CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

EVGENI TANCHEV

apresentadas em 9 de setembro de 2021 ( 1 )

Processo C‑232/20

NP

contra

Daimler AG, Mercedes‑Benz Werk Berlin

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Landesarbeitsgericht Berlin‑Brandenburg (Tribunal Superior do Trabalho de Berlim‑Brandeburgo, Alemanha)]

«Reenvio prejudicial — Política social — Significado de “temporariamente” na aceção do artigo 1.o da Diretiva 2008/104/CE — Artigo 5.o, n.o 5, da Diretiva 2008/104 — Disposição transitória que exclui a tomada em consideração de períodos de cedência de um trabalhador temporário a um utilizador antes de uma determinada data — Introdução pelo direito de um Estado‑Membro de uma duração máxima da cedência de trabalhadores temporários a utilizadores — Direito de um trabalhador temporário a um contrato de trabalho por tempo indeterminado com um utilizador em caso de recurso abusivo ao trabalho temporário»

1.

O presente pedido de decisão prejudicial, apresentado pelo Landesarbeitsgericht Berlin‑Brandenburg (Tribunal Superior do Trabalho de Berlim‑Brandeburgo, Alemanha, a seguir «órgão jurisdicional de reenvio») tem por objeto a interpretação da Diretiva 2008/104/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de novembro de 2008, relativa ao trabalho temporário ( 2 ). O órgão jurisdicional de reenvio pretende, em substância, obter esclarecimentos sobre as quatro questões que se seguem.

2.

Em primeiro lugar, refere‑se o termo «temporariamente» que figura no artigo 1.o da Diretiva 2008/104 apenas à duração do período de cedência de um trabalhador temporário a um utilizador, ou está também associado à natureza do trabalho a executar, pelo que nem os empregos permanentes nem os empregos que não são ocupados para assegurar a substituição de trabalhadores ausentes (a seguir «a título de substituição») podem ser ocupados «temporariamente»?

3.

Em segundo lugar, é compatível com o direito da União que um legislador de um Estado‑Membro, neste caso a Alemanha, estabeleça um período máximo para além do qual a cedência de um trabalhador temporário deixa de poder ser considerada temporária, mas impede simultaneamente os trabalhadores temporários de invocarem períodos de cedência anteriores a uma certa data para determinar se esse período máximo foi ultrapassado, nomeadamente quando a exclusão desses períodos implique que a duração máxima da cedência foi respeitada pelo utilizador?

4.

Em terceiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se a declaração de existência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado entre um utilizador e um trabalhador temporário constitui uma solução garantida pelo direito da União quando se constate que um trabalhador temporário foi sujeito a cedências sucessivas a um mesmo utilizador a fim de contornar as disposições da Diretiva 2008/104, em violação do artigo 5.o, n.o 5, da Diretiva 2008/104 (a seguir «recurso abusivo ao trabalho temporário»).

5.

Em quarto lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se, nos termos da Diretiva 2008/104, a extensão da duração máxima de cedência prevista pela legislação alemã, pode igualmente ser deixada à discrição das partes numa convenção coletiva. E se, em caso de resposta afirmativa, este entendimento inclui partes numa convenção coletiva que não são competentes no que respeita à relação de trabalho do trabalhador temporário em causa, mas sim no que respeita ao setor de atividade do utilizador?

6.

Cheguei à conclusão de que, embora o termo «temporariamente» que figura no artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2008/104 signifique «de duração limitada no tempo» e «não permanente» ( 3 ), diz apenas respeito ao período de cedência do trabalhador temporário em causa, e não ao posto de trabalho a que é afetado, pelo que os empregos permanentes e os empregos que não são ocupados a título de substituição não estão automaticamente excluídos do âmbito de aplicação da Diretiva 2008/104. Contudo, a natureza do trabalho, incluindo a questão de saber se se trata ou não de um posto permanente, deve ser tomada em consideração para determinar se a cedência sucessiva de trabalhadores temporários ao mesmo utilizador pode ser objetivamente explicada ( 4 ), de modo a não constituir um recurso abusivo ao trabalho temporário em violação do artigo 5.o, n.o 5, da Diretiva 2008/104 ( 5 ).

7.

Além disso, uma legislação de um Estado‑Membro que exclui expressamente a tomada em consideração de períodos de cedência anteriores a uma data específica, mas posteriores à data de transposição da Diretiva 2008/104, sendo essa exclusão pertinente para determinar se houve recurso abusivo ao trabalho temporário, é incompatível com o artigo 5.o, n.o 5, da Diretiva 2008/104 quando reduz a duração de um período de cedência que o trabalhador temporário poderia, de outro modo, invocar. Todavia, no âmbito de uma ação horizontal entre dois particulares, as disposições legais de um Estado‑Membro que prevejam essa exclusão só devem ser afastadas se tal não implicar uma interpretação contra legem do direito do Estado‑Membro em questão, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar ( 6 ).

8.

Contudo, o direito da União não exige a constatação da existência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado entre um utilizador e um trabalhador temporário como forma de sanar um recurso abusivo ao trabalho temporário ( 7 ).

9.

Por último, tendo em conta a regra assente segundo a qual as disposições das diretivas da União no domínio do direito do trabalho podem ser executadas não só por via legislativa mas também através de convenções coletivas de aplicação geral ( 8 ), a extensão do período individual máximo de cedência, previsto nos termos do direito alemão, pode ser deixada à disposição das partes numa convenção coletiva que apenas tenham competência no setor de atividade do utilizador. Todavia, a limitação exposta no n.o 7 aplica‑se igualmente a essas convenções.

I. Quadro jurídico

A.   Direito da União

10.

O artigo 1.o da Diretiva 2008/104 tem por epígrafe «Âmbito de aplicação». O artigo 1.o, n.o 1, enuncia o seguinte:

«A presente diretiva é aplicável aos trabalhadores com um contrato de trabalho ou uma relação de trabalho com uma empresa de trabalho temporário, que sejam cedidos temporariamente a utilizadores a fim de trabalharem sob a autoridade e direção destes.» [N. do T. A formulação da versão PT afasta‑se, nomeadamente, das versões EN, ES, FR, IT e SE (pelo menos), na medida em que o advérbio «temporariamente» se refere explicitamente à cedência, e não à natureza do trabalho (como acontece nessas outras versões).]

B.   Direito alemão

11.

A segunda frase do § 1, n.o 1, da Gesetz zur Regelung der Arbeitnehmerüberlassung (Lei alemã que Regula a Cedência de Trabalhadores, a seguir «AÜG»), na versão em vigor entre 1 de dezembro de 2011 e 31 de março de 2017, dispunha que a «cedência de trabalhadores a utilizadores é temporária».

12.

Resulta da decisão de reenvio que, até abril de 2017, não existia qualquer sanção específica para a violação desta disposição ( 9 ), mas o § 9 da AÜG declarava inválidos os contratos celebrados entre as empresas de trabalho temporário e os utilizadores, bem como entre as empresas de trabalho temporário e os trabalhadores temporários, nomeadamente, se a empresa de trabalho temporário não possuísse a autorização exigida pela AÜG. O § 10 da AÜG acrescentava que, neste caso, se considerava que tinha sido constituída uma relação de trabalho entre o utilizador e o trabalhador temporário.

13.

A Gesetz zur Änderung des Arbeitnehmerüberlassungsgesetzes und anderer Gesetze (Lei que Altera a Lei sobre a Cedência de Trabalhadores e Outras Leis), de 21 de fevereiro de 2017, alterou a AÜG com efeitos a partir de 1 de abril de 2017. Foi aditado um novo n.o 1b ao § 1 da AÜG, com a seguinte redação:

«A empresa de trabalho temporário não pode ceder o mesmo trabalhador temporário durante mais de 18 meses consecutivos ao mesmo utilizador; o utilizador não pode empregar o mesmo trabalhador temporário durante mais de 18 meses consecutivos. A duração das anteriores cedências, pela mesma ou por outra empresa de trabalho temporário ao mesmo utilizador, deve ser contabilizada na íntegra caso não tenham decorrido mais de 3 meses entre cada cedência. Uma convenção coletiva celebrada por parceiros sociais do setor utilizador em causa pode fixar uma duração máxima de cedência diferente da prevista na primeira frase. […] Um acordo de empresa ou de serviço celebrado com base numa convenção coletiva celebrada pelos parceiros sociais do setor utilizador pode fixar uma duração máxima de cedência diferente da prevista na primeira frase. […]»

14.

Foi aditado um ponto 1b ao § 9, n.o 1, da AÜG:

«São inválidos:

1b. Contratos de trabalho entre empresas de trabalho temporário e trabalhadores temporários que excedam a duração máxima de cedência permitida nos termos do § 1, n.o 1b, salvo se o trabalhador temporário declarar por escrito à empresa de trabalho temporário ou ao utilizador que mantém o seu contrato de trabalho com a empresa de trabalho temporário, antes do termo de um mês após ter sido ultrapassada a duração máxima de cedência permitida,

[…]»

15.

A consequência jurídica da invalidade passou a estar prevista no § 10, n.o 1, primeira frase, da AÜG:

«Caso o contrato celebrado entre uma empresa de trabalho temporário e um trabalhador temporário seja inválido nos termos do § 9, considera‑se que foi estabelecida uma relação de trabalho entre o utilizador e o trabalhador temporário na data acordada para o início da cedência entre o utilizador e a empresa de trabalho temporário; caso a invalidade apenas se verifique após o trabalhador ter iniciado a atividade junto do utilizador, considera‑se que a relação de trabalho entre o utilizador e o trabalhador temporário se iniciou no momento em que ocorre a invalidade […].»

16.

O § 19, n.o 2, da AÜG contém uma disposição transitória (a seguir «disposição transitória»):

«Os períodos de cedência anteriores a 1 de abril de 2017 não são tidos em consideração para o cálculo da duração máxima de cedência referida no § 1, n.o 1b […]».

17.

A «Tarifvertrag zur Leih‑/Zeitarbeit in der Metall‑ und Elektroindustrie in Berlin und Brandenburg vom 01.06.2017» (Convenção coletiva, de 1 de junho de 2017, relativa ao trabalho temporário na indústria metalúrgica e elétrica de Berlim e de Brandeburgo) refere expressamente a cláusula de derrogação que figura no § 1, n.o 1b, da AÜG. Nos termos da sua disposição transitória, no caso das empresas que não tenham celebrado um acordo de empresa, o empregador e a comissão de trabalhadores devem acordar um período máximo de cedência. Caso não cheguem a acordo, aplica‑se uma duração máxima de cedência de 36 meses a partir de 1 de junho de 2017.

18.

O estabelecimento da demandada em Berlim não dispõe de um acordo de empresa. Um acordo geral de empresa complementar (celebrado entre a demandada e a comissão central de trabalhadores), de 20 de setembro de 2017, estipula que, no setor da produção, o período de cedência de trabalhadores temporários não pode exceder 36 meses. No que respeita aos trabalhadores temporários que já estavam empregados em 1 de abril de 2017, só são tidos em consideração para efeitos de cálculo dessa duração máxima os períodos posteriores a 1 de abril de 2017.

II. Matéria de facto, tramitação processual e questões prejudiciais

19.

O demandante NP (a seguir «demandante») trabalha para uma empresa de trabalho temporário desde 1 de setembro de 2014, com um salário de 9,36 euros por hora ( 10 ). A duração da relação laboral estava inicialmente limitada a dois períodos de um ano, antes de se ter tornado indeterminada. As cedências do demandante foram objeto de 18 prorrogações ao longo de um período de 56 meses.

20.

Nos termos de um acordo suplementar ao contrato de trabalho entre o demandante e a empresa de trabalho temporário, o demandante devia trabalhar como operário metalúrgico para a empresa utilizadora D (a seguir «demandada»), na fábrica de automóveis que esta última possuía em Berlim. As tarefas a realizar na linha de produção de motores estavam descritas nesse acordo. Nos termos do contrato de trabalho entre o demandante e a empresa de trabalho temporário, a relação de trabalho estava sujeita a determinadas convenções coletivas aplicáveis ao setor do trabalho temporário.

21.

Entre 1 de setembro de 2014 e 31 de maio de 2019, o demandante foi cedido exclusivamente à utilizadora demandada e trabalhou sempre na linha de produção de motores. O demandante não estava a substituir um trabalhador ausente. Este período só foi interrompido durante dois meses (de 21 de abril de 2016 a 20 de junho de 2016), durante os quais o demandante se encontrava a gozar uma licença parental.

22.

O demandante intentou uma ação no Arbeitsgericht Berlin (Tribunal do Trabalho de Berlim, Alemanha), em 27 de junho de 2019, destinada a obter a declaração de que existia uma relação de trabalho entre as partes desde uma entre várias datas indicadas subsidiariamente umas às outras ( 11 ).

23.

Resulta da decisão de reenvio que, em primeira instância, o demandante alegou, nomeadamente, que a cedência à demandada já não podia ser qualificada de «temporária» e que a disposição transitória prevista no § 19, n.o 2, da AÜG é contrária ao direito da União.

24.

A demandada alegou que o legislador já tinha esclarecido, desde 1 de abril de 2017, o critério do caráter «temporário». Desde esta data, é possível derrogar a duração máxima de cedência de 18 meses através de uma convenção coletiva. Além disso, a duração máxima de cedência de 36 meses prevista no acordo geral de empresa de 20 de setembro de 2017 não tinha sido ultrapassada, uma vez que só podiam ser tidos em consideração os períodos posteriores a 1 de abril de 2017.

25.

Na sua Sentença de 8 de outubro de 2019, o Arbeitsgericht Berlin (Tribunal do Trabalho de Berlim) adotou o entendimento da demandada.

26.

Em 22 de novembro de 2019, foi interposto recurso para o órgão jurisdicional de reenvio. Este órgão jurisdicional submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve considerar‑se que a cedência de um trabalhador temporário a um utilizador deixa de ser qualificada de “temporária”, na aceção do artigo 1.o da [Diretiva 2008/104], quando a atividade é realizada num posto de trabalho permanente que não é ocupado a título de substituição?

2)

Deve considerar‑se que a cedência de um trabalhador temporário durante um período inferior a 55 meses já não pode ser qualificada de “temporária” na aceção do artigo 1.o da [Diretiva 2008/104]?

3)

Em caso de resposta afirmativa à primeira e/ou à segunda questões, suscitam‑se ainda as seguintes questões complementares:

3.1)

O trabalhador temporário [pode invocar a] constituição de uma relação de trabalho com o utilizador ainda que o direito nacional não preveja tal sanção antes de 1 de abril de 2017?

3.2)

Uma disposição nacional como o § 19, n.o 2, da [AÜG] é contrária ao artigo 1.o da [Diretiva 2008/104 na medida em que prevê], pela primeira vez a partir de 1 de abril de 2017, uma duração máxima de cedência individual de 18 meses, mas [exclui] expressamente […] os períodos anteriores da cedência, quando, tomando em conta esses períodos anteriores, a cedência já não poderia ser considerada temporária?

3.3)

Pode a extensão da duração máxima de cedência individual ser deixada à disposição das partes numa convenção coletiva? Em caso de resposta afirmativa: aplica‑se o mesmo às partes numa convenção coletiva que não são competentes no que respeita à relação de trabalho do referido trabalhador temporário, mas [sim no que respeita ao] setor de atividade do utilizador?»

27.

Foram apresentadas observações escritas ao Tribunal de Justiça pelo demandante, pela demandada, pela República Federal da Alemanha, pela República Francesa e pela Comissão Europeia. Não foi realizada audiência.

III. Observações preliminares

28.

Importa observar, em primeiro lugar, que as questões prejudiciais têm por objeto a interpretação do termo «temporária» no artigo 1.o da Diretiva 2008/104, quando, na realidade, o artigo 1.o desta diretiva se refere aos trabalhadores cedidos «temporariamente a utilizadores a fim de trabalharem» (o sublinhado é meu) ( 12 ). Pelas razões adiante expostas, proponho a reformulação das questões prejudiciais. Nessa reformulação, o adjetivo «temporária» será também substituído pelo advérbio «temporariamente».

29.

Em segundo lugar, importa observar que a decisão prejudicial foi enviada pelo órgão jurisdicional de reenvio em 13 de maio de 2020, antes de o Tribunal de Justiça ter proferido o seu Acórdão de 14 de outubro de 2020, KG (Cedências sucessivas no âmbito do trabalho temporário) (a seguir «Acórdão KG») ( 13 ). Este processo tinha precisamente por objeto as questões com que o órgão jurisdicional de reenvio se depara no presente processo, a saber: i), as consequências jurídicas decorrentes de cedências múltiplas e sucessivas de um trabalhador temporário a um único utilizador a relativamente a um posto de trabalho que não implicava uma substituição e, ii), a questão de saber se o trabalhador temporário demandante tinha direito, nos termos da Diretiva 2008/104, à declaração de existência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado com um utilizador em caso de recurso abusivo ao trabalho temporário.

30.

Todavia, o litígio no processo KG foi abordado como um litígio relativo ao artigo 5.o, n.o 5, da Diretiva 2008/104, e não ao artigo 1.o da desta diretiva; apesar de nas observações escritas terem sido apresentados argumentos relativos ao artigo 5.o, n.o 5, da Diretiva 2008/104, as questões prejudiciais não tinham por objeto a interpretação desta disposição. Atendendo às semelhanças existentes entre o litígio no processo principal e o que foi analisado pelo Tribunal de Justiça no Acórdão KG, essa decisão resolveu, em certa medida, as questões que se colocam no caso em apreço ou forneceu, pelo menos, as bases para a resolução do processo principal. Assim, as presentes conclusões inspiram‑se, em grande medida, nas conclusões do Tribunal de Justiça no Acórdão KG.

31.

Em terceiro lugar, e nessa sequência, o artigo 5.o, n.o 5, da Diretiva 2008/104 deve ser lido em conjugação com o artigo 1.o para responder às duas primeiras questões prejudiciais. Como o Governo francês salientou nas suas observações escritas, resulta dos autos que, ao pedir a interpretação do termo «temporariamente» que figura no artigo 1.o da Diretiva 2008/104, o órgão jurisdicional de reenvio não pretende determinar se o demandante é abrangido pelo âmbito de aplicação desta diretiva. O que o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, é se o recurso a contratos temporários sucessivos com o mesmo utilizador constitui um abuso da situação de trabalho temporário, uma vez que o demandante alega que 18 prorrogações do seu contrato ao longo de um período de 56 meses constituíam um abuso.

32.

Como foi ainda salientado pelo Governo francês nas suas observações escritas, segundo jurisprudência constante, «para dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio, o Tribunal de Justiça pode ser levado a tomar em consideração normas de direito da União a que o juiz nacional não fez referência nas suas questões prejudiciais» ( 14 ). Assim, o Tribunal de Justiça poderá ter de reformular as questões ( 15 ).

33.

Assim sendo, sugiro que a primeira e segunda questões sejam reformuladas numa única questão nos termos seguintes:

«1)

Deve o artigo 5.o, n.o 5, primeiro período, da Diretiva 2008/104, lido em conjugação com o termo «temporariamente» que figura no artigo 1.o da Diretiva 2008/104, ser interpretado no sentido de que se opõe a que um trabalhador temporário seja cedido ao mesmo utilizador, durante um período superior a 55 meses, para ocupar um posto de trabalho permanente, e não a título de substituição, por constituir uma sucessão de afetações com o objetivo de contornar as disposições da Diretiva 2008/104?»

34.

As questões 3.1 e 3.2 respeitam ambas a alterações da lei alemã que entraram em vigor em 1 de abril de 2017. Uma das alterações diz respeito à imposição de uma duração máxima da cedência após a qual o recurso ao trabalho temporário se considera abusivo (v. n.o 13, supra), ao passo que a outra diz respeito à sanção decorrente da violação de tal regra (v. n.os 14 e 15, supra). Pode ser mais lógico, portanto, inverter a ordem das questões e simplificar a redação, nos termos seguintes:

«2)

Uma legislação de um Estado‑Membro que fixa a duração máxima de cedência a um único utilizador em 18 meses, a contar de 1 de abril de 2017, mas que exclui expressamente a tomada em consideração dos períodos de cedência anteriores a essa data para determinar se houve recurso abusivo ao trabalho temporário, é compatível com o artigo 5.o, n.o 5, da Diretiva 2008/104 quando a cedência já não pudesse ser qualificada de temporária se os períodos de cedência anteriores a 1 de abril de 2017 fossem tidos em conta?

3)

Em caso de resposta negativa à segunda questão, pode um trabalhador temporário invocar, nos termos da Diretiva 2008/104, a constituição de uma relação de trabalho por tempo indeterminado com o utilizador no caso de se constatar o recurso abusivo ao trabalho temporário, na aceção do artigo 5.o, n.o 5, da Diretiva 2008/104?» ( 16 )

35.

A questão 3.3 pode manter‑se inalterada, passando a quarta questão.

IV. Respostas às questões reformuladas

A.   Resposta à primeira questão

36.

Deve responder‑se à primeira questão do seguinte modo:

«Para determinar se o artigo 5.o, n.o 5, primeiro período, da Diretiva 2008/104, lido em conjugação com o termo “temporariamente” que figura no artigo 1.o da Diretiva 2008/104, se opõe a que um trabalhador temporário seja cedido ao mesmo utilizador, durante um período superior a 55 meses, para ocupar um posto de trabalho permanente, e não a título de substituição, um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro deve, à luz do direito da União, proceder à seguinte análise:

i)

As cedências sucessivas de um trabalhador temporário à mesma empresa utilizadora conduziram a uma duração de atividade que é mais longa daquela em que se pode razoavelmente considerar que o trabalhador é cedido «temporariamente» a um utilizador, na aceção do artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2008/104?

ii)

Foi dada alguma explicação objetiva para o facto de a empresa utilizadora em causa recorrer a uma sucessão de contratos de trabalho temporário sucessivos?

iii)

Foram contornadas disposições da Diretiva 2008/104?

iv)

Ponderando todos estes fatores, e tomando em consideração todas as circunstâncias, existia uma relação de trabalho (por tempo indeterminado) dissimulada sob a forma de sucessivos contratos de trabalho temporário, em violação do artigo 5.o, n.o 5, da Diretiva 2008/104?»

1. Significado do termo «temporariamente»

37.

Como o advogado‑geral M. Szpunar salientou nas suas Conclusões no processo AKT, a Diretiva 2008/104 «não define trabalho temporário e também não visa enumerar os casos suscetíveis de justificar o recurso a esta forma de trabalho. Em contrapartida, o seu considerando 12 recorda que a diretiva pretende respeitar a diversidade dos mercados de trabalho» ( 17 ). Os Estados‑Membros conservaram uma margem de apreciação importante para determinar as situações que justificam o recurso ao trabalho temporário ( 18 ), uma vez que a Diretiva 2008/104 prevê apenas «a aprovação de requisitos mínimos» ( 19 ).

38.

Embora o termo «temporariamente» constante do artigo 1.o da Diretiva 2008/104 deva ser interpretado em sentido lato, a fim de não pôr em risco a concretização dos seus objetivos ou comprometer o seu efeito útil, restringindo em termos excessivos e injustificados o âmbito de aplicação da diretiva ( 20 ), numa interpretação literal o artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2008/104 refere‑se à duração da cedência do trabalhador temporário e não ao posto de trabalho ocupado.

39.

O artigo 1.o, n.o 1, visa os trabalhadores temporários que são cedidos«temporariamente a utilizadores a fim de trabalharem» ( 21 ). Por outras palavras, e como a Comissão alega nas suas observações escritas, esta redação sugere que é a relação de trabalho entre o trabalhador temporário e o utilizador que é temporária, e não o posto de trabalho ao qual o trabalhador temporário é afetado, uma vez que não existe nenhuma referência na diretiva à natureza do trabalho e, por conseguinte, nada que sugira que o posto de trabalho ao qual o trabalhador temporário é afetado não possa ser permanente. Podem retirar‑se as mesmas conclusões de uma interpretação literal do artigo 3.o, n.o 1, alíneas a), b), c) e e), da Diretiva 2008/104, relativas, respetivamente, às definições de trabalhador, de empresa de trabalho temporário, de trabalhador temporário, e de período de cedência ( 22 ). Com efeito, no Acórdão KG, o Tribunal de Justiça referiu‑se a estas disposições para concluir que é a «relação de trabalho» com uma empresa utilizadora que tem, «por natureza, caráter temporário» ( 23 ).

40.

Como a Alemanha salientou nas suas observações escritas, a redação da diretiva demonstra que os Estados‑Membros gozam de uma ampla margem de apreciação na transposição do termo «temporariamente», desde que uma cedência temporária não se torne uma cedência de duração excessiva, equivalente a uma cedência permanente.

41.

Os argumentos apresentados nas observações escritas do demandante segundo os quais o contexto do termo «temporariamente» que figura no artigo 1.o, n.o 1, e a finalidade da Diretiva 2008/104 sugerem que o mesmo se refere ao posto de trabalho ocupado bem como à cedência do trabalhador temporário, não podem ser acolhidos. O considerando 12 da Diretiva 2008/104 faz referência ao respeito da «diversidade dos mercados de trabalho e das relações laborais» ( 24 ), objetivo que ficaria comprometido se o termo «temporariamente» estivesse associado ao posto de trabalho ao qual o trabalhador temporário é afetado, violando, assim, a margem de apreciação de que os Estados‑Membros dispõem para permitir a afetação de trabalhadores temporários a postos de trabalho permanentes que não são ocupados a título de substituição. Além disso, como foi salientado no Acórdão KG, a diretiva refere‑se, no considerando 15, a relações de trabalho com «contratos de duração indeterminada», prevendo, tal como o artigo 6.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2008/104, que as «relações de trabalho permanentes» são a forma geral das relações de trabalho ( 25 ). O oposto é uma relação de trabalho, ou uma cedência, que é limitada no tempo.

42.

Os objetivos essenciais da Diretiva 2008/104 são expostos no seu artigo 2.o e dizem respeito à criação de formas de trabalho flexíveis, à criação de emprego e à proteção dos trabalhadores temporários ( 26 ). Não existe uma ligação clara entre qualquer um destes objetivos e a tese segundo a qual o conceito de «temporariamente» está ligado ao posto de trabalho ao qual o trabalhador temporário é afetado. O mesmo se aplica ao objetivo, inerente à Diretiva 2008/104, de o recurso ao trabalho temporário não se tornar numa situação permanente ( 27 ). Como foi salientado pela demandada nas suas observações escritas, os objetivos de criação de emprego e de inserção de trabalhadores no mercado de trabalho (v. considerando 11) não permitem concluir que postos permanentes não possam ser ocupados a título temporário.

43.

Por último, inclino‑me a aceitar os argumentos da Comissão e da Alemanha segundo os quais a génese do artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2008/104 não vincula o conceito de «temporariamente» à natureza do posto de trabalho ao qual o trabalhador temporário é afetado ( 28 ), não obstante os argumentos em contrário do demandante ( 29 ).

44.

Assim, o termo «temporariamente» refere‑se exclusivamente à cedência do trabalhador temporário e significa «de duração limitada no tempo», «não permanente» ( 30 ), e apenas diz respeito ao período de cedência do trabalhador temporário em questão.

2. Recurso abusivo ao trabalho temporário

45.

Todavia, e contrariamente às sugestões apresentadas pelo demandante nas suas observações escritas, o que aqui é proposto não implica que se dê luz verde à afetação indefinida de trabalhadores temporários a postos de trabalho permanentes ou a postos de trabalho que não são ocupados a título de substituição. Embora tenha declarado no Acórdão KG que o artigo 5.o, n.o 5, da Diretiva 2008/104 «não impõe […] aos Estados‑Membros que limitem o número de cedências sucessivas de um mesmo trabalhador à mesma empresa utilizadora ou que façam depender o recurso a esta forma de trabalho a termo da invocação de razões de caráter técnico, de produção, de organização ou de substituição» ( 31 ), o Tribunal de Justiça declarou igualmente no Acórdão KG que o artigo 5.o, n.o 5, da Diretiva 2008/104 visa obrigar os Estados‑Membros a tomarem as medidas necessárias para evitar a aplicação abusiva i) das derrogações ao princípio da igualdade de tratamento autorizadas nos termos dessa disposição, e ii), das cedências sucessivas com o propósito de contornar o disposto na diretiva no seu conjunto ( 32 ), sendo esta última obrigação enunciada de forma ampla ( 33 ).

46.

Assim, o Tribunal de Justiça declarou no Acórdão KG que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio fiscalizar a qualificação jurídica da relação de trabalho, à luz tanto da própria Diretiva 2008/104 como do direito do Estado‑Membro que a transpõe, a fim de verificar se se trata de uma relação de trabalho por tempo indeterminado à qual foi artificialmente atribuída a forma de contratos de trabalho temporário sucessivos com vista a contornar os objetivos da Diretiva 2008/104, especialmente a natureza provisória do contrato de trabalho temporário ( 34 ).

47.

O Tribunal de Justiça acrescentou que, para efeitos desta apreciação, o órgão jurisdicional de reenvio poderá ter em conta as seguintes considerações: a) se as cedências sucessivas do mesmo trabalhador temporário à mesma empresa utilizadora conduziram a uma duração de atividade para essa empresa que era mais longa do que o que pode ser razoavelmente qualificado de «temporário», tal poderá constituir o indício de uma aplicação abusiva das cedências sucessivas, na aceção do artigo 5.o, n.o 5, primeiro período, da Diretiva 2008/104. O Tribunal de Justiça chegou a esta conclusão à luz, nomeadamente, do facto de as cedências sucessivas do mesmo trabalhador temporário à mesma empresa utilizadora prejudicarem o equilíbrio realizado por esta diretiva entre a flexibilidade dos empregadores e a segurança dos trabalhadores, em prejuízo desta última; b) quando, num caso concreto, não seja dada nenhuma explicação objetiva para o facto de a empresa utilizadora em causa recorrer a uma sucessão de contratos de trabalho temporário sucessivos, incumbe ao órgão jurisdicional nacional averiguar, no contexto do quadro regulamentar nacional e atendendo às circunstâncias de cada caso, se uma das disposições da Diretiva 2008/104 está a ser contornada, e isto, por maioria de razão, quando é o mesmo trabalhador temporário que é afetado à empresa utilizadora através das séries de contratos em questão ( 35 ).

48.

Assim, e como foi salientado nas observações escritas do Governo francês, a duração da disponibilização temporária do trabalhador é apenas um elemento a ter em conta para determinar se houve recurso abusivo ao trabalho temporário. Como se pode verificar pelos elementos do Acórdão KG acima reproduzidos, um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro é obrigado, por força do artigo 5.o, n.o 5, da Diretiva 2008/104, lido em conjugação com o seu artigo 1.o, n.o 1, a proceder à seguinte apreciação:

i)

As cedências sucessivas de um trabalhador temporário à mesma empresa utilizadora conduziram a uma duração de atividade que é mais longa daquela em que se pode razoavelmente considerar que o trabalhador é cedido «temporariamente» a um utilizador, na aceção do artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2008/104?

ii)

Foi dada alguma explicação objetiva para o facto de a empresa utilizadora em causa recorrer a uma sucessão de contratos de trabalho temporário sucessivos?

iii)

Foram contornadas disposições da Diretiva 2008/104?

iv)

Ponderando todos estes fatores, e tomando em consideração todas as circunstâncias, existia uma relação de trabalho por tempo indeterminado dissimulada sob a forma de sucessivos contratos de trabalho temporário, em violação do artigo 5.o, n.o 5, da Diretiva 2008/104?

49.

É no âmbito da etapa ii) que a natureza do posto trabalho ao qual um trabalhador temporário é afetado se torna pertinente, incluindo a questão de saber se esse posto é permanente e não é ocupado a título de substituição. O Acórdão KG não se opõe a que razões «de caráter técnico, de produção, de organização ou de substituição» sejam tomadas em consideração neste contexto, uma vez que o Tribunal de Justiça se limitou a declarar nesse acórdão que a «invocação» dessas razões não era exigida, sem qualquer indicação de que estavam excluídas de uma explicação objetiva ( 36 ).

50.

Por exemplo, uma empresa que tenha em curso atividades de investigação e desenvolvimento pode ter necessidade de reforçar a sua equipa de trabalhadores num determinado setor em que normalmente emprega apenas trabalhadores permanentes. A necessidade de trabalhadores temporários pode resultar dos resultados preliminares de um programa de investigação e desenvolvimento. Esse reforço de pessoal pode verificar‑se, numa primeira fase, recorrendo a trabalhadores temporários, quer por a empresa ainda não ter atraído investidores para desenvolver os resultados dessa investigação, quer por o próprio processo de investigação não estar ainda concluído. É este o tipo de explicação que, tomando em conta todas as circunstâncias, um órgão jurisdicional nacional pode considerar como uma explicação objetiva para o recurso sucessivo a trabalhadores temporários, apesar de os postos de trabalho em questão não serem ocupados a título de substituição e serem, de outro modo, ocupados a título permanente nessa empresa utilizadora.

51.

Talvez não decorra claramente do Acórdão KG se para haver recurso abusivo ao trabalho temporário é necessário que tenham sido contornadas outras disposições da Diretiva 2008/104, além do próprio artigo 5.o, n.o 5 ( 37 ).

52.

Inclino‑me, contudo, para considerar que não é assim, uma vez que o Tribunal de Justiça declarou no Acórdão KG que cedências sucessivas do mesmo trabalhador temporário à mesma empresa utilizadora contornam a própria essência das disposições da Diretiva 2008/104 ( 38 ). O Tribunal de Justiça declarou, além disso, no Acórdão KG, que uma das obrigações impostas aos Estados‑Membros pelo artigo 5.o, n.o 5, era a exigência de tomar as medidas necessárias para evitar cedências sucessivas com o propósito de contornar o disposto na Diretiva 2008/104 no seu conjunto ( 39 ), e que a Diretiva 2008/104 «visa […] que os Estados‑Membros assegurem que o trabalho temporário com a mesma empresa utilizadora não se torne numa situação permanente […]» ( 40 ).

53.

Por conseguinte, o Acórdão KG milita a favor da interpretação segundo a qual qualquer violação das obrigações impostas pela Diretiva 2008/104, além das previstas no seu artigo 5.o, n.o 5, tais como, por exemplo, a garantia da igualdade de remuneração entre os trabalhadores temporários e os recrutados diretamente pelo utilizador para ocuparem a mesma função [v. artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2008/104, conjugado com o artigo 3.o, n.o 1, alínea f), da mesma diretiva] ( 41 ), é pertinente para a decisão que vier a ser adotada pelo órgão jurisdicional de reenvio, na etapa iv) (v. n.o 48, supra) quanto à questão de saber se, tomando em consideração todas as circunstâncias do caso concreto, existia uma relação de trabalho por tempo indeterminado dissimulada sob a forma de sucessivos contratos de trabalho temporário, em violação do artigo 5.o, n.o 5, da Diretiva 2008/104. Importa recordar que a situação em causa no processo principal envolvia 18 prorrogações ao longo de um período de 56 meses.

54.

Esta abordagem reflete outra conclusão do Acórdão KG, segundo a qual a garantia das «condições fundamentais de trabalho e emprego» dos trabalhadores temporários, na aceção do artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2008/104, lido em conjugação com o artigo 3.o, n.o 1, alínea f), da mesma diretiva, deve ser interpretada em sentido lato a fim de assegurar o respeito da Carta ( 42 ).

55.

Por estas razões, há que responder à primeira questão no sentido precisado no n.o 36, supra.

B.   Resposta à segunda questão

56.

Deve responder‑se à segunda questão no sentido de que uma legislação de um Estado‑Membro que exclui expressamente a tomada em consideração de períodos de cedência anteriores a uma data específica, mas posteriores à data de transposição da Diretiva 2008/104, sendo essa exclusão pertinente para determinar se houve recurso abusivo ao trabalho temporário é incompatível com o artigo 5.o, n.o 5, da Diretiva 2008/104 quando reduz a duração de um período de cedência que o trabalhador temporário poderia de outro modo invocar. Todavia, no âmbito de uma ação horizontal entre dois particulares, as disposições legais de um Estado‑Membro que prevejam essa exclusão só devem ser afastadas se tal não implicar uma interpretação contra legem do direito do Estado‑Membro em questão, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar.

57.

Esta conclusão deve‑se às razões seguintes.

58.

A aplicação pela Alemanha do artigo 5.o, n.o 5, da Diretiva 2008/104 limitava‑se inicialmente, por força do § 1, n.o 1, segunda frase, da AÜG, a prever que a «cedência de trabalhadores a empresas utilizadoras deve ser temporária» ( 43 ), limitando‑se as vias de recurso previstas a este respeito às sanções acima referidas (v. n.o 12, supra). Embora esta transposição possa ser minimalista, não equivale a não tomar «nenhuma medida para preservar a natureza provisória do trabalho temporário», em violação do artigo 5.o, n.o 5, da Diretiva 2008/104 ( 44 ).

59.

Sem a reforma legislativa que entrou em vigor na Alemanha em 1 de abril de 2017 (v. n.os 13 a 16, supra) e à luz do critério acima exposto no que respeita à primeira questão (v. n.o 36, supra), o demandante poderia ter alegado que, nos termos do direito da União, uma cedência de quatro anos e nove meses à demandada, de 1 de setembro de 2014 a 31 de maio de 2019, equivalia, em todas as circunstâncias, a um recurso abusivo ao trabalho temporário, em violação do artigo 5.o, n.o 5, da Diretiva 2008/104, tendo em conta a obrigação da Alemanha de transpor a diretiva até 5 de dezembro de 2011. A segunda frase do § 1, n.o 1, da AÜG deve ser interpretada em conformidade com estas considerações ( 45 ).

60.

Contudo, as reformas da lei alemã que entraram em vigor em 1 de abril de 2017 parecem, com efeito, ter fechado esta via jurídica ao demandante. Segundo a leitura destas reformas defendida pela demandada, o período decorrido entre 1 de setembro de 2014 e 1 de abril de 2017 é suprimido para efeitos da apreciação da existência de um recurso abusivo ao trabalho temporário, significando ao mesmo tempo que o demandante continuava afetado pelo novo limite máximo de 18 meses estabelecido pela legislação em causa para a cedência de trabalhadores temporários à mesma empresa utilizadora.

61.

A Alemanha sustenta nas suas observações escritas que, através da alteração legislativa de 1 de abril de 2017, passou simplesmente de um modelo flexível de aplicação do artigo 5.o, n.o 5, da Diretiva 2008/104 para um modelo fixo, ao introduzir o limite máximo de 18 meses para a cedência de trabalhadores temporários ao mesmo utilizador.

62.

Contudo, à luz da análise relativa à primeira questão, a Alemanha ultrapassou a margem de apreciação que lhe é reconhecida pelo artigo 5.o, n.o 5, da Diretiva 2008/104 para fixar períodos máximos de cedência de trabalhadores temporários ao mesmo utilizador, apesar de a Diretiva 2008/104 não a obrigar a fixar tais limites ( 46 ), uma vez que, como a Comissão sustentou nas suas observações escritas, as reformas de 1 de abril de 2017 prejudicam seriamente o efeito útil da Diretiva 2008/104, em comparação com o regime legislativo anteriormente existente no direito desse Estado‑Membro, e são desfavoráveis a um demandante que teve incontestavelmente, ao longo de todo o período em causa, o estatuto de trabalhador temporário, na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2008/104, e que foi objeto de uma «cedência», na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea e), desta diretiva, ao mesmo utilizador durante um período de quatro anos e nove meses após o termo do prazo de transposição da Diretiva 2008/104, a saber, 5 de dezembro de 2011 ( 47 ). Tal situação é incompatível com o artigo 10.o e o considerando 21 da Diretiva 2008/104, com a obrigação de «assegurar a proteção dos trabalhadores temporários» que figura no artigo 2.o da referida diretiva e com as obrigações, mais amplas, de boa‑fé que incumbem à Alemanha, por força do artigo 4.o TUE, no cumprimento das missões decorrentes dos Tratados, e do artigo 288.o TFUE, no que respeita ao efeito vinculativo das diretivas.

63.

Todavia, segundo jurisprudência constante, esta obrigação de interpretação conforme atinge os seus limites quando uma interpretação da legislação do Estado‑Membro em conformidade com o direito da União resulte numa interpretação contra legem da legislação do Estado‑Membro ( 48 ). Compete, portanto, ao órgão jurisdicional de reenvio ( 49 ) determinar se a disposição transitória constante do § 19, n.o 2, da AÜG, segundo a qual os «períodos de cedência anteriores a 1 de abril de 2017 não são tidos em consideração para o cálculo da duração máxima de cedência referida no § 1, n.o 1b […]», não pode ser interpretada, tomando em consideração «todo o direito interno» ( 50 ), de um modo que não prive o demandante do direito de invocar a totalidade do período de cedência de quatro anos e nove meses, decorrido entre 1 de setembro de 2014 e 31 de maio de 2019, conforme previsto pelo direito alemão até 1 de abril de 2017.

64.

Por outras palavras, será que o resultado visado pela Diretiva 2008/104 só pode ser alcançado interpretando contra legem o § 1.o, n.o 1b, e o § 19, n.o 1, da AÜG? Por exemplo, uma vez tomado em consideração todo o direito interno alemão, poderiam essas disposições ser interpretadas no sentido de que não afastam completamente o regime jurídico anterior e permitem que os trabalhadores temporários invoquem o recurso abusivo ao trabalho temporário, à luz dos critérios estabelecidos no Acórdão KG e precisados na resposta à primeira questão no que respeita à totalidade do período de cedência? Se é necessária uma interpretação contra legem para alcançar esse resultado, então, segundo a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a única via de recurso à disposição do demandante será uma ação de indemnização contra a Alemanha, ao abrigo da jurisprudência Francovich ( 51 ), por violação das obrigações que lhe incumbem, por força do artigo 5.o, n.o 5, da Diretiva 2008/104, de «toma[r] as medidas necessárias […] para evitar uma aplicação abusiva do presente artigo e, em especial, para evitar cedências sucessivas com o propósito de contornar o disposto na presente diretiva» ( 52 ).

65.

Por último, o Tribunal de Justiça declarou que as disposições da Carta que são suficientes, por si sós, sem ter de ser precisadas por disposições do direito da União ou do direito nacional, para conferir direitos aos particulares ( 53 ), como os artigos 21.o e 47.o ( 54 ) e o artigo 31.o, n.o 2 ( 55 ), podem ser invocadas enquanto tais e implicar a obrigação de deixar de aplicar, se necessário, qualquer disposição nacional em contrário, mesmo em litígios horizontais em que a proibição de interpretação contra legem do direito do Estado‑Membro produziria, de outro modo, efeitos. Contudo, contrariamente à argumentação do demandante nas suas observações escritas, não é esse o caso do artigo 31.o, n.o 1, da Carta.

66.

Com efeito, o Tribunal de Justiça declarou que «o juiz nacional não é obrigado, com fundamento unicamente no direito da União, a deixar de aplicar uma disposição do direito nacional incompatível com uma disposição da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia que […] não tem efeito direto» ( 56 ). Dada a natureza aberta da redação do artigo 31.o, n.o 1, da Carta, que dispõe que todos os «trabalhadores têm direito a condições de trabalho saudáveis, seguras e dignas», este artigo não preenche os requisitos essenciais para ter efeito direto, a saber, ser suficientemente claro, incondicional e preciso ( 57 ). Assim sendo, não pode ser invocado para obrigar o órgão jurisdicional de reenvio, no âmbito da sua competência ( 58 ), a não aplicar o § 1, n.o 1b, e o § 19, n.o 2, da AÜG, no caso de tal órgão jurisdicional considerar que o seu texto é contra legem relativamente às garantias decorrentes do artigo 5.o, n.o 5, da Diretiva 2008/104.

67.

É por estas razões que se deve responder à segunda questão no sentido exposto no n.o 56, supra.

C.   Resposta à terceira questão

68.

Deve responder‑se à terceira questão no sentido de que um trabalhador temporário não pode invocar, nos termos da Diretiva 2008/104, a constituição de uma relação de trabalho por tempo indeterminado com o utilizador, no caso de se constatar o recurso abusivo ao trabalho temporário, na aceção do artigo 5.o, n.o 5, da Diretiva 2008/104. Contudo, se, após ter tomado em consideração todo o direito interno do Estado‑Membro em causa, o órgão jurisdicional de reenvio decidir que a interpretação desse direito em conformidade com o artigo 5.o, n.o 5, da Diretiva 2008/104 não obriga a uma interpretação contra legem, deve determinar se existem procedimentos administrativos ou judiciais adequados para assegurar o cumprimento das obrigações decorrentes da Diretiva 2008/104 e garantir que o direito do Estado‑Membro em causa prevê sanções efetivas, proporcionadas e dissuasivas, conforme exigido pelo artigo 10.o dessa diretiva, sob reserva das limitações estabelecidas pela jurisprudência constante.

69.

No Acórdão KG, o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 5.o, n.o 5, da Diretiva 2008/104 não podia ser interpretado da mesma forma que o artigo 5.o do acordo‑quadro relativo a contratos de trabalho a termo, celebrado em 18 de março de 1999, que figura no anexo da Diretiva 1999/70/CE ( 59 ). No Acórdão Sciotto ( 60 ), o Tribunal de Justiça declarou, nomeadamente, que a obrigação específica de prevenir os abusos decorrentes da utilização de contratos a termos sucessivos, precisada no artigo 5.o do referido acordo‑quadro, implicava que, uma vez que trabalhadores do setor das fundações lírico‑sinfónicas não tinham direito, mesmo em caso de abuso, à conversão dos seus contratos de trabalho a termo em contratos de trabalho sem termo (na falta de outras formas de proteção como a fixação de um limite à possibilidade de recorrer aos contratos a termo), não existia nenhuma medida efetiva, na aceção da jurisprudência pertinente relativa ao acordo‑quadro, que sancionasse a utilização abusiva de contratos a termo ( 61 ).

70.

Contudo, o Tribunal de Justiça declarou no Acórdão KG que, enquanto o artigo 5.o do acordo‑quadro «prevê obrigações específicas para evitar os abusos decorrentes da celebração de sucessivos contratos de trabalho a termo, não é esse o caso do artigo 5.o, n.o 5, primeiro período, da Diretiva 2008/104» ( 62 ). A interpretação do artigo 5.o do acordo‑quadro não é, portanto, transponível para o artigo 5.o, n.o 5, da Diretiva 2008/104 ( 63 ). No processo KG, a advogada‑geral E. Sharpston referiu‑se especificamente aos ensinamentos do Acórdão Sciotto relativos à conversão de contratos a termo em contratos sem termo, antes de concluir que essa jurisprudência não podia ser transposta para o artigo 5.o, n.o 5, da Diretiva 2008/104, disposição que não impõe obrigações detalhadas e específicas ( 64 ).

71.

Assim, há que responder à terceira questão em sentido negativo.

72.

No que respeita às obrigações que incumbem ao órgão jurisdicional de reenvio por força do artigo 10.o da Diretiva 2008/104, o n.o 1 desta disposição reafirma o direito à ação consagrado no artigo 47.o da Carta ( 65 ). A obrigação de prever sanções efetivas, proporcionadas e dissuasivas, nos termos do artigo 10.o, n.o 2, exige que os Estados‑Membros introduzam medidas que sejam suficientemente eficazes para alcançar o objetivo da Diretiva 2008/104 ( 66 ) e produzam um efeito realmente dissuasivo ( 67 ). O direito da União não obriga, em princípio, os órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros a criar, com vista a assegurar a salvaguarda dos direitos conferidos aos litigantes pelo direito da União, vias de recurso diferentes das estabelecidas no direito nacional ( 68 ), a menos que «resultasse da economia da ordem jurídica nacional em causa que não existe nenhuma via de recurso» ( 69 ). Isso exclui, todavia, uma via de recurso que consista em declarar a existência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado entre um trabalhador temporário e um utilizador (pelas razões expostas nos n.os 69 a 70, supra) ( 70 ) ou uma interpretação contra legem do direito do Estado‑Membro (n.os 63 a 64, supra).

D.   A resposta à quarta questão

73.

Há que responder à quarta questão no sentido de que a extensão da duração máxima de cedência individual pode ser deixada à disposição das partes numa convenção coletiva, incluindo as partes numa convenção coletiva que só são competentes no setor de atividade do utilizador. Todavia, a resposta à segunda questão aplica‑se igualmente a essas convenções.

74.

Como foi salientado nas observações escritas da Alemanha, os Estados‑Membros têm liberdade para deixar aos parceiros sociais a realização de objetivos de política social ( 71 ), e o recurso a convenções coletivas está expressamente previsto na Diretiva 2008/104 ( 72 ), sendo irrelevante que as partes numa convenção coletiva não tenham competência no que respeita à relação de trabalho do trabalhador temporário em causa, mas sim ao setor de atividade do utilizador ( 73 ). Todavia, o acordo geral de empresa complementar (celebrado entre a demandada e a comissão central de trabalhadores), de 20 de setembro de 2017, estipula, designadamente, que no setor da produção o período de cedência de trabalhadores temporários não pode exceder 36 meses. No que respeita aos trabalhadores temporários que já estavam empregados em 1 de abril de 2017, apenas são tidos em conta os períodos posteriores a 1 de abril de 2017 para efeitos do cálculo do período máximo de cedência de 36 meses. Como expliquei nos n.os 56 a 67, supra, esta exclusão é incompatível com o artigo 5.o, n.o 5, da Diretiva 2008/104, pelo que as normas desenvolvidas nos referidos números também se aplicam a essas convenções coletivas.

V. Conclusão

75.

Proponho, por conseguinte, que a resposta ao Landesarbeitsgericht Berlin‑Brandenburg (Tribunal Superior do Trabalho de Berlim‑Brandeburgo, Alemanha) seja a seguinte:

1)

Para determinar se o artigo 5.o, n.o 5, primeiro período, da Diretiva 2008/104 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de novembro de 2008, relativa ao trabalho temporário, lido em conjugação com o termo «temporariamente» que figura no artigo 1.o da Diretiva 2008/104, se opõe a que um trabalhador temporário seja cedido ao mesmo utilizador, durante um período superior a 55 meses, para um posto de trabalho permanente e que não é ocupado a título de substituição, um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro deve, à luz do direito da União, proceder à seguinte análise:

i)

As cedências sucessivas de um trabalhador temporário à mesma empresa utilizadora conduziram a uma duração de atividade que é mais longa daquela em que se pode razoavelmente considerar que o trabalhador é cedido «temporariamente» a um utilizador, na aceção do artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2008/104?

ii)

Foi dada alguma explicação objetiva para o facto de a empresa utilizadora em causa recorrer a uma sucessão de contratos de trabalho temporário sucessivos?

iii)

Foram contornadas disposições da Diretiva 2008/104?

iv)

Ponderando todos estes fatores, e tomando em consideração todas as circunstâncias, existia uma relação de trabalho por tempo indeterminado dissimulada sob a forma de sucessivos contratos de trabalho temporário, em violação do artigo 5.o, n.o 5, da Diretiva 2008/104?

2)

Uma legislação de um Estado‑Membro que exclui expressamente a tomada em consideração de períodos de cedência anteriores a uma data específica, mas posteriores à data de transposição da Diretiva 2008/104, sendo essa exclusão pertinente para determinar se houve recurso abusivo ao trabalho temporário é incompatível com o artigo 5.o, n.o 5, da Diretiva 2008/104 quando reduz a duração de um período de cedência que o trabalhador temporário poderia de outro modo invocar. Todavia, no âmbito de uma ação horizontal entre dois particulares, as disposições legais de um Estado‑Membro que prevejam essa exclusão só devem ser afastadas se tal não implicar uma interpretação contra legem do direito do Estado‑Membro em causa, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar.

3)

Um trabalhador temporário não pode invocar, nos termos da Diretiva 2008/104, a constituição de uma relação de trabalho por tempo indeterminado com o utilizador, no caso de se constatar o recurso abusivo ao trabalho temporário, na aceção do artigo 5.o, n.o 5, da Diretiva 2008/104. Contudo, se, após ter tomado em consideração todo o direito interno do Estado‑Membro em causa, o órgão jurisdicional de reenvio decidir que a interpretação desse direito em conformidade com o artigo 5.o, n.o 5, da Diretiva 2008/104 não obriga a uma interpretação contra legem, deve determinar se existem procedimentos administrativos ou judiciais adequados para assegurar o cumprimento das obrigações decorrentes da Diretiva 2008/104 e garantir que o direito do Estado‑Membro em causa prevê sanções efetivas, proporcionadas e dissuasivas, conforme exigido pelo artigo 10.o dessa diretiva, sob reserva das limitações estabelecidas pela jurisprudência constante.

4)

A extensão da duração máxima de cedência individual pode ser deixada à disposição das partes numa convenção coletiva, incluindo as partes numa convenção coletiva que só são competentes no setor de atividade do utilizador. Todavia, a resposta à segunda questão aplica‑se igualmente a essas convenções.


( 1 ) Língua original: inglês.

( 2 ) JO 2008, L 327, p. 9. V., anteriormente, Acórdãos de 11 de abril de 2013, Della Rocca (C‑290/12, EU:C:2013:235); de 17 de março de 2015, AKT (C‑533/13, EU:C:2015:173); de 17 de novembro de 2016, Betriebsrat der Ruhrlandklinik (C‑216/15, EU:C:2016:883); de 14 de outubro de 2020, KG (Cedências sucessivas no âmbito do trabalho temporário) (C‑681/18, EU:C:2020:823); e de 3 de junho de 2021, TEAM POWER EUROPE (C‑784/19, EU:C:2021:427); bem como minhas Conclusões no processo Manpower Lit (C‑948/19, EU:C:2021:624) (processo pendente). V., igualmente, Acórdão do Tribunal Geral de 13 de dezembro de 2016, IPSO/BCE (T‑713/14, EU:T:2016:727).

( 3 ) Como concluiu a advogada‑geral E. Sharpston no n.o 51 das suas Conclusões no processo KG (Cedências sucessivas no âmbito do trabalho temporário) (C‑681/18, EU:C:2020:300).

( 4 ) Acórdão de 14 de outubro de 2020, KG (Cedências sucessivas no âmbito do trabalho temporário) (C‑681/18, EU:C:2020:823, n.o 71).

( 5 ) V. n.os 36 a 55, infra.

( 6 ) V. n.os 56 a 67, infra.

( 7 ) V. n.os 68 a 72, infra.

( 8 ) Por exemplo, Conclusões do advogado‑geral M. Szpunar no processo AKT (C‑533/13, EU:C:2014:2392, n.o 72).

( 9 ) Isto é contestado, todavia, nas observações escritas da Alemanha.

( 10 ) Segundo as observações escritas do demandante. As mesmas observações escritas indicam que a convenção coletiva pertinente aplicável ao setor metalúrgico em Berlim prevê um salário de 15,50 euros por hora.

( 11 ) Desde 1 de setembro de 2015, a título subsidiário, desde 1 de março de 2016, a título mais subsidiário, desde 1 de novembro de 2016, a título ainda mais subsidiário, desde 1 de outubro de 2018, e, a título subsidiário em último grau, desde 1 de maio de 2019.

( 12 ) V. análise das versões linguísticas na nota 21 das presentes conclusões.

( 13 ) C‑681/18, EU:C:2020:823.

( 14 ) Acórdão de 28 de fevereiro de 2013, Petersen (C‑544/11, EU:C:2013:124, n.o 24 e jurisprudência referida). V. igualmente, por exemplo, Despacho de 4 de fevereiro de 2016, Baudinet e o. (C‑194/15, não publicado, EU:C:2016:81, n.o 22 e jurisprudência referida). Como indiquei no n.o 45 das minhas Conclusões no processo Manpower Lit (C‑948/19, EU:C:2021:624), relativo à Diretiva 2008/104, no procedimento instituído pelo artigo 267.o TFUE, cabe ao Tribunal de Justiça dar ao órgão jurisdicional nacional uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido.

( 15 ) Ibidem, n.o 45 e jurisprudência referida. V., de igual modo, Acórdão KG (n.o 49 e jurisprudência referida).

( 16 ) Nota sem pertinência para a versão portuguesa.

( 17 ) C‑533/13, EU:C:2014:2392, n.o 113.

( 18 ) Ibidem, n.o 114.

( 19 ) Acórdão KG, n.o 41.

( 20 ) O Tribunal de Justiça chegou a esta conclusão relativamente ao conceito de «trabalhador» na aceção da Diretiva 2008/104. V. Acórdão de 17 de novembro de 2016, Betriebsrat der Ruhrlandklinik (C‑216/15, EU:C:2016:883, n.o 36). Nas minhas Conclusões no processo Manpower Lit (C‑948/19, EU:C:2021:624, n.o 71), defendo, pela mesma razão, uma interpretação ampla do artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 2008/104, relativamente ao exercício de uma «atividade económica».

( 21 ) A expressão «to work temporarily» (trabalhar temporariamente) reflete‑se noutras versões linguísticas do artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2008/104. V., por exemplo, a versão francesa, «afin de travailler de manière temporaire»; a versão búlgara, «на временна работа»; a versão alemã «um vorübergehend […] zu arbeiten»; a versão espanhola «a fin de trabajar de manera temporal»; a versão italiana, «per lavorare temporaneamente»; a versão portuguesa, «temporariamente […] a fim de trabalharem»; a versão eslovaca, «na dočasný výkon práce»; a versão checa, «po přechodnou dobu pracovali»; a versão polaca, «w celu wykonywania tymczasowo pracy»; a versão neerlandesa, «tijdelijk te werken», a versão sueca, «för att temporärt arbeta». V., igualmente, a análise da advogada‑geral E. Sharpston no processo KG (C‑681/18, EU:C:2020:300, n.o 51). Ao contrário do que demandante alega nas suas observações escritas, as eventuais nuances entre as versões linguísticas não bastam para suscitar dúvidas quanto a uma diferença de sentido.

( 22 ) É significativo que o termo «período de cedência», definido no artigo 3.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 2008/104, designe «o período durante o qual o trabalhador temporário é posto à disposição do utilizador para trabalhar sob a autoridade e direção deste».

( 23 ) Acórdão KG, n.o 61.

( 24 ) V., em particular, a este respeito, Conclusões do advogado‑geral M. Szpunar no processo AKT (C‑533/13, EU:C:2014:2392, n.os 113 a 115).

( 25 ) Acórdão KG, n.o 62.

( 26 ) V., igualmente, considerando 18, relativo à melhoria da proteção básica dos trabalhadores temporários.

( 27 ) Acórdão KG, n.o 60.

( 28 ) A Alemanha e a Comissão referem‑se à proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa às condições de trabalho dos trabalhadores temporários COM(2002) 149 final; à Posição do Parlamento Europeu aprovada em primeira leitura em 21 de novembro de 2002 tendo em vista a adoção da Diretiva 2002/[…]/CE do Parlamento Europeu e do Conselho relativa às condições de trabalho dos trabalhadores temporários (JO 2004, C 25 E, p. 368); à proposta alterada de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa às condições de trabalho dos trabalhadores temporários COM(2002) 0701; e à Posição Comum (CE) n.o 24/2008, adotada pelo Conselho deliberando nos termos do procedimento previsto no artigo 251.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, tendo em vista a adoção de uma diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa ao trabalho temporário (JO 2008, C 254 E, p. 36).

( 29 ) As fontes selecionadas pelo demandante não revelam uma intenção do legislador de excluir globalmente os postos permanentes do âmbito de aplicação da Diretiva 2008/104. V. Posição do Parlamento Europeu aprovada em primeira leitura em 21 de novembro de 2002 tendo em vista a adoção da Diretiva 2002/[…]/CE do Parlamento Europeu e do Conselho relativa às condições de trabalho dos trabalhadores temporários (JO 2004, C 25 E, p. 368, em especial p. 373); Posição Comum (CE) n.o 24/2008, adotada pelo Conselho deliberando nos termos do procedimento previsto no artigo 251.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, tendo em vista a adoção de uma diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa ao trabalho temporário (JO 2008, C 254 E, p. 36, em especial p. 41); Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu nos termos do n.o 2, segundo parágrafo, do artigo 251.o do Tratado CE, respeitante à posição comum do Conselho sobre a adoção de uma Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa ao trabalho temporário — Acordo político sobre a posição comum (VMQ) COM(2008) 0569 final, p. 6.

( 30 ) Como concluiu a advogada‑geral E. Sharpston no n.o 51 das suas Conclusões no processo KG (C‑681/18, EU:C:2020:300).

( 31 ) Acórdão KG, n.o 42. O sublinhado é meu.

( 32 ) Ibidem, n.o 55.

( 33 ) Ibidem, n.o 57.

( 34 ) Ibidem, n.o 67.

( 35 ) Ibidem, n.os 68 a 71.

( 36 ) Ibidem, n.o 42.

( 37 ) V., em particular, n.o 71 do Acórdão KG. Em todo o caso, o demandante alegou, nas suas observações escritas, que foi sujeito a uma desigualdade de tratamento, em violação do artigo 4.o da Diretiva 2008/104, tanto no que respeita à remuneração como ao risco de desemprego.

( 38 ) Acórdão KG, n.o 70.

( 39 ) Acórdão KG, n.o 55. V., igualmente, n.o 57.

( 40 ) Acórdão KG, n.o 60.

( 41 ) Como já foi referido, a violação da igualdade de remuneração é, pelo menos, sugerida nas observações escritas do demandante.

( 42 ) Acórdão KG, n.o 54. Importa acrescentar que esta obrigação de interpretação subsiste relativamente ao artigo 5.o, n.o 1, e ao artigo 3.o, n.o 1, alínea f), da Diretiva 2008/104, embora os Estados‑Membros, quando ultrapassem as exigências mínimas fixadas pela Diretiva 2008/104, não «apliquem» o direito da União, na aceção do artigo 51.o, n.o 1, da Carta. V. minhas Conclusões no processo Manpower Lit (C‑948/19, EU:C:2021:624, n.o 61).

( 43 ) Na sua versão em vigor de 1 de dezembro de 2011 a 31 de março de 2017. n.o 11 supra.

( 44 ) Acórdão KG, n.o 63.

( 45 ) Acórdão KG, n.os 64 e 65. O princípio da interpretação conforme do direito nacional, nos termos do qual o juiz nacional deve dar ao seu direito interno, na medida do possível, uma interpretação conforme às exigências do direito da União, é inerente ao sistema dos Tratados, na medida em que permite a esse juiz assegurar, no âmbito das suas competências, a plena eficácia do direito da União quando decide do litígio que lhe é submetido. V. Acórdão de 17 de março de 2021, Academia de Studii Economice din Bucureşti (C‑585/19, EU:C:2021:210, n.o 69 e jurisprudência referida).

( 46 ) Acórdão KG, n.o 42. Conclusões da advogada‑geral E. Sharpston no processo KG (C‑681/18, EU:C:2020:300, n.o 66).

( 47 ) Artigo 11.o, n.o 1, da Diretiva 2008/104.

( 48 ) Acórdão KG, n.o 66 e jurisprudência referida. V., mais recentemente, por exemplo, Conclusões do advogado‑geral M. Szpunar no processo Thelen Technopark Berlin (C‑261/20, EU:C:2021:620, n.os 30 a 31 e jurisprudência referida).

( 49 ) Um aspeto recentemente sublinhado nas Conclusões do advogado‑geral M. Szpunar no processo Thelen Technopark Berlin, ibidem, n.o 32.

( 50 ) Acórdão KG, n.o 65 e jurisprudência referida. V., igualmente, em particular, Acórdão de 5 de outubro de 2004, Pfeiffer e o. (C‑397/01 a C‑403/01, EU:C:2004:584, n.os 107 a 119). V., igualmente, por exemplo, Acórdão de 17 de abril de 2018, Egenberger (C‑414/16, EU:C:2018:257, n.o 71).

( 51 ) Acórdão de 9 de novembro de 1995, Francovich (C‑479/93, EU:C:1995:372).

( 52 ) V. Acórdão de 15 de janeiro de 2014, Association de médiation sociale (C‑176/12, EU:C:2014:2, n.o 50 e jurisprudência referida). V., mais recentemente, Acórdão de 7 de agosto de 2018, Smith (C‑122/17, EU:C:2018:631, n.o 56).

( 53 ) Acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de abril de 2018, Egenberger (C‑414/16, EU:C:2018:257, n.os 76 e 78).

( 54 ) Ibidem, n.o 78.

( 55 ) V. Acórdão de 6 de novembro de 2018, Bauer e Willmeroth (C‑569/16 e C‑570/16, EU:C:2018:871).

( 56 ) Acórdão de 24 de junho de 2019, Poplawski (C‑573/17, EU:C:2019:530, n.o 63 e jurisprudência referida).

( 57 ) V., igualmente, Anotações relativas à carta dos Diretos Fundamentais (JO 2007, C 303, p. 17), cuja anotação ad artigo 31.o, n.o 1, indica que esta disposição se baseia, de facto, numa diretiva, a saber, a Diretiva 89/391/CEE do Conselho, de 12 de junho de 1989, relativa à aplicação de medidas destinadas a promover a melhoria da segurança e da saúde dos trabalhadores no trabalho (JO 1989, L 183, p. 1) (ver Acórdão Egenberger e o requisito de não ser exigida legislação adicional). A referência, nessa anotação, ao artigo 156.o TFUE no que diz respeito às «condições de trabalho» não fornece qualquer outra precisão. Como sublinhou a advogada‑geral E. Sharpston nas suas Conclusões no processo KG (C‑681/18, EU:C:2020:300, n.o 44), o artigo 156.o TFUE não define o conceito de «condições de trabalho». Quanto aos requisitos do efeito direto, v. recentemente, por exemplo, Acórdão de 7 de agosto de 2018, Smith (C‑122/17, EU:C:2018:631).

( 58 ) Acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de abril de 2018, Egenberger (C‑414/16, EU:C:2018:257, n.o 79).

( 59 ) Diretiva do Conselho, de 28 de junho de 1999, respeitante ao acordo‑quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo (JO 1999, L 175, p. 43).

( 60 ) Acórdão KG, n.o 45. Acórdão de 25 de outubro de 2018, Sciotto (C‑331/17, EU:C:2018:859).

( 61 ) Acórdão Sciotto, ibidem, n.os 61 e 62. Importa salientar que, em qualquer caso, os contornos de uma obrigação, por força da Diretiva 1999/70, de os Estados‑Membros preverem a possibilidade de conversão de contratos a termo em contratos sem termo, em caso de abuso, estão atualmente sujeitos a desenvolvimentos pela jurisprudência. V., em particular, minhas Conclusões no processo GILDA‑UNAMS e o. (C‑282/19, EU:C:2021:217) (processo pendente).

( 62 ) Acórdão KG, n.o 45.

( 63 ) Ibidem.

( 64 ) Conclusões da advogada‑geral E. Sharpston no processo KG (C‑681/18, EU:C:2020:300, n.o 66).

( 65 ) V., por analogia, Acórdão de 15 de abril de 2021, Braathens Regional Aviation (C‑30/19, EU:C:2021:269, n.o 33).

( 66 ) Ibidem, n.o 37.

( 67 ) Ibidem, n.o 38.

( 68 ) Ibidem, n.o 55 e jurisprudência referida.

( 69 ) Acórdão de 3 de outubro de 2013, Inuit Tapiriit Kanatami e o./Parlamento e Conselho (C‑583/11 P, EU:C:2013:625, n.o 104). V., igualmente, Acórdão de 21 de novembro de 2019, Deutsche Lufthansa (C‑379/18, EU:C:2019:1000, n.o 61).

( 70 ) Importa salientar que, mesmo que o princípio da equivalência fosse pertinente para a interpretação do artigo 10.o da Diretiva 2008/104, a declaração de existência de uma relação laboral, introduzida no direito alemão (v. n.o 15, supra), não está associada a um direito análogo de natureza puramente interna, mas a um direito assente no direito da União. V. minhas Conclusões no processo GILDA‑UNAMS e o. (C‑282/19, EU:C:2021:217, nota 72) (processo pendente).

( 71 ) Acórdão de 18 de dezembro de 2008, Ruben Andersen (C‑306/07, EU:C:2008:743, n.os 25 e 26). V. igualmente, por exemplo, Acórdão de 11 de fevereiro de 2010, Ingeniørforeningen i Danmark (C‑405/08, EU:C:2010:69, n.o 39).

( 72 ) V. artigos 5.o, n.o 1, e 11.o, n.o 1, bem como considerandos 16, 17 e 19. Há que rejeitar a alegação do demandante segundo a qual o artigo 9.o, n.o 1, ou o artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva 2008/104 pode ser entendido no sentido de que restringe esta margem de apreciação, uma vez que essa restrição da margem de apreciação de um Estado‑Membro exigiria uma formulação em termos claros e inequívocos.

( 73 ) V. questão prejudicial 3.3, reproduzida no n.o 26, supra.