disposições relativas à concessão de derrogações.

71.

Logicamente, se a recorrente, que já tinha começado a construir a infraestrutura à qual se devia aplicar a nova legislação, pudesse ser excluída da aplicação do novo quadro jurídico por decisão discricionária das autoridades nacionais, deixaria de existir a possibilidade de a medida controvertida lhe dizer diretamente respeito. Com efeito, poderia então razoavelmente dar‑se o caso de ser concedida uma derrogação facultativa pelas autoridades nacionais competentes. Por conseguinte, a apreciação da eventual aplicabilidade dos artigos 36.o e 49.o‑A da Diretiva Gás à situação da recorrente é manifestamente importante no caso em apreço.

72.

As afirmações do Tribunal Geral a este respeito são, portanto, enigmáticas. Antes de mais, não são conciliáveis com a jurisprudência referida nos n.os 61 a 65 supra, segundo a qual o requisito da afetação direta é excluído pela existência de uma verdadeira margem de apreciação por parte das autoridades nacionais.

73.

Mais uma vez, de um ponto de vista mais estrutural, afigura‑se excessivo (bem como oneroso, dispendioso e moroso) obrigar uma sociedade a pedir que as autoridades nacionais se pronunciem quando a resposta só pode ser negativa, a fim de impugnar uma regra precisa e exaustiva inserida num ato da União. O «sistema completo de vias de recurso e de meios processuais» a que o Tribunal Geral se refere no n.o 120 do despacho recorrido não pode constituir uma extensa corrida de obstáculos para os recorrentes. Este sistema assenta numa repartição racional e constitucional das funções entre os órgãos jurisdicionais nacionais e os órgãos jurisdicionais da União. Com efeito, é a «paternidade» do ato que efetivamente afeta a recorrente que determina o órgão jurisdicional perante o qual deve dirigir‑se para impugnar esse ato.

74.

No caso em apreço, no que respeita aos artigos 36.o e 49.o‑A da Diretiva Gás, essa paternidade não pode deixar de ser atribuída ao legislador da União. Nenhuma das alternativas permitidas por essas disposições parece ser aplicável à recorrente. O legislador da União decidiu que i) a derrogação só se aplica aos gasodutos entre um Estado‑Membro e um país terceiro «concluídos antes de 23 de maio de 2019» e ii) a isenção só se aplica a grandes projetos de infraestruturas em relação aos quais nenhuma decisão definitiva de investimento foi adotada ( 43 ). Com efeito, no momento da adoção da medida controvertida (17 de abril de 2019), o gasoduto Nord Stream 2 tinha passado a fase de pré‑investimento ( 44 ), mas não ia estar concluído, muito menos operacional, antes de 23 de maio de 2019 ( 45 ).

75.

Por conseguinte, embora estas disposições confiram uma margem de manobra às autoridades nacionais para concederem futuramente uma derrogação a certos operadores, tal não é o caso no que diz respeito à recorrente. A este respeito, a (in)aplicabilidade dessas disposições é inteiramente predeterminada pela regulamentação da União, uma vez que as autoridades nacionais não têm margem de manobra e devem, portanto, atuar como longa manus da União. Neste sentido, recordo que a mera existência, em abstrato, de derrogações ou exceções às regras previstas num ato da União em nada pode alterar a situação de um recorrente se este não puder manifestamente invocar essas exceções ou derrogações ( 46 ).

76.

Em segundo lugar, uma vez que a recorrente não pode escapar à aplicação das regras da Diretiva Gás em razão de uma derrogação, importa verificar se as obrigações que esta diretiva agora impõe à recorrente decorrem da adoção da medida controvertida, ou antes, dos atos nacionais de execução dessa medida.

77.

A recorrente critica, em especial, a extensão, decorrente da medida controvertida, das obrigações de separação previstas no artigo 9.o da Diretiva Gás. O Tribunal Geral não contestou que, em princípio, a medida controvertida deu origem a essa extensão, ao alargar o âmbito da regra da plena separação da propriedade prevista no artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva Gás ( 47 ). No entanto, concluiu que a extensão não decorria da medida controvertida, uma vez que os Estados‑Membros estavam autorizados a fornecer duas alternativas à separação integral: o denominado modelo do «operador de rede independente» (ou «ISO») ( 48 ) e o modelo do «operador de rede de transporte independente» (ou «ITO») ( 49 ), previstos no artigo 9.o, n.os 8 e 9, da Diretiva Gás, respetivamente.

78.

A conclusão do Tribunal Geral de que, nos termos do artigo 9.o da Diretiva Gás, os Estados‑Membros dispõem de três opções para efetuar a separação é indubitavelmente correta. A própria recorrente o reconheceu ( 50 ). Todavia, esta conclusão não aborda o verdadeiro argumento apresentado pela recorrente.

79.

A recorrente não contestou apenas a plena separação da propriedade. A recorrente considera ilícitos tanto o resultado a alcançar ao abrigo do artigo 9.o da Diretiva Gás (a separação) como os três métodos para alcançar esse resultado (propriedade plena, ISO ou ITO).

80.

A este respeito, é pacífico que, independentemente da opção finalmente adotada pelas autoridades nacionais, a posição legal da recorrente será inevitavelmente alterada. Com efeito, a recorrente terá de: i) vender a totalidade do gasoduto Nord Stream 2, ii) vender a parte do gasoduto sob jurisdição alemã ou iii) transferir a propriedade do gasoduto para uma filial distinta. Independentemente das diferenças entre estes três modelos, cada um exige uma transferência de propriedade e/ou da exploração do gasoduto ou de uma parte deste, com a consequente necessidade de obrigar deste modo a recorrente a alterar a sua estrutura empresarial.

81.

Nessas circunstâncias, e tendo em conta essa situação inédita, devo concluir que é a medida controvertida que afeta imediatamente a posição da recorrente e não apenas as medidas (posteriores) de transposição. A forma como a recorrente é afetada é regulamentada de forma exaustiva na medida controvertida. Os Estados‑Membros não dispõem de qualquer margem de apreciação quanto ao resultado final a alcançar. Apenas podem supervisionar a escolha (limitada) quanto aos meios de alcançar esse resultado, optando por um dos três modelos de separação previstos pelo legislador da União. No entanto, independentemente do modelo escolhido, a recorrente será sempre afetada. Em resumo, os Estados‑Membros não dispõem de qualquer margem de apreciação sobre se e o quê, uma vez que só podem escolher uma das três formas predeterminadas de como o fazer.

82.

O caso em apreço insere‑se, portanto, nas situações ( 51 ) em que juízos tribunais da União têm reiteradamente considerado que existia uma afetação direta. A este respeito, não compreendo por que razão o presente processo se distingue, por exemplo, do processo sobre o qual o juiz da União se pronunciou no Acórdão Infront ( 52 ) e que a recorrente efetivamente invocou no Tribunal Geral. Numa afirmação bastante apodíctica, o Tribunal Geral considerou que o referido processo era jurídica e factualmente diferente do presente processo, uma vez que o primeiro dizia respeito a uma decisão (e não a uma diretiva) e o segundo «não é atípico» ( 53 ).

83.

Não ficou claro o que o Tribunal Geral quis dizer quando se referiu ao presente processo como sendo «não atípico», nem qual o papel que esse elemento desempenha nos termos do artigo 263.o TFUE ( 54 ). Mais uma vez, considero que o elemento‑chave é antes saber se se deve aceitar que a designação e a forma de um ato têm pouca relevância nos termos dessa disposição. Se for esse o caso, a questão fundamental é simplesmente saber se a alegada incidência sobre a posição legal da recorrente resulta do ato impugnado da União ou de um ato subsequente de execução.

84.

Neste contexto, a conclusão do Tribunal Geral, no n.o 118 do despacho recorrido, de que a medida controvertida não dizia diretamente respeito à recorrente, uma vez que a disposição relativa à separação exigia medidas nacionais de execução, enferma de um erro de direito.

85.

À luz do que precede, uma vez que não considero que nenhuma das duas razões dadas pelo Tribunal Geral no despacho recorrido para excluir a afetação direta (a medida controvertida é uma diretiva e a disposição relativa à separação não diz diretamente respeito à posição legal da recorrente), concluo que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao considerar, no n.o 116 do despacho recorrido, que a recorrente não é diretamente afetada, o que o levou a uma conclusão errada sobre a legitimidade ao abrigo do artigo 263.o TFUE no n.o 124 do despacho recorrido.

86.

Tais erros de direito são, por si só, suficientes para anular o n.o 4 da parte decisória do despacho recorrido, que julgou o recurso inadmissível. Todavia, por razões de exaustividade e de modo a auxiliar plenamente o Tribunal de Justiça no presente recurso, abordarei igualmente outro argumento apresentado pela recorrente no âmbito do primeiro fundamento de recurso.

c) Quanto à falta de resposta a outros argumentos invocados pela recorrente

87.

No Tribunal Geral, a recorrente alegou que foi diretamente afetada na sua posição jurídica pela medida controvertida, uma vez que esta produzia, designadamente, três tipos de efeitos. Além de criar uma obrigação de separação, discutida na secção anterior das presentes conclusões, a medida exige igualmente à recorrente a aplicação das normas relativas ao acesso de terceiros e à regulamentação das tarifas. Ao longo das suas alegações no Tribunal Geral (e especialmente na sua petição e nas observações sobre as exceções de inadmissibilidade invocadas pelos demandados), a recorrente referiu sistematicamente os efeitos (alegadamente prejudiciais) resultantes da aplicação dessas três disposições à sua situação.

88.

O Tribunal Geral admitiu isso no despacho recorrido ( 55 ). No entanto, rejeitou o requisito da afetação direta, analisando apenas as disposições em matéria de separação. O Tribunal Geral não examinou se, independentemente dos alegados efeitos decorrentes das normas relativas à separação, a posição legal da recorrente poderia ser afetada pelas disposições em matéria de acesso de terceiros e/ou regulamentação das tarifas.

89.

Longe de serem considerações acessórias que pudessem ser ignoradas ou implicitamente rejeitadas pelo Tribunal Geral, os argumentos desenvolvidos pela recorrente a propósito do acesso de terceiros e da regulamentação das tarifas constituíram dois elementos da sua explicação tripartida sobre os motivos pelos quais a medida controvertida lhe dizia diretamente respeito. Cada um desses três elementos poderia, individualmente considerado, ser suficiente para se concluir pela afetação direta. Em especial, independentemente da forma de separação efetivamente escolhida pelas autoridades nacionais, as obrigações em matéria de acesso de terceiros e de regulamentação das tarifas impostas à recorrente ficam intactas.

90.

Nestas condições, o despacho recorrido enferma inevitavelmente também de falta de fundamentação. Este erro de direito é de ordem pública. Pode ser ( 56 ) suscitado oficiosamente pelo Tribunal de Justiça ( 57 ), nomeadamente quando incida sobre a admissibilidade de um recurso para o Tribunal Geral ( 58 ).

91.

Por conseguinte, independentemente dos erros de direito identificados supra no que diz respeito à interpretação e aplicação das disposições relativas à separação (artigo 9.o da Diretiva Gás) e às derrogações (previstas no artigo 49.o‑A [da Diretiva 2019/692] e no artigo 36.o da Diretiva Gás), o n.o 4 do dispositivo do despacho recorrido deve ser anulado também por falta de fundamentação.

92.

Além disso, se o Tribunal Geral tivesse apreciado corretamente as disposições relativas ao acesso de terceiros e à regulamentação das tarifas, teria concluído que essas disposições também afetam diretamente a recorrente.

93.

Mais uma vez, é certo que, conforme salientam os recorridos e os intervenientes, tanto as disposições dos artigos 32.o e 41.o da Diretiva Gás obrigam os Estados‑Membros a «garantir/assegurar» a sua aplicação.

94.

Porém, também neste contexto, dificilmente se pode questionar que a recorrente não contesta as modalidades específicas de operacionalização das obrigações decorrentes dessas disposições. A recorrente contesta o cerne das obrigações que lhe são impostas pela adoção do ato impugna.

95.

Em suma, o artigo 32.o da Diretiva Gás exige que os operadores das redes de transporte autorizem o acesso à respetiva capacidade de forma não discriminatória a potenciais clientes com base em tarifas publicadas. Por seu turno e no essencial, nos termos do artigo 41.o, n.os 6, 8 e 10, da Diretiva Gás, as tarifas cobradas pelos operadores das redes de transporte pela utilização da sua capacidade de transporte devem ser aprovadas pela entidade reguladora nacional do Estado‑Membro em causa.

96.

Por força destas disposições, a recorrente, na medida em que as referidas normas o preveem, estará juridicamente impedida de atuar como um operador normal de mercado que escolhe livremente os seus clientes e a sua política de fixação de tarifas. A recorrente irá, assim, deparar com uma série de novas restrições regulamentares que limitam o seu direito de propriedade e a liberdade de empresa. Essas restrições são recentes, tendo em conta que a legislação em vigor à data do investimento, à data de arranque da infraestrutura e à data em que a recorrente celebrou os contratos de financiamento e futura exploração ( 59 ), não previam o acesso obrigatório de terceiros ou a aprovação de tarifas pelo regulador nacional.

97.

Isso não significa que, quando uma sociedade faz um investimento e se prepara para entrar no mercado ao abrigo de um determinado regime, qualquer que seja a dimensão desse investimento, o legislador não possa validamente alterar esse regime. Na verdade, esse certamente não é o caso.

98.

Porém, a razoabilidade das alterações introduzidas ao regime em causa, que criam novas obrigações e restrições que não existiam previamente, constitui uma apreciação quanto à procedência do recurso interposto pela recorrente. Em termos de admissibilidade, a única questão pertinente é a de saber se essas obrigações e restrições decorrem diretamente da medida controvertida e não se são razoáveis ou justificadas. Será que essas restrições e obrigações já afetam a posição legal e económica do recorrente, bem como a sua capacidade de cumprir as obrigações que lhe incumbem por força de acordos preexistentes ( 60 ), independentemente das medidas que possam vir a ser adotadas a nível nacional?

99.

Por último, devem ser abordados dois argumentos adicionais invocados pelos recorridos e pelos intervenientes.

100.

Em primeiro lugar, considero insustentável o argumento, apresentado pelo Governo polaco, segundo o qual a posição legal da recorrente não pode ser afetada pela medida controvertida porquanto a Diretiva Gás já era aplicável a gasodutos como o gasoduto Nord Stream 2. Parece‑me que este gasoduto, que liga um Estado‑Membro (Alemanha) a um Estado terceiro (Rússia), não estava, evidentemente, abrangido pela definição anterior de «interligação» prevista no artigo 2.o, n.o 17, da Diretiva Gás, conforme originalmente adotada. Esta definição legislativa referia‑se a «uma conduta de transporte que atravessa ou transpõe uma fronteira entre Estados‑Membros com a única finalidade de ligar as respetivas redes de transporte nacionais».

101.

A medida controvertida alargou assim esta definição de modo a abranger também «uma conduta de transporte entre um Estado‑Membro e um país terceiro até ao território dos Estados‑Membros ou ao mar territorial desse Estado‑Membro» ( 61 ). Além disso, a própria redação da medida controvertida parece refutar o argumento do Governo polaco: segundo o considerando 3, esta medida pretendia «eliminar os obstáculos à plena realização do mercado interno do gás natural que decorrem da não aplicação das regras de mercado da União aos gasodutos com início e término em países terceiros» ( 62 ).

102.

Em segundo lugar, também considero pouco convincente o argumento, apresentado pelo Parlamento e pelo Governo polaco, relativo a uma pretensa falta de impacto sobre a recorrente pelo facto de as suas atividades comerciais ainda não terem iniciado. A Diretiva Gás, tornada aplicável à recorrente pela medida controvertida, regula não só as atividades das sociedades que operam atualmente no mercado, mas também das que pretendem entrar no mercado. Por exemplo, os artigos 36.o e 49.o‑A da Diretiva Gás regem as situações em que uma sociedade ainda não começou a prestar os seus serviços. Com efeito, a primeira disposição, em especial, diz respeito a situações em que a construção das infraestruturas em causa nem sequer foi iniciada.

103.

No entanto, talvez ainda mais importante, falando em termos de realidade económica básica, gasodutos não são clementinas ( 63 ). Um projeto de infraestrutura de grande envergadura não é uma atividade comercial que começa da noite para o dia. No caso em apreço, dado o estágio avançado de construção do gasoduto e o investimento considerável feito pela recorrente ao longo de vários anos, a medida controvertida terá inúmeras consequências na sua estrutura empresarial e nas modalidades de exercício da sua atividade. Algumas das alterações impostas à recorrente deverão necessariamente ser aplicadas mesmo antes do início das suas atividades comerciais. Por conseguinte, não se pode argumentar que o impacto seja puramente hipotético ou, de qualquer forma, ligado a eventos futuros.

104.

Tendo em conta o que precede, considero que a segunda parte do primeiro fundamento da recorrente é igualmente procedente. O Tribunal Geral interpretou erradamente o artigo 9.o da Diretiva Gás, ignorou o alcance dos artigos 36.o e 49.o‑A e não considerou o impacto dos artigos 32.o e 41.o Estas disposições criam novas obrigações para a recorrente. A parte essencial destas obrigações (que é, aliás, precisamente a parte invocada pela recorrente ( 64 )) não pode ser substancialmente afetada pelas medidas nacionais de execução.

105.

Concluo, portanto, que se deve considerar que a medida controvertida diz diretamente respeito à recorrente.

B.   Quanto ao segundo fundamento de recurso

106.

O segundo fundamento tem por objeto os n.os 38 a 72 e 125 a 135 do despacho recorrido.

107.

Nos n.os 38 a 72 do despacho recorrido, o Tribunal Geral apreciou o pedido do Conselho relativo a um incidente processual ( 65 ). Ordenou que fossem desentranhados dos autos dois dos documentos contestados pelo Conselho (anexos A.14 e O.20). Além disso, decidiu que as passagens desses documentos reproduzidas nas alegações da recorrente não seriam tidas em conta. Em contrapartida, o Tribunal Geral considerou que não havia necessidade de se pronunciar sobre o desentranhamento de um terceiro documento (a saber, as diretrizes de negociação), na medida em que esse documento não tinha sido apresentado.

108.

Nos n.os 125 a 135 do despacho recorrido, o Tribunal Geral apreciou o pedido da recorrente de medida de organização do processo em que solicitava que fosse ordenado aos recorridos a apresentação de versões não expurgadas de determinados documentos ( 66 ). O Tribunal Geral começou por considerar que não havia que conhecer deste pedido. Observou que os documentos em causa alegadamente se destinavam a demonstrar que a medida controvertida dizia individualmente respeito à recorrente. No entanto, considerou que o recurso podia ser julgado inadmissível sem que fosse necessário apreciar o requisito da afetação individual.

109.

O Tribunal Geral analisou a seguir o pedido do Conselho que visava que dois dos documentos da recorrente, juntos ao seu pedido de medida de organização do processo (documentos alemães não expurgados), fossem desentranhados dos autos. Considerou que o pedido era procedente.

110.

No seu recurso, a recorrente alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao ordenar (i) o desentranhamento dos anexos controvertidos dos autos e (ii) que as passagens da petição da recorrente que reproduziam passagens de dois desses anexos fossem desentranhadas.

1. Argumentação das partes

111.

A recorrente alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito, essencialmente, ao basear o seu raciocínio inteiramente na aplicação das regras de acesso aos documentos previstas no Regulamento n.o 1049/2001. Embora este instrumento possa fornecer algumas orientações no que diz respeito aos interesses que órgãos jurisdicionais da União devem ter em consideração ao decidir sobre a admissibilidade das provas produzidas em processos pendentes, não pode ser aplicado ipso facto a essas situações. O Tribunal Geral devia ter apreciado a admissibilidade dos anexos controvertidos tendo também em conta outros interesses, diferentes dos previstos no Regulamento n.o 1049/2001. Em especial, a jurisprudência constante exige que os órgãos jurisdicionais da União examinem se os documentos apresentados por uma das partes podem ser relevantes, ou mesmo decisivos, para a solução do litígio.

112.

O Conselho considera que este fundamento é inadmissível, uma vez que, no essencial, a recorrente pede que o Tribunal de Justiça fiscalize uma apreciação factual feita pelo Tribunal Geral, a saber, se a apresentação dos anexos controvertidos era adequada e necessária. Além disso, ambos os recorridos, apoiados pelos intervenientes, alegam que este fundamento é improcedente, porquanto o Tribunal Geral aplicou corretamente os princípios da admissibilidade das provas decorrentes da jurisprudência dos órgãos jurisdicionais da União. Os recorridos sublinham que os anexos controvertidos eram documentos internos nunca divulgados ao público.

2. Análise

113.

A título preliminar, há que rejeitar a argumentação do Conselho relativa à inadmissibilidade do segundo fundamento de recurso. Com efeito, a recorrente não pede ao Tribunal de Justiça que reaprecie a apreciação feita pelo Tribunal Geral quanto à pertinência dos anexos em questão. Pelo contrário, a recorrente critica o quadro jurídico aplicado para apreciar a admissibilidade dos documentos em causa. Trata‑se de uma questão de direito e, como tal, é suscetível de ser objeto de reapreciação em sede de recurso.

114.

Quanto ao mérito do segundo fundamento, concordo com a recorrente. O Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao apreciar a questão de saber se os anexos em questão têm caráter probatório no sentido de poderem ser admitidos como meios de prova.

115.

Para explicar esta conclusão, começarei por recordar os princípios que regem a produção de prova nos órgãos jurisdicionais da União, salientando o espírito aberto da abordagem consagrada nas disposições e na jurisprudência pertinentes (a). Debruçar‑me‑ei, a seguir, sobre as possíveis exceções a este regime, para as quais as disposições do Regulamento n.o 1049/2001 podem, de forma limitada, servir de inspiração (b). Em seguida, irei salientar uma diferença adicional, embora importante, entre o regime que regula o acesso aos documentos e o regime que regula a produção de prova nos órgãos jurisdicionais da União: as consequências que decorrem da descoberta de documentos. É neste contexto que irei expor as razões específicas pelas quais, no despacho recorrido, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao apreciar a admissibilidade dos anexos controvertidos (d). Por último, tomarei posição sucintamente quanto à relevância destes anexos no presente processo (e).

a) O espírito geralmente aberto da abordagem quanto à admissibilidade das provas

116.

O Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia não contém nenhuma disposição específica sobre a admissibilidade das provas apresentadas pelas partes. No entanto, o seu artigo 24.o prevê que os órgãos jurisdicionais da União podem pedir às partes que apresentem todos os documentos e prestem todas as informações que os tribunais da União considerem necessárias. Além disso, os tribunais da União podem também pedir aos Estados‑Membros e às instituições, órgãos ou organismos da União, ainda que não sejam partes no processo, todas as informações que considere necessárias à apreciação da causa.

117.

Do mesmo modo, o Regulamento de Processo do Tribunal Geral e do Tribunal de Justiça não contém nenhuma disposição geral sobre a (in)admissibilidade dos meios de prova. Estes regimes regulam apenas quando e como (e não quais) os elementos de prova (que) podem ser apresentados pelas partes ou obtidos pelo Tribunal de Justiça.

118.

Por conseguinte, o Tribunal de Justiça tem afirmado sistematicamente que «o princípio da igualdade de armas, que é um corolário do próprio conceito de processo equitativo, implica a obrigação de oferecer a cada parte uma possibilidade razoável de apresentar a sua causa, incluindo as provas, em condições que não a coloquem numa situação de clara desvantagem relativamente ao seu adversário» ( 67 ). Além disso, o Tribunal de Justiça também afirmou que «o princípio que prevalece no direito da União é o da livre administração da prova» e que «o único critério para apreciar o valor das provas produzidas reside na sua credibilidade» ( 68 ).

119.

Uma jurisprudência mais específica confirma ainda que não existe a priori qualquer obstáculo no que diz respeito a determinados meios de prova ou à sua proveniência ( 69 ). No que concerne à forma como as provas foram obtidas, os tribunais da União esclareceram que, normalmente, apenas as provas obtidas legalmente podem ser apresentadas livremente ( 70 ), em conformidade com o princípio jurídico geralmente aceite nemo auditur propriam turpitudinem allegans. No entanto, à semelhança de outras jurisdições superiores ( 71 ), os órgãos jurisdicionais da União também não excluíram, excecionalmente, a possibilidade de as provas obtidas ilegalmente (ou indevidamente) serem igualmente admissíveis ( 72 ). É ainda mais assim quando a autenticidade dos documentos não é posta em causa ( 73 ), e quando não está provado que foi a própria parte que apresentou a prova que a obteve de forma ilegal ( 74 ).

120.

Resulta do que precede que, em princípio, qualquer elemento de prova pode ser apresentado nos órgãos jurisdicionais da União ( 75 ). Todavia, o órgão jurisdicional da União em causa pode ter em conta a existência de outros interesses que, a título excecional, justifiquem eventualmente a recusa de admissão das provas, e ponderar esses interesses face aos invocados com vista à sua aceitação.

b) As exceções relativas à admissibilidade das provas

121.

No que respeita aos interesses que podem exigir proteção, e, portanto, permitir exceções ao princípio da livre produção de prova, podem servir de inspiração os expressamente mencionados pelo legislador da União no Regulamento n.o 1049/2001. Conforme o Tribunal de Justiça considerou, este instrumento «reveste um certo valor indicativo para efeitos da ponderação dos interesses necessária à decisão» relativa aos pedidos de desentranhamento dos autos de documentos apresentados aos tribunais da União ( 76 ).

122.

No entanto, embora este instrumento constitua um regime completo e exaustivo em matéria de acesso aos documentos, é evidente que não pode sê‑lo no que se refere à produção de provas. Os tribunais da União podem e, se for caso disso, devem ter em conta outros interesses («intrajudiciais» ou «extrajudiciais»).

123.

De um modo geral, desaconselho o recurso automático ou, em qualquer caso, excessivo às disposições do Regulamento n.o 1049/2001 neste contexto. Com efeito, não é de modo algum por acaso que o referido regulamento não seja aplicável aos documentos na posse do Tribunal de Justiça da União Europeia e que as instituições abrangidas por esse instrumento devam recusar o acesso aos documentos «cuja divulgação pudesse prejudicar a proteção de […] processos judiciais» ( 77 ).

124.

Isto é perfeitamente lógico. Com efeito, a maioria dos sistemas jurídicos prevê regimes especiais de descoberta no âmbito dos processos judiciais. Por conseguinte, é legítimo que o legislador da União tenha decidido que as regras gerais de acesso aos documentos não devem interferir com esses regimes especiais. Por maioria de razão, é inconcebível que um instrumento como o Regulamento n.o 1049/2001 possa, de facto, regular as normas relativas à produção de prova no Tribunal de Justiça da União Europeia.

125.

É certo que ambos os regimes, a saber, o de acesso aos documentos e o de produção da prova, se baseiam num sistema análogo de «regra versus exceção». A regra é a divulgação e a exceção é a não divulgação. No entanto, é aqui que termina qualquer paralelismo adequado entre os dois regimes e, sobretudo, o equilíbrio geral a ser alcançado em qualquer um deles entre os valores e interesses concorrentes.

126.

Os dois regimes i) dizem respeito a diferentes tipos de atividades, ii) prosseguem objetivos diferentes, que, portanto, iii) exigem que as instituições procedam a uma apreciação bastante diferente ao decidir sobre a divulgação do documento em questão.

127.

Em primeiro lugar, não creio que seja necessário debater as razões pelas quais a atividade de divulgação ao público de um determinado documento não é de modo algum comparável à atividade de apresentação de um documento (e, portanto, de divulgação desse documento) em tribunal. É impensável que o Tribunal de Justiça da União Europeia, o único supervisor e responsável pela legalidade das instituições e órgãos da União, deva, ao verificar a legalidade de um ato da União, ter o mesmo nível de acesso aos documentos dessas instituições e órgãos que, por exemplo, jornalistas, doutrina ou organizações não governamentais têm.

128.

Em segundo lugar, é também importante salientar que, tendo em conta a diferença entre essas atividades, os objetivos prosseguidos pelos respetivos regimes também são bastante diferentes.

129.

O objetivo do Regulamento n.o 1049/2001, conforme resulta do seu segundo considerando, é aumentar a abertura e a transparência na Administração Pública, de forma a assegurar uma melhor participação dos cidadãos no processo de tomada de decisão e garantir uma maior legitimidade, eficácia e responsabilidade da Administração. O objetivo fundamental é o de reforçar os princípios da democracia e do respeito dos direitos fundamentais.

130.

Por seu turno, as regras relativas à prova visam assegurar uma boa administração da justiça, permitindo ao Tribunal de Justiça da União Europeia cumprir a sua missão ao abrigo do artigo 19.o TUE. O objetivo geral é garantir a todos o direito à ação consagrado no artigo 47.o da Carta.

131.

Em terceiro lugar, esses (diferentes) objetivos contribuem necessariamente de diferentes maneiras para a apreciação a ser feita pela instituição da União encarregada de decidir sobre o seguimento a dar a um documento contestado. Em especial, existem algumas semelhanças entre, primeiro, os modos como os interesses concorrentes são ponderados nos dois sistemas, segundo, os resultados da ponderação dos valores e interesses em jogo em ambos os casos.

132.

As regras do Regulamento n.o 1049/2001 procuram estabelecer um equilíbrio entre os interesses dos cidadãos em ter uma Administração Pública caracterizada pela abertura e transparência e a necessidade de salvaguardar a capacidade das instituições da União para desempenharem eficazmente as suas funções ( 78 ). Consequentemente, a instituição confrontada com um pedido de divulgação de um documento deve apreciar se, nas circunstâncias específicas do caso, conceder ao público o acesso ao documento em questão não comprometeria a sua própria capacidade de prosseguir um dos interesses enunciados no regulamento. Além disso, mesmo que se comprometesse essa capacidade, a instituição deveria verificar se existe um interesse superior que exija a divulgação.

133.

É óbvio que uma decisão sobre a produção de provas no âmbito de um processo judicial implica outro tipo de análise. As regras aplicáveis em matéria de prova visam determinar quais são as fontes de informação que o juiz pode ou não considerar para determinar os factos pertinentes para efeitos de decisão de um litígio. Não é fácil encontrar boas razões para os órgãos jurisdicionais da União ignorarem certas fontes de informação (potencialmente pertinentes), aumentando assim o risco de erros judiciais.

134.

Naturalmente, não se quer com isto dizer que, em certos casos, a necessidade de proteger um determinado interesse específico não pudesse justificar a recusa de admissão de provas produzidas pelas partes, independentemente da sua relevância. Com efeito, a jurisprudência fornece alguns exemplos de situações em que os tribunais da União admitiram algumas exceções ao princípio da livre produção de prova. Três exemplos poderiam ser mencionados a título ilustrativo.

135.

Em primeiro lugar, com efeito, uma parte não pode recorrer a um processo judicial para «contornar» as regras de acesso aos documentos. Esse seria o caso se uma das partes intentasse uma ação falaciosa com o objetivo de obter acesso a documentos, de outra forma confidenciais ( 79 ). Também pode acontecer que, no âmbito de um verdadeiro litígio, uma parte solicite o acesso a um documento confidencial na posse de uma instituição da União, cuja divulgação poderia de facto prejudicar a capacidade dessa instituição de exercer extrajudicialmente as suas funções.

136.

Em segundo lugar, a necessidade de proteger as deliberações internas da União Europeia ou das instituições nacionais, e, em especial, a sua capacidade de pedir opiniões jurídicas e de receber pareceres francos, objetivos e completos, pode também justificar algumas limitações à capacidade das partes de apresentarem documentos que não foram, e não deveriam ser, divulgados publicamente ( 80 ). Na verdade, os consultores jurídicos podem ficar reticentes em fornecer, por escrito, pareceres pormenorizados se estiverem cientes de que a instituição da União acabará, eventualmente, por não os respeitar, e que poderão mais tarde ser confrontados em juízo com os seus próprios pareceres, ao defenderem a decisão da instituição.

137.

Em terceiro lugar, podem muito bem haver situações em que certos documentos contenham informações confidenciais, como dados pessoais sensíveis, que poderiam, se divulgados, prejudicar a vida privada ou profissional de uma determinada pessoa. Mutatis mutandis, a situação pode ser semelhante em relação aos segredos comerciais. Nestes casos, os tribunais da União podem ser levados a ponderar o interesse de uma parte em apresentar (ou obter) os elementos de prova necessários que lhe permitam exercer adequadamente o seu direito à ação, por um lado, face aos inconvenientes que a divulgação de tais elementos de prova pode causar a respeito da privacidade de um particular ou de quaisquer outros interesses protegidos, por outro ( 81 ).

138.

Em todas as situações acima mencionadas, o tribunal da União chamado a pronunciar‑se deve ponderar os interesses concorrentes em jogo, a fim de decidir sobre a admissibilidade do documento. Isso significa avaliar as consequências prováveis decorrentes, respetivamente, da admissibilidade e da não admissibilidade do documento ( 82 ). Por um lado, o Tribunal da União deve verificar se o(s) interesse(s) invocados para a não divulgação são reais e merecem proteção, e deve estimar o tipo e a magnitude do possível dano causado, caso a apresentação do documento seja autorizada ( 83 ). Por outro lado, o Tribunal de Justiça deve avaliar se e em que medida o seu papel de «juiz de facto» pode ser afetado negativamente se o documento não for apresentado: é o documento em questão eventualmente importante, ou mesmo decisivo, para estabelecer certos factos, ou é apenas um entre vários documentos que podem ser úteis para esse fim ( 84 )? Além disso, existem outros interesses «intrajudiciais», como a economia processual, a equidade do processo ou o respeito pelo direito de defesa, que poderiam, dependendo das circunstâncias, ser a favor da aceitação ou não aceitação de certos documentos ( 85 )?

139.

Deve, no entanto, ser claramente enfatizado que as regras relativas à produção de provas no âmbito de processos judiciais e as do Regulamento n.o 1049/2001 se sobrepõem, em certa medida, em termos de input — à natureza dos interesses que podem ser contrabalançados com a divulgação. Em contrapartida, no que diz respeito ao próprio exercício de ponderação e, sobretudo, ao seu provável desfecho, são muito diferentes. Com efeito, é bastante provável que, tratando‑se de um vasto número de documentos, a proteção de determinados interesses possa justificar o indeferimento de um pedido de acesso a documentos na aceção do Regulamento n.o 1049/2001, quando as mesmas razões não seriam suficientes para justificar o desentranhamento dos autos num litígio pendente nos órgãos jurisdicionais da União ( 86 ).

140.

Se fosse de outro modo, a amálgama de facto de ambos os regimes conduziria a diversos resultados, no mínimo, muito questionáveis. Em primeiro lugar, o único órgão jurisdicional habilitado a supervisionar plenamente as instituições da União teria o mesmo nível de acesso à informação ao desempenhar essa tarefa como qualquer cidadão comum. Em segundo lugar, ao decidir sobre a admissibilidade das provas nos órgãos jurisdicionais da União levaria, em grande medida, efetivamente a deixar às instituições da União, que escolheriam elas próprias, documentos que pretendem que sejam fiscalizados. Em terceiro lugar, tudo o que foi referido, conduziria, como consequência bastante onerosa, ao resultado de levar o Tribunal de Justiça da União Europeia a censurar ou a silenciar completamente uma das partes que, normalmente, teria um direito ilimitado de perante ele se expressar livremente, potencialmente em detrimento do seu direito de ser ouvido ao abrigo do artigo 47.o da Carta.

141.

Todas as anteriores considerações são, a meu ver, tendo em conta também a nova realidade social em termos de divulgação e de acesso à informação ( 87 ), não benéfica para o funcionamento e a perceção do Tribunal de Justiça. Cada vez com maior frequência, os órgãos jurisdicionais da União são chamados por outras instituições da União a figurar numa commedia dell'arte bastante estranha, sendo o segredo de Polichinelo efetivamente conhecido por todos exceto pelo Tribunal de Justiça, ou melhor, sendo o Tribunal de Justiça o único que não pode dizer esse segredo. Com todo o respeito e afeição pela commedia dell’arte, dificilmente isso pode ser um papel saudável para qualquer órgão jurisdicional.

142.

Em suma, a admissibilidade de prova em processos judiciais depende unicamente das circunstâncias relevantes de cada processo. Os tribunais da União não estão limitados por nenhuma regra estrita e podem determinar livremente se um documento é pertinente e, não obstante, se existem circunstâncias específicas que possam ser invocadas contra a sua apresentação. Conforme o Tribunal afirmou recentemente, «a administração das provas não é o resultado de uma análise abstrata, mas antes uma apreciação dos factos e das circunstâncias numa base casuística» ( 88 ).

143.

A este respeito, importa igualmente ter presente que, embora o Tribunal de Justiça possa suscitar oficiosamente a questão da admissibilidade da prova, normalmente cabe à parte que se opõe à apresentação de um documento explicar ao Tribunal, com clareza e precisão ( 89 ), e atempadamente ( 90 ), de que forma o interesse invocado seria concretamente lesado pela divulgação. Afirmações vagas ou genéricas a esse respeito não são suficientes ( 91 ).

c) As diferentes consequências em caso de produção de prova, por um lado, e de acesso aos documentos, por outro

144.

Nesta conjuntura, torna‑se importante destacar outro aspeto que distingue o regime de acesso aos documentos do da produção de provas nos órgãos jurisdicionais da União. Tal aspeto diz respeito às eventuais consequências decorrentes da «descoberta» dos documentos em questão. Contrariamente ao resultado bastante binário ao abrigo do Regulamento n.o 1049/2001 (o acesso é ou não concedido), os processos nos órgãos jurisdicionais da União permitem soluções alternativas, muito mais proporcionadas do que o desentranhamento integral de um documento dos autos.

145.

Uma instituição da União já não pode controlar ou limitar a circulação de um documento ao qual concedeu acesso ao abrigo do Regulamento n.o 1049/2001. Em contrapartida, existem regras específicas, na ordem jurídica da União, para salvaguardar a confidencialidade dos documentos e das informações apresentados pelas partes no âmbito de um processo judicial ( 92 ). Em especial, as regras ad hoc que regem o acesso aos autos ( 93 ), garantem que as informações confidenciais não serão reproduzidas nos documentos aos quais o público tem acesso ( 94 ) e permitem excluir tais informações confidenciais das notificações ou comunicações às restantes partes ( 95 ).

146.

A este respeito, importa recordar que os órgãos jurisdicionais da União dispõem de diversos instrumentos que podem ser utilizados para satisfazer a necessidade de proteger a confidencialidade dos documentos (ou partes deles), apresentados no âmbito de processos judiciais em relação às partes contrárias, respeitando, ao mesmo tempo, os direitos de defesa de todas as partes. Por exemplo, em alguns casos, os órgãos jurisdicionais da União pediram a uma das partes que apresentasse uma versão não confidencial dos documentos em questão ou um resumo dos mesmos, para que esses documentos fossem transmitidos às restantes partes ( 96 ). Além disso, em situações excecionais, os órgãos jurisdicionais da União podem decidir que apenas o advogado das partes pode ter acesso a determinados elementos de prova ( 97 ), ou, em casos extremos, que as partes contrárias no processo não têm acesso a determinados documentos ( 98 ).

147.

De certa forma, cada uma destas eventuais soluções seria ainda mais proporcionada e respeitadora, não só dos direitos das partes nos termos do artigo 47.o da Carta, mas também do papel dos órgãos jurisdicionais da União, do que uma exclusão contundente das provas apresentadas. Isto demonstra mais uma vez que os órgãos jurisdicionais da União não podem simplesmente «empregar»en bloc as regras relativas ao acesso aos documentos e utilizá‑las como se também se aplicassem às provas que lhe são submetidas. Em circunstâncias em que existem verdadeiras razões para manter certos documentos (em parte ou no todo) confidenciais em relação ao público em geral, ou mesmo às partes, os órgãos jurisdicionais da União, têm efetivamente, poder para adotar várias medidas que garantam essa confidencialidade, permitindo, ao mesmo tempo, que uma parte apresente as provas que considerar pertinentes.

148.

Dito isto, passarei agora à questão de saber se a apreciação feita pelo Tribunal Geral no caso em apreço no que diz respeito à admissibilidade dos anexos controvertidos é conforme com os princípios anteriormente enunciados.

d) Os erros de direito no que respeita à apresentação dos elementos de prova

149.

Considero que o segundo fundamento da recorrente é, em princípio, procedente.

150.

No n.o 39 do despacho recorrido, o Tribunal Geral afirmou (com razão) que o Regulamento n.o 1049/2001 pode ter um valor indicativo. Todavia, em seguida, aplicou essas regras à situação, de forma bastante mecânica, sem ter em conta o facto de o problema em causa e a questão jurídica a resolver nesse órgão jurisdicional consistirem em saber se os anexos controvertidos deviam ser desentranhados dos autos, e não se o acesso do público a esses documentos devia ser concedido.

151.

Por outras palavras, em parte alguma do despacho recorrido — ou seja, nem na secção intitulada «Quanto ao incidente processual suscitado pelo Conselho» ( 99 ) nem na secção intitulada «Quanto ao pedido de medida de organização do processo» ( 100 ) — existe qualquer indício de que o Tribunal Geral efetuou uma apreciação que seria, na realidade, diferente da exigida pelo Regulamento n.o 1049/2001. Não me parece que o Tribunal Geral tenha tido em conta os diferentes valores (ou tenha procedido a um exercício de ponderação) subjacentes à admissibilidade das provas nos órgãos jurisdicionais da União.

152.

Em primeiro lugar, o Tribunal Geral identificou os interesses cuja proteção poderia justificar um desentranhamento dos autos com base no artigo 4.o, n.os 1, 2 e 3, do Regulamento n.o 1049/2001. Em especial, o Tribunal Geral fez referência à necessidade de i) garantir que as instituições da União recebem pareceres francos, objetivos e completos ( 101 ), ii) evitar contornar as regras sobre o acesso do público aos documentos ( 102 ), e iii) não prejudicar as relações internacionais da União Europeia ( 103 ). A este respeito, concordo com o Tribunal Geral que, por uma questão de princípio, esses mesmos interesses também podem justificar uma recusa dos órgãos jurisdicionais da União de admitir determinados documentos como prova.

153.

Em contrapartida, a forma como o Tribunal Geral procedeu seguidamente à apreciação da questão de saber se e como esses interesses poderiam, no caso em apreço, ser lesados se os anexos controvertidos fossem mantidos nos autos, não é convincente. No decurso da sua apreciação, o Tribunal Geral não teve em consideração quaisquer interesses «intrajudiciais» que eventualmente, poderiam servir de base ao indeferimento do pedido do Conselho. Foi, portanto, neste contexto, que a invocação cega pelo Tribunal Geral das disposições do Regulamento n.o 1049/2001 levou esse Tribunal a incorrer em erro. Os seguintes aspetos são particularmente ilustrativos a este respeito.

154.

Em primeiro lugar, não foi considerada a eventual necessidade de o próprio Tribunal Geral ter acesso aos documentos em causa para se pronunciar de forma esclarecida sobre os factos alegados ( 104 ), nem a limitação do direito de defesa da recorrente (que inclui a liberdade de apresentação de elementos de prova) que resultaria de um eventual desentranhamento dos autos dos anexos controvertidos. Esta omissão é ainda mais surpreendente tendo em conta o facto de a recorrente ter alegado que alguns dos anexos controvertidos eram «decisivos» para provar um dos seus argumentos.

155.

Em segundo lugar, a alegada lesão dos interesses invocada pelo Conselho decorre, segundo o Tribunal Geral, do simples facto de os anexos controvertidos poderem ser mantidos nos autos e apreciados pelo referido órgão jurisdicional. O Tribunal Geral não exigiu ao Conselho que explicasse em pormenor, muito menos que provasse de forma suficiente, de que modo e em que medida os interesses invocados podiam ser concretamente lesados.

156.

Mesmo que se devesse concluir que simples presunções do Tribunal Geral poderiam ser consideradas suficientes à luz da necessidade de evitar contornar as regras relativas ao acesso a documentos ( 105 ) e à proteção das consultas jurídicas (quod non) ( 106 ), o dificilmente se poderia afirmar o mesmo no que respeita à proteção das relações internacionais da União Europeia. Com efeito, o Tribunal Geral parece ignorar o facto de a recorrente já estar na posse dos anexos controvertidos, podendo, assim, fazer uso deles em qualquer outro forum que lhe agrade. De qualquer forma, embora fosse possa haver um risco de os anexos em questão revelarem o objetivo estratégico da União Europeia em futuras negociações com a Rússia, prejudicando assim a capacidade de as instituições da União celebrarem um acordo satisfatório, se os documentos em questão forem divulgados publicamente, isso não significa certamente que tal risco existiria em resultado da apresentação desses documentos em processos judiciais.

157.

Além disso, a afirmação do Tribunal Geral de que a divulgação do conteúdo dos documentos alemães não expurgados no presente processo pode prejudicar a proteção das relações internacionais da União Europeia também não pode ser considerada correta ( 107 ). Para começar, nem no despacho recorrido, nem nas alegações dos recorridos e dos intervenientes, é dada qualquer explicação clara do motivo pelo qual o processo de arbitragem instaurado pela recorrente (um investidor privado) contra a União Europeia nos termos do artigo 26.o do Tratado da Carta da Energia ( 108 ) deve dizer respeito às relações internacionais stricto sensu (ou seja, as relações entre a União Europeia e Estados terceiros, organizações internacionais ou entidades semelhantes). À primeira vista, parece tratar‑se de um litígio de direito privado entre particulares.

158.

Além disso, o simples facto de os tribunais da União poderem analisar esses documentos não lhes confere «legitimidade» automaticamente. Tal aconteceria apenas se o Tribunal Geral se baseasse nesses documentos e confirmasse o seu conteúdo.

159.

Além disso, e de forma bastante importante, há algo intrinsecamente questionável em perceber que as disposições relativas à transparência e abertura do Regulamento n.o 1049/2001 representam um conjunto de regras que permite às instituições recusar a divulgação sempre que exista um documento suscetível de ser utilizado em processos instaurados contra a União Europeia. Precisamente, um dos próprios objetivos desse conjunto de regras é permitir um controlo público sobre a atuação das instituições da União. A fortiori, isso deve ser válido no que diz respeito às regras relativas à apresentação de provas, regras que dificilmente podem ser vistas no sentido de favorecer uma parte (pública) em relação a outra parte (privada).

160.

Em terceiro lugar, ao apreciar concretamente se deve ser feita uma exceção (desentranhamento dos autos dos anexos controvertidos) à regra (admissibilidade das provas), o Tribunal Geral aplicou basicamente as disposições do Regulamento n.o 1049/2001 e a correspondente jurisprudência. O raciocínio seguido pelo Tribunal Geral no que respeita à supressão da recomendação é particularmente revelador desta abordagem. A fundamentação diz apenas respeito à divulgação do documento ao público e não ao seu desentranhamento dos autos. Uma vez que a recusa de divulgação pública do documento foi considerada justificada, daqui decorreu inevitavelmente, segundo o Tribunal Geral, que a apresentação desse documento no âmbito de um processo judicial também devia ser impedida ( 109 ). Da mesma forma, o desentranhamento dos autos dos documentos alemães não expurgados baseou‑se exclusivamente num alegado impacto prejudicial que a divulgação de tais documentos no processo poderia ter para a proteção das relações internacionais da União Europeia «na aceção do artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1049/2001» ( 110 ). Esta, conforme foi explicado anteriormente no n.o 139, não é a abordagem correta.

161.

Em quarto lugar, a mesma abordagem problemática foi seguida no único caso em que, tendo concluído que a apresentação dos anexos controvertidos podia efetivamente lesar o interesse público invocado pelo Conselho, o Tribunal Geral procurou avaliar algumas das razões que poderiam, no entanto, justificar a manutenção dos documentos nos autos. No n.o 54 do despacho recorrido, o Tribunal Geral exigiu, em substância, que a recorrente provasse a existência de um «interesse público superior» em manter o primeiro documento controvertido nos autos. Na falta de tal interesse público superior, o Tribunal Geral concluiu que o direito da recorrente de apresentar provas não merecia proteção, uma vez que esta prosseguia apenas o seu próprio interesse privado.

162.

No entanto, embora o requisito de provar um «interesse público superior» seja razoável no contexto de uma apreciação relativa à questão de saber se um documento deve ou não ser divulgado publicamente por uma instituição, não faz sentido no âmbito de um processo judicial. Um demandante particular prossegue, por definição, o seu próprio interesse privado em agir judicialmente ( 111 ). Dificilmente seria compatível com o princípio da igualdade perante a lei que os demandantes que intentam ações por causas «nobres» ( 112 ) beneficiassem de direitos e garantias processuais mais sólidas do que os demandantes que intentam ações em defesa dos seus próprios interesses privados.

163.

De qualquer forma, mesmo que se seguisse o raciocínio problemático do Tribunal Geral, não seria difícil identificar alguns interesses públicos importantes que seriam mais bem servidos por um órgão jurisdicional apto para analisar todos os documentos relevantes. Por exemplo, órgãos jurisdicionais mais bem informados são mais eficazes na garantia da boa administração da justiça (uma vez que são menos suscetíveis de cometer certos erros judiciais) e no reforço do Estado de direito (livrando a ordem jurídica da União de atos eventualmente ilegais). Parece‑me que estes interesses são inerentes a todos os processos judiciais, e não apenas aos instaurados por «bons samaritanos» ( 113 ).

164.

Por último, quanto a este aspeto, o Tribunal Geral também não teve em consideração o facto de, pelo menos alguns dos anexos controvertidos (os documentos alemães não expurgados), dizerem respeito a um processo legislativo que, segundo a jurisprudência, exige uma transparência acrescida e, portanto, um acesso mais amplo ( 114 ). No n.o 131 do despacho recorrido, o Tribunal Geral reconheceu esta circunstância, mas não apreciou se, no caso em apreço, esse facto poderia ter tido qualquer impacto.

165.

Em quinto lugar, a mesma abordagem errada do Tribunal Geral também pode ser encontrada nas passagens em que este apreciou as provas apresentadas pelas partes para corroborar os seus argumentos sobre a admissibilidade. No n.o 53 do despacho recorrido, o Tribunal Geral admitiu que uma das partes, o Conselho, fundamentou os seus argumentos sobre a necessidade de desentranhar um documento dos autos, apresentando a sua própria decisão de recusa de acesso ao mesmo.

166.

Naturalmente, não pretendo que a decisão do Conselho seja desprovida de pertinência neste contexto. No entanto, certamente não pode ser determinante, como o Tribunal Geral parece ter considerado. Essa decisão apenas refletia a opinião do seu autor, a mesma parte que a apresentou ao Tribunal como prova, sobre uma questão conexa, mas, conforme foi referido, não idêntica: a não acessibilidade do documento nos termos do Regulamento n.o 1049/2001. Mais uma vez, como mencionado no n.o 139, supra, mesmo uma decisão legítima de não divulgação ao abrigo do Regulamento n.o 1049/2001 não conduz à inadmissibilidade automática do documento em causa como prova nos órgãos jurisdicionais da União.

167.

Além disso, na prática, apoiar a abordagem do Tribunal Geral significaria permitir a autosseleção das provas admissíveis pela instituição demandada ( 115 ). Com efeito, através da não divulgação de um documento ao abrigo do Regulamento n.o 1049/2001, uma instituição ficaria em posição de escolher os elementos de prova que poderiam ser utilizados por qualquer parte que pretenda contestar o seu ato nos órgãos jurisdicionais da União. Tal revela‑se bastante problemático do ponto de vista dos princípios de igualdade de armas e da tutela jurisdicional efetiva.

168.

Além disso, é certo que, em geral, os documentos internos das instituições que contenham consultas jurídicas só podem ser apresentados se tal tiver sido autorizado pela instituição em causa ou ordenado pelo órgão jurisdicional da União ( 116 ). Por outro lado, também é certo que, segundo jurisprudência constante, mesmo documentos confidenciais ou internos das instituições da União podem, em certos casos, figurar legitimamente nos autos de um processo, apesar da oposição da instituição em causa ( 117 ). Com efeito, podem haver circunstâncias em que a ilegalidade de um ato em particular da União pode ser provada apenas com base em documentos internos ou confidenciais ( 118 ). O Tribunal Geral simplesmente «ignorou» esta última jurisprudência e os respetivos argumentos da recorrente.

169.

O erro quanto à exigência de que as partes corroborem os seus argumentos é ainda mais evidente no que diz respeito à apreciação feita em relação aos documentos alemães não expurgados: documentos que não eram da autoria das instituições da União, mas (presumivelmente) do Governo alemão. O Tribunal Geral acatou o pedido do Conselho e ordenou que tais documentos fossem desentranhados dos autos apenas com base em duas hipóteses. Em primeiro lugar, o Tribunal Geral presumiu o seu caráter confidencial, sem sequer pedir a confirmação do Governo alemão a esse respeito ( 119 ). Em segundo lugar, o Tribunal Geral presumiu que a recorrente obteve os referidos documentos ilegalmente, simplesmente por não ter apresentado provas que demonstrassem que foram obtidos por via legal, apesar de ter negado qualquer irregularidade ( 120 ). No entanto, em conformidade com os princípios gerais relativos ao ónus da prova, incumbia ao Conselho provar as suas alegações.

170.

Em conclusão, o segundo fundamento da recorrente é igualmente procedente. O Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao aplicar um quadro analítico errado na sua apreciação da admissibilidade dos anexos controvertidos.

171.

O Tribunal Geral aplicou, em substância, as regras previstas no Regulamento n.o 1049/2001 e a lógica que se lhe segue, a fim de apreciar a admissibilidade dos anexos controvertidos. Longe de se inspirar apenas nessas regras, quando adequado, o Tribunal Geral limitou‑se a equiparar a apresentação pela recorrente dos anexos controvertidos a um pedido de acesso a documentos ao abrigo do Regulamento n.o 1049/2001. Ao que parece, as diferenças óbvias entre os dois quadros legais não foram tidas em conta. Também não foi tido em conta qualquer eventual interesse «intrajudicial» que pudesse sugerir que esses documentos deviam ser mantidos nos autos. Ao fazê‑lo, ou mais precisamente, ao não o fazer), o Tribunal Geral cometeu um erro na interpretação e aplicação dos princípios que regem a produção de prova suprarreferidos, em desrespeito da jurisprudência consolidada.

172.

Por conseguinte, o despacho recorrido deve igualmente ser anulado na parte em que o Tribunal Geral ordenou que fossem desentranhados dos autos os anexos controvertidos e decidiu que não havia que ter em conta as passagens das alegações em que foram reproduzidos extratos desses documentos (n.os 1 e 3 do dispositivo).

e) Os anexos controvertidos não são relevantes para o presente processo

173.

Conforme referido no n.o 25, supra, na sequência de uma medida de organização do processo adotada ao abrigo do artigo 62.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça pelo juiz‑relator e pelo advogado‑geral, a recorrente apresentou os anexos controvertidos.

174.

Tendo examinado esses documentos, não os considero relevantes para efeitos do presente recurso.

175.

Tendo em conta os argumentos avançados pela recorrente tanto em primeira instância como em sede de recurso, parece‑me que, através destes documentos, a referida parte prosseguiu, no essencial, dois objetivos. Em primeiro lugar, a recorrente pretendia «reforçar» certos argumentos jurídicos apresentados no caso em apreço, evidenciando a posição assumida a este respeito por algumas instituições da União ou governos dos Estados‑Membros. Em segundo lugar, a recorrente procurou corroborar a sua alegação segundo a qual o seu gasoduto era o principal alvo da medida controvertida.

176.

No entanto, não estou convencido de que os anexos controvertidos sejam realmente úteis para o Tribunal de Justiça em qualquer destes aspetos.

177.

Em primeiro lugar, considero que a situação de facto submetida ao Tribunal de Justiça é bastante clara e, em qualquer caso, não pode ser reapreciada em sede de recurso. No que diz respeito aos eventuais argumentos jurídicos constantes desses anexos, iura novit curia. Cabe ao Tribunal de Justiça interpretar a lei. Nem é necessário assinalar que os argumentos jurídicos apresentados pela recorrente, mesmo os eventualmente extraídos de um documento diferente ( 121 ), não se tornam mais credíveis para o Tribunal de Justiça pelo simples facto de também terem sido apoiados ou mesmo previamente expressos por uma instituição da União ou por um Estado‑Membro. A questão consiste antes em saber se esses argumentos são convincentes por si só ( 122 ).

178.

Em segundo lugar, no que se refere à intenção da recorrente de corroborar os seus argumentos no sentido de que a medida controvertida lhe diz «individualmente respeito», penso que o Tribunal de Justiça dispõe de informação e de provas suficientes a este respeito. Como explicarei na secção seguinte, entendo, com efeito, que a medida controvertida diz diretamente e individualmente respeito à recorrente e que as informações necessárias para chegar a esta conclusão já constam efetivamente dos autos ou são de domínio público.

179.

Por estes motivos, considero desnecessário que o Tribunal de Justiça aprecie a questão de saber se, uma vez aplicado o quadro jurídico correto, os anexos controvertidos devem ser considerados admissíveis. Para efeitos deste recurso, os anexos são irrelevantes.

180.

No entanto, conforme foi explicado nas secções anteriores das presentes conclusões, para chegar à sua conclusão sobre a inadmissibilidade dos anexos controvertidos, o Tribunal Geral aplicou um critério jurídico errado. Além disso, se o Tribunal de Justiça concordar com a análise efetuada nas presentes conclusões, o Tribunal Geral será obrigado a julgar novamente o processo.

181.

Nestas circunstâncias, também considero oportuno propor igualmente ao Tribunal de Justiça que anule os n.os 1 e 3 do dispositivo do despacho recorrido. Tal deverá permitir ao Tribunal Geral proceder, sendo caso disso, a uma apreciação nova e concreta quanto à admissibilidade dos referidos anexos como meios de prova, tendo em conta os elementos que lhe foram submetidos, desta vez com base no critério certo.

VI. Consequências da apreciação: de que modo o presente processo deveria ser resolvido

182.

O primeiro e segundo fundamentos são procedentes. Por conseguinte, os n.os 1, 3 e 4 da parte decisória do despacho recorrido devem ser anulados. Uma vez que as restantes partes do despacho recorrido são acessórias, considero que o despacho recorrido deve ser anulado na íntegra.

183.

Nos termos do artigo 61.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, o Tribunal de Justiça pode, após anular uma decisão do Tribunal Geral, remeter o processo a este órgão jurisdicional para julgamento ou decidir definitivamente o litígio se estiver em condições de ser julgado.

184.

No caso em apreço, considero que o litígio está em condições de ser julgado, permitindo ao Tribunal de Justiça pronunciar‑se definitivamente sobre a legitimidade da recorrente para interpor recurso (A). No entanto, não permite que o Tribunal se pronuncie sobre o mérito da causa (B).

A.   Afetação individual

185.

Tendo concluído que a recorrente foi diretamente afetada, para se pronunciar definitivamente sobre a legitimidade desta para impugnar a medida posta em causa, importa determinar se esta também lhe diz individualmente respeito. Embora o Tribunal Geral não tenha apreciado este aspeto, considero que, tratando‑se de uma questão jurídica e, além disso, bastante simples, o próprio Tribunal de Justiça pode proceder a esta apreciação.

186.

Segundo jurisprudência constante, os sujeitos que não sejam destinatários de uma medida só podem alegar que esta lhes diz individualmente respeito, na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, se a mesma os prejudicar em razão de determinadas qualidades que lhes são específicas ou de uma situação de facto que os caracterize relativamente a qualquer outra pessoa, individualizando‑os, por isso, de forma análoga à do destinatário dessa medida ( 123 ).

187.

Em princípio, os recorrentes não são considerados individualmente afetados por medidas que se aplicam a situações determinadas objetivamente e que produzem efeitos jurídicos em relação a categorias de pessoas consideradas de forma geral e abstrata ( 124 ). Além disso, a mera a possibilidade de determinar, com maior ou menor precisão, o número ou mesmo a identidade dos particulares a quem se aplica uma medida não implica, de modo nenhum, que se deva considerar que essa medida lhes diz individualmente respeito, desde que essa aplicação seja efetuada devido a uma situação objetiva de direito ou de facto definida pela medida em causa ( 125 ).

188.

No entanto, o Tribunal de Justiça também deixou claro que o facto de uma medida controvertida ter, pela sua natureza e pelo seu alcance, uma aplicação geral ou uma natureza legislativa, uma vez que se aplica à generalidade dos operadores económicos interessados, não exclui, no entanto, a possibilidade de essa medida afetar individualmente alguns deles ( 126 ).

189.

É o que acontece quando a recorrente consegue fazer prova da «existência de uma situação que a individualiza, relativamente à medida impugnada, em relação a qualquer outro operador económico» ( 127 ). No entanto, isso não significa que a recorrente deva ser a única pessoa particularmente afetada pela medida controvertida para se considerar que lhe diz individualmente respeito. Com efeito, o Tribunal de Justiça declarou que, quando uma medida «afeta um grupo de pessoas que estavam identificadas ou eram identificáveis no momento em que o ato foi adotado, em função de critérios próprios aos membros do grupo, esse ato podia dizer individualmente respeito a essas pessoas na medida em que fazem parte de um círculo restrito de operadores económicos» ( 128 ). Dito doutra forma, o Tribunal de Justiça sempre admitiu a afetação individual quando as instituições da União estavam em condições de saber, ao adotar a medida controvertida, quais as sociedades, cujo número e identidade eram claramente discerníveis, seriam especificamente afetadas pela medida ( 129 ).

190.

A este respeito, o Tribunal de Justiça atribuiu especial importância ao facto de a categoria de pessoas a que pertence um recorrente ser composta por um número fixo de pessoas que não pode ser alargado após a adoção da medida controvertida ( 130 ). Foi esse o caso, em especial, quando a medida controvertida alterou os direitos adquiridos pela recorrente antes da sua adoção ( 131 ). Além disso, o Tribunal constatou que existe uma afetação individual quando o ato impugnado tem por objeto «um número determinado de operadores económicos identificados em razão de um comportamento individual» que tiveram ou deviam ter tido ( 132 ).

191.

No entanto, outras circunstâncias também podem ser relevantes segundo a «fórmula de Plaumann». Este critério é certamente rigoroso, mas, pelo menos aparentemente, também é relativamente aberto e flexível. Por exemplo, para determinar se os recorrentes foram suficientemente individualizados por uma medida impugnada, o Tribunal de Justiça teve em consideração — isoladamente ou em combinação com outros elementos — se i) os recorrentes tinham participado no procedimento que conduziu à adoção da medida ( 133 ), ii) a sua posição no mercado foi «substancialmente afetada» por uma medida direcionada ( 134 ), e ou iii) o autor da medida controvertida era obrigado a ter em conta a situação específica dos recorrentes ( 135 ).

192.

Neste contexto, a recorrente conseguiu demonstrar que a medida controvertida lhe diz individualmente respeito?

193.

Considero que sim.

194.

Em primeiro lugar, a recorrente pertence a um grupo limitado de pessoas que era identificável no momento da adoção da medida controvertida. Com efeito, apenas dois gasodutos eram, em teoria, imediatamente afetados pelo alargamento do âmbito de aplicação da Diretiva Gás: o Nord Stream 2 e o Transadriático. No entanto, uma vez uma derrogação já tinha sido obtida por este último, é mais adequado falar da recorrente como a única empresa que pertence a esse grupo (puramente teórico) de pessoas afetadas pela medida controvertida ( 136 ).

195.

Em segundo lugar, atendendo à sua situação de facto, a recorrente encontrava‑se, sob vários aspetos, numa posição única em relação à medida controvertida. No momento da adoção dessa medida e da sua entrada em vigor, a construção do seu gasoduto não só tinha começado, como já se encontrava numa fase muito avançada. Ao mesmo tempo, porém, esse gasoduto não pôde ser concluído antes do prazo previsto no artigo 49.o‑A da Diretiva Gás. Consequentemente, o novo regime seria imediatamente aplicável à recorrente, que se encontrava encurralada no meio: as derrogações previstas na Diretiva Gás não eram aplicáveis.

196.

Dificilmente será discutível que apenas a recorrente se encontrava nessa situação no momento da adoção do ato. Nenhuma outra sociedade ocupará essa posição no futuro. Qualquer outro gasoduto, quer construído no passado ou a ser construído no futuro, poderia, em princípio, beneficiar de uma derrogação.

197.

Em terceiro lugar, não só as instituições da União estavam cientes de que, em virtude da medida controvertida, a recorrente seria submetida ao regime jurídico recentemente instituído, mas agiram precisamente com a intenção de sujeitar a recorrente a esse novo regime ( 137 ). Além disso, observo que a recorrente apresentou, em primeira instância, vários documentos, para além dos excluídos pelo Tribunal Geral, que sugerem que a extensão das regras da União em matéria de gás às atividades da recorrente foi, de facto, um das principais, se não as principais, razões que levaram as instituições da União a adotar a medida controvertida ( 138 ).

198.

Acrescentaria, de passagem, que tudo isto é notoriamente conhecido. Um rápido olhar para artigos de imprensa e doutrina sobre a adoção da medida controvertida parece confirmar a argumentação da recorrente neste sentido. A este respeito, nem é necessário salientar que, para apurar os factos relevantes, o Tribunal de Justiça também se pode basear em factos notórios ( 139 ). A justiça é frequentemente representada como cega. No entanto, pelo menos daquilo que me lembro, essa alegoria não deve ser interpretada como sendo a justiça incapaz de ver algo que está obviamente à vista de todos.

199.

Em quarto lugar, dada a fase avançada da construção do projeto e o investimento já efetuado pela recorrente no momento em que a medida controvertida foi adotada, é evidente que a adoção da medida em questão tem por efeito obrigar a recorrente a introduzir mudanças profundas na sua estrutura societária e financeira e no seu modelo de negócios, tudo num prazo relativamente curto, uma vez que a medida controvertida devia ser transposta em aproximadamente 10 meses a partir da sua adoção ( 140 ). É, portanto, bastante claro que tal medida não só tem capacidade, mas também se destina a afetar de forma significativa a posição da recorrente no mercado. A recorrente também alegou, sem que os recorridos ou os intervenientes se opusessem, que a medida controvertida exigirá a alteração de diversos acordos que tinha anteriormente celebrado, afetando assim uma posição legal já estabelecida ( 141 ).

200.

Com base nas considerações precedentes, é difícil imaginar uma situação em que, apesar de a medida controvertida ser de alcance geral, pudesse ser identificada uma relação mais clara e específica entre a situação da recorrente e a referida medida. Devido a certas características específicas da recorrente e às circunstâncias particulares relativas à adoção da medida controvertida, a posição da recorrente em relação a essa medida pode ser distinguida da posição de qualquer outra sociedade que é, ou será, submetida às regras da Diretiva Gás por força da medida controvertida.

201.

À luz do que precede, concluo que, uma vez que lhe diz diretamente e individualmente respeito, a recorrente tem legitimidade para impugnar a medida controvertida ao abrigo do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE.

B.   Quanto à procedência do recurso

202.

No recurso para o Tribunal Geral, a recorrente invocou seis fundamentos contra a medida controvertida.

203.

Para a apreciação destes fundamentos, é necessária uma apreciação aprofundada, de direito e de facto, dos argumentos apresentados por todas as partes no processo, à luz das provas por elas apresentadas.

204.

Na falta de tal apreciação no despacho impugnado, o estado do litígio não permite que o Tribunal de Justiça se pronuncie definitivamente no presente processo.

205.

Por conseguinte, o processo deve ser remetido ao Tribunal Geral e as despesas reservadas para final.

VII. Conclusão

206.

Proponho que o Tribunal de Justiça deveria:

anular o Despacho de 20 de maio de 2020, Nord Stream 2/Parlamento e Conselho (T‑526/19, EU:T:2020:210);

declarar admissível o recurso de anulação interposto pela Nord Stream 2 AG;

remeter o processo ao Tribunal Geral para que este profira uma decisão de mérito; e

reservar para final a decisão quanto às despesas.


( 1 ) Língua original: inglês.

( 2 ) Despacho de 20 de maio de 2020, Nord Stream 2/Parlamento e Conselho (T‑526/19, EU:T:2020:210) (a seguir «despacho recorrido»).

( 3 ) JO 2019, L 117, p. 1.

( 4 ) V., em especial, considerando 3 da medida controvertida.

( 5 ) JO 2009, L 211, p. 94.

( 6 ) V., em especial, os considerandos 6 a 9 da Diretiva Gás.

( 7 ) No contexto das indústrias de rede, o termo «separação» é usado para fazer referência à separação das atividades suscetíveis de ser submetidas ao jogo da concorrência (como a produção e comercialização) daquelas onde a concorrência não é possível nem permitida (como é o caso das atividades de transporte). O objetivo da separação é impedir os operadores do sistema de redes de transporte favoreçam as suas próprias atividades de comercialização em prejuízo dos fornecedores independentes.

( 8 ) Este parecer intitula‑se «Recomendação de Decisão do Conselho que autoriza a abertura de negociações com vista à celebração de um acordo entre a União Europeia e a Federação da Rússia relativo à exploração do gasoduto Nord Stream 2 — Repartição de competências e questões jurídicas conexas».

( 9 ) Regulamento (CE) n.o 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão (JO 2001, L 145, p. 43).

( 10 ) V., igualmente, n.o 82 do despacho recorrido.

( 11 ) N.os 106 a 108 do despacho recorrido.

( 12 ) N.os 78 e 79 do despacho recorrido.

( 13 ) O que é certamente verdade em relação ao princípio geral; na prática, no entanto, mesmo antes da transposição ou caso não sejam transpostas, as diretivas podem ter a i) um efeito de bloqueio sobre as autoridades nacionais que pode ter um efeito negativo sobre os particulares — Acórdão de 18 de dezembro de 1997, Inter‑Environnement Wallonie (C‑129/96, EU:C:1997:628, n.os 35 a 50); ou ii) produzir efeitos acessórios na esfera de terceiros — Acórdãos de 7 de janeiro de 2004, Wells (C‑201/02, EU:C:2004:12, n.os 54 a 61), e de 30 de abril de 1996, CIA Security International (C‑194/94, EU:C:1996:172, n.os 40 a 55); ou iii) levar a uma interpretação do direito nacional em conformidade com essa diretiva que possa ser prejudicial ao particular — v., por exemplo, Acórdão de 19 de abril de 2016, DI (C‑441/14, EU:C:2016:278, n.os 31 e jurisprudência referida).

( 14 ) Acórdão de 6 de novembro de 2018, Scuola Elementare Maria Montessori/Comissão, Comissão/Scuola Elementare Maria Montessori e Comissão/Ferracci (C‑622/16 P a C‑624/16 P, EU:C:2018:873, n.o 42 e jurisprudência referida). O sublinhado é meu.

( 15 ) V., remetendo para a jurisprudência e doutrina pertinente, as minhas Conclusões no processo Région de Bruxelles‑Capitale/Comissão (C‑352/19 P, EU:C:2020:588, n.o 48).

( 16 ) V., neste sentido, designadamente, Acórdão de 22 de junho de 2021, Venezuela/Conselho (C‑872/19 P, EU:C:2021:507, n.o 66).

( 17 ) Conclusões do advogado‑geral G. Hogan no processo Venezuela/Conselho (C‑872/19 P, EU:C:2021:37, n.o 105).

( 18 ) V. Acórdãos de 11 de novembro de 1981, IBM/Comissão (60/81, EU:C:1981:264, n.o 9), e de 12 de setembro de 2006, Reynolds Tobacco e o./Comissão (C‑131/03 P, EU:C:2006:541). O sublinhado é meu. Mais recentemente, neste sentido, v. Acórdão de 31 de janeiro de 2019, International Management Group/Comissão (C‑183/17 P e C‑184/17 P, EU:C:2019:78, n.o 51), e Despacho de 2 de setembro de 2020, ENIL Bruxelas Office e o./Comissão (T‑613/19, não publicado, EU:T:2020:382, n.o 25).

( 19 ) V., entre muitos, Acórdãos de 20 de fevereiro de 2018, Bélgica/Comissão (C‑16/16 P, EU:C:2018:79, n.o 32 e jurisprudência referida), e de 9 de julho de 2020, República Checa/Comissão (C‑575/18 P, EU:C:2020:530, n.o 47). O sublinhado é meu.

( 20 ) Com a mesma abordagem sendo também aplicada em relação a outras questões, como a existência de um ato impugnável nos termos do artigo 263.o TFUE — v., por exemplo, Acórdão de 20 de fevereiro de 2018, Bélgica/Comissão (C‑16/16 P, EU:C:2018:79, n.o 19).

( 21 ) V., nomeadamente, Acórdãos de 7 de outubro de 2009, Vischim/Comissão (T‑420/05, EU:T:2009:391, n.os 67, 78 e 79); de 7 de outubro de 2009, Vischim/Comissão (T‑380/06, EU:T:2009:392, n.os 57 a 59); e de 2 de março de 2010, Arcelor/Parlamento e Conselho (T‑16/04, EU:T:2010:54, n.o 94 e jurisprudência referida).

( 22 ) V., designadamente, Acórdão de 25 de setembro de 2015, PPG e SNF/ECHA (T‑268/10 RENV, EU:T:2015:698, n.o 47 e jurisprudência referida).

( 23 ) V. também artigos 58.o a 60.o do Regulamento de Processo do Tribunal Geral.

( 24 ) V., nomeadamente, Despacho de 13 de outubro de 2006, Vischim/Comissão (T‑420/05 RII, EU:T:2006:304, n.o 33).

( 25 ) Acórdão de 21 de dezembro de 2011 (C‑366/10, EU:C:2011:864, n.os 127 e 128).

( 26 ) V., neste sentido, Acórdãos de 13 de março de 2008, Comissão/Infront WM (C‑125/06 P, EU:C:2008:159, n.os 41 a 64); de 15 de dezembro de 2005, Infront WM/Comissão (T‑33/01, EU:T:2005:461, n.os 114 a 150); e de 25 de outubro de 2011, Microban International e Microban (Europe)/Comissão (T‑262/10, EU:T:2011:623, n.o 28).

( 27 ) V., neste sentido, Acórdão de 22 de junho de 2021, Venezuela/Conselho (C‑872/19 P, EU:C:2021:507, n.o 71).

( 28 ) Conforme o próprio Tribunal Geral sublinhou, com base na jurisprudência assente, no n.o 78 do despacho recorrido. V. também Acórdão de 2 de março de 2010, Arcelor/Parlamento e Conselho (T‑16/04, EU:T:2010:54, n.o 94 e jurisprudência referida). Mais recentemente, v., por analogia, as Conclusões do advogado‑geral G. Hogan no processo Venezuela/Conselho (Se um Estado terceiro é afetado) (C‑872/19 P, EU:C:2021:37, n.o 119).

( 29 ) V., de igual modo, Lenaerts, K., Maselis, I. e Gutman, K., EU Procedural Law, Oxford University Press, Oxford, 2014, pp. 768 e 769.

( 30 ) V., designadamente, Acórdãos de 15 de julho de 1963, Plaumann/Comissão (25/62, EU:C:1963:17, p. 107), e, mais recentemente, de 17 de setembro de 2015, Mory e o./Comissão (C‑33/14 P, EU:C:2015:609, n.o 93).

( 31 ) Conclusões do advogado‑geral M. Wathelet no processo Stichting Woonlinie e o./Comissão (C‑133/12 P, EU:C:2013:336, n.o 41). Recentemente referido também no Acórdão de 28 de novembro de 2019, Banco Cooperativo Español/SRB (T‑323/16, EU:T:2019:822, n.o 51).

( 32 ) V. Acórdãos de 6 de novembro de 1990, Weddel/Comissão (C‑354/87, EU:C:1990:371, n.o 19), e de 13 de outubro de 2011, Deutsche Post e Alemanha/Comissão (C‑463/10 P e C‑475/10 P, EU:C:2011:656, n.o 70).

( 33 ) V., neste sentido, Acórdão de 13 de março de 2008, Comissão/Infront WM (C‑125/06 P, EU:C:2008:159, n.o 62), e de 17 de fevereiro de 2011, FIFA/Comissão (T‑385/07, EU:T:2011:42, n.o 41).

( 34 ) V. Acórdão de 13 de maio de 1971, International Fruit Company e o./Comissão (41/70 a 44/70, EU:C:1971:53, n.os 23 a 26). Neste sentido, v., igualmente, Acórdão de 28 de novembro de 2019, Banco Cooperativo Español/SRB (T‑323/16, EU:T:2019:822, n.os 60 a 63).

( 35 ) V., neste sentido, Acórdãos de 17 de setembro de 2009, Comissão/Koninklijke FrieslandCampina (C‑519/07 P, EU:C:2009:556, n.o 49), de 26 de setembro de 2000, Starway/Conselho (T‑80/97, EU:T:2000:216, n.os 61 a 65); de 1 de julho de 2009, ISD Polska e o./Comissão (T‑273/06 e T‑297/06, EU:T:2009:233, n.o 68).

( 36 ) V., neste sentido, Acórdãos de 29 de junho de 1994, Fiskano/Comissão (C‑135/92, EU:C:1994:267, n.o 27), e de 25 de outubro de 2011, Microban International e Microban (Europe)/Comissão (T‑262/10, EU:T:2011:623, n.o 29).

( 37 ) Acórdão de 3 de abril de 2003, Royal Philips Electronics/Comissão (T‑119/02, EU:T:2003:101, n.o 276).

( 38 ) Ibid., n.os 277 a 281. V. igualmente jurisprudência referida na nota 21, supra.

( 39 ) Despacho de 10 de setembro de 2002, Japan Tobacco e JT International/Parlamento e Conselho (T‑223/01, EU:T:2002:205, n.o 46). O sublinhado é meu.

( 40 ) V., supra, n.os 45 a 47 das presentes conclusões.

( 41 ) Reconhece‑se que tal decisão poderia ser tomada também no âmbito da política judicial. A esse respeito, a ideia subjacente seria, no essencial, direcionar toda e qualquer questão sobre a validade de quaisquer atos da União que exijam futuramente algum envolvimento, ainda que residual, a nível nacional, para o Tribunal de Justiça por meio de pedidos de decisão prejudicial relativos à validade ao abrigo do artigo 267.o do TFUE, em vez de permitir que prossigam para o Tribunal Geral, ao abrigo do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE. Para uma perspetiva crítica, a respeito da solidez dessa gestão do fluxo de processos, tendo em vista a atual estrutura institucional dos órgãos jurisdicionais da União, v. as minhas Conclusões no processo Région de Bruxelles‑Capitale/Comissão (C‑352/19 P, EU:C:2020:588, n.os 137 a 147) e nos processos apensos Alemanha e Hungria/Comissão e Comissão/Ville de Paris e o. (C‑177/19 P a C‑179/19 P, EU:C:2021:476, n.os 108 e 109).

( 42 ) Por uma questão de clareza, deve salientar‑se que, embora certas versões linguísticas da Diretiva Gás utilizem termos diferentes para se referirem a essas duas situações (como a versão inglesa «derogation» e «exemption», e a versão alemã «Ausnahme» e «Abweichung»), outras versões linguísticas usam um e mesmo termo (como a versão francesa, «dérogation’, e a versão italiana, «derroga»).

( 43 ) Uma das condições de derrogação é, segundo o artigo 36.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva Gás, que «o nível de risco associado ao investimento [seja] de tal ordem que não haveria investimento se não fosse concedida a derrogação».

( 44 ) Isso é indiscutível, dado o estágio bastante avançado de construção do gasoduto. Segundo a recorrente, a decisão final sobre o investimento principal foi adotada em setembro de 2015.

( 45 ) Ou seja, no prazo de cerca de um mês a contar da data de adoção da medida controvertida. Sobre este último aspeto, v., também, Decisão de 20 de maio de 2020 BK7‑19‑108 do Bundesnetzagentur (Agência Federal das Redes, Alemanha).

( 46 ) Comparar com o Acórdão de 22 de junho de 2021, Venezuela/Conselho (C‑872/19 P, EU:C:2021:507, n.o 90).

( 47 ) Tal regra envolve uma separação integral entre a propriedade e a exploração das redes de transporte de gás e as atividades de produção e comercialização de gás.

( 48 ) Segundo o modelo ISO, previsto no artigo 14.o da Diretiva Gás, uma empresa verticalmente integrada é proprietária de uma rede de transporte, mas o operador da rede de transporte deve ser uma entidade independente.

( 49 ) Segundo o modelo ITO, previsto no Capítulo IV da Diretiva Gás, uma empresa verticalmente integrada é proprietária de uma entidade juridicamente distinta que possui e explora a rede de transporte (a saber, a ITO). Esta última entidade deve operar de forma autónoma relativamente à empresa verticalmente integrada.

( 50 ) V. n.o 113 do despacho recorrido.

( 51 ) Acima referido, nos n.os 61 a 65 das presentes conclusões.

( 52 ) Acórdão de 15 de dezembro de 2005, Infront WM/Comissão (T‑33/01, EU:T:2005:461).

( 53 ) N.o 117 do despacho recorrido.

( 54 ) Se o que o Tribunal Geral quis dizer foi que a diretiva impugnada é uma verdadeira diretiva e não uma decisão camuflada (conforme o Conselho alega no presente recurso), limitar‑me‑ia a fazer referência à jurisprudência segundo a qual «o simples facto de as disposições impugnadas fazerem parte de um ato de alcance geral que é uma verdadeira diretiva, e não uma decisão, na aceção do [artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE], adotada sob a forma de diretiva, não basta, por si só, para excluir a possibilidade de essas disposições poderem dizer direta e individualmente respeito a um particular». V. Acórdão de 2 de março de 2010, Arcelor/Parlamento e Conselho (T‑16/04, EU:T:2010:54, n.o 94 e jurisprudência referida). O sublinhado é meu.

( 55 ) V. n.os 96 e 98 do despacho recorrido.

( 56 ) A recorrente invocou devidamente o incumprimento do Tribunal Geral quanto a este aspeto no âmbito da sua argumentação relativa a uma interpretação e aplicação erradas do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, embora não o tenha descrito como «falta de fundamentação». V., supra, n.o 67 das presentes conclusões.

( 57 ) V., neste sentido, Acórdão de 20 de dezembro de 2017, EUIPO/European Dynamics Luxembourg e o. (C‑677/15 P, EU:C:2017:998, n.o 36 e jurisprudência referida).

( 58 ) V., designadamente, Despacho de 5 de setembro de 2013, ClientEarth/Conselho (C‑573/11 P, não publicado, EU:C:2013:564, n.o 20).

( 59 ) Refiro‑me, em especial, ao «Acordo de Transporte de Gás» celebrado em 7 de março de 2017 com a Gazprom Export LLC e os «Acordos de Financiamento de Dívida a Longo Prazo» celebrados em abril e junho de 2017 com a Gazprom, ENGIE SA, a OMV AG, a Royal Dutch Shellplc, a Uniper SE e a Wintershall Dea GmbH. Foram apresentados no Tribunal Geral excertos relevantes desses acordos.

( 60 ) V., mutatis mutandis, Conclusões do advogado‑geral Y. Bot no processo Sahlstedt e o./Comissão (C‑362/06 P, EU:C:2008:587, n.o 66 a 76).

( 61 ) O sublinhado é meu.

( 62 ) O sublinhado é meu.

( 63 ) Acórdão de 15 de julho de 1963, Plaumann/Comissão (25/62, EU:C:1963:17), mesmo se, nesse caso, aí a natureza da atividade empresarial em causa fosse bastante relevante para o conceito de afetação individual.

( 64 ) V., do mesmo modo, Conclusões do advogado‑geral Y. Bot no processo Comissão/Infront WM (C‑125/06 P, EU:C:2007:611, n.o 84).

( 65 ) V., supra, n.os 16 e 17 das presentes conclusões.

( 66 ) V., supra, n.os 18 e 19 das presentes conclusões.

( 67 ) V. Acórdão de 16 de maio de 2017, Berlioz Investment Fund (C‑682/15, EU:C:2017:373, n.o 96 e jurisprudência referida).

( 68 ) V., recentemente, Despacho de 12 de junho de 2019, OY/Comissão (C‑816/18 P, não publicado, EU:C:2019:486, n.o 6 e jurisprudência referida). O sublinhado é meu.

( 69 ) V., neste sentido, Acórdãos de 29 de fevereiro de 1996, Lopes/Tribunal de Justiça (T‑280/94, EU:T:1996:28, n.o 56 a 59); de 6 de setembro de 2013, Persia International Bank/Conselho (T‑493/10, EU:T:2013:398, n.o 95); e de 12 de setembro de 2013, Besselink/Conselho (T‑331/11, não publicado, EU:T:2013:419, n.os 11 e 12 e jurisprudência referida). V., igualmente, por analogia, Acórdãos de 25 de janeiro de 2007, Dalmine/Comissão (C‑407/04 P, EU:C:2007:53, n.os 46 a 51), e de 1 de julho de 2008, Suécia e Turco/Conselho (C‑39/05 P e C‑52/05 P, EU:C:2008:374, n.o 57).

( 70 ) V., por analogia, Acórdão de 26 de setembro de 2018, Infineon Technologies/Comissão (C‑99/17 P, EU:C:2018:773, n.o 65 e jurisprudência referida).

( 71 ) V., fazendo referência à jurisprudência do Tribunal Internacional de Justiça sobre a mesma problemática, Quintana, J.J., Litigation at the International Court of Justice, Leiden, Brill, 2015, p. 385.

( 72 ) V., em especial, Acórdão de 12 de maio de 2015, Dalli/Comissão (T‑562/12, EU:T:2015:270, n.os 47 e 48 e jurisprudência referida), e Despachos de 23 de março de 2017, Troszczynski/Parlamento (T‑626/16, não publicado, EU:T:2017:237, n.os 27 e 28), e de 23 de março de 2017, Gollnisch/Parlamento (T‑624/16, não publicado, EU:T:2017:243, n.os 27 e 28).

( 73 ) V., neste sentido, Acórdão de 8 de novembro de 2018, QB/BCE (T‑827/16, EU:T:2018:756, n.o 67). V., igualmente, a contrario, Acórdão de 17 de dezembro de 1981, Ludwigshafener Walzmühle Erling e o./Conselho e Comissão (197/80 a 200/80, 243/80, 245/80 e 247/80, EU:C:1981:311, n.o 16).

( 74 ) Acórdãos de 12 de maio de 2015, Dalli/Comissão (T‑562/12, EU:T:2015:270, n.o 49), e de 8 de novembro de 2018, QB/BCE (T‑827/16, EU:T:2018:756, n.os 68 a 72).

( 75 ) Esta também parece ser a visão prevalecente na doutrina: v., inter alia, Lasok, K.P.E, The European Court of Justice: Practice and Procedure, 2.a edição, Buttersworth, 1994, p. 344; e Barbier de la Serre, E., e Sibony, A.‑L., «Expert Evidence Before the EC Courts», Common Market Law Review, 2008, pp. 958 e 959; e Lenaerts, K., Maselis, I., e Gutman, K., EU Procedural Law, Oxford University Press, Oxford, 2014, pp. 768 e 769.

( 76 ) V., por exemplo, Acórdão de 31 de janeiro de 2020, Eslovénia/Croácia (C‑457/18, EU:C:2020:65, n.o 67), e Despacho de 14 de maio de 2019, Hungria/Parlamento (C‑650/18, não publicado, EU:C:2019:438, n.os 9, 12 e 13).

( 77 ) Artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1049/2001.

( 78 ) V., em especial, considerandos 6 e 11 do Regulamento n.o 1049/2001.

( 79 ) V. n.o 128 do despacho recorrido e jurisprudência referida.

( 80 ) V., inter alia, Despachos de 23 de outubro de 2002, Áustria/Conselho (C‑445/00, EU:C:2002:607, n.os 12 e 13), e de 23 de março de 2007, Stadtgemeinde Frohnleiten e Gemeindebetriebe Frohnleiten (C‑221/06, EU:C:2007:185, n.os 20 a 22), e Acórdão de 31 de janeiro de 2020, Eslovénia/Croácia (C‑457/18, EU:C:2020:65, n.o 70).

( 81 ) V., por exemplo, Acórdão de 23 de setembro de 2015, Cerafogli/BCE (T‑114/13 P, EU:T:2015:678, n.o 43).

( 82 ) A este respeito, em geral, v. Barents, R., Remedies and Procedures Before the EU Courts, 2a edição, Wolters Kluwer, 2020, pp. 651 e 652.

( 83 ) V., por exemplo, Acórdão de 12 de maio de 2015, Dalli/Comissão (T‑562/12, EU:T:2015:270, n.os 50 a 53).

( 84 ) V., neste sentido, Despacho de 13 de fevereiro de 2014, Comissão/Conselho (C‑425/13, não publicado, EU:C:2014:91, n.os 22 a 24); e Acórdãos de 6 de março de 2001, Dunnett e o./EIB (T‑192/99, EU:T:2001:7, n.os 33 e 34); de 11 de julho de 2014, Esso e o./Comissão (T‑540/08, EU:T:2014:630, n.o 61); e de 12 de maio de 2015, Dalli/Comissão (T‑562/12, EU:T:2015:270, n.o 51).

( 85 ) V., por exemplo, Acórdãos de 11 de julho de 2014, Esso e o./Comissão (T‑540/08, EU:T:2014:630, n.o 62), e de 4 de julho de 2017, European Dynamics Luxembourg e o./Agência Ferroviária da União Europeia (T‑392/15, EU:T:2017:462, n.os 52 a 56), e Despacho de 25 de fevereiro de 2015, BPC Lux 2 e o./Comissão (T‑812/14 R, não publicado, EU:T:2015:119, n.o 14).

( 86 ) V., neste sentido, Acórdão de 21 de julho de 2011, Suécia/MyTravel e Comissão (C‑506/08 P, EU:C:2011:496, n.o 118). V. igualmente, por analogia, Conclusões da advogada‑geral J. Kokott em Dragnea/Comissão (C‑351/20 P, EU:C:2021:625, n.o 92).

( 87 ) Em especial, cada vez mais documentos estão a aparecer no domínio público, de uma forma ou de outra, sem que isso se deva à parte que posteriormente pretende invocá‑los.

( 88 ) Despacho de 12 de junho de 2019, OY/Comissão (C‑816/18 P, não publicado, EU:C:2019:486, n.o 7).

( 89 ) V., neste sentido, Acórdão de 8 de novembro de 2000, Ghignone e o./Conselho (T‑44/97, EU:T:2000:258, n.o 45), e, por analogia, Acórdão de 21 de julho de 2011, Suécia/MyTravel e Comissão (C‑506/08 P, EU:C:2011:496, n.o 115).

( 90 ) V., neste sentido, Acórdão de 24 de setembro de 2002, Falck e Acciaierie di Bolzano/Comissão (C‑74/00 P e C‑75/00 P, EU:C:2002:524 n.os 60 e 61).

( 91 ) V., por analogia, Acórdão de 21 de julho de 2011, 21 de julho de 2011, Suécia/MyTravel e Comissão (C‑506/08 P, EU:C:2011:496, n.o 116 e jurisprudência referida).

( 92 ) V., in primis, artigo 15.o, n.o 3, TFUE.

( 93 ) V., em especial, artigo 38.o do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, e artigo 22.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

( 94 ) V., em especial, artigo 66.o do Regulamento de Processo do Tribunal Geral. V., igualmente, Acórdão de 1 de julho de 2010, AstraZeneca/Comissão (T‑321/05, EU:T:2010:266, n.o 25).

( 95 ) V., em especial, artigo 68.o, n.o 4, artigos 103.o, 104.o e 144.o do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, e artigo 131.o, n.os 2 a 4 do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça. V., igualmente, Acórdão de 12 de maio de 2010, Comissão/Meierhofer (T‑560/08 P, EU:T:2010:192, n.o 72 e jurisprudência referida).

( 96 ) V., por exemplo, Acórdão de 12 de maio de 2011, Missir Mamachi di Lusignano/Comissão (F‑50/09, EU:F:2011:55, n.o 156).

( 97 ) V. Acórdão de 10 de abril de 2019, Jindal Saw e Jindal Saw Italia/Comissão (T‑301/16, EU:T:2019:234, n.os 48 a 51).

( 98 ) V. artigo 105.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral e artigo 190.o‑A do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça. V. também Decisão (UE) 2016/2386 do Tribunal de Justiça, de 20 de setembro de 2016, relativa às regras de segurança aplicáveis às informações ou peças apresentadas no Tribunal Geral ao abrigo do artigo 105.o do seu Regulamento de Processo (JO 2016, L 355, p. 5), e Decisão (UE) 2016/2387 do Tribunal Geral, de 14 de setembro de 2016, relativa às regras de segurança aplicáveis às informações ou peças apresentadas ao abrigo do artigo 105.o, n.o 1 ou n.o 2, do Regulamento de Processo (JO 2016, L 355, p. 18).

( 99 ) Esta secção é composta por algumas «observações preliminares», nas quais o Tribunal Geral pretendeu estabelecer o quadro jurídico aplicável (n.os 38 a 46) e por três subsecções específicas nas quais, por sua vez, aplicou esse quadro para apreciar a admissibilidade dos diversos documentos a que se refere o pedido do Conselho (n.os 47 a 56, no que se refere ao primeiro documento controvertido, n.os 57 a 64, no que se refere ao segundo documento controvertido, e n.os 65 a 68, no que se refere ao terceiro documento controvertido).

( 100 ) N.os 125 a 135 do despacho recorrido.

( 101 ) N.os 40, 52 e 55 do despacho recorrido.

( 102 ) N.o 51 do despacho recorrido.

( 103 ) N.os 41, 42 e 135 do despacho recorrido.

( 104 ) Alguma breve consideração sobre este aspeto pode, talvez, ser considerada «implícita» no n.o 129 do despacho recorrido no que diz respeito aos documentos alemães não expurgados.

( 105 ) V., em especial, n.o 51 do despacho recorrido.

( 106 ) V., em especial, n.o 52 do despacho recorrido.

( 107 ) N.o 135 do despacho recorrido.

( 108 ) Processo de arbitragem iniciado em 26 de setembro de 2019 nos termos do artigo 26.o, n.o 4, alínea b) do Tratado da Carta da Energia e do artigo 3.o das Regras de Arbitragem da Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional (UNCITRAL) de 1976.

( 109 ) N.os 57 a 63 do despacho recorrido. O n.o 63 é particularmente revelador a este respeito: o Tribunal Geral concluiu a sua análise afirmando que «o Conselho considerou que a divulgação desse documento prejudicaria concreta e efetivamente a proteção do interesse público no que respeita às relações internacionais na aceção do artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1049/2001, […] o que justifica, por si só, que o referido documento seja desentranhado dos autos, sem que seja necessário ponderar a proteção desse interesse público com um interesse geral superior […]». O sublinhado é meu.

( 110 ) N.o 135 do despacho recorrido.

( 111 ) Não é necessário salientar, neste contexto, que um dos requisitos para a legitimidade dos recorrentes particulares é, precisamente, a existência do interesse em agir.

( 112 ) Sem entrar na questão de saber quem estria em posição de decidir (e como) o que é uma causa nobre digna de direitos especiais, e o que é simplesmente egoísmo individual normal.

( 113 ) A título exaustivo, pode acrescentar‑se que a jurisprudência a que o Tribunal Geral fez referência neste contexto dizia respeito a diferentes tipos de ações e (em parte) também a diferentes tipos de documentos. Ambas as decisões referidas no n.o 54 do despacho recorrido foram proferidas em litígios que opõem recorrentes privilegiados que, segundo as regras dos Tratados e do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, se encontram, por definição, numa situação diferente da dos recorrentes particulares (como é o caso da recorrente no presente processo).

( 114 ) V., em especial, considerando 6 do Regulamento n.o 1049/2001. V., igualmente, Acórdãos de 1 de julho de 2008, Suécia e Turco/Conselho (C‑39/05 P e C‑52/05 P, EU:C:2008:374, n.os 45 a 47), e de 4 de setembro de 2018, ClientEarth/Comissão (C‑57/16 P, EU:C:2018:660, n.os 84 a 95).

( 115 ) V., supra, n.o 140 das presentes conclusões.

( 116 ) V., inter alia, Despachos de 23 de outubro de 2002, Áustria/Conselho (C‑445/00, EU:C:2002:607, n.o 12), e de 14 de maio de 2019, Hungria/Parlamento (C‑650/18, não publicado, EU:C:2019:438, n.o 8).

( 117 ) V., neste sentido, Acórdão de 8 de novembro de 2018, QB/BCE (T‑827/16, ECLI:EU:T:2018:756, n.o 65 e jurisprudência referida). V., igualmente, Acórdão de 3 de outubro de 1985, Comissão/Tordeur (C‑232/84, EU:C:1985:392), e Despacho de 15 de outubro de 1986, LAISA/Conselho (31/86, não publicado na Coletânea).

( 118 ) Pode ser esse o caso quando são interpostos recursos por abuso de poder ou na sequência de fugas de informação de denunciantes, ou quando os recursos são suscetíveis de desencadear alguma responsabilidade penal por parte de membros do pessoal das instituições.

( 119 ) Que, conforme mencionado no n.o 116, supra, tinha competência para o fazer.

( 120 ) N.os 131 a 135 do despacho recorrido.

( 121 ) O que, em termos práticos, continuará a ser possível. Mesmo que o Tribunal de Justiça possa, em casos excecionais, excluir efetivamente um certo número de documentos dos autos, dificilmente é sua função gerir um gabinete de censura e examinar as alegações de uma das partes quanto ao seu conteúdo, verificando e voltando a verificar se um argumento jurídico apresentado por uma parte já constava provavelmente de outro documento.

( 122 ) A linha de base, portanto, continua necessariamente a ser a diferença entre uma referência a uma autoridade externa («isto é correto porque uma instituição da União o disse, e foi aqui que o disse») e um argumento autónomo sobre o mérito, metaforicamente assente nos seus dois pés, sem necessidade de recorrer a uma autoridade externa.

( 123 ) V., inter alia, Acórdãos de 15 de julho de 1963, Plaumann/Comissão (25/62, EU:C:1963:17, p. 107), e, mais recentemente, de 17 de setembro de 2015, Mory e o./Comissão (C‑33/14 P, EU:C:2015:609, n.o 93).

( 124 ) V., para o efeito, Acórdãos de 6 de novembro de 2018, Scuola Elementare Maria Montessori/Comissão, Comissão/Scuola Elementare Maria Montessori e Comissão/Ferracci (C‑622/16 P a C‑624/16 P, EU:C:2018:873, n.o 31 e jurisprudência referida).

( 125 ) V., entre outros, Acórdão de 19 de dezembro de 2013, Telefónica/Comissão (C‑274/12 P, EU:C:2013:852, n.o 47 e jurisprudência referida).

( 126 ) V. Acórdão de 17 de setembro de 2009, Comissão/Koninklijke Friesland Campina (C‑519/07 P, EU:C:2009:556, n.o 51 e jurisprudência referida). V., igualmente, Acórdão de 18 de maio de 1994, Codorniu/Conselho (C‑309/89, EU:C:1994:197, n.o 19).

( 127 ) V. Acórdão de 18 de maio de 1994, Codorniu/Conselho (C‑309/89, EU:C:1994:197, n.o 22).

( 128 ) V., neste sentido, Acórdãos de 17 de janeiro de 1985, Piraiki‑Patraiki e o./Comissão (11/82, EU:C:1985:18, n.o 31); de 22 de junho de 2006, Belgium e Forum 187/Comissão (C‑182/03 e C‑217/03, EU:C:2006:416, n.o 60); e de 27 de fevereiro de 2014, Stichting Woonpunt e o./Comissão (C‑132/12 P, EU:C:2014:100, n.os 59 e 60).

( 129 ) Conclusões do advogado‑geral P. VerLoren van Themaat no processo Piraiki‑Patraiki e o./Comissão (11/82, EU:C:1982:356, p. 218).

( 130 ) Conclusões do advogado‑geral C. Lenz no processo Codorniu/Conselho (C‑309/89, EU:C:1992:406, n.o 38). O sublinhado é meu.

( 131 ) V. Acórdãos de 13 de março de 2008, Comissão/Infront WM (C‑125/06 P, EU:C:2008:159, n.o 72), e de 27 de fevereiro de 2014, Stichting Woonpunt e o./Comissão (C‑132/12 P, EU:C:2014:100, n.o 59).

( 132 ) V. Acórdãos de 18 de novembro de 1975, CAM/EEC (100/74, EU:C:1975:152, n.o 18). Do mesmo modo, Acórdão de 13 de maio de 1971, International Fruit Company e o./Comissão (41/70 to 44/70, EU:C:1971:53, n.os 17 e 18).

( 133 ) V. Acórdão de 28 de janeiro de 1986, Cofaz e o./Comissão (169/84, EU:C:1986:42, n.os 24 e 25).

( 134 ) V., neste sentido, Acórdão de 22 de dezembro de 2008, British Aggregates/Comissão (C‑487/06 P, EU:C:2008:757, n.os 50 a 57). Do mesmo modo, Acórdão de 12 de dezembro de 2006, Asociación de Estaciones de Servicio de Madrid e Federación Catalana de Estaciones de Servicio/Comissão (T‑95/03, EU:T:2006:385, n.os 52 a 55).

( 135 ) V., neste sentido, Acórdãos de 10 de abril de 2003, Comissão/Nederlandse Antillen (C‑142/00 P, EU:C:2003:217, n.os 71 a 76 e jurisprudência referida), e de 3 de fevereiro de 2005, Comafrica e Dole Fresh Fruit Europe/Comissão (T‑139/01, EU:T:2005:32, n.o 110). V., igualmente, Acórdãos de 6 de novembro de 1990, Weddel/Comissão (C‑354/87, EU:C:1990:371, n.os 20 a 22), e de 15 de junho de 1993, Abertal e o./Comissão (C‑213/91, EU:C:1993:238, n.o 23).

( 136 ) Tal como reconhecido, por exemplo, pela própria Comissão quando apresentou a sua proposta para a medida controvertida: v. Ficha técnica da Comissão Europeia, «Questions and Answers on the Commission proposal to amend the Gas Directive (2009/73/EC)», MEMO/17/4422, 8 de novembro de 2017 (resposta à pergunta 10).

( 137 ) V., entre outros documentos de livre acesso, i) Ficha técnica da Comissão Europeia, «Questions and Answers on the Commission proposal to amend the Gas Directive (2009/73/EC)», MEMO/17/4422, 8 de novembro de 2017 (respostas a perguntas 8 a 11), ii) Perguntas do Parlamento Europeu, Resposta dada por Arias Cañete em nome da Comissão Europeia [E‑004084/2018(ASW)], 24 de setembro de 2018, e iii) European Parliament Research Service Briefing, EU Legislation in Progress, «Common rules for gasodutos in EU market in EU market», 27 de maio de 2019, p. 2.

( 138 ) V., em especial, a Resposta dada pelo Comissário responsável pela Energia Cañete e a informação ao Parlamento referida na nota anterior. V. também a Decisão do Bundesnetzagentur referida na nota 43.

( 139 ) V., por exemplo, Acórdãos de 28 de fevereiro de 2018, Comissão/Xinyi PV Products (Anhui) Holdings (C‑301/16 P, EU:C:2018:132, n.o 78), e de 20 de março de 2014, Comissão/Lituânia (C‑61/12, EU:C:2014:172, n.o 62).

( 140 ) V. artigo 2.o da medida controvertida. Curiosamente, foi concedido aos Estados‑Membros um período de cerca do dobro do tempo para transpor a Diretiva Gás (v. artigo 54.o) e ainda mais longo para aplicar a disposição relativa à separação (v. artigo 9.o).

( 141 ) V., também, supra, n.o 96 das presentes conclusões.