CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MACIEJ SZPUNAR

apresentadas em 13 de janeiro de 2022 ( 1 )

Processos C‑147/20, C‑204/20 e C‑224/20

Novartis Pharma GmbH

contra

Abacus Medicine A/S (C‑147/20)

e

Bayer Intellectual Property GmbH

contra

kohlpharma GmbH (C‑204/20)

[pedidos de decisão prejudicial apresentados pelo Landgericht Hamburg (Tribunal Regional de Hamburgo, Alemanha)]

e

Merck Sharp & Dohme BV,

Merck Sharp & Dohme Corp.,

MSD DANMARK ApS,

MSD Sharp & Dohme GmbH,

Novartis AG,

FERRING LÆGEMIDLER A/S,

H. Lundbeck A/S

contra

Abacus Medicine A/S,

Paranova Danmark A/S,

2CARE4 ApS (C‑224/20)

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Sø — og Handelsretten (Tribunal Marítimo e Comercial, Dinamarca)]

«Reenvio prejudicial — Artigos 34.o e 36.o TFUE — Livre circulação de mercadorias — Propriedade intelectual — Marcas — Regulamento (UE) 2017/1001 — Artigo 15.o — Diretiva (UE) 2015/2436 — Artigo 15.o — Esgotamento do direito conferido pela marca — Importação de medicamentos em paralelo — Reacondicionamento do produto revestido da marca — Nova embalagem externa — Oposição apresentada pelo titular da marca — Compartimentação artificial dos mercados entre Estados‑Membros — Medicamentos para uso humano — Diretiva 2001/83/CE — Artigo 47.o‑A — Dispositivos de segurança — Substituição — Dispositivos equivalentes — Regulamento Delegado (UE) 2016/161 — Artigo 3.o, n.o 2 — Dispositivo de prevenção de adulterações — Identificador único»

Índice

 

Introdução

 

Quadro jurídico

 

Direito das marcas

 

Direito farmacêutico

 

Matéria de facto, tramitação processual e questões prejudiciais

 

Processo C‑147/20

 

Processo C‑204/20

 

Processo C‑224/20

 

Análise

 

Quanto à interpretação do artigo 47.o‑A da Diretiva 2001/83, conjugado com o Regulamento Delegado 2016/161

 

Objeto dos litígios nos processos principais

 

Posições das partes

 

A minha análise

 

Observações finais

 

Respostas às questões prejudiciais

 

Quanto ao direito dos titulares das marcas se oporem ao reacondicionamento dos medicamentos no âmbito do comércio paralelo

 

Quanto à evolução da jurisprudência do Tribunal de Justiça

 

Posições das partes

 

Quanto à condição da necessidade do recurso a uma nova embalagem na jurisprudência do Tribunal de Justiça

 

Quanto aos argumentos relativos à proteção contra os medicamentos falsificados

 

Quanto ao efeito das regras contra a falsificação de medicamentos no equilíbrio entre os interesses dos titulares das marcas e dos comerciantes paralelos

 

Resposta às questões prejudiciais

 

Quanto à possibilidade de as autoridades nacionais imporem aos comerciantes paralelos o reacondicionamento dos medicamentos em novas embalagens

 

Quanto à quarta questão prejudicial no processo C‑224/20

 

Quanto à quinta questão prejudicial no processo C‑224/20

 

Quanto à aposição do identificador único na embalagem do medicamento

 

Quanto à não reprodução das marcas de origem sobre as embalagens dos medicamentos que são objeto do comércio paralelo

 

Observações preliminares

 

Análise e resposta às questões prejudiciais

 

Conclusão

Introdução

1.

Não é de forma alguma necessário, em janeiro de 2022, recordar a importância que revestem os medicamentos, não apenas para a saúde das pessoas mas também para o bem‑estar de todas as sociedades e o funcionamento da economia à escala mundial. A luta contra a pandemia da COVID‑19 destacou a necessidade, mas também a dificuldade de conciliar três objetivos — potencialmente contraditórios — da ação pública no domínio da regulamentação dos medicamentos: preservar a rentabilidade económica do desenvolvimento e da colocação de medicamentos inovadores no mercado, assegurar a sua segurança e a sua eficácia para os pacientes e conter os seus custos para os pacientes e para as finanças públicas ( 2 ).

2.

Com efeito, embora os medicamentos sejam efetivamente mercadorias, distinguem‑se, todavia, em mais do que um aspeto, da maior parte dos bens que são objeto do comércio.

3.

Por um lado, a investigação e o desenvolvimento necessários à colocação no mercado de novos medicamentos exigem recursos financeiros consideráveis, devido ao caráter tecnológico muito avançado das terapias modernas. Acresce que esses esforços são agravados de um nível especialmente elevado de risco e só geram resultados ao fim de vários anos ( 3 ). Consequentemente, os fabricantes de medicamentos não podem frequentemente contar com os mercados financeiros para financiar as suas atividades de financiamento e têm de se apoiar nos seus próprios recursos ( 4 ). Ora, esses recursos só podem ter origem nas receitas geradas pela venda de medicamentos já presentes no mercado.

4.

Por outro lado, as autoridades públicas utilizam diferentes mecanismos para controlar os preços dos medicamentos para as suas populações, quer esses medicamentos sejam financiados pelos próprios pacientes ou pelos fundos públicos, nomeadamente através do seguro de saúde. Assim, os preços dos medicamentos raramente se regem apenas pelos mecanismos do mercado.

5.

A necessidade de obter um retorno do investimento, por um lado, e os constrangimentos regulamentares que recaem sobre os preços, por outro, levam a que os fabricantes dos medicamentos pratiquem preços consideravelmente diferentes para o mesmo produto, mesmo em mercados fortemente interligados, como é o caso dos Estados‑Membros da União Europeia ( 5 ). Ora, tal situação torna economicamente rentável a prática que consiste em comprar medicamentos nos mercados onde os preços são baixos e revendê‑los naqueles onde os preços são mais elevados. É por esta razão que este procedimento, denominado «comércio paralelo», é praticado por operadores independentes dos fabricantes de medicamentos. Estes últimos não o veem com bons olhos, uma vez que cria o risco de prejudicar as suas políticas de preços.

6.

Os direitos conferidos pelas marcas são a arma de defesa dos fabricantes contra o comércio paralelo. Qualquer titular de uma marca relativa a um produto pode opor‑se à utilização dessa marca e, portanto, à comercialização do referido produto por um terceiro.

7.

No entanto, essa oposição é contrária ao princípio fundamental do mercado único na União. Com efeito, equivale a compartimentar o mercado único criado pela União em mercados nacionais separados.

8.

Assim, o Tribunal de Justiça desenvolveu na sua jurisprudência o princípio do esgotamento dos direitos conferidos pelas marcas em relação aos produtos colocados no mercado na União com o consentimento do titular da marca ( 6 ). Este princípio foi, em seguida, confirmado na legislação da União sobre as marcas ( 7 ). Esta jurisprudência e esta legislação formam a base jurídica do comércio paralelo de medicamentos na União.

9.

A liberdade comercial paralela afigura‑se ser uma evidência do ponto de vista da lógica do mercado único: o comércio entre Estados‑Membros, mesmo num setor tão regulamentado como o dos medicamentos, não pode ser entravado pelo simples facto da existência de diferenças de preços entre estes Estados‑Membros. No entanto, do ponto de vista da proteção da saúde pública, os benefícios do comércio paralelo dos medicamentos estão longe de ser evidentes. Na doutrina, é antes observado que o benefício daí resultante aproveita, sobretudo, aos próprios comerciantes paralelos e apenas em muito menor medida aos pacientes ou aos sistemas de seguro de doença. Com efeito, devido à rigidez não só da procura mas também do nível de preços dos medicamentos, o comércio paralelo contribui muito pouco para fazer baixar esses preços. Em contrapartida, foram observados efeitos nefastos do comércio paralelo, tanto nas atividades de investigação e de desenvolvimento dos fabricantes de medicamentos, devido à diminuição das suas receitas, como no abastecimento dos mercados de preços baixos, devido às compras massivas nesses mercados com vista à exportação para mercados com preços mais elevados, ou devido à recusa dos fabricantes de vender nesses mercados com receio do comércio paralelo ( 8 ).

10.

Um outro risco ligado ao comércio paralelo, mesmo que não seja inerente, é o da introdução no mercado de medicamentos falsificados, nomeadamente por ocasião do seu reacondicionamento, frequentemente necessário para efeitos da sua colocação no mercado de outros Estados‑Membros que não o da comercialização inicial ( 9 ).

11.

Para contrariar este risco, o legislador da União alterou a legislação introduzindo‑lhe dispositivos que permitem verificar a autenticidade dos medicamentos ( 10 ). Essa alteração assenta em novos requisitos relativamente à embalagem dos medicamentos, ao impor novas restrições, nomeadamente aos comerciantes paralelos. A principal questão jurídica que os presentes processos suscitam é a de saber se estes novos requisitos alteram o statu quo atual no que se refere aos respetivos direitos dos comerciantes paralelos de medicamentos e dos seus fabricantes enquanto titulares das marcas sob as quais esses medicamentos são comercializados.

12.

Devido a esta problemática principal que os presentes processos partilham, apresentarei conclusões comuns aos três processos em causa, ainda que estes não tenham sido formalmente apensados.

Quadro jurídico

Direito das marcas

13.

O artigo 9.o, n.os 1 a 3, do Regulamento (UE) 2017/1001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de junho de 2017, sobre a marca da União Europeia ( 11 ) dispõe:

«1.   O registo de uma marca da [União Europeia] confere ao seu titular direitos exclusivos.

2.   Sem prejuízo dos direitos dos titulares adquiridos antes da data de depósito ou da data de prioridade da marca da [União Europeia], o titular dessa marca da [União Europeia] fica habilitado a proibir que terceiros, sem o seu consentimento, façam uso, no decurso de operações comerciais, de qualquer sinal em relação aos produtos ou serviços caso o sinal seja:

a)

Idêntico à marca da [União Europeia] e seja utilizado para produtos ou serviços idênticos àqueles para os quais a marca da [União Europeia] foi registada;

b)

Idêntico ou semelhante à marca da [União Europeia] e seja utilizado para produtos ou serviços idênticos ou afins àqueles para os quais a marca da [União Europeia] foi registada, se existir risco de confusão no espírito do público; o risco de confusão compreende o risco de associação entre o sinal e a marca;

[…]

3.   Ao abrigo do n.o 2, pode ser proibido, nomeadamente:

a)

Apor o sinal nos produtos ou na embalagem desses produtos;

b)

Oferecer os produtos, colocá‑los no mercado ou armazená‑los para esses fins, ou oferecer ou prestar serviços sob o sinal;

c)

Importar ou exportar produtos sob o sinal;

[…]»

14.

Nos termos do artigo 15.o deste regulamento:

«1.   A marca da [União Europeia] não confere ao seu titular o direito de proibir a sua utilização para produtos que tenham sido comercializados no espaço económico europeu sob essa marca pelo titular ou com o seu consentimento.

2.   O n.o 1 não é aplicável sempre que motivos legítimos justifiquem que o titular se oponha à comercialização posterior dos produtos, nomeadamente sempre que o estado dos produtos seja modificado ou alterado após a sua colocação no mercado.»

15.

O artigo 10.o, n.os 1 a 3, da Diretiva (UE) 2015/2436 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2015, que aproxima as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas ( 12 ), dispõe:

«1.   O registo de uma marca confere ao seu titular direitos exclusivos.

2.   Sem prejuízo dos direitos adquiridos pelos titulares antes da data de depósito ou da data de prioridade da marca registada, o titular dessa marca registada fica habilitado a proibir que terceiros, sem o seu consentimento, utilizem na vida comercial, relativamente a produtos e serviços, sinais que sejam:

a)

idênticos à marca e utilizados relativamente a produtos ou serviços idênticos àqueles para os quais a marca foi registada;

b)

idênticos ou semelhantes à marca e utilizados relativamente a produtos ou serviços idênticos ou afins aos produtos ou serviços para os quais a marca foi registada, se existirem riscos de confusão no espírito do público; o risco de confusão compreende o risco de associação entre o sinal e a marca;

[…]

3.   Pode ser proibido ao abrigo do n.o 2, nomeadamente, o seguinte:

a)

apor o sinal nos produtos ou na sua embalagem;

b)

oferecer os produtos para venda ou colocá‑los no mercado ou armazená‑los para esses fins, ou oferecer ou fornecer serviços com o sinal;

c)

importar ou exportar produtos com esse sinal;

[…]»

16.

Nos termos do artigo 15.o desta diretiva:

«1.   Os direitos conferidos pela marca não permitem ao seu titular proibir a utilização desta para produtos comercializados na União sob essa marca pelo titular ou com o seu consentimento.

2.   O n.o 1 não é aplicável sempre que motivos legítimos justifiquem que o titular se oponha à comercialização posterior dos produtos, nomeadamente sempre que o estado dos produtos seja modificado ou alterado após a sua colocação no mercado.»

Direito farmacêutico

17.

Nos termos do artigo 40.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2001/83/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de novembro de 2001, que estabelece um código comunitário relativo aos medicamentos para uso humano ( 13 ), conforme alterada pela Diretiva 2011/62/UE ( 14 ) (a seguir «Diretiva 2001/83»):

«1.   Os Estados‑Membros tomarão todas as medidas necessárias para que o fabrico dos medicamentos no seu território esteja dependente da titularidade de uma autorização. Exige‑se igualmente a autorização de fabrico quando os medicamentos sejam fabricados para a exportação.

2.   A autorização referida no n.o 1 é exigida tanto para o fabrico total ou parcial como para as operações de divisão, acondicionamento ou apresentação.

[…]»

18.

O artigo 47.o‑A, n.o 1, da Diretiva 2001/83 dispõe:

«Os dispositivos de segurança a que se refere a alínea o) do artigo 54.o não podem ser parcial ou completamente removidos ou cobertos, exceto se estiverem preenchidas as seguintes condições:

a)

O titular da autorização de fabrico verifica, antes de remover ou cobrir parcial ou completamente os dispositivos de segurança, se o medicamento em causa é autêntico e não foi adulterado;

b)

O titular da autorização de fabrico cumpre o disposto na alínea o) do artigo 54.o, substituindo aqueles dispositivos de segurança por outros dispositivos de segurança que sejam equivalentes no que diz respeito à possibilidade de verificar a autenticidade, identificar e comprovar a eventual adulteração do medicamento. Essa substituição deve efetuar‑se sem abrir o acondicionamento primário, conforme definido no ponto 23 do artigo 1.o

Os dispositivos de segurança são considerados equivalentes se:

i)

cumprirem os requisitos estabelecidos nos atos delegados adotados nos termos do n.o 2 do artigo 54.o‑A, e

ii)

assegurarem o mesmo grau de eficácia na verificação da autenticidade e identificação e na comprovação da eventual adulteração dos medicamentos;

c)

A substituição dos dispositivos de segurança é conduzida de acordo com as boas práticas de fabrico aplicáveis aos medicamentos; e

d)

A substituição dos dispositivos de segurança está sujeita a supervisão por parte da autoridade competente.»

19.

Nos termos do artigo 54.o, alínea o), desta diretiva:

«A embalagem externa ou, caso não exista, o acondicionamento primário de qualquer medicamento deve conter as seguintes menções:

[…]

o)

Em relação aos medicamentos que não sejam os medicamentos radiofarmacêuticos referidos no n.o 1 do artigo 54.o‑A, os dispositivos de segurança que permitem aos distribuidores por grosso e às pessoas autorizadas ou habilitadas a dispensar medicamentos ao público:

verificar a autenticidade do medicamento, e

identificar cada embalagem,

bem como um dispositivo que permita verificar se a embalagem externa foi adulterada.»

20.

O artigo 54.o‑A, n.o 2, primeiro parágrafo, da referida diretiva confere uma delegação à Comissão Europeia, com a seguinte redação:

«A Comissão adota, através de atos delegados, nos termos do artigo 121.o‑A e nas condições previstas nos artigos 121.o‑B e 121.o‑C, medidas que completem as disposições da alínea o) do artigo 54.o, com o objetivo de estabelecer regras pormenorizadas para os dispositivos de segurança a que se refere a alínea o) do artigo 54.o»

21.

O artigo 3.o, n.o 2, alíneas a) e b), do Regulamento Delegado (UE) 2016/161 da Comissão, de 2 de outubro de 2015, que complementa a Diretiva 2001/83/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, estabelecendo regras pormenorizadas para os dispositivos de segurança que figuram nas embalagens dos medicamentos para uso humano ( 15 ), dispõe:

«São aplicáveis as seguintes definições:

a)

“Identificador único”, o dispositivo de segurança que permite a verificação da autenticidade e a identificação de uma embalagem individual de um medicamento;

b)

“Dispositivo de prevenção de adulterações”, o dispositivo de segurança que permite verificar se a embalagem de um medicamento foi adulterada;

[…]»

22.

Nos termos do artigo 5.o, n.os 1 a 3, deste regulamento delegado:

«1.   Os fabricantes devem codificar o identificador único num código de barras bidimensional.

2.   O código de barras deve ser uma matriz de dados legível por máquina e ter capacidade de deteção e correção de erros equivalente ou superior às da matriz de dados ECC200. […]

3.   Os fabricantes devem imprimir o código de barras na embalagem numa superfície lisa, uniforme e pouco refletora.»

23.

Nos termos do artigo 10.o do referido regulamento delegado:

«Aquando da verificação dos dispositivos de segurança, os fabricantes, os grossistas e as pessoas autorizadas ou habilitadas a fornecer medicamentos ao público devem verificar o seguinte:

a)

a autenticidade do identificador único;

b)

a integridade do dispositivo de prevenção de adulterações.»

24.

O artigo 24.o do mesmo regulamento delegado dispõe:

«Um grossista não pode fornecer ou exportar um medicamento se tiver motivos para crer que a embalagem foi adulterada ou quando a verificação dos dispositivos de segurança do medicamento indicar que o produto pode não ser autêntico. O grossista deve informar imediatamente as autoridades competentes relevantes.»

25.

Por último, nos termos do artigo 30.o do Regulamento Delegado 2016/161:

«Quando as pessoas autorizadas ou habilitadas a fornecer medicamentos ao público tenham motivos para crer que a embalagem do medicamento foi adulterada, ou a verificação dos dispositivos de segurança do medicamento indicar que o produto pode não ser autêntico, as pessoas autorizadas ou habilitadas a fornecer medicamentos ao público não devem fornecer o medicamento e devem informar imediatamente as autoridades competentes relevantes.»

Matéria de facto, tramitação processual e questões prejudiciais

Processo C‑147/20

26.

A Novartis Pharma GmbH, sociedade de direito alemão, é titular exclusiva, na Alemanha, dos direitos sobre as marcas nominativas Novartis e Votrient, que utiliza para os medicamentos Votrient 400 mg comprimidos peliculados e Votrient 200 mg comprimidos peliculados (a seguir «medicamentos controvertidos»).

27.

A Abacus Medicine A/S, sociedade de direito dinamarquês, distribui na Alemanha principalmente medicamentos importados em paralelo a partir de outros Estados‑Membros.

28.

Considerando que, para dar cumprimento aos requisitos legais, a Abacus Medicine tinha que abrir o acondicionamento externo original dos medicamentos controvertidos, incluindo retirar o dispositivo de prevenção de adulterações de que este está provido, informou a Novartis Pharma de que, de futuro, deixaria de fornecer esses medicamentos na sua embalagem externa de origem e que a substituiria por uma nova embalagem com as mesmas quantidades.

29.

No órgão jurisdicional de reenvio, a Novartis Pharma pede, em substância, que a Abacus Medicine seja proibida de introduzir no mercado alemão ou de aí promover os medicamentos controvertidos embalados de novo que foram objeto de importações paralelas.

30.

A Novartis Pharma alega, nomeadamente, que os direitos que lhe são conferidos pelas marcas em causa não estão esgotados, na aceção do artigo 15.o, n.o 2, do Regulamento 2017/1001. Na sua opinião, não é necessário o reacondicionamento dos medicamentos em causa numa nova embalagem externa, dado que os requisitos impostos pelos artigos 47.o‑A e 54.o‑A da Diretiva 2001/83 podem ser cumpridos através da aposição na embalagem de origem, por um lado, do código de barras que serve de identificador único, na aceção do artigo 3.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento Delegado 2016/161, através de um rótulo autocolante e, por outro, depois de ter introduzido uma bula em língua alemã no acondicionamento original, um novo dispositivo contra a adulteração que cubra os sinais da abertura anterior. Além disso, para dissipar as eventuais dúvidas quanto à integridade dos medicamentos, a Abacus Medicine pode assinalar ter aposto um novo selo no âmbito de uma nova embalagem lícita.

31.

A Abacus Medicine alega que a abertura do rótulo de selagem aposto pela Novartis Pharma implica alterações ou modificações visíveis e irreversíveis da embalagem externa, do rótulo ou da banda adesiva, e que a aposição do identificador único na embalagem original através de uma etiqueta autocolante não é uma solução realista, na medida em que, devido ao silicone de que a embalagem externa dos medicamentos está revestida, esta etiqueta pode ser retirada facilmente. Este revestimento também impede a impressão do código de barras, em conformidade com o artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento Delegado 2016/161.

32.

Por conseguinte, a Abacus Medicine considera estar obrigada, para poder comercializar os medicamentos controvertidos na Alemanha, a proceder ao seu reacondicionamento numa nova embalagem externa, pelo que a Novartis Pharma não tem o direito de se opor a esse reacondicionamento.

33.

Foi nestas circunstâncias que o Landgericht Hamburg (Tribunal Regional de Hamburgo, Alemanha) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

O facto de, quando os dispositivos de segurança de uma embalagem externa/embalagem original previstos no artigo 54.o, alínea o), e no artigo 47.o‑A, n.o 1, da Diretiva [2001/83], são substituídos pelo distribuidor paralelo na aceção do artigo 47.o‑A, n.o 1, alínea b), da Diretiva [2001/83], que conserva a referida embalagem original, ser inevitável que os vestígios da abertura permaneçam visíveis depois de os dispositivos de segurança preexistentes terem sido parcial ou completamente removidos e/ou cobertos, pode conduzir a uma compartimentação artificial dos mercados, na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça?

2)

Para a resposta à primeira questão, é relevante saber se os vestígios de abertura só são visíveis quando o medicamento é objeto de uma verificação aprofundada por parte dos distribuidores por grosso e/ou por pessoas autorizadas ou habilitadas a dispensar medicamentos ao público, por exemplo, farmácias, em cumprimento das obrigações que lhes incumbem por força dos artigos 10.o, 24.o e 30.o do Regulamento [Delegado 2016/161], ou podem passar despercebidos durante uma verificação superficial?

3)

Para a resposta à primeira questão, é relevante saber se os vestígios de abertura só são visíveis quando a embalagem de um medicamento é aberta, por exemplo, pelo paciente?

4)

Deve o artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento [Delegado 2016/161] ser interpretado no sentido de que o código de barras que contém o identificador único, na aceção do artigo 3.o, n.o 2, alínea a), d[este] regulamento [delegado], tem de estar impresso diretamente na embalagem, ou seja, a aplicação do identificador único com um rótulo adicional na embalagem exterior original por um distribuidor paralelo não está em conformidade com o artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento [Delegado 2016/161]?»

34.

O pedido de decisão prejudicial deu entrada no Tribunal de Justiça em 23 de março de 2020. Foram apresentadas observações escritas pelas partes no processo principal, pelo Governo polaco e pela Comissão. Não foi realizada audiência. As partes responderam por escrito às questões do Tribunal de Justiça.

Processo C‑204/20

35.

A Bayer Intellectual Property GmbH, sociedade de direito alemão (a seguir «Bayer»), é titular da marca alemã Androcur, que utiliza para medicamentos.

36.

A kohlpharma GmbH, também sociedade de direito alemão, distribui na Alemanha medicamentos importados em paralelo a partir de outros Estados‑Membros.

37.

A kohlpharma comunicou à Bayer a sua intenção de importar dos Países Baixos o medicamento Androcur 50 mg no formato de caixa de 50 comprimidos peliculados para efeitos da sua comercialização na Alemanha nos formatos de caixa de 50 e de 100 comprimidos peliculados. Posteriormente, a kohlpharma comunicou à Bayer que o dispositivo de prevenção de adulterações aposto na embalagem externa do medicamento importado tinha de ser rompido para efeitos da importação paralela, tornando assim necessária a substituição dessa embalagem.

38.

A Bayer opôs‑se à substituição pretendida, alegando que o recurso a uma nova embalagem ultrapassaria o necessário para que o produto importado em paralelo pudesse ser comercializado na Alemanha.

39.

Considera que resulta da Diretiva 2011/62 e do Regulamento Delegado 2016/161 que a nova rotulagem e a embalagem de substituição constituem soluções alternativas que podem ser razoavelmente previstas pelo importador paralelo e oferecem garantias equivalentes em termos de segurança. No caso em apreço, a necessidade de uma nova embalagem não está, na sua opinião, demonstrada, dado que uma nova rotulagem bastaria objetivamente para garantir o acesso ao mercado do produto resultante do comércio paralelo.

40.

A kohlpharma alega que uma nova rotulagem do acondicionamento original é inadequada devido aos vestígios de manipulação que a retirada do dispositivo de prevenção de adulterações original provoca e que continuam visíveis após a abertura do acondicionamento original rotulado. Na sua opinião, a utilização de embalagens originais que apresentam vestígios de deterioração reduz consideravelmente a possibilidade de aceder ao mercado alemão de farmácias e de grossistas.

41.

Por outro lado, a kohlpharma considera que a relação regra‑exceção entre o novo rótulo e a nova embalagem se inverteu a partir da entrada em vigor do novo quadro regulamentar aplicável aos medicamentos, constituído pela Diretiva 2001/83 e pelo Regulamento Delegado 2016/161.

42.

Foi nestas circunstâncias que o Landgericht Hamburg (Tribunal Regional de Hamburgo) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o artigo 47.o‑A, da Diretiva [2001/83] ser interpretado no sentido de que, no caso de medicamentos importados em paralelo, se pode presumir que as medidas de remoção e recolocação dos dispositivos de segurança na aceção do artigo 54.o, alínea o), da Diretiva [2001/83] que tenham ocorrido mediante relabeling [reetiquetagem] (aplicação de etiquetas autocolantes na embalagem secundária original) ou mediante reboxing [reacondicionamento em nova embalagem] (produção de uma nova embalagem secundária para o medicamento) realizadas pelo importador paralelo são equivalentes quando, além disso, ambas as medidas preenchem todos os requisitos da Diretiva [2001/83] e do Regulamento Delegado [2016/161] e são igualmente adequadas à verificação da autenticidade e à identificação dos medicamentos, bem como à prova da adulteração de medicamentos?

2)

Em caso de resposta afirmativa à questão [1]: pode o titular de uma marca opor‑se a que o produto seja colocado numa nova embalagem externa (reboxing) por um importador paralelo, tendo em conta as novas normas relativas à proteção contra falsificações, nos casos em que o importador paralelo também pode fabricar uma embalagem suscetível de ser distribuída no Estado‑Membro de importação mediante a simples colocação de novas etiquetas autocolantes na embalagem secundária original (relabeling)?

3)

Em caso de resposta afirmativa à questão 2: é irrelevante que em caso de relabeling para a comercialização em causa seja visível que o dispositivo de segurança do fornecedor original foi danificado, desde que se garanta que o importador paralelo foi responsável por esse facto e colocou um novo dispositivo de segurança na embalagem original secundária? Neste caso, o facto de as marcas de abertura só ficarem visíveis quando a embalagem secundária do medicamento é aberta, pode ser relevante?

4)

Em caso de resposta afirmativa às questões 2 e/ou 3: deve igualmente confirmar‑se a exigência objetiva de reembalagem mediante reboxing na aceção dos 5 requisitos de esgotamento relativos à reembalagem (v. Acórdãos de 11 de julho de 1996, Bristol‑Myers Squibb e o., C‑427/93, C‑429/93 e C‑436/93, EU:C:1996:282, n.o 79 [ ( 16 )] bem com de 26 de abril de 2007, Boehringer Ingelheim e o., C‑348/04, EU:C:2007:249, n.o 21) [ ( 17 )], quando as autoridades nacionais anunciam nas suas diretrizes para a implementação das disposições da Diretiva 2011/62/UE ou noutras publicações oficiais equivalentes que, numa situação normal, a recolocação do selo em embalagens abertas não é aceite ou, pelo menos, só é aceite excecionalmente e em condições muito estritas?»

43.

O pedido de decisão prejudicial foi recebido pelo Tribunal de Justiça em 13 de maio de 2020. Foram apresentadas observações escritas pelas partes no processo principal, pelos Governos dinamarquês e polaco e pela Comissão. Não foi realizada audiência. As partes responderam por escrito às questões do Tribunal de Justiça.

Processo C‑224/20

44.

As sociedades Merck Sharp & Dohme BV, Merck Sharp & Dohme Corp., MSD DANMARK ApS, MSD Sharp & Dohme GmbH, Novartis AG, FERRING LÆGEMIDLER A/S, e H. Lundbeck A/S (a seguir, em conjunto, «recorrentes no processo principal») são fabricantes de medicamentos, titulares das marcas sob as quais os medicamentos que produzem são vendidos.

45.

As sociedades Abacus Medicine A/S, Paranova Danmark A/S e 2CARE4 ApS (a seguir, em conjunto «recorridas no processo principal») importam para a Dinamarca medicamentos colocados no mercado de outros Estados‑Membros pelas recorrentes no processo principal.

46.

Antes da sua colocação no mercado na Dinamarca, os medicamentos importados em paralelo são objeto de um novo reacondicionamento em novas embalagens externas, em certos casos com reposição das marcas das recorrentes no processo principal (nomes dos produtos) e, noutros casos, sem reposição dessas marcas, que são então substituídas por novos nomes de produtos, a bula ou a informação que indica, no entanto, que os medicamentos em causa correspondem aos vendidos pelas recorrentes no processo principal sob as suas respetivas marcas.

47.

As recorrentes no processo principal alegam que, em circunstâncias como as dos litígios nos processos principais, o direito das marcas confere‑lhes o direito de se oporem ao reacondicionamento dos medicamentos em novas embalagens externas.

48.

As recorridas no processo principal alegam, por seu turno, que o reacondicionamento em novas embalagens externas é necessário e, portanto, lícito.

49.

O órgão jurisdicional de reenvio refere que, em 18 de dezembro de 2018, a Lægemiddelstyrelsen (Agência Dinamarquesa de Medicamentos) publicou um documento com perguntas e respostas relativas aos dispositivos de segurança apostos nas embalagens dos medicamentos que, na sua versão atualizada de 20 de janeiro de 2020, enuncia, nomeadamente, o seguinte:

«[A] Agência Dinamarquesa de Medicamentos considera que as novas disposições regulamentares obrigam, enquanto regra primordial, os importadores paralelos a proceder ao reacondicionamento em novas embalagens. Isso decorre do objetivo prosseguido por essas novas disposições regulamentares, nomeadamente da exigência de um dispositivo de prevenção de adulterações que permita verificar qualquer abertura da embalagem ou de rutura do dispositivo. Os importadores paralelos que procedem à abertura das caixas de medicamentos e à destruição do dispositivo de prevenção de adulterações com vista à inserção de uma bula ou de informação em dinamarquês, etc. devem, portanto, em princípio e em conformidade com as novas disposições regulamentares, proceder ao reacondicionamento em novas embalagens e apor identificadores únicos e dispositivos de prevenção de adulterações, acrescentar informações, etc.

O [documento, elaborado pela Comissão, intitulado “Safety features for medicinal products for human use — Questions and answers — version 18” (“Dispositivos de segurança para os medicamentos de uso humano — perguntas e respostas — versão 18”) (a seguir “documento perguntas e respostas da Comissão”)] refere que, em determinadas condições bem precisas, é “lícito” a um importador paralelo abrir uma caixa de medicamentos, nomeadamente para inserir nela uma nova bula e informação, em seguida, substituir o dispositivo de prevenção de adulterações original por um novo dispositivo de prevenção de adulterações, se esse processo for efetuado sob a supervisão das autoridades competentes e se o novo dispositivo de prevenção de adulterações permitir selar perfeitamente a caixa e disfarçar qualquer sinal de abertura ilícita. A substituição do dispositivo de prevenção de adulterações deve, além disso, ser efetuada em conformidade com as boas práticas de fabrico de medicamentos, e o importador paralelo que procede à abertura lícita das caixas e à aposição de um novo dispositivo de prevenção de adulterações deve previamente verificar a autenticidade do identificador único e a integridade do dispositivo de prevenção de adulterações da embalagem original, em conformidade com o artigo 47.o‑A, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2001/83.

Sendo a regra primordial, como referido supra, que o importador paralelo deve, por força das novas disposições regulamentares, proceder ao reacondicionamento em novas embalagens, a Agência Dinamarquesa de Medicamentos considera que a derrogação descrita pela Comissão só pode ser aplicada em circunstâncias excecionais, por exemplo em caso de risco de rutura do fornecimento de medicamentos.

A priori, esta derrogação não poderá ser invocada na Dinamarca no âmbito de um novo pedido de autorização de colocação no mercado para importações paralelas. Esta deverá respeitar os requisitos gerais, nomeadamente o princípio do reacondicionamento em novas embalagens.

Conforme descrita pela Comissão, a derrogação significa que o importador paralelo, quando tenha sido concedida uma autorização de colocação no mercado para importações paralelas do medicamento em causa, que o referido medicamento é introduzido no mercado e que, numa situação especial e excecional, o referido importador paralelo invoca a derrogação ao princípio do reacondicionamento, pode fazê‑lo a pedido sob a forma de um pedido de derrogação ao regulamento sobre a rotulagem. […] Para além do facto de ter de respeitar estas indicações, o importador paralelo deve descrever de forma exaustiva como pretende substituir o dispositivo de prevenção de adulterações, nomeadamente comunicando matrizes do dispositivo de prevenção de adulterações de origem e do novo dispositivo de prevenção de adulterações. Também deve demonstrar que a substituição do dispositivo de prevenção de adulterações é efetuada em conformidade com as boas práticas de fabrico, de modo que o novo dispositivo de prevenção de adulterações sele completamente a embalagem e disfarce qualquer vestígio visível da abertura lícita. Além disso, a derrogação deve abranger todos os produtos em causa, incluindo as apresentações e dosagens, e os países de exportação em causa.»

50.

Foi nestas circunstâncias que o Sø — og Handelsretten (Tribunal Marítimo e Comercial, Dinamarca) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Devem os artigos 15.o, n.o 2, da [Diretiva 2015/2436] e 15.o, n.o 2, do [Regulamento 2017/1001] ser interpretados no sentido de que o titular de uma marca pode opor‑se à comercialização posterior de um medicamento que um importador paralelo tenha reacondicionado numa nova embalagem exterior e na qual a marca tenha sido reaposta, quando:

i)

o importador tenha a possibilidade de realizar uma embalagem que possa ser comercializada e obter acesso efetivo ao mercado do Estado‑Membro de importação, danificando a embalagem exterior original, a fim de apor novos rótulos na embalagem interior e/ou substituir o folheto informativo e, em seguida, voltar a selar a embalagem exterior original com um novo dispositivo para verificar se a embalagem foi adulterada, em conformidade com o artigo 47.o‑A da [Diretiva 2001/83] e com o artigo 16.o do [Regulamento Delegado 2016/161]?

ii)

o importador não tenha a possibilidade de realizar uma embalagem que possa ser comercializada e obter acesso efetivo ao mercado do Estado‑Membro de importação, danificando a embalagem exterior original, a fim de apor novos rótulos na embalagem interior e/ou substituir o folheto informativo e, em seguida, voltar a selar a embalagem exterior original com um novo dispositivo destinado a verificar se a embalagem foi adulterada, em conformidade com o artigo 47.o‑A da [Diretiva 2001/83] e com o artigo 16.o do [Regulamento Delegado 2016/161]?

2)

Deve a [Diretiva 2001/83], em especial, os artigos 47.o‑A e 54.o, alínea o), ser interpretada no sentido de que um novo dispositivo que se destina a verificar se a embalagem foi adulterada (“dispositivo de prevenção de adulterações”), aposto na embalagem original do medicamento (em conjunto com o rótulo suplementar após a embalagem ter sido aberta de tal modo que o dispositivo de prevenção de adulterações original tenha sido parcial ou completamente coberto e/ou removido), na aceção do artigo 47.o‑A, n.o 1, alínea b), “[é] equivalente no que respeita à possibilidade de verificar a autenticidade, identificar e comprovar a eventual adulteração do medicamento” e, na aceção do artigo 47.o‑A, n.o 1, alínea b), ii), “[assegura] o mesmo grau de eficácia na verificação da autenticidade e identificação e na comprovação da eventual adulteração dos medicamentos”, quando a embalagem dos medicamentos apresente sinais visíveis de que o dispositivo de prevenção de adulterações original foi adulterado, ou que possam ser comprovados tocando no produto, incluindo:

i)

através da verificação obrigatória da integridade do dispositivo de prevenção de adulterações efetuada pelos fabricantes, grossistas, farmacêuticos e pessoas autorizadas ou habilitadas a fornecer medicamentos ao público (v. [Diretiva 2001/83], artigo 54.o‑A, n.o 2, alínea d) e Regulamento Delegado 2016/161, artigos 10.o, alínea b), e 25.o e 30.o), ou

ii)

após a embalagem dos medicamentos ter sido aberta, por exemplo, por um paciente?

3)

Em caso de resposta negativa à segunda questão:

Devem o artigo 15.o da [Diretiva 2015/2436], o artigo 15.o do [Regulamento 2017/1001] e os artigos 36.o e 34.o TFUE ser interpretados no sentido de que o reacondicionamento em novas embalagens exteriores é objetivamente necessário para assegurar o acesso efetivo ao mercado do Estado de importação, quando não seja possível ao importador paralelo apor um rótulo suplementar e voltar a selar a embalagem original em conformidade com o artigo 47.o‑A da [Diretiva 2001/83], ou seja, sem que a embalagem dos medicamentos apresente sinais visíveis de que o dispositivo de prevenção de adulterações original foi adulterado, ou que possa ser comprovado tocando no produto, conforme descrito na segunda questão, de uma forma que não esteja em conformidade com o artigo 47.o‑A?

4)

Devem a [Diretiva 2001/83] e o [Regulamento Delegado 2016/161], em conjugação com os artigos 34.o e 36.o TFUE[,] com o artigo 15.o, n.o 2, da [Diretiva 2015/2436] [e com o artigo 15.o, n.o 2, do Regulamento 2017/1001], ser interpretados no sentido de que um Estado‑Membro [na Dinamarca: a Lægemiddelstyrelsen (Agência Dinamarquesa de Medicamentos)] tem o direito de estabelecer orientações segundo as quais, em geral, se deve proceder ao reacondicionamento em novas embalagens exteriores e que só a pedido, em casos excecionais (por exemplo, quando exista um risco para o fornecimento do medicamento), é que pode ser permitida a colocação de um rótulo suplementar e, em seguida, voltar a selar, apondo novos dispositivos de segurança na embalagem exterior original, ou a elaboração e observância de tais orientações pelo Estado‑Membro é incompatível com os artigos 34.o e 36.o TFUE e/ou com o artigo 47.o‑A da [Diretiva 2001/83] e com o artigo 16.o do [Regulamento Delegado 2016/161]?

5)

Devem o artigo 15.o, n.o 2, da [Diretiva 2015/2436], e o artigo 15.o, n.o 2, do [Regulamento 2017/1001], conjugados com os artigos 34.o e 36.o TFUE, ser interpretados no sentido de que o reacondicionamento em novas embalagens exteriores efetuado por um importador paralelo, em conformidade com as orientações estabelecidas por um Estado‑Membro, conforme supramencionadas na quarta questão, deve ser considerado necessário na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia:

i)

quando tais orientações sejam compatíveis com os artigos 34.o e 36.o TFUE e com a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia relativa às importações paralelas de medicamentos; ou

ii)

quando tais orientações sejam incompatíveis com os artigos 34.o e 36.o TFUE e com a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia relativa às importações paralelas de medicamentos?

6)

Devem os artigos 34.o e 36.o TFUE ser interpretados no sentido de que o reacondicionamento de um medicamento numa nova embalagem exterior deve ser objetivamente necessário para assegurar o acesso efetivo ao mercado do Estado de importação, mesmo que o importador paralelo não tenha reaposto a marca original (designação do produto), mas, em vez disso, tenha dado uma nova designação à nova embalagem exterior que não contem a marca do seu titular (de‑branding)?

7)

Devem o artigo 15.o, n.o 2, da [Diretiva 2015/2436], e o artigo 15.o, n.o 2, do [Regulamento 2017/1001] ser interpretados no sentido de que o titular de uma marca pode opor‑se à comercialização posterior de um medicamento que um importador paralelo tenha reacondicionado numa nova embalagem exterior, na medida em que o importador paralelo tenha reaposto apenas a marca do titular especificamente relacionada com o produto, sem apor novamente as outras marcas e/ou indicações comerciais que o titular da marca tinha aposto na embalagem exterior original?»

51.

O pedido de decisão prejudicial deu entrada no Tribunal de Justiça em 29 de maio de 2020. Foram apresentadas observações escritas pelas recorrentes e pelas recorridas no processo principal, pelos Governos dinamarquês e polaco e pela Comissão. Não foi realizada audiência. As partes responderam por escrito às questões do Tribunal de Justiça.

Análise

52.

As questões prejudiciais nos presentes processos suscitam uma série de problemas jurídicos respeitantes:

em primeiro lugar, à questão de saber se as novas regras em matéria de proteção contra a falsificação dos medicamentos, introduzidas pela Diretiva 2011/62 e pelo Regulamento Delegado 2016/161, obrigam os comerciantes paralelos, de facto ou de jure, a privilegiar o reacondicionamento dos medicamentos importados em paralelo em novas embalagens em vez de utilizarem as embalagens de origem novamente rotuladas (primeira questão no processo C‑204/20 e segunda questão no processo C‑224/20);

em segundo lugar, à questão de saber se e, sendo caso disso, em que medida essas novas regras alteram o alcance do direito dos titulares de marcas sobre medicamentos a opor‑se ao reacondicionamento em novas embalagens de medicamentos provenientes do comércio paralelo relativamente à situação jurídica decorrente da jurisprudência atual do Tribunal de Justiça (primeira a terceira questões no processo C‑147/20, segunda e terceira questões no processo C‑204/20 e primeira e terceira questões no processo C‑224/20);

em terceiro lugar, à questão de saber se as autoridades dos Estados‑Membros têm o direito de aprovar regras mais estritas no que respeita ao modo de reacondicionamento de medicamentos provenientes do comércio paralelo e, em caso afirmativo, com que consequências para o direito dos fabricantes desses medicamentos decorrente do direito das marcas (quarta questão no processo C‑204/20, e quarta e quinta questões no processo C‑224/20);

em quarto lugar, ao problema técnico relativo à aposição do novo identificador único na embalagem de origem de um medicamento que é objeto do comércio paralelo (quarta questão no processo C‑147/20) e, por último,

em quinto lugar, ao alcance do direito do titular da marca sobre um medicamento que é objeto do comércio paralelo a opor‑se ao reacondicionamento desse medicamento quando o comerciante paralelo não reproduz ou reproduz apenas parcialmente as marcas utilizadas pelo titular para o referido medicamento (sexta e sétima questões no processo C‑224/20) ( 18 ).

53.

Nas presentes conclusões, abordarei estes problemas pela ordem indicada supra, para, em seguida, deduzir as respostas às diferentes questões prejudiciais.

Quanto à interpretação do artigo 47.o‑A da Diretiva 2001/83, conjugado com o Regulamento Delegado 2016/161

Objeto dos litígios nos processos principais

54.

Os litígios nos processos principais opõem os titulares de marcas sobre medicamentos aos comerciantes paralelos desses medicamentos a propósito dos métodos de reacondicionamento autorizados dos referidos medicamentos aquando da sua comercialização em paralelo.

55.

Com efeito, na medida em que a legislação aplicável exige que os medicamentos sejam acompanhados de determinadas informações, tanto na embalagem como numa bula de informação normalmente incluída no interior da embalagem, que devem ser redigidas na ou nas línguas oficiais do Estado‑Membro de colocação no mercado ( 19 ), os comerciantes paralelos são habitualmente obrigados a abrir a embalagem de origem para substituir a bula por uma outra na língua do Estado‑Membro de comercialização do medicamento. Coloca‑se então a questão de saber se, à luz das novas regras destinadas a lutar contra a falsificação dos medicamentos, introduzidas pela Diretiva 2011/62 e pelo Regulamento Delegado 2016/161, os comerciantes paralelos podem voltar a fechar a embalagem de origem apondo‑lhe os elementos exigidos, nomeadamente um novo dispositivo de prevenção de adulterações, ou se são obrigados, de jure ou de facto, a fazer uma nova embalagem.

56.

O debate sobre esta questão é, ao que parece, alimentado, nomeadamente, pelo documento perguntas e respostas elaborado pela Comissão, bem como pelas linhas de orientação emitidas pelas agências de medicamentos de alguns Estados‑Membros, nomeadamente a agência dinamarquesa. De acordo com esses documentos, as novas regras de segurança para os medicamentos implicam, em princípio, a obrigação de os comerciantes paralelos reacondicionarem os medicamentos em novas embalagens após a abertura da embalagem de origem.

57.

Assim, os comerciantes paralelos, recorridos no processo principal, bem como o Governo dinamarquês, alegam que o reacondicionamento em novas embalagens passou a ser a regra e que o voltar a fechar a embalagem de origem só é admitido excecionalmente. Em contrapartida, os titulares das marcas sobre os medicamentos, recorrentes no processo principal, bem como o Governo polaco e a Comissão, apesar do conteúdo do seu documento, alegam, em substância, que as novas regras em matéria de segurança dos medicamentos não alteraram fundamentalmente as regras existentes, ou seja, que tanto a reutilização da embalagem de origem como o reacondicionamento numa nova embalagem são, em princípio, possíveis, sem que a legislação relativa aos medicamentos introduza qualquer prioridade para um ou outro método ( 20 ).

58.

Para resolver esta controvérsia, há que analisar as disposições do artigo 47.o‑A da Diretiva 2001/83 e as do Regulamento Delegado 2016/161.

59.

Recorde‑se que, nos termos do artigo 47.o‑A da Diretiva 2001/83, os dispositivos de segurança a que se refere o seu artigo 54.o, alínea o), a saber, o identificador único e o dispositivo de prevenção de adulterações ( 21 ), só podem ser removidos ou cobertos pelo titular de uma autorização de fabrico ( 22 ), sob certas condições, nomeadamente para substituir o dispositivo de segurança, sob supervisão por parte da autoridade competente, por um dispositivo equivalente.

60.

Por outro lado, nos termos dos artigos 24.o e 30.o do Regulamento Delegado 2016/161, os grossistas e as pessoas autorizadas ou habilitadas a fornecer medicamentos ao público têm a obrigação de não fornecer o medicamento e de informar imediatamente as autoridades competentes quando têm razões para crer que a embalagem do medicamento foi objeto de uma adulteração ou que resulta da verificação dos dispositivos de segurança do medicamento que o produto pode não ser autêntico.

Posições das partes

61.

Baseando‑se nestas disposições, os comerciantes paralelos e o Governo dinamarquês alegam, em substância, que, na prática, é particularmente difícil para os comerciantes paralelos substituir um dispositivo de prevenção de adulterações após a abertura da embalagem por forma a satisfazer os critérios do controlo que devem ser levados a cabo pelos grossistas e pelas pessoas habilitadas a fornecer medicamentos ao público ( 23 ). Alegam, nomeadamente, que é quase impossível substituir esse dispositivo de uma forma que não deixe nenhum vestígio da abertura do dispositivo de origem. Ora, esse vestígio vai criar uma suspeita de adulteração e, portanto, a obrigação de os grossistas e as pessoas habilitadas a fornecer medicamentos ao público retirarem o medicamento da cadeia de abastecimento e alertar as autoridades.

62.

Por esta razão, estas partes consideram que os novos dispositivos de segurança dos medicamentos exigem que os comerciantes paralelos reacondicionem os medicamentos em novas embalagens em vez de utilizarem as embalagens de origem, substituindo unicamente o dispositivo de segurança. Com efeito, só o dispositivo de prevenção de adulteração intacto de uma nova embalagem é, segundo elas, capaz de cumprir os requisitos regulamentares e de inspirar confiança aos diferentes operadores da cadeia de abastecimento, permitindo‑lhes assegurar‑se da identidade e da autenticidade dos medicamentos provenientes do comércio paralelo. Em contrapartida, a utilização da embalagem de origem e a substituição do dispositivo de prevenção de adulterações devem ser reservadas apenas para casos absolutamente excecionais. É neste raciocínio que, na sua opinião, se baseiam as orientações emitidas pela Agência Dinamarquesa de Medicamentos.

63.

Este ponto de vista não é partilhado pelos titulares das marcas sobre os medicamentos, nem pelo Governo polaco e nem pela Comissão.

64.

Estas partes consideram, em substância, que nem as disposições relevantes da Diretiva 2001/83 nem as do Regulamento Delegado 2016/161 excluem o reacondicionamento dos medicamentos provenientes do comércio paralelo nas embalagens originais com a substituição do dispositivo de prevenção de adulterações nem privilegiam o recurso a novas embalagens.

65.

Segundo as referidas partes, isso já decorre da simples redação das sobreditas disposições que mencionam expressamente as duas técnicas, sem privilegiar nenhuma delas. Por outro lado, os titulares das marcas observam que o dispositivo de prevenção de adulterações não tem por objetivo prevenir qualquer abertura da embalagem, mas apenas fazer prova de uma adulteração, a saber, uma abertura ilícita. Ora, uma vez que os comerciantes paralelos têm a obrigação de, antes da abertura da embalagem, se certificarem de que o dispositivo de prevenção de adulterações está intacto, o novo dispositivo que apõem depois para fechar a embalagem serve apenas para provar a não abertura da embalagem durante o envio do medicamento do comerciante paralelo ao utilizador final (um paciente ou um estabelecimento de saúde). Assim, os eventuais vestígios de uma abertura do dispositivo de prevenção de adulterações original não suscitam suspeitas por parte dos intervenientes da cadeia de abastecimento, uma vez que estes estão em condições de garantir que essa abertura é imputável a um comerciante paralelo e foi efetuada segundo as regras.

66.

De acordo com estas partes, as novas regras destinadas a lutar contra os medicamentos falsificados não têm efeito no que respeita à possibilidade de os comerciantes paralelos utilizarem as embalagens de origem para efeitos do reacondicionamento dos medicamentos.

A minha análise

67.

Partilho, em princípio, do ponto de vista dos titulares das marcas sobre os medicamentos, do Governo polaco e da Comissão, quando afirmam que as disposições relevantes não excluem nem privilegiam, por princípio, nenhum dos métodos de reacondicionamento.

68.

Nomeadamente, a expressão «substituir os dispositivos de segurança», utilizada no artigo 47.o‑A da Diretiva 2001/83, não implica de modo algum a necessidade de uma nova embalagem. Pelo contrário, quando o medicamento é reacondicionado numa nova embalagem, essa embalagem está dotada de um dispositivo de segurança em conformidade com o artigo 54.o, alínea o), desta diretiva. Com efeito, não é sem razão que um comerciante paralelo que procede ao reacondicionamento dos medicamentos deve dispor de uma autorização de fabrico. Por conseguinte, quando o reacondicionamento é feito numa nova embalagem, duvido que se possa falar de uma «substituição» do dispositivo de segurança, na aceção do artigo 47.o‑A, n.o 1, alínea b), da referida diretiva. A substituição só se verifica no que respeita à embalagem original.

69.

Por outro lado, o considerando 12 da Diretiva 2011/62 sugere que, de acordo com o legislador da União, o titular de uma autorização de fabrico, como o comerciante paralelo, deve ser autorizado, entre outros, a «substituir» o dispositivo de segurança, isto é, segundo toda a lógica, a integrá‑lo na embalagem de origem.

70.

Por conseguinte, na minha opinião, pode considerar‑se que se o legislador da União tivesse querido obrigar os titulares da autorização de fabrico que procedem ao reacondicionamento dos medicamentos, como os comerciantes paralelos, a utilizar novas embalagens, tê‑lo‑ia previsto expressamente, eliminando da cadeia de abastecimento as embalagens que fossem abertas.

71.

Em contrapartida, os titulares das marcas e a Comissão parecem‑me subestimar a questão, salientada com razão pelo Governo polaco, da equivalência do novo dispositivo de segurança que substitui o dispositivo de origem.

72.

Com efeito, por força do artigo 47.o‑A, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2001/83, o titular da autorização de fabrico que procede ao reacondicionamento dos medicamentos deve substituir os dispositivos de segurança eventualmente removidos por dispositivos «que sejam equivalentes no que diz respeito à possibilidade de verificar a autenticidade, identificar e comprovar a eventual adulteração do medicamento».

73.

A faculdade de os comerciantes paralelos utilizarem as embalagens de origem para efeitos de reacondicionamento dos medicamentos depende, portanto, da possibilidade de substituir o dispositivo de segurança de origem por um dispositivo equivalente na aceção desta disposição. Por conseguinte, há que determinar em que condições um dispositivo de segurança pode ser considerado equivalente ao dispositivo de origem.

74.

A este respeito, o considerando 12 da Diretiva 2011/62 exprime a convicção do legislador da União de que «convém especificar claramente o significado do termo “equivalente”». No que respeita ao identificador único, o Regulamento Delegado 2016/161 define de forma detalhada os critérios que um novo identificador único deve preencher para ser considerado equivalente. Em contrapartida, no que respeita ao dispositivo de prevenção de adulterações, não me parece que as disposições pertinentes estejam à altura dessa ambição.

75.

O artigo 47.o‑A, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2001/83 limita‑se a dar uma definição um pouco tautológica, segundo a qual, além do cumprimento dos requisitos fixados nos atos delegados adotados nos termos do artigo 54.o‑A, n.o 2, desta diretiva — esses requisitos são praticamente inexistentes no que respeita ao dispositivo de prevenção de adulterações, por não haver uma delegação adequada dada à Comissão nesta última disposição —, dispositivos de segurança que sejam «equivalentes no que diz respeito à possibilidade de verificar a autenticidade, identificar e comprovar a eventual adulteração do medicamento […]» permitem «[assegurar] o mesmo grau de eficácia na verificação da autenticidade e identificação e na comprovação da eventual adulteração dos medicamentos». Tudo o que se pode deduzir é que um dispositivo de segurança é equivalente quando é tão eficaz como o original. Continuamos na esfera da abstração. Importa, portanto, proceder a uma interpretação que permita realizar, na prática, os objetivos da disposição suprarreferida.

76.

Há um número limitado de dispositivos suscetíveis de serem utilizados nas embalagens externas dos medicamentos. A norma ISO 21976:2018 «Embalagens — controlos de adulteração para embalagens de medicamentos» ( 24 ), mencionada no documento perguntas e respostas elaborado pela Comissão ( 25 ) no sentido de que permitem dar cumprimento aos requisitos do artigo 47.o‑A e do artigo 54.o, alínea o), da Diretiva 2001/83, enumera diversas categorias de «controlos de adulteração» que podem ser utilizados nas embalagens de medicamentos. Nessas categorias constam, nomeadamente, as caixas planificadas fechadas com cola, as etiquetas e as fitas adesivas de selagem, as anilhas e ainda os fechos quebráveis ou rasgáveis. Acrescentaria que podem ser utilizadas na mesma embalagem diversos controlos de adulteração, de diferentes categorias, por exemplo, um fecho com cola de um lado da caixa e um fecho quebrável do outro.

77.

Sem me querer aventurar no terreno das apreciações factuais, afigura‑se‑me manifesto que a eficácia destas diferentes categorias de controlos de adulteração é variável por produzir vestígios de abertura da embalagem, isto é, que pode ser mais ou menos fácil, após a abertura de uma embalagem, voltar a fechá‑la, aplicando‑lhe um dispositivo de prevenção de adulterações que seja tão eficaz como o original.

78.

Para dar um exemplo, pode‑se imaginar sem dificuldade que é mais fácil retirar e depois substituir uma fita adesiva do que voltar a colar uma caixa, sem falar em reparar um fecho rasgável.

79.

Ora, para ser equivalente na aceção do artigo 47.o‑A, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2001/83, o dispositivo de prevenção de adulterações de substituição deve, na minha opinião, apresentar as mesmas características técnicas que o original. Concordo, portanto, com a opinião da Comissão segundo a qual o dispositivo de prevenção de adulterações de substituição deve apresentar uma resistência, uma fiabilidade e uma qualidade idênticas às do dispositivo de origem. Na prática — mas sem fazer dela uma regra absoluta, uma vez que tal regra não decorre da legislação — o dispositivo de prevenção de adulterações de substituição deve, na maior parte dos casos, ser do mesmo tipo que o original. Na minha opinião, não basta, por exemplo, cobrir uma caixa descolada ou rasgada com banda adesiva, mesmo que os rótulos e fitas adesivas de selagem constem das categorias dos vestígios de adulteração conformes com a norma ISO 21976:2018.

80.

Assim, um comerciante paralelo que proceda ao reacondicionamento dos medicamentos cumpre os requisitos do artigo 47.o‑A, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2001/83 utilizando a embalagem de origem se, após a sua abertura, puder substituir o dispositivo de prevenção de adulterações original por um dispositivo que cumpra os critérios descritos supra. Em contrapartida, se tal se revelar impossível, nomeadamente porque o dispositivo de prevenção de adulterações está concebido de tal modo que a abertura da embalagem se traduzirá na sua destruição, o comerciante paralelo encontrar‑se‑á na necessidade objetiva de recorrer a uma nova embalagem.

81.

A Comissão alega, tanto no seu documento perguntas e respostas como, de forma mais matizada, nas suas observações nos presentes processos, que os comerciantes paralelos têm a obrigação de cobrir com o dispositivo de prevenção de adulterações de substituição quaisquer vestígios de abertura da embalagem, incluindo os vestígios do dispositivo original. No entanto, considero que tal obrigação não decorre do artigo 47.o‑A, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2001/83 nem das disposições do Regulamento Delegado 2016/161.

82.

Por um lado, no que respeita ao artigo 47.o‑A, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2001/83, essa obrigação não é um requisito para que o dispositivo de prevenção de adulterações de substituição possa comprovar uma eventual adulteração do medicamento, como exige esta disposição. Como sublinham, com razão, os titulares das marcas nas suas observações, o dispositivo de prevenção de adulterações de substituição serve para garantir que a embalagem não foi aberta entre o estabelecimento do autor do reacondicionamento e a venda ao utilizador final. O facto de subsistirem vestígios de uma abertura lícita para efeitos do reacondicionamento não afeta o objetivo do dispositivo de prevenção de adulterações, desde que seja claro que se tratava de uma manipulação lícita. Aliás, é o que a Comissão reconhece nas suas observações. Ora, deste ponto de vista, afigura‑se‑me mais eficaz utilizar um dispositivo de substituição que responde aos requisitos referidas no n.o 79, supra, do que cobrir de novo de qualquer maneira os vestígios de abertura.

83.

Por outro lado, os artigos 24.o e 30.o do Regulamento Delegado 2016/161, na minha opinião, também não exigem que o dispositivo de prevenção de adulterações de substituição cubra inteiramente todos os vestígios de abertura da embalagem aquando do reacondicionamento. Estas disposições sujeitam os grossistas e as pessoas habilitadas a fornecer medicamentos ao público à obrigação de não fornecer esses medicamentos quando «tenham motivos para crer que a embalagem do medicamento foi adulterada». Ora, a abertura lícita da embalagem aquando do reacondicionamento não é uma adulteração, uma vez que esta equivale a uma manipulação ilícita na aceção do artigo 47.o‑A da Diretiva 2001/83. Assim, quando o dispositivo de prevenção de adulterações foi substituído por um dispositivo que cumpre os requisitos mencionados no n.o 79 das presentes conclusões, as pessoas visadas pelos artigos 24.o e 30.o do Regulamento Delegado 2016/161 não deviam ter razões para pensar que a embalagem foi objeto de uma adulteração.

84.

Considero, portanto, que os comerciantes paralelos que procedem ao reacondicionamento de medicamentos podem utilizar as suas embalagens originais, desde que estejam em condições de substituir o dispositivo de prevenção de adulterações por um dispositivo que apresente as mesmas características técnicas que o de origem e que permita garantir que a abertura da embalagem se deveu ao reacondicionamento lícito dos medicamentos em causa.

Observações finais

85.

Além da interpretação propriamente dita das normas em vigor, as diferentes partes, nomeadamente os titulares dos direitos de marca e os comerciantes paralelos, apresentam argumentos opostos baseados na maior ou menor aptidão dos diferentes métodos de reacondicionamento dos medicamentos para garantir a sua segurança. Assim, segundo os titulares das marcas, a conservação da embalagem de origem com a aposição de um novo dispositivo de prevenção de adulterações, que demonstre claramente que a abertura da embalagem foi efetuada de forma lícita por um operador autorizado, é uma garantia da autenticidade do produto contido nessa embalagem. Em contrapartida, segundo os comerciantes paralelos, só uma nova embalagem com um dispositivo de prevenção de adulterações intacto garantirá que o medicamento não foi adulterado e, eventualmente, falsificado.

86.

Estes argumentos têm, segundo estas partes, implicações no que respeita à interpretação das disposições legislativas aplicáveis.

87.

Não creio que se possam retirar essas conclusões, num ou noutro sentido.

88.

É claro que a melhor garantia de autenticidade é dada pelo medicamento que chega do fabricante ao utilizador final numa embalagem intacta. Em contrapartida, na situação em que a embalagem deve ser aberta numa fase da cadeia de abastecimento, nomeadamente para substituir a bula original por uma noutra língua, a garantia da autenticidade do medicamento é necessariamente menor. A integridade e o bom funcionamento dos procedimentos instituídos pelo comerciante paralelo ou pelos seus subcontratantes serão então cruciais para assegurar que o medicamento reacondicionado e seguidamente expedido a jusante da cadeia de abastecimento é o mesmo que o que chegou ao comerciante paralelo. É o identificador único que desempenha aqui o papel primordial.

89.

Em contrapartida, não se me afigura que se possa declarar a priori a superioridade de um ou do outro método de reacondicionamento. Embora, num caso concreto, um desses métodos possa apresentar vantagens, isso não pode, todavia, em minha opinião, ser generalizado. Dizendo‑o mais diretamente, fabricar uma embalagem de medicamentos ou substituir um dispositivo de prevenção de adulterações não é difícil. Com efeito, trata‑se tão‑só de fechar uma simples caixa de cartão. Se os malfeitores são capazes de falsificar o medicamento, também saberão falsificar a embalagem.

90.

Por conseguinte, considero que os argumentos baseados na pretensa superioridade de um método de reacondicionamento sobre o outro não alteram as conclusões que decorrem da interpretação das disposições aplicáveis.

Respostas às questões prejudiciais

91.

Importa agora formular as respostas à primeira questão no processo C‑204/20 e à segunda questão no processo C‑224/20.

92.

Com a sua primeira questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio no processo C‑204/20 pergunta, em substância, se o dispositivo de segurança na aceção do artigo 54.o, alínea o), da Diretiva 2001/83, colocado de novo por um titular de uma autorização de fabrico aquando do reacondicionamento dos medicamentos, é equivalente ao dispositivo de origem, na aceção do artigo 47.o‑A, n.o 1, alínea b), desta diretiva, quando permite assegurar o mesmo grau de eficácia na verificação da autenticidade desses medicamentos e na identificação e na comprovação da eventual adulteração dos medicamentos, em conformidade com os requisitos que decorrem da referida diretiva e do Regulamento Delegado 2016/161.

93.

Esta questão é algo circular, uma vez que o artigo 47.o‑A, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2001/83 define precisamente um dispositivo de segurança equivalente ao dispositivo de origem como um dispositivo que permite verificar os aspetos mencionados pelo órgão jurisdicional de reenvio na sua questão ( 26 ). A resposta só pode ser afirmativa. Tendo em conta os desenvolvimentos expostos supra, creio ser útil precisar esta resposta.

94.

Por conseguinte, proponho que a resposta à primeira questão prejudicial no processo C‑204/20 seja que o artigo 47.o‑A, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2001/83 deve ser interpretado no sentido de que um dispositivo de segurança, na aceção do artigo 54.o, alínea o), desta diretiva, colocado de novo pelo titular de uma autorização de fabrico aquando do reacondicionamento dos medicamentos, é equivalente ao dispositivo de origem, na aceção desta primeira disposição, quando permite assegurar o mesmo grau de eficácia na verificação da autenticidade desses medicamentos e na identificação e na comprovação da eventual adulteração dos medicamentos, em conformidade com os requisitos que decorrem da referida diretiva e do Regulamento Delegado 2016/161. É o que acontece, nomeadamente, quando o dispositivo de prevenção de adulterações de substituição, na aceção do artigo 3.o, n.o 2, alínea b), deste regulamento delegado, apresenta as mesmas características técnicas que o dispositivo original.

95.

Com a sua segunda questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio no processo C‑224/20 pergunta, em substância, se o dispositivo de prevenção de adulterações, na aceção do artigo 3.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento Delegado 2016/161, colocado de novo por um titular de uma autorização de fabrico aquando do reacondicionamento dos medicamentos, é equivalente ao dispositivo original, na aceção do artigo 47.o‑A, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2001/83, quando a embalagem em questão mostre, durante uma verificação nos termos dos artigos 16.o, 20.o ou 25.o desse regulamento delegado ou após a abertura pelo utilizador final, sinais percetíveis de que o dispositivo de prevenção de adulterações original foi adulterado ( 27 ).

96.

Proponho que se responda a esta questão que o artigo 47.o‑A, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2001/83 deve ser interpretado no sentido de que o dispositivo de prevenção de adulterações, na aceção do artigo 3.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento Delegado 2016/161, colocado de novo por um titular de uma autorização de fabrico aquando do reacondicionamento dos medicamentos, é equivalente ao dispositivo de origem, na aceção do artigo 47.o‑A, n.o 1, alínea b), desta diretiva, ainda que a embalagem em questão mostre, durante uma verificação nos termos dos artigos 16.o, 20.o ou 25.o deste regulamento delegado ou após a abertura pelo utilizador final, sinais percetíveis de que o dispositivo de prevenção de adulterações original foi adulterado, desde que seja claro que essa adulteração é o resultado de uma operação lícita.

Quanto ao direito dos titulares das marcas se oporem ao reacondicionamento dos medicamentos no âmbito do comércio paralelo

97.

A segunda série de questões prejudiciais submetidas nos presentes processos diz respeito à questão de saber se e, sendo caso disso, em que medida as novas regras em matéria de proteção contra a falsificação de medicamentos, introduzidas pela Diretiva 2011/62 e pelo Regulamento Delegado 2016/161, alteram o alcance do direito dos titulares das marcas se oporem ao reacondicionamento em novas embalagens dos medicamentos que são objeto de comércio paralelo relativamente à situação jurídica decorrente do artigo 15.o do Regulamento 2017/1001 e do artigo 15.o da Diretiva 2015/2436, bem como da jurisprudência atual do Tribunal de Justiça na matéria ( 28 ). Afigura‑se‑me necessário recordar brevemente esta jurisprudência antes de começar a minha análise.

Quanto à evolução da jurisprudência do Tribunal de Justiça

98.

No seu Acórdão Centrafarm e de Peijper ( 29 ), que dizia respeito à importação paralela de medicamentos, o Tribunal de Justiça consagrou, em nome da livre circulação de mercadorias, o princípio do esgotamento do direito do titular de uma marca de se opor à comercialização por um terceiro e sem autorização desse titular, de um produto que ostente essa marca que foi anteriormente colocado no mercado noutro Estado‑Membro com o consentimento do referido titular ( 30 ).

99.

No que respeita ao direito do titular de uma marca de se opor à comercialização sob essa marca de um produto que foi reacondicionado numa nova embalagem, o Tribunal de Justiça pronunciou‑se, no seu Acórdão Hoffmann‑La Roche ( 31 ), no sentido de que, em tal situação, a oposição do titular da marca é, em princípio, justificada. Com efeito, segundo o Tribunal de Justiça, admitir a comercialização do produto que ostenta uma marca após reacondicionamento numa nova embalagem equivale a reconhecer ao comerciante paralelo um determinado poder que, em circunstâncias normais, está reservado ao titular da marca ( 32 ), a saber, o de apor a marca na nova embalagem.

100.

No entanto, a utilização pelo titular da marca do seu poder de oposição é suscetível de constituir uma restrição dissimulada às trocas comerciais entre Estados‑Membros. Seria esse o caso, nomeadamente, se o reacondicionamento fosse efetuado de modo que nem a identidade de origem do produto nem o seu estado originário fossem afetados. O estado originário do produto não é afetado, nomeadamente, quando este é acondicionado numa embalagem dupla e o reacondicionamento diz unicamente respeito à embalagem externa, ou quando o reacondicionamento é controlado por uma autoridade pública. Com efeito, nessas circunstâncias, o facto de o titular da marca utilizar para o mesmo produto embalagens diferentes em diversos Estados‑Membros e de se opor, em seguida, ao reacondicionamento numa nova embalagem com vista à importação paralela deste produto contribui para compartimentar artificialmente os mercados entre Estados‑Membros ( 33 ).

101.

Por conseguinte, o Tribunal de Justiça decidiu que uma oposição do titular de uma marca à comercialização sob a sua marca de um produto que foi reacondicionado numa nova embalagem constitui uma restrição dissimulada ao comércio entre os Estados‑Membros,

se se demonstrar que o exercício do direito de marca pelo seu titular, dado o sistema de comercialização por ele aplicado, contribui para estabelecer uma compartimentação artificial entre os mercados dos Estados‑Membros;

se se demonstrar que a reembalagem não poderá afetar o estado originário do produto;

se o titular de marca for previamente avisado da colocação no mercado do produto reembalado; e

se se indicar, na nova embalagem, quem procedeu ao reacondicionamento do produto ( 34 ).

102.

O princípio do esgotamento do direito do titular de uma marca de se opor à comercialização, sem a sua autorização, de um produto que ostenta essa marca e que já foi colocado no mercado com o seu consentimento noutro Estado‑Membro, foi em seguida confirmado pelo legislador da União no artigo 7.o da Diretiva 89/104/CEE ( 35 ). Esta disposição foi reproduzida, em termos substancialmente idênticos, no artigo 15.o do Regulamento 2017/1001 e também no artigo 15.o, da Diretiva 2015/2436.

103.

No entanto, o Tribunal de Justiça continua a interpretar estas disposições atendendo à livre circulação de mercadorias, considerando que prosseguem o mesmo objetivo que o atual artigo 36.o TFUE, pelo que a sua jurisprudência desenvolvida com base nesta última disposição ( 36 ) continua atual ( 37 ).

104.

Esta jurisprudência foi, no entanto, esclarecida e completada quanto a alguns aspetos pelos acórdãos posteriores do Tribunal de Justiça.

105.

Assim, foi esclarecido, nomeadamente, que a oposição do titular à comercialização sob uma marca que lhe pertence de um produto reacondicionado numa nova embalagem contribui para a compartimentação dos mercados se essa nova embalagem for necessária para a comercialização do produto no Estado‑Membro de importação. Essa necessidade surge quando o produto não pode ser comercializado na sua embalagem de origem devido à legislação ou às práticas no referido Estado‑Membro ( 38 ).

106.

Por outro lado, foi acrescentado um requisito suplementar para que o titular de uma marca se veja proibido de se opor à comercialização do produto sob a sua marca após o seu reacondicionamento numa nova embalagem, a saber, que a apresentação do produto reembalado não seja tal que possa prejudicar a reputação da marca e a do seu titular, o que seria nomeadamente o caso se a nova embalagem fosse defeituosa, de má qualidade ou pouco cuidada ( 39 ).

107.

Por último, o Tribunal de Justiça declarou que as condições que devem estar preenchidas para que o titular de uma marca não se possa opor à comercialização sob essa marca de um produto que foi reacondicionado, nomeadamente a condição de necessidade, aplicam‑se não apenas nos casos do reacondicionamento numa nova embalagem mas também nos casos de um reacondicionamento que consista numa nova rotulagem aposta na embalagem de origem ( 40 ).

108.

Nos presentes processos, trata‑se de saber se e, sendo caso disso, em que medida, as novas regras em matéria de proteção contra a falsificação dos medicamentos, introduzidas pela Diretiva 2011/62 e pelo Regulamento Delegado 2016/161, alteram os ensinamentos decorrentes da jurisprudência recordada nos números anteriores das presentes conclusões. As partes que apresentaram observações nestes processos alegam quanto a este ponto opiniões divergentes.

Posições das partes

109.

Os comerciantes paralelos partes nos litígios nos processos principais alegam que as novas regras em matéria de proteção contra a falsificação dos medicamentos exigem, de facto senão de jure, que os medicamentos abrangidos por estas regras e que são objeto do comércio paralelo sejam reacondicionados em novas embalagens, pelo que os titulares das marcas não se podem opor a esta forma de reacondicionamento. Este ponto de vista é igualmente defendido pelo Governo dinamarquês. Segundo estas partes, só uma nova embalagem pode satisfazer plenamente os requisitos relativos ao dispositivo de prevenção de adulterações, referido no artigo 54.o, alínea o), e no artigo 47.o‑A da Diretiva 2001/83. Com efeito, qualquer dispositivo de segurança de substituição deixa subsistir uma dúvida quanto à licitude da reabertura e do consequente fecho da embalagem original.

110.

Em contrapartida, os titulares das marcas partes nos litígios nos processos principais contestam este ponto de vista, alegando que as novas regras em matéria de proteção contra a falsificação dos medicamentos não têm nenhuma incidência na apreciação do critério da necessidade do reacondicionamento dos medicamentos que são objeto do comércio paralelo, incluindo a necessidade de recorrer a uma nova embalagem. Pelo contrário, alegam que é precisamente a conservação da embalagem de origem que melhor contribui para os objetivos da nova regulamentação, pois permite conservar os medicamentos no estado mais próximo do seu estado originário.

111.

Embora a posição do Governo polaco seja próxima da dos titulares das marcas, este Governo observa, todavia, que as reticências dos grossistas, dos profissionais da saúde e dos pacientes em relação aos dispositivos de prevenção de adulterações de substituição colocados nas embalagens de origem dos medicamentos após o seu reacondicionamento podem militar a favor do recurso às novas embalagens.

112.

Por último, a Comissão considera que, embora a jurisprudência anterior do Tribunal de Justiça permitisse aos titulares das marcas oporem‑se à comercialização dos medicamentos em novas embalagens se a utilização das embalagens de origem fosse possível, os acórdãos mais recentes parecem, todavia, só aplicar o critério de necessidade em razão do reacondicionamento propriamente dito, deixando aos comerciantes paralelos a escolha entre uma nova embalagem e a utilização da embalagem original. Assim, segundo a Comissão, o titular de uma marca não se pode opor ao recurso a uma nova embalagem pelo simples facto de a utilização da embalagem de origem permitir igualmente aceder ao mercado do Estado‑Membro de importação.

113.

Estas diferentes posições levam‑me a formular as observações seguintes.

Quanto à condição da necessidade do recurso a uma nova embalagem na jurisprudência do Tribunal de Justiça

114.

Começarei pela análise dos argumentos da Comissão que parecem basear‑se numa leitura inovadora da jurisprudência do Tribunal de Justiça.

115.

Como referi, segundo a Comissão, o Tribunal de Justiça tinha abandonado, nos seus acórdãos recentes, o requisito da necessidade no que se refere à opção do comerciante paralelo entre uma nova embalagem e a embalagem original, ao aplicar este requisito apenas ao reacondicionamento enquanto tal. A este respeito, a Comissão apoia‑se em diversos acórdãos nos quais o Tribunal de Justiça considerou que o requisito da necessidade visa apenas o facto de o reacondicionamento e não a maneira ou o estilo segundo o qual é realizado ( 41 ). A Comissão acrescenta que a aplicação do requisito de necessidade à utilização de uma nova embalagem em vez da embalagem original novamente rotulada não se justifica, na medida em que não resulta expressamente dos textos legislativos. Por conseguinte, implicaria a aplicação de um duplo critério de necessidade e constituiria uma restrição desproporcionada à livre circulação de mercadorias. Por outro lado, a Comissão considera que o recurso a uma nova embalagem nem sempre constitui uma violação mais grave dos direitos do titular da marca do que a nova rotulagem da embalagem de origem.

116.

Não partilho desta posição nem destes argumentos.

117.

Na jurisprudência do Tribunal de Justiça, que resumi nos n.os 98 a 107 das presentes conclusões, os requisitos cujo cumprimento era exigido para que o titular de uma marca não pudesse invocar a referida marca para se opor à comercialização de um seu produto sem a sua autorização respeitavam apenas aos produtos reacondicionados numa nova embalagem. É o caso, nomeadamente, da condição de necessidade. Com efeito, o Tribunal de Justiça precisou que o titular de uma marca se podia opor ao reacondicionamento do produto numa nova embalagem se o comerciante paralelo pudesse comercializar esse produto no Estado‑Membro de importação utilizando a embalagem de origem e adaptando essa embalagem às exigências desse Estado‑Membro ( 42 ).

118.

Esta solução baseava‑se na constatação de que o reconhecimento do direito de um comerciante paralelo recorrer a uma nova embalagem para comercializar um produto, que ostenta uma marca, sem a autorização do titular dessa marca equivalia a reconhecer‑lhe uma faculdade normalmente reservada a esse titular, a saber, a de apor essa marca na nova embalagem ( 43 ). Assim, o reacondicionamento numa nova embalagem conduz necessariamente a uma ingerência mais profunda nas prerrogativas do titular de uma marca do que a simples comercialização do produto na sua embalagem de origem, mesmo que rotulada.

119.

Consequentemente, a tese da Comissão não tem fundamento. É verdade que, em situações factuais concretas, a nova rotulagem da embalagem de origem pode ser efetuada de tal modo que é mais atentatória da imagem da marca do que teria sido uma nova embalagem. Todavia, esta questão difere da da profundidade da ingerência na esfera dos direitos exclusivos do titular dessa marca.

120.

É verdade que, nos seus Acórdãos de 23 de abril de 2002, Boehringer Ingelheim e o. (C‑143/00, a seguir «Acórdão Boehringer Ingelheim e o. de 2002, EU:C:2002:246), e Boehringer Ingelheim e o. de 2007, o Tribunal de Justiça alargou ao reacondicionamento por nova rotulagem a aplicação das condições que deve preencher para que o titular de uma marca não se possa opor à comercialização sob essa marca de um produto reacondicionado, considerando que esta forma de reacondicionamento, tal como uma nova embalagem, cria riscos para garantir a proveniência do produto que a marca visa assegurar ( 44 ).

121.

No entanto, o Tribunal de Justiça não abandonou de modo nenhum a aplicação do critério da necessidade do reacondicionamento numa nova embalagem relativamente à nova rotulagem da embalagem original. Pelo contrário, aplicou‑o expressamente no seu Acórdão Boehringer Ingelheim e o. de 2002 (n.o 2 do dispositivo), ao declarar que o reacondicionamento de medicamentos por substituição das embalagens é objetivamente necessário na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça se, sem este, o acesso efetivo ao mercado em causa ou a uma parte importante desse mercado dever ser considerado dificultado devido a uma forte resistência de uma proporção significativa de consumidores em relação aos medicamentos rotulados.

122.

Isto foi confirmado no Acórdão Boehringer Ingelheim e o. de 2007, no qual o Tribunal de Justiça declarou que a «condição de necessidade apenas respeita ao facto de se proceder ao reacondicionamento do produto — assim como à escolha entre uma nova embalagem e uma nova rotulagem — com vista a permitir a comercialização desse produto no mercado do Estado de importação e não a forma ou ao estilo como este reacondicionamento é realizado» ( 45 ). Contrariamente à Comissão, não encontro ambiguidade nessa passagem. Na minha opinião, pode facilmente deduzir‑se daí que, segundo o Tribunal de Justiça, a condição de necessidade visa (também) a escolha entre uma nova embalagem e uma nova rotulagem e que esta escolha não é abrangida pela «maneira ou [o] estilo segundo os quais esse reacondicionamento é efetuado». Os acórdãos posteriores não infirmam esta conclusão. Pelo contrário, o processo que deu origem ao Acórdão de 10 de novembro de 2016, Ferring Lægemidler (C‑297/15, EU:C:2016:857), dizia precisamente respeito à questão de saber se o reacondicionamento numa nova embalagem era necessário.

123.

Também não estou convencido com os outros argumentos da Comissão.

124.

É verdade que a aplicação do critério da necessidade, antes de mais ao reacondicionamento em geral e depois à nova embalagem, pode parecer duplicado. Assim sendo, se esta condição estiver preenchida no que respeita à nova embalagem, também o está automaticamente para o reacondicionamento em geral. Não há que analisá‑los separadamente. Por outro lado, num mercado tão fortemente regulamentado como o dos medicamentos, o requisito da necessidade do reacondicionamento está quase sempre preenchido, quanto mais não seja para fornecer aos pacientes as informações exigidas por lei na ou nas línguas oficiais do Estado‑Membro de importação. Embora possa haver situações excecionais, como a do comércio paralelo entre dois Estados‑Membros que utilizam a mesma língua, como no processo que deu origem ao Acórdão de 17 de maio de 2018, Junek Europ‑Vertrieb (C‑642/16, EU:C:2018:322), estas são, no entanto, muito raras. Por conseguinte, aplicar esta condição não à opção entre uma nova embalagem e a nova rotulagem, mas unicamente ao reacondicionamento em geral, esvaziá‑la‑ia, portanto, em grande parte da sua substância.

125.

No que respeita ao argumento de que a aplicação da condição de necessidade ao reacondicionamento numa nova embalagem não decorre da legislação da União, basta recordar que todas as condições que permitem invocar o esgotamento dos direitos conferidos pela marca no âmbito do comércio paralelo, quer sejam aplicadas simplesmente ao reacondicionamento dos produtos ou à utilização de uma nova embalagem, têm como única origem a jurisprudência e não figuram expressamente dos textos. Por último, uma vez que a nova rotulagem do produto em causa permite um acesso efetivo ao mercado do Estado‑Membro de importação, a aplicação da condição de necessidade ao reacondicionamento numa nova embalagem não pode constituir um entrave desproporcionado à livre circulação de mercadorias.

Quanto aos argumentos relativos à proteção contra os medicamentos falsificados

126.

Os comerciantes paralelos partes nos litígios nos processos principais alegam que só o reacondicionamento dos medicamentos em novas embalagens permite realizar plenamente os objetivos das novas regras em matéria de proteção contra a falsificação de medicamentos, introduzidas pela Diretiva 2011/62 e pelo Regulamento Delegado 2016/161. Segundo estas partes, só uma nova embalagem, com um dispositivo de prevenção de adulterações intacto e que não apresente vestígios de abertura, permite aos profissionais de saúde e aos pacientes assegurar que o medicamento não foi objeto de nenhuma adulteração. Em contrapartida, os titulares das marcas apoiam a posição contrária.

127.

Há que recordar que o Tribunal de Justiça já tinha declarado no acórdão fundador da sua jurisprudência relativa ao direito das marcas, no contexto do comércio paralelo dos medicamentos, que, embora a proteção do público contra os riscos devidos a produtos farmacêuticos defeituosos constitua uma preocupação legítima, as medidas necessárias para este efeito devem ser adotadas enquanto medidas próprias da área do controlo sanitário e não como desvio das regras em matéria de propriedade industrial e comercial, e que o objetivo específico de proteção dessa propriedade era distinto do objetivo da proteção do público e das eventuais responsabilidades que ela pode implicar ( 46 ). Consequentemente, declarou que o titular de uma marca relativa a um produto farmacêutico não poderá subtrair‑se às regras comunitárias sobre a livre circulação de mercadorias para controlar a distribuição do produto tendo em vista a proteção do público contra produtos defeituosos ( 47 ). Esta abordagem foi seguidamente confirmada no que respeita à informação adequada dos consumidores que consta das embalagens dos medicamentos ( 48 ).

128.

De forma análoga, os objetivos da luta contra os medicamentos falsificados devem ser realizados através de disposições específicas adotadas para o efeito e do respeito dessas disposições ao longo da cadeia de abastecimento. Por conseguinte, os titulares das marcas não podem opor‑se ao reacondicionamento dos medicamentos em novas embalagens pelo simples facto de, na sua opinião, a nova rotulagem das embalagens originais contribuir melhor para alcançar os objetivos dessas disposições. Como o Tribunal de Justiça já observou, se se puder derrogar o princípio fundamental da livre circulação de mercadorias nos casos em que o titular de uma marca se opõe, com fundamento nesta, ao reacondicionamento dos medicamentos importados em paralelo, é na medida em que esta faculdade permite a esse titular salvaguardar direitos que se enquadram no objeto específico da marca, entendidos à luz da sua função essencial ( 49 ).

129.

É certo que o Tribunal de Justiça pôde observar que as condições em que os titulares das marcas não se podem opor ao comércio paralelo dos seus produtos, nomeadamente a condição da informação prévia, devem permitir, entre outros, a esses titulares precaver‑se da contrafação ( 50 ), mas esta observação inscreve‑se numa ótica de proteção da propriedade industrial, no caso em apreço, das marcas, e não de luta contra os medicamentos falsificados ( 51 ). Não resulta destas passagens que a problemática visada pela Diretiva 2011/62 se enquadre no âmbito de aplicação do direito das marcas.

130.

No entanto, o que é válido para os titulares das marcas é igualmente válido para os comerciantes paralelos. A possibilidade de ingerência dos comerciantes paralelos nos direitos dos titulares das marcas é justificada pela preocupação de preservar a livre circulação de mercadorias. O alcance dessa possibilidade deve, portanto, ser apreciado atendendo ao próprio critério dessa liberdade, a saber, o acesso efetivo ao mercado. Outros fatores, como as alegadas vantagens do ponto de vista da proteção dos pacientes contra medicamentos falsificados, não têm de ser tidos em conta.

131.

Assim, o equilíbrio entre os direitos dos titulares das marcas e os interesses dos comerciantes paralelos deve ser definido apenas com base nos critérios relevantes, ou seja, na função essencial da marca, que é a de garantir a proveniência dos produtos, por um lado, e na preservação do acesso efetivo ao mercado do Estado‑Membro de importação, por outro. Em contrapartida, os argumentos relativos à eficácia da luta contra os medicamentos falsificados continuam a ser alheios a este debate.

Quanto ao efeito das regras contra a falsificação de medicamentos no equilíbrio entre os interesses dos titulares das marcas e dos comerciantes paralelos

132.

Como decorre do que precede, após a entrada em vigor das novas regras em matéria de proteção contra a falsificação dos medicamentos, introduzidas pela Diretiva 2011/62 e pelo Regulamento Delegado 2016/161, a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao direito dos titulares das marcas de se oporem à comercialização, sob as marcas que lhes pertencem, dos produtos que tenham sido reacondicionados, continua a ser plenamente aplicável.

133.

Nos termos desta jurisprudência, apesar do esgotamento do seu direito de proibir a utilização das marcas para produtos que foram colocados no mercado na União com o seu consentimento, os titulares das marcas conservam, em princípio, o direito de se oporem à manipulação que constitui qualquer reacondicionamento desse produto. No entanto, esta oposição é contrária à liberdade de circulação de mercadorias quando esteja cumprida a série de condições definidas pelo Tribunal de Justiça no seu Acórdão Bristol‑Myers Squibb e o. Entre essas condições figuram a obrigação, por um lado, de que o reacondicionamento, incluindo a substituição da embalagem de origem por uma nova embalagem, seja necessário para permitir um acesso efetivo ao mercado do Estado‑Membro de importação e, por outro, que a apresentação do produto reacondicionado não prejudique a reputação da marca nem a do seu titular.

134.

As novas regras em matéria de proteção contra a falsificação de medicamentos, introduzidas pela Diretiva 2011/62 e pelo Regulamento Delegado 2016/161, não têm consequências, no plano jurídico, para a aplicação dessas condições. No entanto, no plano factual, podem entrar em jogo novos fatores na apreciação de situações concretas.

135.

Em primeiro lugar, como referi na primeira parte da análise nas presentes conclusões ( 52 ), o comerciante paralelo pode, em determinadas situações, não estar em condições de substituir, após a abertura da embalagem, o dispositivo de prevenção de adulterações por um dispositivo que cumpra o critério da equivalência estabelecido no artigo 47.o‑A, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2001/83. Por conseguinte, essa impossibilidade constitui uma razão legítima para o comerciante paralelo proceder a um reacondicionamento numa nova embalagem, ao qual o titular da marca não se pode opor.

136.

Em segundo lugar, a condição de que a apresentação do produto reacondicionado não deve prejudicar a reputação da marca nem a do seu titular diz respeito a todos os aspetos da embalagem do produto após reacondicionamento, incluindo o dispositivo de prevenção de adulterações de substituição. Por conseguinte, este dispositivo deve cumprir não só os requisitos do artigo 47.o‑A, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2001/83 mas também esta condição.

137.

Por último, em terceiro lugar, como o Tribunal de Justiça já teve ocasião de declarar, pode existir num mercado ou em parte importante deste uma resistência de tal maneira forte de uma proporção significativa dos consumidores em relação aos medicamentos nos quais foram colocados novos rótulos que o acesso efetivo ao mercado deve ser considerado dificultado. Nestas circunstâncias, o reacondicionamento dos medicamentos em novas embalagens é necessário para ter um acesso efetivo ao mercado do Estado‑Membro de importação ( 53 ).

138.

Essa resistência pode existir, nomeadamente, em relação aos acondicionamentos dos medicamentos cujos dispositivos de prevenção de adulterações foram substituídos. É tanto mais assim quanto os artigos 10.o, 24.o e 30.o do Regulamento Delegado 2016/161 impõem aos grossistas e aos profissionais de saúde uma obrigação de vigilância acrescida no que respeita à integridade dos dispositivos de prevenção de adulterações das embalagens dos medicamentos que vendem ou fornecem. Consequentemente, essa resistência, se comprovada, pode justificar a utilização de novas embalagens, contornando assim o problema dos dispositivos de prevenção de adulterações substituídos.

139.

No entanto, esta resistência deve ser realmente atestada, com base em provas, num caso concreto. Não basta que seja potencial ou presumida. Com efeito, regra geral, um dispositivo de prevenção de adulterações de substituição deve garantir suficientemente que o medicamento apenas foi objeto de manipulações lícitas. Os comerciantes paralelos não podem, portanto, basear‑se numa presunção de resistência generalizada em relação aos medicamentos cujos dispositivos de prevenção de adulterações foram substituídos para justificar o reacondicionamento em novas embalagens.

140.

Também não é suficiente, por si só, que a substituição do dispositivo de prevenção de adulterações deixe vestígios de abertura da embalagem visíveis após um exame mais ou menos detalhado dessa embalagem, se não houver dúvidas razoáveis quanto à pessoa responsável pela abertura da referida embalagem.

Resposta às questões prejudiciais

141.

Os desenvolvimentos feitos supra permitem‑me propor as seguintes respostas à primeira, segunda e terceira questões no processo C‑147/20, à segunda e terceira questões no processo C‑204/20 e à primeira e terceira questões no processo C‑224/20.

142.

Deduzo das três primeiras questões no processo C‑147/20, às quais proponho que se responda conjuntamente, que o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 15.o do Regulamento 2017/1001 e o artigo 15.o da Diretiva 2015/2436 devem ser interpretados no sentido de que o facto de a substituição, por um comerciante paralelo, do dispositivo de prevenção de adulterações de um medicamento, previsto no artigo 54.o, alínea o), da Diretiva 2001/83, deixar vestígios que são visíveis ou detetáveis após verificação desse dispositivo ou após a abertura da embalagem pelo paciente, é suficiente para considerar que a oposição do titular da marca ao eventual reacondicionamento do medicamento numa nova embalagem contribuiria para a compartimentação artificial dos mercados entre os Estados‑Membros e seria, assim, contrária ao princípio da livre circulação de mercadorias ( 54 ).

143.

Proponho que se responda a esta questão que as disposições referidas não devem ser interpretadas dessa forma, a menos que essa visibilidade dos vestígios da abertura da embalagem provoque uma resistência tão forte em relação aos medicamentos assim reacondicionados que constitua um real entrave ao acesso efetivo ao mercado do Estado‑Membro de importação, o que deve ser verificado caso a caso.

144.

Com a segunda e terceira questões, às quais proponho que se responda conjuntamente, o juiz de reenvio no processo C‑204/20 pergunta, em substância, se o artigo 15.o da Diretiva 2015/2436 deve ser interpretado no sentido de que o titular de uma marca sobre um medicamento pode opor‑se ao reacondicionamento desse medicamento numa nova embalagem no âmbito do comércio paralelo, quando o comerciante paralelo puder utilizar a embalagem de origem substituindo os dispositivos de segurança em conformidade com as disposições da Diretiva 2001/83 e do Regulamento Delegado 2016/161, incluindo quando essa substituição deixa vestígios que são visíveis ou detetáveis após verificação ou após a abertura da embalagem pelo paciente.

145.

Proponho que se responda a esta questão que o artigo 15.o da Diretiva 2015/2436 deve ser interpretado no sentido indicado, a menos que essa visibilidade dos vestígios da abertura da embalagem provoque uma resistência tão forte em relação aos medicamentos assim reacondicionados que constitua um real entrave ao acesso efetivo ao mercado do Estado‑Membro de importação, o que o juiz de reenvio deve verificar.

146.

Com a sua primeira e terceira questões, às quais proponho que se responda conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio no processo C‑224/20 pergunta, em substância, se o artigo 15.o do Regulamento 2017/1001 e o artigo 15.o da Diretiva 2015/2436 devem ser interpretados no sentido de que o titular de uma marca sobre um medicamento pode opor‑se ao reacondicionamento desse medicamento numa nova embalagem, no âmbito do comércio paralelo, quando o comerciante paralelo puder utilizar a embalagem de origem substituindo os dispositivos de segurança em conformidade com as disposições da Diretiva 2001/83 e do Regulamento Delegado 2016/161.

147.

Proponho que seja dada a esta questão uma resposta análoga à vertida no processo C‑204/20.

Quanto à possibilidade de as autoridades nacionais imporem aos comerciantes paralelos o reacondicionamento dos medicamentos em novas embalagens

148.

Com a quarta questão no processo C‑204/20 e com a quarta questão no processo C‑224/20, os órgãos jurisdicionais de reenvio perguntam, em substância, se as autoridades nacionais responsáveis pela fiscalização do mercado farmacêutico têm legitimidade para aprovar regras que imponham que os medicamentos com os dispositivos de segurança, referidos no artigo 54.o, alínea o), da Diretiva 2001/83, provenientes de outros Estados‑Membros no âmbito do comércio paralelo, sejam, regra geral, reacondicionados em novas embalagens, só sendo possível a nova rotulagem em casos excecionais. Com a quinta questão, o órgão jurisdicional de reenvio no processo C‑224/20 também pergunta se essas regras são suficientes para considerar que está preenchida a condição de necessidade no que respeita ao reacondicionamento numa nova embalagem.

149.

No que respeita à quarta questão no processo C‑204/20, partilho da opinião da Comissão que considera que esta é inadmissível. Com efeito, resulta dos autos deste processo que esta questão tem origem nas regras emitidas pelas autoridades suecas. Ora, nada indica que essas regras ou regras semelhantes sejam aplicáveis no processo principal. Por conseguinte, a referida questão parece ter um caráter puramente hipotético.

150.

Em contrapartida, a quarta e quinta questões no processo C‑224/20 dizem respeito às orientações emitidas pela Agência Dinamarquesa de Medicamentos, aplicáveis ao litígio no processo principal, e são, portanto, admissíveis.

Quanto à quarta questão prejudicial no processo C‑224/20

151.

Segundo as orientações emitidas pela Agência Dinamarquesa de Medicamentos ( 55 ), os comerciantes paralelos que pretendam introduzir no mercado dinamarquês medicamentos provenientes de outros Estados‑Membros e que dispõem dos dispositivos de segurança previstos no artigo 54.o, alínea o), da Diretiva 2001/83 devem, regra geral, proceder ao reacondicionamento desses medicamentos em novas embalagens. Em contrapartida, a nova rotulagem das embalagens originais e a substituição dos dispositivos de segurança só são autorizadas em situações excecionais, como as de existência de um risco de rutura do abastecimento.

152.

Nos termos do artigo 47.o‑A, n.o 1, alínea d), da Diretiva 2001/83, a substituição dos dispositivos de segurança referidos no artigo 54.o, alínea o), desta diretiva está sujeita à fiscalização da autoridade competente. É claro que, no âmbito dessa fiscalização, uma autoridade competente de um Estado‑Membro pode adotar linhas de orientação que informem as condições e as modalidades em que essa fiscalização é efetuada. No entanto, essas orientações não podem alterar a legislação da União em vigor.

153.

Ora, tanto as disposições da Diretiva 2001/83 introduzidas pela Diretiva 2011/62 como as do Regulamento Delegado 2016/161 preveem expressamente a possibilidade de o titular de uma autorização de fabrico substituir os dispositivos de segurança previstos no artigo 54.o, alínea o), da Diretiva 2001/83. Além disso, o direito da União não remete para o direito nacional para esclarecer estas disposições e não prevê a possibilidade de os Estados‑Membros adotarem regras mais estritas.

154.

Pelo contrário, a Diretiva 2001/83 proíbe expressamente a adoção de tais regras. Com efeito, o artigo 54.o, alínea o), da Diretiva 2001/83, que prevê a obrigação de dotar determinados medicamentos de dispositivos de segurança, figura no título V desta diretiva, intitulado «Rotulagem e bula». Daqui resulta que os dispositivos de segurança previstos nesta disposição fazem parte da rotulagem dos medicamentos, na aceção da Diretiva 2001/83 ( 56 ). Ora, o artigo 60.o desta diretiva, que figura igualmente no título V, dispõe que os Estados‑Membros não podem proibir ou impedir a introdução no mercado, no seu território, de medicamentos por motivos relativos à rotulagem e à bula, quando esta respeite as normas do presente título. Os Estados‑Membros não têm, portanto, o direito de exigir o reacondicionamento dos medicamentos em novas embalagens se os comerciantes paralelos estiverem em condições de substituir, nas embalagens originais, os dispositivos de segurança por dispositivos conformes a essas prescrições ( 57 ).

155.

O argumento de que os Estados‑Membros têm legitimidade, no que respeita à proteção dos pacientes contra medicamentos falsificados, para fixar o nível a que pretendem assegurar essa proteção é aqui, na minha opinião, irrelevante. Com efeito, na medida em que o legislador da União exerceu a competência no domínio da luta contra os medicamentos falsificados, nomeadamente através dos dispositivos de segurança apostos nos medicamentos, esta questão foi retirada à competência dos Estados‑Membros. Por conseguinte, já não há espaço no qual possam decidir o nível dessa proteção.

156.

Por outro lado, se, nos presentes processos principais, os comerciantes paralelos reclamam o direito de reacondicionar os medicamentos em novas embalagens, isso pode não ser o caso em outras situações, em que esse reacondicionamento seja entendido como um encargo adicional. As regras nacionais que impõem o reacondicionamento em novas embalagens constituem um entrave à livre circulação de mercadorias que exige que seja justificado com base no artigo 36.o TFUE. No entanto, essa justificação não é evidente, tendo em conta o facto de a legislação secundária da União admitir expressamente o reacondicionamento por nova rotulagem.

157.

Proponho, portanto, que se responda à quarta questão prejudicial no processo C‑224/20 que o artigo 47.o‑A, n.o 1, da Diretiva 2001/83 deve ser interpretado no sentido de que as autoridades nacionais responsáveis pela fiscalização do mercado farmacêutico não têm legitimidade para estabelecer regras que imponham que os medicamentos com os dispositivos de segurança previstos no artigo 54.o, alínea o), desta diretiva, provenientes de outros Estados‑Membros no âmbito do comércio paralelo, sejam, regra geral, reacondicionados em novas embalagens, limitando a nova rotulagem a casos excecionais.

Quanto à quinta questão prejudicial no processo C‑224/20

158.

Com a sua quinta questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio no processo C‑224/20 pergunta, em substância, se normas emanadas de uma autoridade de fiscalização dos medicamentos, que proíbem, em princípio, a nova rotulagem dos medicamentos com dispositivos de segurança, provenientes de outros Estados‑Membros no âmbito do comércio paralelo, são suficientes para considerar que a condição de necessidade, tal como definida na jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao direito de oposição dos titulares, está preenchida, no que respeita ao reacondicionamento numa nova embalagem.

159.

É evidente que esta questão só tem sentido se as regras em causa forem lícitas. Com efeito, se, como proponho declarar, estas regras forem incompatíveis com o direito da União, não têm razão de ser e não podem determinar a ação dos operadores de mercado tais como os comerciantes paralelos de medicamentos. Abordarei, portanto, esta questão a título exaustivo, para o caso de o Tribunal de Justiça não partilhar da minha análise relativa à questão precedente.

160.

Regras como as aprovadas e aplicadas pela Agência Dinamarquesa de Medicamentos impedem, na prática, os comerciantes paralelos de introduzirem no mercado nacional em causa medicamentos nas suas embalagens originais. Só os medicamentos que tenham sido reacondicionados em novas embalagens podem aceder a este mercado. Por outras palavras, esse reacondicionamento torna‑se necessário para ter um acesso efetivo ao mercado do Estado‑Membro de importação. Por conseguinte, a eventual oposição dos titulares das marcas sobre esses medicamentos ao seu reacondicionamento em novas embalagens criaria um entrave efetivo a esse acesso. A condição de necessidade, tal como definida na jurisprudência do Tribunal de Justiça estabelecida no seu Acórdão Bristol‑Myers Squibb e o., deve, portanto, considerar‑se preenchida.

161.

Na minha opinião, esta é a única solução que permite considerar que regras como as estabelecidas pela Agência Dinamarquesa de Medicamentos são compatíveis com o direito da União. Com efeito, se a existência de tais regras não fosse suficiente para vencer a oposição dos titulares das marcas ao reacondicionamento em novas embalagens, teria como resultado a criação de um entrave às trocas comerciais que não seria justificado, nem tendo em conta a proteção dos legítimos interesses dos titulares das marcas, nem a proteção dos pacientes contra os medicamentos falsificados. Por conseguinte, não existe outra solução senão considerar que a condição da necessidade está preenchida ou declarar que as regras, como as que estão em causa, são contrárias aos artigos 34.o e 36.o TFUE.

162.

Se o Tribunal de Justiça não acompanhar a minha proposta de resposta à quarta questão prejudicial no processo C‑224/20, há então que considerar que as regras emanadas de uma autoridade de fiscalização dos medicamentos que proíbem, em princípio, a nova rotulagem dos medicamentos com dispositivos de segurança, provenientes de outros Estados‑Membros no âmbito do comércio paralelo, são suficientes para considerar que a condição de necessidade, tal como definida na jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao direito de oposição dos titulares, está preenchida no que respeita ao reacondicionamento numa nova embalagem.

Quanto à aposição do identificador único na embalagem do medicamento

163.

Com a sua quarta questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio no processo C‑147/20 pergunta se o artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento Delegado 2016/161 deve ser interpretado no sentido de que o código de barras que contém o identificador único, previsto no artigo 3.o, n.o 2, alínea a), deste regulamento delegado, deve imperativamente ser impresso diretamente na embalagem, pelo que a aposição deste código de barras através de uma etiqueta colada nessa embalagem não está em conformidade com esta disposição.

164.

Os dispositivos de segurança previstos no artigo 54.o, alínea o), da Diretiva 2001/83 integram, além do dispositivo de prevenção de adulterações, um identificador único ( 58 ). Nos termos do artigo 4.o do Regulamento Delegado 2016/161, o identificador único deve ser uma sequência de carateres numéricos ou alfanuméricos que é única para uma determinada embalagem de um medicamento, que contém determinadas informações. O alcance dessas informações pode ser, em certa medida, determinado pelo Estado‑Membro da introdução do medicamento no mercado ( 59 ). Por outro lado, em conformidade com o artigo 54.o‑A, n.o 5, da Diretiva 2001/83, os Estados‑Membros podem alargar a obrigação de dotar de dispositivos de segurança os medicamentos, destinados a ser colocados no mercado nos seus territórios, às categorias de medicamentos que não estão sujeitos a esta obrigação nos termos desta diretiva.

165.

Por conseguinte, pode acontecer que o comerciante paralelo seja obrigado a substituir o identificador único de um medicamento ( 60 ) ou a acrescentar um para cumprir as exigências do Estado‑Membro de importação. Assim, se se responder à presente questão que o identificador único deve imperativamente ser impresso diretamente na embalagem, isso teria como resultado que, em cada uma dessas situações, o comerciante paralelo seria de facto sempre obrigado a reacondicionar o medicamento numa nova embalagem, ao passo que, no caso de resposta inversa, poderia rotular de novo a embalagem de origem. Sem surpresa, a Abacus Medicine, um comerciante paralelo, opta pela primeira resposta e a Novartis Pharma, um titular de marcas de medicamentos, pela segunda.

166.

Os artigos 5.o e 6.o do Regulamento Delegado 2016/161 contêm as disposições relativas aos aspetos técnicos da aposição do identificador único, sob a forma de um código de barras, nas embalagens de medicamentos. Nos termos do artigo 5.o, n.o 3, deste regulamento delegado, este código de barras deve ser impresso na embalagem numa superfície lisa, uniforme e pouco refletora. Considerada isolada e literalmente, esta disposição parece privilegiar a obrigação de imprimir o código de barras diretamente na embalagem ( 61 ).

167.

Não penso, no entanto, que esta interpretação seja a única possível. Com efeito, o artigo 5.o do Regulamento Delegado 2016/161 está redigido, na minha opinião, partindo da perspetiva do fabricante originário do medicamento, para o qual é natural imprimir o identificador único, bem como as outras informações necessárias, diretamente na embalagem.

168.

Em contrapartida, tanto o artigo 47.o‑A da Diretiva 2001/83 como os artigos 16.o e 17.o do Regulamento Delegado 2016/161 preveem expressamente a possibilidade de remover ou tapar os dispositivos de segurança, nomeadamente o identificador único, e de os substituir por dispositivos equivalentes. Por outro lado, o artigo 35.o do Regulamento Delegado 2016/161, relativo aos repositórios dos identificadores únicos dos medicamentos, descreve, no seu n.o 4, o procedimento a seguir no caso das «embalagens reembaladas ou novamente rotuladas de um medicamento no qual foram colocados identificadores únicos equivalentes» ( 62 ). A substituição do identificador único no momento da nova rotulagem é, portanto, expressamente prevista pelas disposições relevantes.

169.

Ora, a substituição do identificador único de uma embalagem de medicamento após a nova rotulagem só pode ser, logicamente, considerada através de uma etiqueta suplementar aposta nessa embalagem. Por conseguinte, o artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento Delegado 2016/161 deve ser interpretado, tendo em conta as disposições da Diretiva 2001/83 e deste regulamento delegado referidas nos números anteriores, no sentido de que permite imprimir o código de barras que contém o identificador único não diretamente na embalagem, mas numa etiqueta aposta nessa embalagem.

170.

Em contrapartida, como sublinha a Comissão nas suas observações, bem como no seu documento perguntas e respostas ( 63 ), essa etiqueta, além de estar em conformidade com os requisitos dos artigos 5.o, 6.o e 17.o do Regulamento 2016/161, deve ser fixada na embalagem de tal forma que seja impossível removê‑la sem a destruir e sem danificar a embalagem nem deixar vestígios da sua remoção. Com efeito, trata‑se de impedir que o rótulo com o identificador único e a embalagem sejam dissociados e eventualmente utilizados em seguida separadamente. Assim, o identificador único que figura numa etiqueta fará parte integrante da embalagem e poderá ser considerado impresso «na embalagem», como exige o artigo 5.o, n.o 3, deste regulamento.

171.

Por conseguinte, proponho que se responda à quarta questão prejudicial no processo C‑147/20 que o artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento Delegado 2016/161 deve ser interpretado no sentido de que o código de barras, que contém o identificador único, previsto no artigo 3.o, n.o 2, alínea a), deste mesmo regulamento, pode ser aposto através de uma etiqueta colada na embalagem, desde que essa etiqueta, além de estar em conformidade com os requisitos dos artigos 5.o, 6.o e 17.o do referido regulamento delegado, seja fixada de tal forma na embalagem que seja impossível removê‑la sem a destruir e sem danificar a embalagem, nem deixar vestígios da sua remoção.

Quanto à não reprodução das marcas de origem sobre as embalagens dos medicamentos que são objeto do comércio paralelo

172.

A sexta e sétima questões prejudiciais no processo C‑224/20 dizem respeito às situações em que os comerciantes paralelos não reproduzem ou reproduzem apenas parcialmente as marcas dos fabricantes desses medicamentos após o seu reacondicionamento em novas embalagens, bem como a extensão do direito de os titulares dessas marcas se oporem a tal prática. Estas questões não têm como fundamento, contrariamente às questões analisadas anteriormente, as regras em matéria de proteção contra a falsificação dos medicamentos, introduzidas pela Diretiva 2011/62 e pelo Regulamento Delegado 2016/161.

Observações preliminares

173.

Com a sua sexta questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio no processo C‑224/20 pergunta se os artigos 34.o e 36.o TFUE devem ser interpretados no sentido de que a condição de necessidade do reacondicionamento numa nova embalagem do medicamento que é objeto do comércio paralelo, exigida para que o titular de marcas sobre esse medicamento não se possa opor à sua comercialização, deve estar preenchida na situação em que o comerciante paralelo não repõe essas marcas na nova embalagem (este procedimento designa‑se «de‑branding»). Relativamente à sétima questão prejudicial, a mesma tem por objeto saber se o artigo 15.o, n.o 2, do Regulamento 2017/1001 e o artigo 15.o, n.o 2, da Diretiva 2015/2436 devem ser interpretados no sentido de que o titular de uma marca pode opor‑se à comercialização de um medicamento que foi objeto de reacondicionamento por um comerciante paralelo numa nova embalagem, na qual este último repôs a marca do titular, específica desse produto, sem reproduzir as outras marcas que o titular da marca tinha aposto na embalagem externa de origem.

174.

O órgão jurisdicional de reenvio não explica a razão que o leva a submeter a mesma questão prejudicial sob o prisma das disposições do Tratado FUE e da jurisprudência do Tribunal de Justiça, bem como do direito derivado. Há que recordar que, segundo jurisprudência assente, estas questões devem ser apreciadas com fundamento no direito das marcas da União, interpretado tendo em conta o artigo 36.o TFUE ( 64 ). Segundo esta interpretação, o titular de uma marca pode, em princípio, opor‑se legitimamente à comercialização de um produto que foi reacondicionado e no qual foi aposta a marca desse titular, a não ser que esteja preenchido um conjunto de condições definidas na jurisprudência do Tribunal de Justiça ( 65 ).

175.

Em seguida, há que observar que, no caso de produtos específicos como são os medicamentos, é praticamente impossível que um comerciante paralelo possa colocar no mercado um produto evitando totalmente a utilização das marcas do fabricante originário desse produto.

176.

Com efeito, em primeiro lugar, como adverte com razão Ferring Laegemidler nas suas observações, a autorização de colocação de um medicamento no mercado no âmbito do comércio paralelo é emitida por referência à autorização de colocação do medicamento original no mercado (no Estado‑Membro de importação), isto é, do mesmo medicamento comercializado pelo seu fabricante, titular das marcas sobre esse medicamento, ou com o seu consentimento ( 66 ). Por conseguinte, o comerciante paralelo utiliza marcas desse titular (designação do produto e denominação social do fabricante) na aceção do artigo 9.o do Regulamento 2017/1001 e do artigo 10.o da Diretiva 2015/2436, quando se refere a esse medicamento original para obter essa autorização e, em seguida, nas informações destinadas aos pacientes, integradas na embalagem ou na bula do medicamento que é objeto de comércio paralelo.

177.

Em segundo lugar, embora o comerciante paralelo possa legitimamente reacondicionar um medicamento sem que lhe seja oposta a recusa do titular das marcas, só pode fazê‑lo na condição de deixar intacto o acondicionamento primário ( 67 ). Ora, esse acondicionamento primário deve conter a menção, nomeadamente, do nome do medicamento e do nome do titular da autorização de colocação no mercado ( 68 ) que são normalmente sinais protegidos para marcas que pertencem ao fabricante original desse medicamento. Assim, o comerciante paralelo coloca no mercado os produtos com os sinais idênticos a essas marcas, na aceção das disposições acima mencionadas.

178.

Daqui decorre, em minha opinião, que, no que respeita aos medicamentos, são sempre utilizadas marcas de origem, sob a forma de referências ao nome do produto originário e do seu fabricante, bem como sobre o acondicionamento primário, mesmo que o comerciante paralelo reacondicione o medicamento numa nova embalagem externa, na qual substitui as marcas de origem por outros sinais. Por conseguinte, o titular das marcas de origem conserva o seu direito de oposição a essa utilização dessas marcas e continuam a ser aplicáveis as condições desenvolvidas na jurisprudência do Tribunal de Justiça que deve preencher para que esse titular não possa invocar o seu direito.

179.

Quero acrescentar que tanto as titulares de marcas, recorrentes no litígio principal no processo C‑224/20, como a Comissão invocam o Acórdão de 25 de julho de 2018, Mitsubishi Shoji Kaisha e Mitsubishi Caterpillar Forklift Europe (C‑129/17, EU:C:2018:594), no qual o Tribunal de Justiça declarou que a operação que consiste na remoção, por parte de um terceiro, dos sinais idênticos a uma marca, para apor os seus próprios sinais no produto em causa pode ser considerada constitutiva de um uso dessa marca na vida comercial ( 69 ). No entanto, este processo dizia respeito à importação paralela de produtos que ainda não tinham sido introduzidos no mercado da União e a solução desenvolvida pelo Tribunal de Justiça baseou‑se essencialmente na impossibilidade de o titular das marcas sobre esses produtos decidir sobre essa primeira colocação dos referidos produtos no mercado da União. Também por esta razão, este acórdão não tem em conta os (atuais) artigos 15.o do Regulamento 2017/1001 e da Diretiva 2015/2436. Consequentemente, considero que este acórdão tem pouca utilidade para a solução do presente processo.

180.

Não obstante, pelas razões expostas nos n.os 175 a 178 das presentes conclusões, considero que, do ponto de vista do direito de oposição do titular das marcas, a situação considerada na sétima questão prejudicial no processo C‑224/20 (de‑branding«parcial») não difere fundamentalmente da considerada na sexta questão prejudicial (de‑branding«total»). Consequentemente, proponho analisá‑las conjuntamente, reformulando‑as para ter em consideração as observações precedentes.

Análise e resposta às questões prejudiciais

181.

Assim, há que reformular a sexta e sétima questões prejudiciais no sentido de que, através destas, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 15.o do Regulamento 2017/1001 e o artigo 15.o da Diretiva 2015/2436 devem ser interpretados no sentido de que permitem ao titular de uma marca opor‑se à comercialização de um produto, na situação em que o comerciante paralelo reacondicionou esse produto numa nova embalagem, na qual apenas apôs algumas das marcas pertencentes a esse titular que figuravam na embalagem de origem ou substituiu‑as por outros sinais, utilizando essas marcas apenas como referências ao nome do produto e do seu fabricante.

182.

Como já referi, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, nessa situação, o titular das marcas em questão não tem o direito de se opor à comercialização do produto se estiver preenchida uma série de condições, nomeadamente a de que a apresentação do produto reacondicionado não seja de molde a prejudicar a reputação da marca e a do seu titular ( 70 ).

183.

A respeito desta condição, o Tribunal de Justiça declarou que a questão de saber se o facto de o importador paralelo,

não apor a marca na nova embalagem exterior do produto («de‑branding»), ou

aplicar nesta embalagem o seu próprio logótipo ou estilo ou ainda uma «apresentação “própria da empresa”» ou uma apresentação utilizada para vários produtos diferentes («co‑branding»), ou

apor um rótulo adicional na referida embalagem, de forma a esconder total ou parcialmente a marca do titular, ou

não especificar no rótulo adicional que a marca em questão é propriedade do titular ou, ainda,

imprimir o nome do importador paralelo em letras maiúsculas,

é de natureza a prejudicar a reputação da marca, era uma questão de facto que cabe ao juiz nacional apreciar face às circunstâncias específicas de cada caso concreto ( 71 ).

184.

No entanto, num acórdão mais recente ( 72 ), o Tribunal de Justiça também declarou que, quando, sem o consentimento do titular de uma marca, o revendedor retira a menção dessa marca nos produtos (de‑branding) e a substitui por uma etiqueta com o seu nome, de modo que a marca do fabricante dos produtos em causa é inteiramente dissimulada, este titular da marca está habilitado a opor‑se a que o revendedor utilize a referida marca para anunciar essa revenda. Com efeito, em tal caso, há um prejuízo da função essencial da marca, que é indicar e garantir a origem do produto, e impedia‑se o consumidor de distinguir os produtos que provêm do titular da marca dos produtos provenientes do revendedor ou de outros terceiros ( 73 ). O Tribunal de Justiça concluiu daí que, nessa situação, o titular da marca em questão tinha o direito de, com fundamento no artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 89/104, se opor à utilização dessa marca ( 74 ).

185.

De forma análoga, quando um comerciante paralelo substitui as marcas originárias na embalagem externa de um produto por outros sinais, deixando transparecer essas marcas, quer como referências ao nome originário do produto e do seu fabricante, quer na embalagem primária, existe o risco de prejudicar a função essencial da marca, que é indicar e garantir a origem do produto. É o que acontece, nomeadamente, quando, como no processo principal no processo C‑224/20, os sinais comportam a denominação social do comerciante paralelo. Com efeito, os consumidores, que não estão forçosamente conscientes da existência das regras do comércio paralelo dos medicamentos, não estarão em condições de atribuir corretamente os produtos ao seu fabricante efetivo ou terão tendência a associar esse fabricante ao comerciante paralelo.

186.

Neste caso, em meu entender, as condições em que o titular das marcas não se pode opor à sua utilização não serão aplicáveis. Com efeito, essas condições pressupõem que as marcas pertencentes ao fabricante originário do medicamento sejam apostas na nova embalagem após o reacondicionamento. Não há, assim, risco de violação da função específica da marca, a saber, garantir a proveniência do produto. Em contrapartida, a existência desse risco justifica derrogações ao princípio fundamental da livre circulação de mercadorias ( 75 ), ou seja, a aplicação, no contexto do comércio paralelo entre Estados‑Membros, do artigo 15.o, n.o 2, do Regulamento 2017/1001 e do artigo 15.o, n.o 2, da Diretiva 2015/2436.

187.

Na falta de tal risco para a garantia da proveniência do produto, o facto de o comerciante paralelo não apor na nova embalagem, após o reacondicionamento de um produto, todas as marcas que a embalagem de origem ostentava, ou de lhe apor outros sinais, deve ser apreciado unicamente tendo em conta a exigência de que a apresentação do produto reacondicionado não seja de tal ordem que possa prejudicar a reputação da marca e a do seu titular. Esta apreciação, de natureza factual, deve ser efetuada pelo juiz nacional em cada caso concreto ( 76 ).

188.

Por outro lado, há que observar que, nos termos de jurisprudência assente, a condição de necessidade, referida na sexta questão prejudicial no processo C‑224/20, visa apenas o facto de proceder ao reacondicionamento do produto — como a opção entre uma nova embalagem e um novo rótulo — com vista a permitir a comercialização desse produto no mercado do Estado de importação, e não a forma ou o estilo segundo os quais esse reacondicionamento é efetuado ( 77 ). Ora, na minha opinião, o de‑branding abrange o estilo e a forma segundo os quais o reacondicionamento é efetuado.

189.

Consequentemente, proponho que se responda à sexta e sétima questões no processo C‑224/20 que o artigo 15.o do Regulamento 2017/1001 e o artigo 15.o da Diretiva 2015/2436 devem ser interpretados no sentido de que o titular de uma marca sobre um produto tem o direito de se opor à comercialização desse produto, na situação em que o comerciante paralelo reacondicionou o referido produto numa nova embalagem, na qual apôs apenas algumas das marcas pertencentes a esse titular que figuravam na embalagem de origem ou substituiu‑as por outros sinais, utilizando essas marcas apenas como referências ao nome do produto e do seu fabricante, a menos que estejam preenchidas as condições desenvolvidas pelo Tribunal de Justiça nos Acórdãos Bristol‑Myers Squibb e o. e Boehringer Ingelheim e o. de 2007. No entanto, quando, nessa situação, exista um risco de prejuízo para a função essencial da marca, que é indicar e garantir a origem do produto, o titular das marcas sobre esse produto tem o direito de se opor à sua comercialização sem que seja necessário verificar se estão preenchidas essas condições.

Conclusão

190.

Tendo em conta todas as considerações que precedem, proponho que o Tribunal de Justiça responda do seguinte modo às questões prejudiciais submetidas pelo Landgericht Hamburg (Tribunal Regional de Hamburgo, Alemanha) no processo C‑147/20:

1)

As disposições do artigo 15.o do Regulamento (UE) 2017/1001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de junho de 2017, sobre a marca da União Europeia, e do artigo 15.o da Diretiva (UE) 2015/2436 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2015, que aproxima as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas, devem ser interpretados no sentido de que o facto de a substituição, por um comerciante paralelo, do dispositivo de prevenção de adulterações de um medicamento, previsto no artigo 54.o, alínea o), da Diretiva 2001/83/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de novembro de 2001, que estabelece um código comunitário relativo aos medicamentos para uso humano, conforme alterada pela Diretiva 2011/62/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho de 2011, deixar vestígios que são visíveis ou detetáveis após verificação desse dispositivo ou após a abertura da embalagem pelo paciente não é suficiente para considerar que a oposição do titular da marca ao eventual reacondicionamento do medicamento numa nova embalagem contribuiria para a compartimentação artificial dos mercados entre os Estados‑Membros e seria, assim, contrária ao princípio da livre circulação de mercadorias, a menos que essa visibilidade dos vestígios da abertura da embalagem provoque uma resistência tão forte em relação aos medicamentos assim reacondicionados que constitui um real entrave ao acesso efetivo ao mercado do Estado‑Membro de importação, o que o juiz de reenvio deve verificar.

2)

O artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento Delegado (UE) 2016/161 da Comissão, de 2 de outubro de 2015, que complementa a Diretiva 2001/83/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, estabelecendo regras pormenorizadas para os dispositivos de segurança que figuram nas embalagens dos medicamentos para uso humano, deve ser interpretado no sentido de que o código de barras, que contém o identificador único, previsto no artigo 3.o, n.o 2, alínea a), deste mesmo regulamento, pode ser aposto através de uma etiqueta colada na embalagem, desde que essa etiqueta, além de estar em conformidade com os requisitos dos artigos 5.o, 6.o e 17.o do referido regulamento delegado, seja fixada de tal forma na embalagem que seja impossível removê‑la sem a destruir e sem danificar a embalagem, nem deixar vestígios da sua remoção.

191.

Tendo em conta todas as considerações que precedem, proponho que o Tribunal de Justiça responda do seguinte modo às questões prejudiciais submetidas pelo Landgericht Hamburg (Tribunal Regional de Hamburgo, Alemanha) no processo C‑204/20:

1)

O artigo 47.o‑A, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2001/83, conforme alterado pela Diretiva 2011/62, deve ser interpretado no sentido de que um dispositivo de segurança, na aceção do artigo 54.o, alínea o), desta diretiva, colocado de novo pelo titular de uma autorização de fabrico aquando do reacondicionamento dos medicamentos, é equivalente ao dispositivo de origem, na aceção desta primeira disposição, quando permite assegurar o mesmo grau de eficácia na verificação da autenticidade desses medicamentos e na identificação e na comprovação da eventual adulteração dos medicamentos, em conformidade com os requisitos que decorrem da referida diretiva e do Regulamento Delegado 2016/161. É o que acontece, nomeadamente, quando o dispositivo de prevenção de adulterações de substituição, na aceção do artigo 3.o, n.o 2, alínea b), deste regulamento delegado, apresenta as mesmas características técnicas que o dispositivo original.

2)

O artigo 15.o da Diretiva 2015/2436 deve ser interpretado no sentido de que o titular de uma marca sobre um medicamento pode opor‑se ao reacondicionamento desse medicamento numa nova embalagem no âmbito do comércio paralelo, quando o comerciante paralelo puder utilizar a embalagem de origem substituindo os dispositivos de segurança em conformidade com as disposições da Diretiva 2001/83, conforme alterada pela Diretiva 2011/62, e do Regulamento Delegado 2016/161, mesmo quando essa substituição deixa vestígios visíveis ou detetáveis após verificação ou após a abertura da embalagem pelo paciente, a menos que essa visibilidade dos vestígios da abertura da embalagem provoque uma resistência tão forte em relação aos medicamentos assim reacondicionados que constitua um real entrave ao acesso efetivo ao mercado do Estado‑Membro de importação, o que o juiz de reenvio deve verificar.

192.

Por último, tendo em conta todas das considerações que precedem, proponho que o Tribunal de Justiça responda do seguinte modo às questões prejudiciais submetidas pelo Sø — og Handelsretten (Tribunal Marítimo e Comercial, Dinamarca) no processo C‑224/20:

1)

O artigo 47.o‑A, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2001/83, conforme alterada pela Diretiva 2011/62, deve ser interpretado no sentido de que o dispositivo de prevenção de adulterações, na aceção do artigo 3.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento Delegado 2016/161, colocado de novo por um titular de uma autorização de fabrico aquando do reacondicionamento dos medicamentos, é equivalente ao dispositivo de origem, na aceção do artigo 47.o‑A, n.o 1, alínea b), desta diretiva, ainda que a embalagem em questão mostre, durante uma verificação nos termos dos artigos 16.o, 20.o ou 25.o deste regulamento delegado ou após a abertura pelo utilizador final, sinais percetíveis de que o dispositivo de prevenção de adulterações original foi adulterado, desde que seja claro que essa adulteração é o resultado de uma operação lícita.

2)

O artigo 15.o do Regulamento 2017/1001 e o artigo 15.o da Diretiva 2015/2436 devem ser interpretados no sentido de que o titular de uma marca sobre um medicamento pode opor‑se ao reacondicionamento desse medicamento numa nova embalagem no âmbito do comércio paralelo quando o comerciante paralelo puder utilizar a embalagem de origem substituindo os dispositivos de segurança em conformidade com as disposições da Diretiva 2001/83, conforme alterada pela Diretiva 2011/62, e do Regulamento Delegado 2016/161, mesmo quando essa substituição deixa vestígios visíveis ou detetáveis após verificação ou após a abertura da embalagem pelo paciente, a menos que essa visibilidade dos vestígios da abertura da embalagem provoque uma resistência tão forte em relação aos medicamentos assim reacondicionados que constitua um real entrave ao acesso efetivo ao mercado do Estado‑Membro de importação, o que o juiz de reenvio deve verificar.

3)

O artigo 47.o‑A, n.o 1, da Diretiva 2001/83, conforme alterada pela Diretiva 2011/62, deve ser interpretado no sentido de que as autoridades nacionais responsáveis pela fiscalização do mercado farmacêutico não têm legitimidade para estabelecer regras que imponham que os medicamentos com os dispositivos de segurança previstos no artigo 54.o, alínea o), desta diretiva, provenientes de outros Estados‑Membros no âmbito do comércio paralelo, sejam, regra geral, reacondicionados em novas embalagens, limitando a nova rotulagem a casos excecionais.

4)

O artigo 15.o do Regulamento 2017/1001 e o artigo 15.o da Diretiva 2015/2436 devem ser interpretados no sentido de que o titular de uma marca sobre um produto tem o direito de se opor à comercialização desse produto, na situação em que o comerciante paralelo reacondicionou o referido produto numa nova embalagem, na qual apôs apenas algumas das marcas pertencentes a esse titular que figuravam na embalagem de origem ou substituiu‑as por outros sinais, utilizando essas marcas apenas como referências ao nome do produto e do seu fabricante, a menos que estejam preenchidas as condições desenvolvidas pelo Tribunal de Justiça nos Acórdãos de 11 de julho de 1996, Bristol‑Myers Squibb e o., C‑427/93, C‑429/93 e C‑436/93, EU:C:1996:282, e de 26 de abril de 2007, e Boehringer Ingelheim e o., C‑348/04, EU:C:2007:249, o que incumbe ao juiz de reenvio verificar. No entanto, quando, nessa situação, exista um risco de prejuízo para a função essencial da marca, que é indicar e garantir a origem do produto, o titular das marcas sobre esse produto tem o direito de se opor à sua comercialização sem que seja necessário verificar se estão preenchidas essas condições.


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) Caro de Sousa, P., «Free movement and competition in the European market for pharmaceuticals», em Figueroa, P., Guerrero, A. (dir.), EU Law of Competition and Trade in the Pharmaceutical Sector, Edward Elgar Publishing Limited, Cheltenham, 2019, p. 431; Pilgerstorfer, M., «EU law and policy on pharmaceuticals marketing and post‑market control including product liability», em Hervey, T.K., Young, C.A., e Bishop, L.E. (dir.), Research Handbook on EU Health Law and Policy, Edward Elgar Publishing Limited, Cheltenham, 2017, p. 156.

( 3 ) Considera‑se que, em 10000 novas substâncias ativas sintetizadas nos laboratórios, apenas uma ou duas atingem a fase de colocação no mercado e que a duração do processo é de cerca de 12 a 13 anos. V. Navarro Varona, E., Caballero Candelario, C., «The pharmaceutical setor and parallel trade», em Figueroa, P., Guerrero, A. (dir.), op. cit., p. 428.

( 4 ) Durand, B., «Competition law and pharma: an economic perspective», em Figueroa, P., Guerrero, A. (dir.), op. cit., p. 3.

( 5 ) Permanecendo a saúde na esfera dos Estados‑Membros, as politicas de preços dos medicamentos são definidas a nível nacional (v., nomeadamente, Acórdão de 16 de setembro de 2008, Sot. Lélos kai Sia e o., C‑468/06 a C‑478/06, EU:C:2008:504, n.o 59).

( 6 ) Quanto aos detalhes desta jurisprudência, v. n.os 98 a 107 das presentes conclusões.

( 7 ) V. n.os 14 e 16 das presentes conclusões.

( 8 ) Caro de Sousa, P., op. cit., p. 436; Durand, B., op. cit., p. 5; Navarro Varona, E., Caballero Candelario, C., op. cit., p. 409 e pp. 423 a 429. As questões relacionadas com tal recusa estavam no cerne do processo que deu origem ao Acórdão de 16 de setembro de 2008, Sot. Lélos kai Sia e o. (C‑468/06 a C‑478/06, EU:C:2008:504).

( 9 ) Este risco é reconhecido. V., nomeadamente, OCDE/EUIPO, Illicit Trade. Trade in Counterfeit Pharmaceutical Products, OECD Publishing, Paris, 2020.

( 10 ) V. n.os 18 e segs. das presentes conclusões.

( 11 ) JO 2017, L 154, p. 1.

( 12 ) JO 2015, L 336, p. 1.

( 13 ) JO 2001, L 311, p. 67.

( 14 ) Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho de 8 de junho de 2011, que altera a Diretiva 2001/83/CE que estabelece um código comunitário relativo aos medicamentos para uso humano, para impedir a introdução na cadeia de abastecimento legal, de medicamentos falsificados (JO 2011, L 174, p. 74).

( 15 ) JO 2016, L 32, p. 1.

( 16 ) A seguir «Acórdão Bristol‑Myers Squibb e o.».

( 17 ) A seguir «Acórdão Boehringer Ingelheim e o. de 2007».

( 18 ) Embora esta divisão das problemáticas jurídicas suscitadas pelos presentes processos e das questões prejudiciais se afaste em certa medida da redação das questões prejudiciais, pareceu‑me útil para clarificar a matéria complexa dos presentes processos e estruturar o raciocínio seguido.

( 19 ) V. artigos 54.o, 59.o, 62.o e 63.o da Diretiva 2001/83.

( 20 ) A questão de saber se essa prioridade decorre das disposições do direito das marcas está no cerne do segundo problema jurídico colocado pelos presentes processos (v. n.os 98 a 140 das presentes conclusões).

( 21 ) Conforme definidos no artigo 3.o, n.o 2, alíneas a) e b), do Regulamento Delegado 2016/161.

( 22 ) Nos termos do artigo 40.o, n.o 2, da Diretiva 2001/83, os comerciantes paralelos que procedem ao reacondicionamento dos medicamentos estão sujeitos à obrigação de obter essa autorização.

( 23 ) Contrariamente ao dispositivo de prevenção de adulteração, o procedimento de substituição do identificador único, regulado em pormenor no Regulamento Delegado 2016/161, não parece suscitar problemas. A discussão nos presentes processos diz respeito principalmente à substituição do dispositivo de prevenção de adulterações (v., todavia, n.os 162 a 169 das presentes conclusões).

( 24 ) O índice e a parte informativa da norma estão disponíveis gratuitamente no seguinte endereço Internet: https://www.iso.org/obp/ui/#iso:std:iso:21976:ed‑1:v1:fr.

( 25 ) Na sua versão 18B. As versões anteriores mencionavam a norma ISO 16679:2014, substituída pela norma 21976:2018.

( 26 ) V. n.o 75 das presentes conclusões.

( 27 ) Relativamente a esta questão, conforme formulada pelo órgão jurisdicional de reenvio, importa observar que o dispositivo de prevenção de adulterações mencionado nesta questão serve apenas para comprovar uma adulteração do medicamento. A verificação da identidade e da autenticidade do medicamento efetua‑se através do identificador único, que não é objeto da questão.

( 28 ) Embora estes dois instrumentos jurídicos criem sistemas de proteção separados (marcas da União e marcas nacionais), as suas disposições relevantes para os casos presentes são redigidas de forma idêntica e devem ser objeto de uma interpretação semelhante. Analisá‑las‑ei, portanto, em conjunto.

( 29 ) Acórdão de 31 de outubro de 1974 (16/74, EU:C:1974:115). Na jurisprudência anterior do Tribunal de Justiça, é feita referência a este acórdão sob o nome de «Acórdão Winthrop».

( 30 ) V. n.o 1 do dispositivo.

( 31 ) Acórdão de 23 de maio de 1978 (102/77, a seguir «Acórdão Hoffmann‑La Roche, EU:C:1978:108, n.o 1a do dispositivo).

( 32 ) Acórdão Hoffmann‑La Roche (n.o 11).

( 33 ) Acórdão Hoffmann‑La Roche (n.os 9 e 10).

( 34 ) Acórdão Hoffmann‑La Roche (n.o 1b do dispositivo).

( 35 ) Primeira Diretiva do Conselho, de 21 de dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas (JO 1989, L 40, p. 1).

( 36 ) Mais precisamente, do artigo 36.o do Tratado CEE.

( 37 ) V. Acórdão Bristol‑Myers Squibb e o. (n.os 40, 41 e 50).

( 38 ) Acórdão Bristol‑Myers Squibb e o. (n.os 52 a 56 e n.o 3, primeiro travessão, do dispositivo).

( 39 ) Acórdão Bristol‑Myers Squibb e o. (n.os 75 a 77 e n.o 3, quarto travessão, do dispositivo).

( 40 ) Acórdão Boehringer Ingelheim e o. de 2007 (n.os 28 a 31 e n.o 1 do dispositivo).

( 41 ) Acórdãos Boehringer Ingelheim e o. de 2007 e de 22 de dezembro de 2008, The Wellcome Foundation (C‑276/05, EU:C:2008:756, n.o 25).

( 42 ) Acórdão Bristol‑Myers Squibb e o. (n.o 55).

( 43 ) Acórdão Hoffmann‑La Roche (n.o 11).

( 44 ) V., nomeadamente, Acórdão Boehringer Ingelheim e o. de 2007 (n.os 28 a 31).

( 45 ) O sublinhado é meu.

( 46 ) Acórdão de 31 de outubro de 1974, Centrafarm e de Peijper (16/74, EU:C:1974:115, n.os 20 a 22).

( 47 ) Acórdão de 31 de outubro de 1974, Centrafarm e de Peijper (16/74, EU:C:1974:115, n.o 3 do dispositivo).

( 48 ) Acórdão de 28 de julho de 2011, Orifarm e o. (C‑400/09 e C‑207/10, EU:C:2011:519, n.o 34).

( 49 ) Acórdão Boehringer Ingelheim e o. de 2002 (n.o 28). V., também, considerandos 5 e 29 da Diretiva 2011/62, que estabelecem uma distinção clara entre as disposições desta diretiva e os direitos de propriedade intelectual.

( 50 ) Acórdãos Bristol‑Myers Squibb e o. (n.o 78) e Boehringer Ingelheim e o. de 2002 (n.o 61).

( 51 ) V. Acórdão Hoffmann‑La Roche (n.o 12), no qual o Tribunal de Justiça estabeleceu a condição de informação prévia «tendo em conta que é também do interesse do titular da marca que o consumidor não seja induzido em erro quanto à proveniência do produto».

( 52 ) V. n.os 79 e 80 das presentes conclusões.

( 53 ) Acórdãos de 23 de abril de 2002, Merck, Sharp & Dohme (C‑443/99, EU:C:2002:245, n.o 31), e Boehringer Ingelheim e o. de 2002 (n.o 52).

( 54 ) Simplificando, a questão que se coloca é a de saber se o comerciante paralelo pode invocar a visibilidade dos vestígios de abertura da embalagem original após a sua nova rotulagem para proceder ao reacondicionamento numa nova embalagem, sem que o titular da marca a isso se possa opor.

( 55 ) V. n.o 49 das presentes conclusões.

( 56 ) É evidente que não se trata da bula, que se encontra no interior da embalagem.

( 57 ) O que engloba, afigura‑se‑me, as disposições do Regulamento Delegado 2016/161, uma vez que a delegação para adotar este regulamento também figura no título V da Diretiva 2001/83.

( 58 ) Artigo 3.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento Delegado 2016/161.

( 59 ) Artigo 4.o, alínea b), iii), do Regulamento Delegado 2016/161.

( 60 ) Em conformidade com o artigo 47.o‑A da Diretiva 2001/83 e com os artigos 16.o e 17.o do Regulamento Delegado 2016/161.

( 61 ) Embora a redação em língua francesa desta disposição pareça pôr a tónica principalmente no caráter da superfície em que o código de barras deve ser impresso, as outras versões linguísticas, nomeadamente as versões em línguas espanhola, alemã, inglesa ou polaca, indicam claramente que deve ser impresso «na embalagem».

( 62 ) O sublinhado é meu.

( 63 ) Questão 2.21.

( 64 ) Acórdão Bristol‑Myers Squibb e o. n.o 1 do dispositivo do acórdão.

( 65 ) Acórdãos Bristol‑Myers Squibb e o. (n.o 3 do dispositivo) e Boehringer Ingelheim e o. de 2007 (n.o 1 do dispositivo).

( 66 ) Acórdão de 10 de setembro de 2002, Ferring (C‑172/00, EU:C:2002:474, n.os 21 e 22).

( 67 ) Acórdão Hoffmann‑La Roche (n.o 10).

( 68 ) Artigo 55.o da Diretiva 2001/83.

( 69 ) N.o 48.

( 70 ) Acórdão Bristol‑Myers Squibb e o. n.o 3 do dispositivo.

( 71 ) Acórdão Boehringer Ingelheim e o. de 2007 (n.o 4 do dispositivo).

( 72 ) Acórdão de 8 de julho de 2010, Portakabin (C‑558/08, EU:C:2010:416).

( 73 ) Acórdão de 8 de julho de 2010, Portakabin (C‑558/08, EU:C:2010:416, n.o 86).

( 74 ) Acórdão de 8 de julho de 2010, Portakabin (C‑558/08, EU:C:2010:416, n.o 3 do dispositivo).

( 75 ) V., nomeadamente, Acórdão Bristol‑Myers Squibb e o. (n.o 48).

( 76 ) V. n.o 183 das presentes conclusões.

( 77 ) Acórdão Boehringer Ingelheim e o. de 2007 (n.o 38).