CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MACIEJ SZPUNAR

apresentadas em 1 de julho de 2021 ( 1 )

Processo C‑118/20

JY

sendo interveniente:

Wiener Landesregierung

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Verwaltungsgerichtshof (Supremo Tribunal Administrativo, Áustria)]

«Reenvio prejudicial — Cidadania da União Europeia — Artigos 20.o e 21.o TFUE — Âmbito de aplicação — Renúncia à nacionalidade de um Estado‑Membro com vista à obtenção da nacionalidade de outro Estado‑Membro em conformidade com a garantia deste Estado‑Membro de naturalizar o interessado — Revogação dessa garantia por motivos de ordem pública — Situação de apatridia — Critérios de aquisição da nacionalidade — Proporcionalidade»

Índice

 

I. Introdução

 

II. Quadro jurídico

 

A. Direito internacional

 

1. Convenção para a Redução dos Casos de Apatridia

 

2. Convenção sobre a Redução dos Casos de Nacionalidade Múltipla

 

3. Convenção Europeia sobre a Nacionalidade

 

B. Direito da União

 

C. Direito austríaco

 

III. Factos no processo principal, tramitação processual no Tribunal de Justiça e questões prejudiciais

 

IV. Análise jurídica

 

A. Considerações preliminares

 

B. Quanto à primeira questão prejudicial: a situação em causa no processo principal está abrangida pelo direito da União?

 

1. Quanto à jurisprudência pertinente do Tribunal de Justiça relativa à perda do estatuto de cidadão da União

 

a) Acórdão Micheletti e o.: a competência dos Estados‑Membros em matéria de aquisição e de perda da nacionalidade deve ser exercida com respeito pelo direito da União

 

b) Acórdãos Rottmann e Tjebbes e o.: confirmação e clarificação do princípio consagrado no Acórdão Micheletti e o.

 

2. Quanto às consequências da decisão controvertida à luz do direito da União

 

a) Aplicação dos princípios decorrentes dos Acórdãos Rottmann e Tjebbes e o. à situação em causa no processo principal

 

b) Jurisprudência decorrente do Acórdão Ruiz Zambrano: privação do gozo efetivo do essencial dos direitos conferidos pelo estatuto de cidadão da União

 

c) Acórdão Lounes: a lógica da integração progressiva

 

3. Quanto à decisão da República da Estónia pela qual JY perdeu a nacionalidade estónia

 

C. Quanto à segunda questão prejudicial: conformidade da decisão controvertida com o princípio da proporcionalidade

 

1. Quanto ao objetivo de interesse geral prosseguido pela legislação na qual se baseou a decisão controvertida

 

2. Quanto ao respeito pelo princípio da proporcionalidade no que se refere às consequências da decisão controvertida para a situação de JY

 

a) Quanto às circunstâncias relativas à situação individual da pessoa em causa

 

1) Natureza das infrações

 

2) Tempo decorrido entre a data na qual foi dada a garantia e a da sua revogação

 

3) Limitações ao exercício do direito de circular e permanecer no território de toda a União

 

4) Possibilidade de a pessoa em causa recuperar a sua nacionalidade de origem

 

5) Desenvolvimento normal da vida familiar e profissional

 

b) Quanto à coerência e à aptidão das normas nacionais para alcançar o objetivo de proteção da segurança rodoviária

 

V. Conclusão

I. Introdução

1.

A legislação nacional de um Estado‑Membro permite que este revogue, devido à prática de contraordenações relacionadas com a segurança rodoviária, a garantia de concessão da nacionalidade a um nacional que, tendo apenas a nacionalidade de um único Estado‑Membro, renunciou a essa nacionalidade e, por isso, ao seu estatuto de cidadão da União Europeia a fim de obter a nacionalidade de outro Estado‑Membro, em conformidade com a decisão das autoridades do referido Estado que lhe conferira essa garantia; tal impede assim essa pessoa de recuperar o estatuto de cidadão da União.

2.

No caso em apreço, o Tribunal de Justiça é chamado a interpretar o artigo 20.o TFUE no quadro da jurisprudência decorrente dos Acórdãos Rottmann ( 2 ) e Tjebbes e o. ( 3 ) e a abrir a terceira vertente de um capítulo relativamente delicado, que trata das obrigações dos Estados‑Membros em matéria de aquisição e de perda da nacionalidade à luz do direito da União.

II. Quadro jurídico

A. Direito internacional

1.   Convenção para a Redução dos Casos de Apatridia

3.

A República da Áustria aderiu à Convenção para a Redução dos Casos de Apatridia, adotada em Nova Iorque, em 30 de agosto de 1961, e que entrou em vigor em 13 de dezembro de 1975 (a seguir «Convenção para a Redução dos Casos de Apatridia»), em 22 de setembro de 1972. Esta convenção prevê, no seu artigo 7.o, n.os 2, 3 e 6, o seguinte:

«2.   Um nacional de um Estado Contratante que queira naturalizar‑se num país estrangeiro só perde a sua nacionalidade, se adquirir ou lhe tiverem sido dadas garantias de lhe ser concedida a nacionalidade desse mesmo país.

3.   Sob reserva do disposto nos n.os 4 e 5 do presente artigo, um nacional de um Estado Contratante não perde a sua nacionalidade por motivos de saída, residência no estrangeiro, falta de registo ou qualquer outro motivo semelhante, se por essa via se tornar apátrida.

[…]

6.   Com exceção dos casos previstos no presente artigo, ninguém deverá perder a nacionalidade de um Estado Contratante se por essa via se tornar apátrida, não obstante tal perda não ser expressamente proibida por nenhuma outra disposição da presente Convenção».

4.

O artigo 8.o da referida convenção dispõe, nos seus n.os 1 e 3, o seguinte:

«1.   Um Estado Contratante não pode privar ninguém da sua nacionalidade se por essa via se tornar apátrida.

[…]

3.   Não obstante o disposto no n.o 1 do presente artigo, um Estado Contratante pode reservar‑se o direito de privar um indivíduo da nacionalidade desse mesmo Estado Contratante se, no momento da assinatura, da ratificação ou da adesão, especificar que um indivíduo é privado desse direito com base num ou mais dos seguintes motivos, os quais deverão estar previstos no seu direito interno em vigor nessa data:

a)

Quando, em violação do seu dever de lealdade para com o Estado Contratante, um indivíduo tenha:

[…]

ii)

Tido um comportamento que prejudique seriamente os interesses vitais do Estado;

[…]»

2.   Convenção sobre a Redução dos Casos de Nacionalidade Múltipla

5.

A Convenção sobre a Redução dos Casos de Nacionalidade Múltipla e sobre as Obrigações Militares em Casos de Nacionalidade Múltipla, assinada em Estrasburgo, em 6 de maio de 1963, e que entrou em vigor em 28 de março de 1968, é aplicável à República da Áustria desde 1 de setembro de 1975.

6.

O capítulo I desta convenção, intitulado «Redução dos casos de nacionalidade múltipla», dispõe, no seu artigo 1.o, n.o 1, que «[o]s nacionais das Partes Contratantes que sejam maiores de idade e que adquiram, por sua livre vontade, a nacionalidade de outra Parte, por via de naturalização, opção ou recuperação, perderão a sua nacionalidade anterior. Não serão autorizados a conservar a sua nacionalidade anterior».

3.   Convenção Europeia sobre a Nacionalidade

7.

A Convenção Europeia sobre a Nacionalidade, adotada em 6 de novembro de 1997 no âmbito do Conselho da Europa e que entrou em vigor em 1 de março 2000 (a seguir «Convenção sobre a Nacionalidade»), é aplicável à República da Áustria desde 1 de março de 2000.

8.

O artigo 4.o da Convenção sobre a Nacionalidade, sob a epígrafe «Princípios», prevê que as normas de cada Estado Parte sobre a nacionalidade basear‑se‑ão, nomeadamente, nos princípios de que todos os indivíduos têm direito a uma nacionalidade e de que a apatridia deverá ser evitada.

9.

O artigo 6.o desta convenção, sob a epígrafe «Aquisição de nacionalidade», dispõe, no seu n.o 3, que «[c]ada Estado Parte deverá prever no seu direito interno a faculdade de naturalização de indivíduos legal e habitualmente residentes no seu território. Ao estabelecer as condições para efeitos de naturalização, esse Estado Parte estabelecerá um período de residência não superior a 10 anos imediatamente anterior à formulação do pedido».

10.

O artigo 7.o da referida convenção, sob a epígrafe «Perda de nacionalidade ex lege ou por iniciativa de um Estado Parte», prevê, nos seus n.os 1 e 3, o seguinte:

«1.   Um Estado Parte não poderá prever, no seu direito interno, a perda da sua nacionalidade ex lege ou por sua iniciativa, exceto nos seguintes casos:

a.

Aquisição voluntária de outra nacionalidade;

b.

Aquisição da nacionalidade do Estado Parte mediante conduta fraudulenta, informações falsas ou encobrimento de quaisquer factos relevantes atribuíveis ao requerente;

[…]

d.

Conduta que prejudique seriamente os interesses vitais do Estado Parte;

[…]

3.   O direito interno de um Estado Parte não deverá prever a perda da sua nacionalidade nos termos dos n.os 1 e 2 do presente artigo se o indivíduo em causa se tornar, consequentemente, um apátrida, com exceção dos casos previstos no n.o 1, alínea b), do presente artigo.»

11.

O artigo 8.o da mesma convenção, sob a epígrafe «Perda de nacionalidade por iniciativa do indivíduo», dispõe, nomeadamente, que «[c]ada Estado Parte permitirá a renúncia à sua nacionalidade, desde que os indivíduos em causa não se tornem apátridas».

12.

Nos termos do artigo 10.o da Convenção sobre a Nacionalidade, sob a epígrafe «Processamento de pedidos», «[c]ada Estado Parte garantirá o processamento, num prazo razoável, dos pedidos relativos à aquisição, conservação, perda, recuperação ou emissão de uma declaração confirmando a sua nacionalidade».

13.

O artigo 15.o desta convenção, sob a epígrafe «Outros casos possíveis de pluralidade de nacionalidades», prevê:

«As disposições da presente Convenção não obstarão a que um Estado Parte estabeleça no seu direito interno que:

a.

Os seus nacionais que adquiram ou possuam a nacionalidade de um outro Estado conservem ou percam a sua nacionalidade;

b.

A aquisição ou conservação da sua nacionalidade fique sujeita à renúncia ou à perda de outra nacionalidade.»

14.

O artigo 16.o da referida convenção, sob a epígrafe «Conservação de nacionalidade anteriormente adquirida», determina que «[n]enhum Estado Parte fará da renúncia ou da perda de outra nacionalidade condição para a aquisição ou conservação da sua nacionalidade, nos casos em que tal renúncia ou perda não se mostre viável ou não possa ser razoavelmente exigida».

B. Direito da União

15.

O artigo 20.o, n.o 1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia institui a cidadania da União e dispõe que é cidadão da União «qualquer pessoa que tenha a nacionalidade de um Estado‑Membro». De acordo com o artigo 20.o, n.o 2, alínea a), TFUE, os cidadãos da União gozam do «direito de circular e permanecer livremente no território dos Estados‑Membros».

C. Direito austríaco

16.

O § 10 da Staatsbürgerschaftsgesetz 1985 (Lei da Nacionalidade Austríaca de 1985), de 30 de julho de 1985 ( 4 ) (a seguir «StbG»), sob a epígrafe «Concessão», dispõe:

«(1)   Salvo disposição em sentido contrário na presente lei federal, a nacionalidade só pode ser concedida a um estrangeiro

[…]

6.

se o estrangeiro, em virtude do seu comportamento anterior, der garantias de que tem uma atitude positiva em relação à República e que não representa uma ameaça para a paz, a ordem e a segurança públicas nem põe em risco outros interesses públicos mencionados no artigo 8.o, n.o 2, da [Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950];

[…]

(2)   Não pode ser concedida a cidadania a um estrangeiro

[…]

2.

se este tiver sido, mais do que uma vez, condenado por decisão transitada em julgado, por contraordenação grave com um grau de gravidade especial […]

[…]

(3)   Não pode ser concedida a nacionalidade a um estrangeiro que possua uma nacionalidade estrangeira se este

1.

não efetuar as diligências necessárias para renunciar à sua nacionalidade anterior, apesar de poder fazê‑lo e de estas diligências poderem razoavelmente ser‑lhe exigidas […]

[…]»

17.

O § 20 da StbG dispõe, nos seus n.os 1 a 3:

«(1)   A concessão da nacionalidade só deve ser garantida a um estrangeiro no caso de este provar, no prazo de dois anos, que renuncia à sua nacionalidade anterior, quando

1.

não seja apátrida;

2.

os §§ 10, n.o 6, 16, n.o 2, e 17, n.o 4, não sejam aplicáveis e

3.

tal garantia lhe possa permitir ou facilitar a renúncia à sua nacionalidade anterior.

(2)   A referida garantia deve ser revogada quando o estrangeiro, com exceção do § 10, n.o 1, ponto 7, deixe de preencher alguma das condições exigidas para a concessão da nacionalidade.

(3)   A nacionalidade cuja concessão tenha sido garantida deve ser concedida assim que o estrangeiro

1.

deixar de possuir a sua nacionalidade anterior, ou

2.

provar que não lhe foi possível efetuar as diligências necessárias para renunciar à sua nacionalidade anterior ou que estas diligências não podiam razoavelmente ser‑lhe exigidas.»

III. Factos no processo principal, tramitação processual no Tribunal de Justiça e questões prejudiciais

18.

Por carta de 15 de dezembro de 2008, JY, à data nacional estónia, pediu a concessão da nacionalidade austríaca.

19.

Por Decisão de 11 de março de 2014, o Niederösterreichische Landesregierung (Governo do Land da Baixa Áustria, Áustria), que, à data, era a entidade competente atendendo ao local de residência de JY, deu‑lhe a garantia, em conformidade com o § 11a, n.o 4, ponto 2, em conjugação com os §§ 20 e 39 da StbG, de que a nacionalidade austríaca lhe seria concedida se fizesse a prova, no prazo de dois anos, de que renunciara à nacionalidade da República da Estónia.

20.

JY estabeleceu a sua residência principal em Viena (Áustria) e apresentou, dentro do prazo previsto de dois anos, a confirmação da República da Estónia de que, por Decisão do Governo deste Estado‑Membro de 27 de agosto de 2015, deixara de ter a nacionalidade estónia. Desde que perdeu esta nacionalidade, JY é apátrida.

21.

Por Decisão de 6 de julho de 2017, o Wiener Landesregierung (Governo do Land de Viena, Áustria), que passou a ser a autoridade competente para analisar o pedido de JY, revogou a decisão do Niederösterreichische Landesregierung (Governo do Land da Baixa Áustria), em conformidade com o § 20, n.o 2, da StbG, e indeferiu o pedido de concessão da nacionalidade austríaca de JY, nos termos do § 10, n.o 1, ponto 6, da StbG (a seguir «decisão controvertida»).

22.

O Wiener Landesregierung (Governo do Land de Viena) justificou esta decisão referindo que JY, por um lado, praticara duas contraordenações graves depois de ter obtido a garantia de que a nacionalidade austríaca lhe seria concedida, resultantes da não aposição no seu veículo do dístico de inspeção técnica e da condução de veículo a motor sob o efeito do álcool, e, por outro, praticara oito contraordenações entre 2007 e 2013, antes de essa garantia lhe ter sido concedida. Consequentemente, a referida autoridade administrativa considerou que JY já não preenchia as condições previstas no § 10, n.o 1, ponto 6, da StbG. JY recorreu desta decisão.

23.

Por Sentença de 23 de janeiro de 2018, o Verwaltungsgericht Wien (Tribunal Administrativo de Viena, Áustria) negou provimento ao recurso, considerando, em substância, que estavam preenchidas as condições para a revogação da garantia de concessão da nacionalidade austríaca, em conformidade com o § 20, n.o 2, da StbG, quando se verificasse um fundamento de recusa depois de feita a prova da renúncia à nacionalidade anterior e que, no caso em apreço, não estava preenchida a condição de concessão prevista no § 10, n.o 1, ponto 6, dessa lei. De facto, as duas contraordenações graves em causa eram suscetíveis de pôr em perigo, a primeira, a proteção da segurança da circulação pública e, a segunda, a segurança de outros utentes da estrada. De acordo com esse tribunal, estas duas contraordenações graves, consideradas em conjunto com as oito contraordenações praticadas no período compreendido entre 2007 e 2013, permitiam duvidar do comportamento correto de JY no futuro, na aceção desta última disposição, não sendo a longa permanência de JY na Áustria e a sua integração profissional e pessoal suscetíveis de pôr em causa essa conclusão.

24.

Por outro lado, o referido tribunal considerou que o Acórdão Rottmann não era aplicável, pois, à data da adoção da decisão controvertida, JY já era apátrida, pelo que já não era cidadã da União. Além disso, a existência de infrações graves levou‑o a considerar que as medidas adotadas pela decisão controvertida eram proporcionadas à luz da Convenção para a Redução dos Casos de Apatridia.

25.

JY interpôs recurso de «Revision» dessa sentença para o Verwaltungsgerichtshof (Supremo Tribunal Administrativo, Áustria).

26.

No caso em apreço, tendo em conta as contraordenações praticadas por JY antes e depois de ter recebido a garantia de concessão da nacionalidade austríaca, o órgão jurisdicional de reenvio sublinha que, no direito austríaco, não se pode contestar nem o facto de estarem preenchidas as condições para a revogação da garantia de concessão da nacionalidade austríaca, nos termos do § 20, n.o 2, da StbG, nem o indeferimento do pedido de concessão dessa nacionalidade, em conformidade com o § 10, n.o 1, ponto 6, dessa lei.

27.

Não obstante, o órgão jurisdicional de reenvio esclarece que, embora o Verwaltungsgericht Wien (Tribunal Administrativo de Viena) tenha analisado a proporcionalidade dessa revogação atendendo à situação de apátrida de JY à luz da Convenção para a Redução dos Casos de Apatridia e concluído que tal revogação era proporcionada, tendo em conta as infrações praticadas por JY, esse tribunal não efetuou, na perspetiva do direito da União, uma fiscalização da proporcionalidade das consequências da revogação da garantia de concessão da nacionalidade para a situação da pessoa em causa e, eventualmente, dos membros da sua família, porque considerou que os Acórdãos Rottmann e Tjebbes e o. não eram aplicáveis ao caso em apreço.

28.

Assim, no que diz respeito à primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio começa por referir que, atendendo à situação de facto e de direito de JY à data da adoção da decisão controvertida, determinante para analisar o mérito da sentença do Verwaltungsgericht Wien (Tribunal Administrativo de Viena), JY não era cidadã da União. Contrariamente à situação dos interessados nos processos que deram origem aos Acórdãos Rottmann e Tjebbes e o., no caso em apreço, a perda do estatuto de cidadão da União não é consequência da decisão controvertida. Pelo contrário, devido à revogação da garantia de concessão da nacionalidade, em conjugação com o indeferimento do seu pedido de concessão da nacionalidade austríaca, JY perdeu o direito, adquirido condicionalmente, de recuperar a cidadania da União a que a própria já renunciara.

29.

Coloca‑se, assim, a questão de saber se essa situação é, pela sua natureza e pelas suas consequências, abrangida pelo direito da União e se, para adotar a decisão controvertida, a autoridade administrativa competente devia ter em conta o direito da União. A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio considera, à semelhança do que considerou o Verwaltungsgericht Wien (Tribunal Administrativo de Viena), que essa situação não é abrangida pelo direito da União.

30.

Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio coloca igualmente a questão de saber se as autoridades e os órgãos jurisdicionais nacionais competentes devem fiscalizar, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, se a revogação da garantia de concessão da nacionalidade austríaca, que obsta a que a pessoa em causa possa recuperar o seu estatuto de cidadão da União, tendo em conta as consequências para a sua situação, é compatível, à luz do direito da União, com o princípio da proporcionalidade. O referido órgão jurisdicional considera que tal fiscalização da proporcionalidade deve ser exigida e pergunta, a este respeito, se o mero facto de JY ter renunciado à sua cidadania da União e de ter rompido a relação especial de solidariedade e de lealdade entre o seu Estado‑Membro de origem e os seus nacionais, bem como a reciprocidade de direitos e de deveres, que são o fundamento do vínculo de nacionalidade ( 5 ), é determinante.

31.

Nesse contexto, por Decisão de 13 de fevereiro de 2020, entrada no Tribunal de Justiça em 3 de março de 2020, o Verwaltungsgerichtshof (Supremo Tribunal Administrativo) decidiu suspender a instância e submeter à apreciação do Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

A situação de uma pessoa singular que, como a recorrente no processo principal, renunciou à sua nacionalidade de um único Estado‑Membro da União Europeia e, por consequência, à sua cidadania da União, a fim de obter a nacionalidade de outro Estado‑Membro em conformidade com a garantia de que essa nacionalidade, que tinha pedido, lhe seria concedida, e cuja possibilidade de recuperar a cidadania da União é posteriormente afastada na sequência da revogação daquela garantia, é abrangida, pela sua natureza e pelas suas consequências, pelo direito da União, de modo que, na decisão de revogação da garantia, há que ter em conta o direito da União?

Em caso de resposta afirmativa à primeira questão:

2)

Devem as autoridades nacionais competentes, incluindo eventualmente os órgãos jurisdicionais nacionais, na decisão que revoga a garantia de concessão da nacionalidade do Estado‑Membro, verificar se a revogação da garantia que implica a impossibilidade de recuperação da cidadania da União, tendo em conta as suas consequências [para] a situação da pessoa em causa, é compatível, à luz do direito da União, com o princípio da proporcionalidade?»

32.

Foram apresentadas observações escritas por JY, pelos Governos austríaco e francês e pela Comissão Europeia. Os mesmos interessados, bem como os Governos estónio e neerlandês, fizeram‑se representar na audiência que se realizou em 1 de março de 2021.

IV. Análise jurídica

A. Considerações preliminares

33.

O artigo 20.o, n.o 1, TFUE prevê que «[é] cidadão da União qualquer pessoa que tenha a nacionalidade de um Estado‑Membro. A cidadania da União acresce à cidadania nacional e não a substitui». O artigo 20.o TFUE confere, por isso, a qualquer pessoa que tenha a nacionalidade de um Estado‑Membro o estatuto de cidadão da União ( 6 ), o qual tende a ser o estatuto fundamental de todos os nacionais dos Estados‑Membros ( 7 ). Tal significa que a nacionalidade de um Estado‑Membro é condição prévia para o gozo do estatuto de cidadão da União ao qual estão associados todos os deveres e direitos previstos no Tratado FUE ( 8 ). Assim, a cidadania da União tem caráter não apenas derivado mas igualmente adicional, na medida em que confere direitos suplementares aos cidadãos da União, como o direito de circular e permanecer livremente no território dos Estados‑Membros ou o direito de eleger e ser eleitos nas eleições para o Parlamento Europeu, bem como nas eleições municipais ( 9 ). Nesse sentido, o estatuto de cidadão da União confere aos nacionais dos Estados‑Membros uma cidadania «para além do Estado» ( 10 ).

34.

O presente processo, que se insere neste contexto jurídico, incide diretamente sobre o estatuto fundamental de cidadão da União e as questões colocadas pelo órgão jurisdicional de reenvio dão seguimento aos Acórdãos Rottmann e Tjebbes e o., especialmente relevantes no caso em apreço.

35.

Nas presentes conclusões, analisarei, em primeiro lugar, a questão de saber se a situação em causa no processo principal é abrangida pelo direito da União. A este respeito, exporei a jurisprudência relativa à perda do estatuto de cidadão da União e, em seguida, analisarei, à luz desta, as consequências da decisão controvertida (primeira questão). Em segundo lugar, depois de fazer referência à decisão do Governo estónio relativa à renúncia de JY à nacionalidade, analisarei a proporcionalidade dessa primeira decisão (segunda questão).

B. Quanto à primeira questão prejudicial: a situação em causa no processo principal está abrangida pelo direito da União?

36.

Através da sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a situação de uma pessoa singular que, tendo apenas a nacionalidade de um único Estado‑Membro, renuncia a essa nacionalidade e, consequentemente, ao seu estatuto de cidadão da União a fim de obter a nacionalidade de outro Estado‑Membro, em conformidade com a decisão das autoridades deste que lhe confere a garantia de que essa nacionalidade lhe será concedida, tendo esta decisão sido, todavia, posteriormente revogada e o seu pedido de concessão da referida nacionalidade indeferido, impedindo assim essa pessoa de recuperar o estatuto de cidadão da União, é abrangida, pela sua natureza e pelas suas consequências, pelo direito da União.

37.

No que diz respeito, em primeiro lugar, às especificidades do presente processo, o órgão jurisdicional de reenvio refere que a situação em causa no processo principal se caracteriza pelo facto de, à data da adoção da decisão controvertida, JY já ter renunciado à sua nacionalidade estónia e, consequentemente, ao seu estatuto de cidadão da União. Por conseguinte, ao contrário das situações que deram origem aos Acórdãos Rottmann e Tjebbes e o., a perda do estatuto de cidadão da União não é consequência da decisão controvertida e a situação de JY não é abrangida pelo direito da União.

38.

Relativamente, em segundo lugar, às observações escritas apresentadas pelas partes, o Governo austríaco partilha da opinião do órgão jurisdicional de reenvio e alega que foi por iniciativa própria que JY renunciou à nacionalidade estónia e, assim, à cidadania da União. Contudo, JY sublinha que nunca teve a intenção de renunciar à sua qualidade de cidadã da União enquanto estatuto fundamental. Pretendia apenas — numa expectativa legítima — adquirir a nacionalidade de outro Estado‑Membro e acabou por perder involuntariamente a cidadania da União. JY sustenta que, na medida em que a revogação da garantia de concessão da nacionalidade austríaca afeta os seus direitos enquanto cidadã da União, as autoridades austríacas estavam obrigadas a respeitar o direito da União neste aspeto.

39.

O Governo francês e a Comissão consideram que a situação em causa no processo principal é abrangida, pela sua natureza e pelas suas consequências, pelo direito da União.

40.

Além disso, o Governo francês considera que JY, tendo renunciado à sua nacionalidade estónia de origem devido à garantia dada por um Estado‑Membro de que a nacionalidade deste lhe seria concedida, é confrontada com uma decisão de revogação dessa garantia que tem como efeito mantê‑la numa situação de apatridia, caracterizada pela perda do estatuto de cidadão da União conferido pelo artigo 20.o TFUE e dos direitos correspondentes. Em tal situação, os Estados‑Membros estão obrigados a respeitar o direito da União no exercício da sua competência em matéria de nacionalidade.

41.

A Comissão, por seu turno, admite que a situação que originou o litígio no processo principal é diferente das que deram origem aos Acórdãos Rottmann e Tjebbes e o. Contudo, alega que o facto de um cidadão da União desejoso de se integrar melhor no Estado‑Membro de acolhimento, ao pedir a nacionalidade deste, adotar um comportamento em conformidade com o direito deste Estado‑Membro e se dispor a aceitar tornar‑se temporariamente apátrida não pode causar‑lhe prejuízo pelo facto de a revogação da garantia de concessão da nacionalidade ser subtraída à fiscalização jurisdicional à luz do direito da União em consequência da apatridia imposta pelo sistema de aquisição da nacionalidade austríaca.

42.

Na audiência, os Governos estónio e neerlandês sustentaram, também eles, que a situação de JY é abrangida pelo direito da União.

43.

Assim, analisarei se, tendo em conta as circunstâncias específicas da situação em causa no processo principal, esta se enquadra no âmbito de aplicação do direito da União.

1.   Quanto à jurisprudência pertinente do Tribunal de Justiça relativa à perda do estatuto de cidadão da União

44.

O órgão jurisdicional de reenvio faz referência aos Acórdãos Rottmann e Tjebbes e o. Parece‑me útil, contudo, começar a minha análise da jurisprudência pertinente pelo Acórdão Micheletti e o. ( 11 ).

a)   Acórdão Micheletti e o.: a competência dos Estados‑Membros em matéria de aquisição e de perda da nacionalidade deve ser exercida com respeito pelo direito da União

45.

No Acórdão Micheletti e o. ( 12 ), o Tribunal de Justiça afirmou que «[a] definição das condições de aquisição e de perda da nacionalidade é, nos termos do direito internacional, da competência de cada Estado‑Membro, que deve exercê‑la no respeito pelo direito [da União]». O Tribunal de Justiça esclareceu que, quando um Estado‑Membro tiver atribuído, com respeito pelo direito da União, a sua nacionalidade a uma pessoa, outro Estado‑Membro não pode «restringir os efeitos […], exigindo um requisito suplementar para o reconhecimento dessa nacionalidade com vista ao exercício das liberdades fundamentais previstas pelo Tratado» ( 13 ).

46.

Afigura‑se importante sublinhar, nesta fase, que a reserva formulada pelo Tribunal de Justiça neste acórdão, de que há que respeitar o direito da União, compreende tanto as condições de aquisição como as de perda da nacionalidade. Voltarei a este ponto mais à frente ( 14 ).

b)   Acórdãos Rottmann e Tjebbes e o.: confirmação e clarificação do princípio consagrado no Acórdão Micheletti e o.

47.

O princípio consagrado pelo Tribunal de Justiça no Acórdão Micheletti e o. ( 15 ) foi confirmado no Acórdão Rottmann ( 16 ). No âmbito da análise de uma decisão de revogação da naturalização adotada pelas autoridades alemãs, o Tribunal de Justiça esclareceu igualmente o alcance desse princípio ( 17 ). Assim, depois de recordar que os Estados‑Membros são competentes em matéria de aquisição e de perda da nacionalidade ( 18 ), o Tribunal de Justiça esclareceu que «o facto de uma matéria ser da competência dos Estados‑Membros não impede que, em situações abrangidas pelo direito da União, as normas nacionais em causa devam respeitar este direito» ( 19 ). A este respeito, o Tribunal de Justiça baseou‑se em jurisprudência constante relativa a situações nas quais uma legislação adotada numa matéria da competência nacional é apreciada à luz do direito da União ( 20 ). Quando essas situações sejam abrangidas pelo âmbito de aplicação do direito da União, devem respeitar o direito da União e ficam sujeitas à fiscalização do Tribunal de Justiça ( 21 ). De facto, o estatuto de cidadão da União não pode ser privado do seu efeito útil e, por isso, os direitos que este confere não podem ser violados pela adoção de medidas estatais ( 22 ).

48.

Assim, no Acórdão Rottmann ( 23 ), o Tribunal de Justiça declarou que, tendo em conta o caráter fundamental do estatuto de cidadão da União conferido pelo artigo 20.o TFUE, a situação de um cidadão da União que é confrontado com uma decisão de revogação da naturalização adotada pelas autoridades de um Estado‑Membro, que o coloca, após ter perdido a nacionalidade original de outro Estado‑Membro, numa situação suscetível de implicar a perda do referido estatuto e dos direitos correspondentes, é abrangida, pela sua própria natureza e pelas suas consequências, pelo direito da União.

49.

Deste modo, este acórdão abriu caminho à possibilidade de sujeitar a uma análise minuciosa, à luz do direito da União, determinados aspetos da legislação dos Estados‑Membros sobre a nacionalidade, relacionados com a perda do estatuto de cidadão da União ( 24 ). Essa oportunidade surgiu nove anos mais tarde, com o processo que deu origem ao Acórdão Tjebbes e o. ( 25 ).

50.

Nesse acórdão, foi uma condição geral de perda ex lege da nacionalidade neerlandesa e, consequentemente, do estatuto de cidadão da União dos interessados que foi objeto de análise à luz do direito da União ( 26 ). O Tribunal de Justiça confirmou ( 27 ) o princípio enunciado na jurisprudência anterior ( 28 ). Fazendo referência aos n.os 42 e 45 do Acórdão Rottmann, afirmou que a situação dos cidadãos da União que apenas possuam a nacionalidade de um único Estado‑Membro e que, com a perda dessa nacionalidade, sejam confrontados com a perda do estatuto de cidadão da União, conferido pelo artigo 20.o TFUE, bem como dos direitos correspondentes, é abrangida, pela sua natureza e pelas suas consequências, pelo direito da União, pelo que os Estados‑Membros devem respeitar o direito da União no exercício da sua competência em matéria de nacionalidade ( 29 ).

51.

Tendo em conta este quadro jurisprudencial ( 30 ), a questão que se coloca no caso em apreço é a seguinte: a situação de JY entra no âmbito de aplicação do direito da União?

52.

Estou convencido, pelos motivos que exporei em seguida, de que esta questão requer uma resposta afirmativa.

2.   Quanto às consequências da decisão controvertida à luz do direito da União

a)   Aplicação dos princípios decorrentes dos Acórdãos Rottmann e Tjebbes e o. à situação em causa no processo principal

53.

É verdade que, no caso em apreço, na data relevante para analisar o mérito do recurso no processo principal, ou seja, a data em que foi adotada a decisão controvertida ( 31 ), JY já se tornara apátrida e, consequentemente, perdera o seu estatuto de cidadã da União. É igualmente verdade que a perda desse estatuto não decorre diretamente da decisão controvertida. De facto, a renúncia de JY à nacionalidade da República da Estónia foi obtida através de uma decisão do Governo deste Estado‑Membro.

54.

Além disso, é manifesto que a perda do referido estatuto não resulta de uma condição de perda da nacionalidade ( 32 ), mas de uma condição de aquisição da nacionalidade prevista na legislação austríaca ( 33 ). De facto, as autoridades austríacas justificaram as medidas adotadas na decisão controvertida invocando o facto de JY já não preencher as condições de aquisição da nacionalidade austríaca, previstas no § 10, n.o 1, ponto 6, da StbG ( 34 ).

55.

Como já referi ( 35 ), tendo em conta estas especificidades, a situação de JY distingue‑se das situações que deram origem aos Acórdãos Rottmann e Tjebbes e o. Contudo, considero que essas circunstâncias não permitem excluir a situação de JY do âmbito de aplicação do direito da União, pelos motivos seguintes.

56.

Em primeiro lugar, embora as decisões do Governo estónio e do Wiener Landesregierung (Governo do Land de Viena) se baseiem no sistema de aquisição e de perda da nacionalidade de duas ordens jurídicas nacionais diferentes ( 36 ), partilho da opinião da Comissão de que a revogação da garantia de naturalização de uma pessoa apátrida à data dessa revogação não deve ser considerada isoladamente, antes deve ter em conta o facto de que essa pessoa era nacional de outro Estado‑Membro e possuía, por isso, o estatuto de cidadão da União ( 37 ). Por conseguinte, na minha opinião, nesta fase, a perda, por parte de JY, do seu estatuto de cidadã da União deve ser apreciada tendo em conta não apenas a decisão das autoridades estónias mas igualmente o procedimento de naturalização austríaco, considerado na sua globalidade ( 38 ).

57.

Em segundo lugar, gostaria de voltar ao ponto evocado anteriormente, ou seja, o de que a reserva formulada pelo Tribunal de Justiça no Acórdão Micheletti e o. ( 39 ) compreende quer as condições de aquisição da nacionalidade quer as de perda desta. O princípio enunciado nesse acórdão foi confirmado nos Acórdãos Rottmann ( 40 ) e Tjebbes e o. ( 41 ). Por conseguinte, esse princípio aplica‑se em casos como o caso em apreço, que dizem respeito às condições de aquisição da nacionalidade, na medida em que essas condições tenham como consequência a perda do estatuto de cidadão da União do interessado. Assim, quando se trate de cidadãos da União, o exercício da competência em matéria de perda e de aquisição da nacionalidade é, sempre que afete o conjunto dos direitos conferidos e protegidos pela ordem jurídica da União, passível de fiscalização jurisdicional à luz do direito da União.

58.

No caso em apreço, decorre do quadro jurídico apresentado pelo órgão jurisdicional de reenvio que, de acordo com o § 20, n.o 1, da StbG, a garantia de concessão da nacionalidade austríaca está sujeita à condição sine qua non de a pessoa em causa renunciar, no prazo de dois anos, à nacionalidade do Estado‑Membro de origem. Por outras palavras, essa pessoa deve aceitar não apenas tornar‑se apátrida mas igualmente perder o seu estatuto de cidadão da União ( 42 ).

59.

A este respeito, afigura‑se importante analisar, por um lado, o caráter voluntário ou não da renúncia à nacionalidade do Estado‑Membro de origem e, por outro, a questão das expectativas legítimas criadas por tal garantia.

60.

Antes de mais, quanto ao caráter da condição de renúncia, de acordo com o Governo austríaco, JY renunciou voluntariamente à nacionalidade estónia e, por isso, ao estatuto de cidadã da União. Mas pode essa renúncia ser qualificada de «voluntária»?

61.

Contrariamente ao que alega, em substância, o Governo austríaco, a situação de um nacional de um Estado‑Membro que, como JY, tenha renunciado à sua nacionalidade de origem com o único objetivo de preencher a condição que lhe permitia obter a garantia de concessão da nacionalidade austríaca imposta pela legislação nacional e, portanto, apenas na perspetiva de recuperar a cidadania da União, não pode ser qualificada de «renúncia voluntária». De facto, como sublinha a Comissão, tal renúncia ocorreu porque as autoridades austríacas tinham dado a garantia a JY de que, excetuando a renúncia à nacionalidade anterior, todas as demais condições relativas à concessão da nacionalidade austríaca estavam preenchidas. Por isso, é evidente que, como decorre das suas observações, JY pretendia manter o seu estatuto de cidadã da União.

62.

De facto, uma vez que, no âmbito da garantia de naturalização, a legislação austríaca exige como condição sine qua non a renúncia à nacionalidade do Estado de origem, mantendo, contudo, a faculdade de revogar essa garantia, o exercício de tal revogação confronta sistematicamente o cidadão da União em causa com a perda do seu estatuto de cidadão da União e esta situação é, por conseguinte, abrangida, pelo direito da União.

63.

Em seguida, no que diz respeito, às expectativas legítimas, é manifesto que, na medida em que a garantia de concessão da nacionalidade austríaca está condicionada à renúncia e à perda da nacionalidade de origem, essa garantia cria expectativas legítimas ao interessado ( 43 ). Especialmente, afigura‑se evidente que, no caso em apreço, a expectativa legítima de JY de recuperar o seu estatuto de cidadã da União é abrangida pela proteção do direito da União ( 44 ). Assim, ao adotar uma decisão de garantia de naturalização, as autoridades austríacas têm de assegurar que um nacional como JY não fique desprovido do estatuto de cidadão da União — incluindo nos casos de infrações praticadas antes ou depois da adoção dessa decisão —, facilitando‑lhe a aquisição da nacionalidade pedida. Como decorre da minha proposta relativa à segunda questão prejudicial, considero que, no exercício dessa competência, as autoridades austríacas estão igualmente obrigadas a ter em conta as circunstâncias específicas de cada situação, aplicando o princípio da proporcionalidade ( 45 ).

64.

A apatridia imposta pelo sistema austríaco de aquisição da nacionalidade confronta o nacional de um Estado‑Membro que pretenda obter a nacionalidade austríaca, como é o caso de JY, com a perda temporária do estatuto de cidadão da União, conferido pelo artigo 20.o TFUE. Mas pode igualmente, em seguida, confrontar esse nacional com a perda permanente desse estatuto, dado que, como no caso em apreço, a garantia de naturalização pode ser revogada pelas autoridades austríacas por ter sido praticada uma infração, privando‑o, assim, de todos os direitos correspondentes a esse estatuto.

65.

Daqui decorre, como sustentou a Comissão, que a revogação da garantia de naturalização, após a renúncia à nacionalidade do Estado‑Membro de origem, em conjugação com o indeferimento do pedido de naturalização, é comparável, tendo em conta as suas consequências, com uma decisão de revogação da naturalização. No caso em apreço, essa revogação teve como consequência a perda do estatuto de cidadão da União.

66.

Consequentemente, considero que a situação de uma pessoa que, após renunciar à sua nacionalidade de origem para preencher uma condição de concessão da nacionalidade imposta pela legislação do Estado‑Membro de acolhimento, é confrontada com uma decisão de revogação da garantia de concessão da nacionalidade adotada pelas autoridades desse Estado, que a coloca, assim, numa situação de perda permanente do estatuto de cidadão da União e dos direitos correspondentes, é abrangida, pela sua natureza e pelas suas consequências, pelo direito da União.

67.

Na minha opinião, esta conclusão é corroborada não só pelo Acórdão Tjebbes e o. ( 46 ) mas também pela jurisprudência decorrente dos Acórdãos Ruiz Zambrano ( 47 ) e Lounes ( 48 ).

b)   Jurisprudência decorrente do Acórdão Ruiz Zambrano: privação do gozo efetivo do essencial dos direitos conferidos pelo estatuto de cidadão da União

68.

A aplicabilidade do artigo 20.o TFUE à situação de nacionais de um Estado‑Membro que não tenham exercido o seu direito de livre circulação e que, devido a uma decisão desse Estado‑Membro, fiquem privados do gozo efetivo do essencial dos direitos associados ao estatuto de cidadão da União foi reconhecida pelo Tribunal de Justiça a partir do Acórdão Ruiz Zambrano ( 49 ).

69.

Se o Tribunal de Justiça decidiu, nesse acórdão, que a situação em causa era abrangida pelo direito da União, não vejo como se possa considerar que uma situação como a de JY, na qual a decisão controvertida confrontou uma nacional de um Estado‑Membro com a perda permanente do seu estatuto de cidadã da União e, portanto, não com a perda do gozo do essencial dos direitos conferidos pelo artigo 20.o TFUE, mas com a da totalidade destes, não é abrangida pelo direito da União, quando, contrariamente aos filhos de G. Ruiz Zambrano, JY exerceu o seu direito de livre circulação ao entrar e residir legalmente no território de outro Estado‑Membro.

70.

Tendo em conta esta última circunstância, analisarei sucintamente a situação em causa no processo principal no que diz respeito à lógica da integração progressiva enunciada no Acórdão Lounes ( 50 ).

c)   Acórdão Lounes: a lógica da integração progressiva

71.

Antes de mais, saliento que, em resposta a uma questão colocada pelo Tribunal de Justiça na audiência, JY confirmou que reside na Áustria desde 1993 ( 51 ). Consequentemente, é ponto assente que, desde a adesão da República da Estónia à União em 2004, JY, enquanto nacional estónia, residiu e trabalhou na Áustria na qualidade de cidadã da União.

72.

Por conseguinte, além do facto de ser ponto assente que JY é titular dos direitos conferidos a um cidadão da União pelo artigo 20.o TFUE, JY é igualmente titular dos direitos conferidos pelo artigo 21.o, n.o 1, TFUE, de acordo com o qual qualquer cidadão da União goza do direito de circular e permanecer livremente no território dos Estados‑Membros, sem prejuízo das limitações e condições previstas nos Tratados e nas disposições adotadas em sua aplicação.

73.

A este respeito, de acordo com o Tribunal de Justiça, «os direitos conferidos a um cidadão da União pelo artigo 21.o, n.o 1, TFUE, incluindo os direitos derivados de que gozam os membros da sua família, tendem, designadamente, a favorecer a integração progressiva do cidadão da União em causa na sociedade do Estado‑Membro de acolhimento» ( 52 ). Ora, um cidadão da União como JY, que, após ter entrado, no exercício da sua liberdade de circulação, e residido durante vários anos no território do Estado‑Membro de acolhimento, no caso em apreço, a Áustria, nos termos e em observância do artigo 7.o, n.o 1, ou do artigo 16.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38/CE ( 53 ), pretende adquirir a nacionalidade desse Estado‑Membro, tende a integrar‑se de forma duradoura na sociedade deste.

74.

Por conseguinte, como decidiu o Tribunal de Justiça, «considerar que tal cidadão — a quem foram conferidos direitos, nos termos do artigo 21.o, n.o 1, TFUE, devido ao exercício da sua liberdade de circulação — deve renunciar ao benefício desses direitos […] pelo facto de ter procurado, através da sua naturalização nesse Estado‑Membro, uma maior inserção na sociedade deste, iria contra a lógica de integração progressiva favorecida por essa disposição» ( 54 ).

75.

Tendo em conta todas as considerações precedentes, como já referi, considero que a situação em causa no processo principal é abrangida, pela sua natureza e pelas suas consequências, pelo direito da União.

3.   Quanto à decisão da República da Estónia pela qual JY perdeu a nacionalidade estónia

76.

Embora decorra da minha análise relativa à primeira questão prejudicial que a perda do estatuto de cidadã da União por JY resulta do processo de naturalização austríaco, considerado na sua globalidade ( 55 ), afigura‑se relevante, nesta fase, explicar sucintamente os motivos pelos quais considero, contrariamente ao que sustenta o Governo francês, que, no quadro do reenvio prejudicial no presente processo, a decisão que deve ser analisada à luz do direito da União não é a decisão das autoridades estónias, mas a decisão controvertida.

77.

Nas suas observações escritas, o Governo francês sustenta que a perda do estatuto de cidadã da União por JY resulta apenas da decisão das autoridades estónias, que, sem esperar que JY adquirisse efetivamente a nacionalidade austríaca, aceitaram o seu pedido de renúncia à nacionalidade estónia. No seu entender, a aceitação de um pedido de renúncia à nacionalidade de um Estado‑Membro apresentado por um cidadão da União deve estar subordinada à aquisição efetiva da nacionalidade de outro Estado‑Membro ou de um país terceiro para evitar colocar esse cidadão, ainda que temporariamente, numa situação de apatridia ( 56 ).

78.

O Governo estónio, apoiado quanto a este aspeto pelo Governo neerlandês e pela Comissão, sublinhou, na audiência, que a República da Estónia não podia recusar a renúncia à nacionalidade por parte de JY. De facto, quando um nacional estónio apresente um pedido de renúncia à sua nacionalidade e preencha as condições estabelecidas pela legislação estónia, apresentando os documentos comprovativos exigidos, nomeadamente a garantia de concessão da nacionalidade emitida pelo Estado‑Membro em causa que certifica que esse nacional obterá a nacionalidade desse Estado, é‑lhe impossível recusar esse pedido.

79.

Sou sensível a este argumento.

80.

No Acórdão Rottmann ( 57 ), o Tribunal de Justiça recordou que «os princípios que decorrem do presente acórdão no que respeita à competência dos Estados‑Membros em matéria de nacionalidade e a obrigação destes de exercerem essa competência no respeito do direito da União se aplicam tanto ao Estado‑Membro de naturalização como ao Estado‑Membro da nacionalidade de origem», esclarecendo que tal dizia respeito ao «quadro do presente reenvio prejudicial».

81.

É verdade que uma medida como a prevista no Código Civil francês permite assegurar que o estatuto de cidadão da União seja mantido e constitui, por isso, um dos meios através dos quais as autoridades de um Estado‑Membro podem garantir que, numa situação como a que está em causa no processo principal, a pessoa em questão não perde esse estatuto.

82.

Contudo, tendo em conta as especificidades do presente processo, o Governo estónio não pode ser censurado por ter aceitado o pedido de renúncia de JY à nacionalidade desse Estado‑Membro, na medida em que essa renúncia é uma condição sine qua non, imposta pelo processo de aquisição da nacionalidade austríaca no âmbito da garantia dada pelas autoridades austríacas. Como referi ( 58 ), essa garantia não só criou expectativas legítimas em JY mas também uma confiança nas autoridades estónias digna de proteção pelo princípio da confiança mútua. A este respeito, de acordo com as observações apresentadas pelo Governo estónio na audiência, o artigo 26.o da Lei da Nacionalidade Estónia prevê que o Governo estónio tem a faculdade de não revogar a nacionalidade a um interessado se essa revogação tiver como consequência uma situação de apatridia ( 59 ). Uma vez que as autoridades austríacas deram uma garantia de naturalização, o Governo estónio refere que lhe era impossível prever que estas a revogariam ( 60 ). Assim, a República da Estónia baseou‑se na garantia de concessão da nacionalidade, considerando que podia criar uma confiança legítima no facto de que as autoridades austríacas dariam seguimento à garantia de concessão da nacionalidade. Em todo o caso, o referido Estado‑Membro sublinha que, se não tivesse aceitado a renúncia à nacionalidade, JY não teria podido pedir a concessão da nacionalidade austríaca.

83.

Por conseguinte, considero que, no âmbito do presente processo, o direito estónio, conforme aplicado no caso em apreço, está em conformidade com o direito da União.

84.

Além disso, é incontestável que a decisão controvertida é que está na origem da perda permanente do estatuto de cidadã da União por parte de JY, sendo, por isso, da responsabilidade das autoridades austríacas assegurar que um nacional como JY não fique desprovido do estatuto de cidadão da União, conferido pelo artigo 20.o TFUE, privando‑o da totalidade dos direitos correspondentes, o que é contrário ao princípio da proporcionalidade.

85.

Analisarei, por isso, a segunda questão prejudicial considerando que a decisão controvertida é que deve respeitar o direito da União e, consequentemente, o princípio da proporcionalidade.

C. Quanto à segunda questão prejudicial: conformidade da decisão controvertida com o princípio da proporcionalidade

86.

É evidente que, uma vez que o princípio da proporcionalidade está no cerne do direito da União, se o Tribunal de Justiça responder, como sugiro, afirmativamente à primeira questão, a resposta à segunda questão deverá, então, ser igualmente afirmativa. Tendo em conta esta evidência, considero que o órgão jurisdicional de reenvio pergunta ao Tribunal de Justiça não só se deve verificar se a decisão controvertida é compatível com o princípio da proporcionalidade mas também se deve verificar se essa decisão é ou não proporcionada.

87.

Por conseguinte, há que reformular a segunda questão colocada no sentido de se pretender saber, em substância, se as autoridades nacionais competentes, incluindo, se for caso disso, os órgãos jurisdicionais nacionais, estão obrigadas a examinar a compatibilidade da decisão de revogação da garantia de concessão da nacionalidade de um Estado‑Membro — e de indeferimento do pedido de obtenção dessa nacionalidade — com o princípio da proporcionalidade, atendendo às consequências dessa decisão para a situação da pessoa em causa à luz do direito da União, designadamente a perda permanente do estatuto de cidadão da União e, assim, a conformidade dessa decisão com o referido princípio.

88.

Para responder a esta questão, analisarei, em primeiro lugar, o caráter de interesse geral do objetivo prosseguido pelo § 20, n.os 1 e 2, e pelo § 10, n.o 1, ponto 6, da StbG, que constituíram a base da garantia de concessão da nacionalidade e da decisão de revogação dessa garantia, e debruçar‑me‑ei, em segundo lugar, sobre o respeito pelo princípio da proporcionalidade no que se refere às consequências da decisão controvertida para a situação de JY, bem como sobre a desproporcionalidade de uma decisão como a decisão controvertida.

1.   Quanto ao objetivo de interesse geral prosseguido pela legislação na qual se baseou a decisão controvertida

89.

Decorre da decisão de reenvio que o direito austríaco em matéria de nacionalidade visa evitar a múltipla nacionalidade, como resulta, nomeadamente, do § 10, n.o 3, ponto 1, da StbG. O órgão jurisdicional de reenvio refere que a garantia prevista no § 20, n.o 1, dessa lei constitui a base de um direito à concessão da nacionalidade condicionado apenas à prova da renúncia à nacionalidade estrangeira. O órgão jurisdicional de reenvio esclarece que o § 20, n.o 2, da referida lei prevê, contudo, a revogação dessa garantia nos casos em que a pessoa em causa deixe de preencher alguma das condições exigidas para essa concessão, como a prevista no § 10, n.o 1, ponto 6, da mesma lei.

90.

Nas suas observações, o Governo austríaco explica que, de acordo com a legislação nacional, a nacionalidade austríaca apenas será concedida ao respetivo requerente se este fizer prova, no prazo previsto para esse efeito, da dissolução do vínculo com o seu Estado‑Membro de origem e de que continua a preencher as restantes condições para a concessão da nacionalidade.

91.

Antes de mais, recordo que o Tribunal de Justiça já decidiu que é legítimo um Estado‑Membro querer proteger a relação especial de solidariedade e de lealdade entre ele próprio e os seus nacionais, bem como a reciprocidade de direitos e de deveres, que são o fundamento do vínculo de nacionalidade ( 61 ). A este respeito, o § 20, n.os 1 e 2, e o § 10, n.o 1, ponto 6, da StbG, que constituíram a base da garantia de concessão da nacionalidade, bem como da decisão de revogação dessa garantia, inserem‑se no exercício da competência da República da Áustria relativa à definição das condições de aquisição e de perda da nacionalidade austríaca.

92.

É legítimo um Estado‑Membro assegurar um direito à concessão da nacionalidade, que, nos termos das disposições nacionais, como o § 20, n.o 1, da StbG, está condicionado apenas à prova da renúncia à nacionalidade de outro Estado‑Membro ou de um Estado terceiro ( 62 ). Tal é corroborado, nomeadamente, pelo artigo 1.o da Convenção sobre a Redução dos Casos de Nacionalidade Múltipla ( 63 ) e pela redação do artigo 7.o, n.o 2, da Convenção para a Redução dos Casos de Apatridia ( 64 ).

93.

No que diz respeito à revogação da garantia de concessão da nacionalidade, baseada no § 20.o, n.o 2, e no § 10, n.o 1, ponto 6, da StbG, considero que esta prossegue, em princípio, um objetivo legítimo.

94.

Contudo, gostaria de sublinhar que, no exercício da competência em matéria de aquisição e de perda da nacionalidade, os Estados‑Membros devem respeitar as obrigações que decorrem do direito da União, como resulta da jurisprudência examinada no quadro da minha análise da primeira questão prejudicial. Além disso, essa competência deve ser exercida respeitando não só o direito da União mas também o direito internacional.

95.

A este respeito, no que se refere ao artigo 7.o, n.o 2, da Convenção para a Redução dos Casos de Apatridia ( 65 ), observo que decorre das conclusões da reunião de peritos sobre a interpretação da Convenção para a Redução dos Casos de Apatridia, publicadas pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (a seguir «ACNUR»), relativas ao artigo 7.o, n.o 2, dessa convenção que «só é aceitável permitir a perda da nacionalidade se a garantia for incondicional» ( 66 ). De facto, em conformidade com essas conclusões «existe uma obrigação implícita, por força da convenção de 1961, no sentido de que, uma vez emitidas, as garantias não podem ser revogadas pelo facto de as condições para a naturalização não estarem preenchidas, o que tornaria a pessoa apátrida» ( 67 ). Além disso, o artigo 8.o dessa mesma convenção proíbe os Estados contratantes de privarem uma pessoa da sua nacionalidade «se por essa via se tornar apátrida». Consequentemente, tenho dúvidas quanto à legitimidade, à luz do direito internacional, de uma disposição, como o § 20, n.o 2, da StbG, que permite a revogação dessa garantia quando o interessado deixe de preencher alguma das condições exigidas para a concessão da nacionalidade, como a prevista no § 10, n.o 1, ponto 6, da referida lei, confrontando‑o com uma situação de apatridia ( 68 ).

96.

Dito isto, observo igualmente que as conclusões e os princípios orientadores respeitantes à Convenção para a Redução dos Casos de Apatridia, publicados pelo ACNUR, constituem soft law, pelo que revestem uma certa autoridade, mas não são vinculativos. Em todo o caso, certo é que essas conclusões contêm indicações úteis para os Estados‑Membros. Cabe, no entanto, ao órgão jurisdicional de reenvio verificar esses elementos no caso em apreço.

97.

Passo agora à análise da proporcionalidade das consequências da decisão controvertida para a situação em causa no processo principal.

2.   Quanto ao respeito pelo princípio da proporcionalidade no que se refere às consequências da decisão controvertida para a situação de JY

98.

Decorre da decisão de reenvio que não foi efetuada uma fiscalização da proporcionalidade da decisão controvertida à luz do direito da União.

99.

A este respeito, devo salientar que cabe às autoridades nacionais competentes e aos órgãos jurisdicionais nacionais verificar se, quando torne permanente a perda do estatuto de cidadão da União e dos direitos dele decorrentes, a decisão de revogação da garantia de concessão da nacionalidade e de indeferimento do pedido de obtenção dessa nacionalidade respeita o princípio da proporcionalidade no que se refere às consequências dessa decisão para a situação da pessoa em causa e, se for caso disso, dos membros da sua família, à luz do direito da União ( 69 ). Por conseguinte, para que tal decisão seja compatível com o princípio da proporcionalidade, as normas nacionais relevantes devem permitir uma análise individual das consequências da revogação da garantia à luz do direito da União ( 70 ).

100.

O órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o mero facto de JY ter renunciado ao seu estatuto de cidadã da União e ter perdido, por iniciativa própria, a nacionalidade da República da Estónia pode ser determinante no âmbito da fiscalização da proporcionalidade.

101.

Como expus ( 71 ), tanto a situação de apatridia como a perda do estatuto de cidadã da União por JY resultam do processo de naturalização austríaco, considerado na sua globalidade. Por conseguinte, considero que a situação de um nacional de um Estado‑Membro como JY, que renunciou à sua nacionalidade de origem com o único objetivo de preencher a condição para a garantia de concessão da nacionalidade austríaca imposta pela legislação nacional ( 72 ) e, portanto, apenas na perspetiva de recuperar a cidadania da União, não tem nenhuma influência quando se trata de determinar se a revogação da garantia de concessão da nacionalidade respeita o princípio da proporcionalidade. Portanto, tal renúncia não pode ser considerada um critério relevante no quadro da verificação das circunstâncias relativas à situação individual da pessoa em causa.

a)   Quanto às circunstâncias relativas à situação individual da pessoa em causa

102.

Recordo que resulta da jurisprudência decorrente do Acórdão Rottmann ( 73 ) que as circunstâncias relativas à situação individual da pessoa em causa e, se for caso disso, dos membros da sua família, que podem ser relevantes para efeitos das verificações que as autoridades competentes e os órgãos jurisdicionais nacionais devem efetuar são, nomeadamente, a gravidade da infração praticada pela pessoa em causa, o tempo decorrido entre a data da decisão de garantia e a da sua revogação, e a possibilidade de essa pessoa recuperar a sua nacionalidade ( 74 ).

1) Natureza das infrações

103.

Atendendo à natureza das infrações praticadas por JY, tenho dúvidas quanto à justificação da decisão controvertida.

104.

JY foi acusada, por um lado, de ter praticado, depois de lhe ter sido dada a garantia de que a nacionalidade austríaca lhe seria concedida, duas contraordenações graves, relativas, a primeira, à não aposição no seu veículo do dístico de inspeção técnica e, a segunda, à condução de veículo a motor sob o efeito do álcool, e, por outro, de ter praticado oito contraordenações entre 2007 e 2013, antes de lhe ter sido dada essa garantia.

105.

No que diz respeito às oito contraordenações, partilho da opinião de JY e da Comissão de que essas infrações eram conhecidas na data em que essa garantia foi concedida e não obstaram à concessão dessa garantia. Por conseguinte, essas contraordenações não devem ser tomadas em consideração para determinar a gravidade das infrações praticadas por JY.

106.

No que diz respeito às duas contraordenações graves, o órgão jurisdicional de reenvio explica que, de acordo com a jurisprudência nacional, a primeira contraordenação põe em risco a proteção da segurança da circulação pública e a segunda põe em risco, de modo especial, a segurança dos outros utentes da estrada. Esta última pode, por si só, ser decisiva pelo facto de demonstrar que as condições para a concessão da nacionalidade, previstas no § 10, n.o 1, ponto 6, da StbG, não estão preenchidas.

107.

Nas suas observações, o Governo austríaco alega que as disposições conjugadas do § 20, n.o 2, e do § 10, n.o 1, ponto 6, da StbG asseguram que a garantia de concessão da nacionalidade austríaca só possa ser revogada por um motivo sério de interesse geral, relativo ao facto de a pessoa em causa não dar (ou deixar de dar) garantias, em virtude do seu comportamento anterior, de que não representa uma ameaça para a paz, a ordem e a segurança públicas, nem põe em risco outros interesses públicos mencionados no artigo 8.o, n.o 2, da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais.

108.

Estou, evidentemente, de acordo quanto ao caráter punível de tais comportamentos. Mas será possível basear uma decisão de revogação da garantia de concessão da nacionalidade, que torna permanente a perda do estatuto de cidadão da União da pessoa em causa, em contraordenações relacionadas com a segurança rodoviária?

109.

Entendo que não.

110.

Em primeiro lugar, nas suas observações, JY refere que nem a primeira ( 75 ) nem a segunda contraordenações graves ( 76 ) eram suscetíveis de levar a que lhe fosse retirada a carta de condução. A este respeito, devo salientar que decorre da resposta do Governo austríaco a uma questão colocada pelo Tribunal de Justiça na audiência que o direito austríaco não prevê a suspensão da carta de condução em caso de condução com uma taxa de alcoolemia como a de JY.

111.

Em segundo lugar, como expliquei no n.o 69 das presentes conclusões, a situação em que, como no caso em apreço, um nacional de um Estado‑Membro é confrontado com a perda permanente do seu estatuto de cidadão da União e, portanto, com a perda da totalidade dos direitos conferidos pelo artigo 20.o TFUE é comparável à situação em que uma determinada pessoa é confrontada com a perda do gozo do essencial dos direitos conferidos por este artigo, no sentido em que, em ambas as situações, o estatuto de cidadão da União foi privado do seu efeito útil ( 77 ).

112.

Consequentemente, considero que, no caso em apreço, importa aplicar ( 78 ) a jurisprudência de acordo com a qual, quanto à possibilidade de introduzir limitações a um direito de residência que decorre do artigo 20.o TFUE, esta disposição não afeta a possibilidade de os Estados‑Membros invocarem uma exceção relacionada, nomeadamente, com a manutenção da ordem pública e a salvaguarda da segurança pública ( 79 ). A este respeito, como afirmou igualmente o Tribunal de Justiça, os conceitos de «ordem pública» e de «segurança pública», enquanto justificação de uma derrogação do direito de residência dos cidadãos da União ou dos membros das suas famílias, devem ser entendidos em sentido estrito, pelo que o seu alcance não pode ser determinado unilateralmente por cada um dos Estados‑Membros sem fiscalização por parte das instituições da União ( 80 ). Assim, o Tribunal de Justiça declarou que o conceito de «ordem pública» pressupõe, em todo o caso, além da perturbação da ordem social que qualquer infração à lei constitui, a existência de uma ameaça real, atual e suficientemente grave para um interesse fundamental da sociedade. Quanto ao conceito de «segurança pública», decorre dessa jurisprudência que o mesmo cobre quer a segurança interna de um Estado‑Membro quer a sua segurança externa, e que, portanto, a ameaça ao funcionamento das instituições e dos serviços públicos essenciais, bem como a sobrevivência da população, como o risco de uma perturbação grave das relações externas ou da coexistência pacífica dos povos, ou ainda uma ameaça a interesses militares, podem afetar a segurança pública ( 81 ).

113.

Por conseguinte, considero que, tendo em conta as contraordenações praticadas por JY, a revogação da garantia de concessão da nacionalidade não se baseia na existência de uma ameaça real, atual e suficientemente grave para a ordem pública ou a segurança pública.

2) Tempo decorrido entre a data na qual foi dada a garantia e a da sua revogação

114.

No que diz respeito à tomada em consideração pelas autoridades competentes e pelos órgãos jurisdicionais nacionais do tempo decorrido entre a data na qual foi dada a garantia e a da sua revogação, recordo que a decisão relativa à renúncia de JY à nacionalidade da República da Estónia foi adotada em 27 de agosto de 2015 e que a decisão relativa à revogação da garantia de concessão da nacionalidade austríaca data de 6 de julho de 2017.

115.

O tempo decorrido entre essas duas decisões afigura‑se excessivo, tendo em conta, nomeadamente, as consequências para a interessada, que, durante quase dois anos, com a renúncia à sua nacionalidade de origem, ficou em situação de apatridia e, por isso, privada de todos os direitos associados ao seu estatuto de cidadã da União, incluindo o seu direito de livre circulação e permanência.

3) Limitações ao exercício do direito de circular e permanecer no território de toda a União

116.

Quanto às limitações ao exercício do direito de circular e permanecer no território de toda a União, as autoridades competentes e os órgãos jurisdicionais nacionais devem igualmente ter em conta que, na sequência da revogação da garantia de concessão da nacionalidade, a pessoa em causa, como é o caso de JY, deixa de poder recuperar o seu estatuto de cidadão da União, pelo que a perda desse estatuto tornar‑se‑á permanente.

117.

Como no caso em apreço, essa pessoa vê‑se confrontada, nomeadamente, com a perda do seu direito de circular e permanecer livremente no território dos Estados‑Membros e, eventualmente, com dificuldades para entrar noutros Estados‑Membros, nomeadamente na Estónia, a fim de aí manter vínculos efetivos e regulares com os membros da sua família, exercer a sua atividade profissional ou realizar as diligências necessárias para exercer essa atividade na Áustria ou noutros Estados‑Membros.

4) Possibilidade de a pessoa em causa recuperar a sua nacionalidade de origem

118.

No que diz respeito à possibilidade de a pessoa em causa recuperar a sua nacionalidade de origem, decorre da resposta do Governo estónio a uma questão colocada pelo Tribunal de Justiça na audiência que, no direito estónio, tal é impossível após a renúncia dessa pessoa à sua nacionalidade, na medida em que uma das condições que devem ser preenchidas para obter essa nacionalidade é residir oito anos nesse Estado‑Membro. Tal situação não pode, por isso, ser ignorada pelas autoridades austríacas.

5) Desenvolvimento normal da vida familiar e profissional

119.

Decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que incumbe, particularmente, às autoridades nacionais competentes e, eventualmente, aos órgãos jurisdicionais nacionais garantir que a perda da nacionalidade do Estado‑Membro em causa está em conformidade com os direitos fundamentais garantidos na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta») cujo respeito é assegurado pelo Tribunal de Justiça, e, especialmente, com o direito ao respeito pela vida familiar, como enunciado no artigo 7.o da Carta ( 82 ).

120.

No caso em apreço, resulta das observações apresentadas por JY na audiência que a agência relativa aos refugiados e apátridas analisou a situação de JY e concluiu, por Decisão de 7 de janeiro de 2020, que JY estava na Áustria em situação ilegal. Por conseguinte, JY dispõe apenas de uma autorização de residência para efeitos humanitários, baseada no § 55, n.o 2, da Lei do Asilo e, para aceder ao mercado de trabalho, é obrigada a obter previamente uma autorização de trabalho da agência para o emprego.

121.

Nestas condições, as autoridades competentes e os órgãos jurisdicionais nacionais devem igualmente ter em conta, no âmbito da análise da proporcionalidade, as consequências desproporcionadas a que a pessoa em causa está sujeita e que afetam o desenvolvimento normal da sua vida familiar e profissional.

122.

Os elementos descritos nos números anteriores devem ser tidos em conta pelas autoridades nacionais e pelos órgãos jurisdicionais nacionais competentes na sua apreciação do respeito pelo princípio da proporcionalidade.

b)   Quanto à coerência e à aptidão das normas nacionais para alcançar o objetivo de proteção da segurança rodoviária

123.

Antes de mais, quanto à coerência da legislação nacional, limito‑me a fazer a seguinte questão: é coerente que, numa ordem jurídica nacional, infrações relacionadas com a segurança rodoviária possam não ser consideradas suficientemente graves para implicar que a carta de condução seja retirada, mas possam levar à revogação da garantia de concessão da nacionalidade da pessoa em causa e à perda da cidadania da União e de todos os direitos correspondentes?

124.

Não vejo que raciocínio possa permitir concluir que não existe um problema de coerência.

125.

Em seguida, quanto à aptidão dessa legislação para promover os objetivos referidos no § 10, n.o 1, ponto 6, da StbG, saliento uma manifesta desadequação entre a gravidade das infrações previstas na legislação nacional e as consequências que esta comporta para a situação da pessoa em causa.

126.

Estas considerações levam‑me a concluir que uma decisão de revogação da garantia de concessão da nacionalidade, como a decisão controvertida, que torna permanente a perda do estatuto de cidadão da União da pessoa em questão, numa situação como a que está em causa no processo principal, devido a contraordenações relacionadas com a segurança rodoviária, sobretudo as que não implicam que a carta de condução seja retirada, não está em conformidade com o princípio da proporcionalidade do direito da União.

127.

Para terminar a minha análise, afigura‑se interessante citar o advogado‑geral P. Mengozzi que, nas suas Conclusões no processo Tjebbes e o. ( 83 ), considerou que «num caso extremo — e, espero, absolutamente hipotético — em que a legislação de um Estado‑Membro prevê a revogação da naturalização de um indivíduo, que tenha por efeito a perda da cidadania da União, em razão de uma contravenção ao Código da Estrada, o caráter desproporcionado da medida revelar‑se‑ia tendo em conta a falta de adequação entre o grau reduzido de gravidade da infração e a consequência dramática da perda do estatuto de cidadão da União».

V. Conclusão

128.

Tendo em conta todas as considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça responda da seguinte forma às questões prejudiciais submetidas pelo Verwaltungsgerichtshof (Supremo Tribunal Administrativo, Áustria):

1)

A situação de uma pessoa singular que, tendo apenas a nacionalidade de um único Estado‑Membro, renuncia a essa nacionalidade e, consequentemente, ao seu estatuto de cidadão da União Europeia a fim de obter a nacionalidade de outro Estado‑Membro, em conformidade com a decisão das autoridades deste que lhe confere a garantia de que essa nacionalidade lhe será concedida, tendo esta decisão sido, todavia, posteriormente revogada e o seu pedido de concessão da referida nacionalidade indeferido, impedindo assim essa pessoa de recuperar o estatuto de cidadão da União, é abrangida, pela sua natureza e pelas suas consequências, pelo direito da União.

2)

O artigo 20.o TFUE, lido à luz do artigo 7.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, não se opõe, por princípio, à legislação de um Estado‑Membro, como a que está em causa no processo principal, que permite a esse Estado‑Membro, por motivos de interesse geral, revogar a garantia de concessão da sua nacionalidade, mesmo que essa decisão de revogação torne permanente a perda do estatuto de cidadão da União por parte da pessoa em causa e acarrete a impossibilidade de essa pessoa recuperar esse estatuto e os direitos correspondentes, na condição de as autoridades nacionais competentes, incluindo, se for caso disso, os órgãos jurisdicionais nacionais, analisarem se a decisão é compatível com o princípio da proporcionalidade atendendo às consequências que comporta para a situação da pessoa em causa à luz do direito da União e, portanto, se está em conformidade com o referido princípio.

No quadro dessa análise, o órgão jurisdicional de reenvio deve verificar, nomeadamente, se essa decisão se justifica relativamente à gravidade das infrações praticadas por essa pessoa, ao tempo decorrido entre a data na qual lhe foi dada a garantia e a da sua revogação, às limitações ao exercício do seu direito de circular e permanecer, à possibilidade de recuperar a sua nacionalidade de origem, e se a referida pessoa será exposta a consequências desproporcionadas que afetem o desenvolvimento normal da sua vida familiar e profissional, à luz do direito da União.

Por conseguinte, uma decisão de revogação da garantia de concessão da nacionalidade, como a Decisão de 6 de julho de 2017 do Wiener Landesregierung (Governo do Land de Viena, Áustria), que torna permanente a perda do estatuto de cidadão da União da pessoa em questão, numa situação como a que está em causa no processo principal, devido a contraordenações relacionadas com a segurança rodoviária, sobretudo as que não implicam que a carta de condução seja retirada, não está em conformidade com o princípio da proporcionalidade do direito da União.


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) Acórdão de 2 de março de 2010 (C‑135/08, a seguir «Acórdão Rottmann, EU:C:2010:104).

( 3 ) Acórdão de 12 de março de 2019 (C‑221/17, a seguir «Acórdão Tjebbes e o., EU:C:2019:189).

( 4 ) BGBl. n.o 311/1985, na versão publicada no BGBl. I, n.o 136/2013.

( 5 ) V. Acórdão Tjebbes e o., n.o 33.

( 6 ) Acórdãos de 11 de julho de 2002, D'Hoop (C‑224/98, EU:C:2002:432, n.o 27), e, mais recentemente, de 27 de fevereiro de 2020, Subdelegación del Gobierno en Ciudad Real (Cônjuge de cidadão da União) (C‑836/18, EU:C:2020:119, n.o 35).

( 7 ) V., nomeadamente, Acórdão de 20 de setembro de 2001, Grzelczyk (C‑184/99, EU:C:2001:458, n.o 31).

( 8 ) O artigo 20.o, n.o 2, primeiro parágrafo, TFUE prevê, nomeadamente, que «[o]s cidadãos da União gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres previstos nos Tratados».

( 9 ) Artigo 20.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alíneas a) a b), TFUE. V., igualmente, artigo 20.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alíneas c) e d), TFUE. Em especial, decorre do artigo 20.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea c), TFUE que o estatuto de cidadão da União não está reservado aos nacionais dos Estados‑Membros que residam ou estejam presentes no território da União. V., a este respeito, Conclusões do advogado‑geral P. Mengozzi no processo Tjebbes e o. (C‑221/17, EU:C:2018:572, n.o 38).

( 10 ) V. Conclusões do advogado‑geral M. Poiares Maduro no processo Rottmann (C‑135/08, EU:C:2009:588, n.o 16).

( 11 ) Acórdão de 7 de julho de 1992 (C‑369/90, EU:C:1992:295).

( 12 ) Acórdão de 7 de julho de 1992 (C‑369/90, EU:C:1992:295, n.o 10). Recorde‑se que o processo que deu origem a este acórdão versava sobre a situação de um cidadão que tinha dupla nacionalidade, italiana e argentina. Este pretendia estabelecer‑se no Estado‑Membro de acolhimento (Espanha) e as autoridades deste Estado‑Membro, invocando o seu direito nacional, consideraram a nacionalidade do lugar da sua residência habitual, ou seja, a do Estado terceiro.

( 13 ) Acórdão de 7 de julho de 1992, Micheletti e o. (C‑369/90, EU:C:1992:295, n.o 10). O Tribunal de Justiça já esboçara esta ideia nos Acórdãos de 12 de novembro de 1981, Airola/Comissão (72/80, EU:C:1981:267, n.os 8 e segs.), e de 7 de fevereiro de 1979, Auer (136/78, EU:C:1979:34, n.o 28). No primeiro, o Tribunal de Justiça recusara ter em conta, para efeitos da aplicação do Estatuto dos funcionários, a naturalização italiana de uma funcionária de nacionalidade belga, por esta lhe ter sido imposta, por aplicação do direito italiano, sem possibilidade de a ela renunciar, em virtude do seu casamento com um cidadão de nacionalidade italiana, em violação do princípio da igualdade de tratamento entre funcionários do sexo masculino e do sexo feminino. No segundo, decidiu que «nenhuma disposição do Tratado permite, no âmbito de aplicação deste, tratar de modo diferente os nacionais de um Estado‑Membro, de acordo com o momento ou o modo como adquiriram a nacionalidade desse Estado, quando no momento em que invocam o benefício das disposições do direito comunitário, possuem a nacionalidade de um dos Estados‑Membros».

( 14 ) V. n.o 56 das presentes conclusões.

( 15 ) Acórdão de 7 de julho de 1992 (C‑369/90, EU:C:1992:295, n.o 10).

( 16 ) N.os 39 e 45. Recorde‑se que J. Rottmann adquirira a nacionalidade alemã por naturalização, de forma fraudulenta.

( 17 ) V., nomeadamente, Lagarde, P., «Retrait de la nationalité acquise frauduleusement par naturalisation», Revue critique de droit international privé, 2010, p. 540; Kostakopoulou, D., «European Union citizenship and Member State nationality: updating or upgrading the link?», Has the European Court of Justice Challenged Member State Sovereignty in Nationality Law?, J. Shaw (ed.), EUI Working Papers, RSCAS 2011/62, Robert Schuman Centre for Advanced Studies, EUDO Citizenship Observatory, pp. 21 a 26, e, nesta mesma obra, Kochenov, D., «Two Sovereign States vs. a Human Being: CJEU as a Guardian of Arbitrariness in Citizenship Matters», pp. 11 a 16, bem como De Groot, G.R. e Seling, A., «The consequences of the Rottmann judgment on Member State autonomy — The Courts avant gardism in nationality matters», pp. 27 a 31.

( 18 ) Acórdão Rottmann, n.o 39 e jurisprudência referida.

( 19 ) Acórdão Rottmann, n.o 41. V., igualmente, Conclusões do advogado‑geral M. Poiares Maduro nesse processo (C‑135/08, EU:C:2009:588, n.o 20): «Não deixa, porém, de ser um facto que, a partir do momento em que uma situação recai no âmbito do direito comunitário, o exercício pelos Estados‑Membros das competências que mantêm não pode ser discricionário. Tal exercício é condicionado pela obrigação de respeitar as normas comunitárias.»

( 20 ) Acórdão Rottmann, n.o 41 e jurisprudência referida.

( 21 ) V., nomeadamente, para uma análise doutrinal da jurisprudência relativa a esta matéria, Konstadinides, T., «La fraternité européenne? The extent of national competence to condition the acquisition and loss of nationality from the perspetive of EU citizenship», European Law Review, 2010, 35(3), pp. 401 a 414, e Pudzianowska, D., «Warunki nabycia i utraty obywatelstwa Unii Europejskiej. Czy dochodzi do autonomizacji pojęcie obywatelstwa Unii?», Ochrona praw obywatelek i obywateli Unii Europejskiej, éd. Baranowska, G., Bodnar, A., Gliszczyńska‑Grabias, A., Varsóvia, 2015, pp. 141 a 154.

( 22 ) V., sobre este Acórdão, Mengozzi, P., «Complémentarité et coopération entre la Cour de justice de l’Union européenne et les juges nationaux en matière de séjour dans l’Union des citoyens d’États tiers», Il Diritto dell’Unione Europea, 2013, n.o 1, pp. 29 a 48, em especial, p. 34. V., igualmente, Barbou Des Places, S., «La nationalité des États membres et la citoyenneté de l’Union dans la jurisprudence communautaire: la nationalité sans frontières», Revue des Affaires européennes, Bruylant/Larcier, 2011, pp. 29 a 50, em especial p. 26: «Não é a revogação da nacionalidade enquanto tal que interessa ao direito da União, mas o facto de essa revogação produzir efeitos na posse da qualidade de cidadão da União.»

( 23 ) N.o 42. Como sublinhou o advogado‑geral P. Mengozzi nas suas conclusões no processo Tjebbes e o. (C‑221/17, EU:C:2018:572, n.o 34): «[N]o Acórdão Rottmann [o] Tribunal de Justiça, ao contrário do seu advogado‑geral [v. n.o 13 das Conclusões do advogado‑geral M. Poiares Maduro no processo Rottmann (C‑135/08, EU:C:2009:588)], não procurou um elo de ligação entre a revogação da naturalização de [J.] Rottmann e o exercício, por este último, do seu direito de circular na União». V., igualmente, Acórdão de 8 de março de 2011, Ruiz Zambrano (C‑34/09, EU:C:2011:124), cujo n.o 42 se inspira no n.o 42 do Acórdão Rottmann.

( 24 ) V., a este respeito, Shaw, J., «Setting the scene: the Rottmann case introduced», Has the European Court of Justice Challenged Member State Sovereignty in Nationality Law?, op. cit., p. 4.

( 25 ) Recorde‑se que este acórdão dizia respeito a nacionais neerlandeses que possuíam a nacionalidade de um Estado terceiro e que recorreram para os órgãos jurisdicionais nacionais na sequência da recusa do Ministério dos Negócios Estrangeiros em analisar os seus pedidos de renovação de passaporte nacional. A recusa do Ministério baseou‑se na Lei da Nacionalidade Neerlandesa, que previa, nomeadamente, que uma pessoa maior de idade perde essa nacionalidade se possuir igualmente uma nacionalidade estrangeira e tiver, ao longo da sua maioridade, a sua residência principal durante um período ininterrupto de dez anos fora dos Países Baixos e da União Europeia.

( 26 ) E não uma decisão individual de revogação da nacionalidade, baseada no comportamento do interessado, como no processo que deu origem ao Acórdão Rottmann.

( 27 ) V. n.os 45 a 50 das presentes conclusões.

( 28 ) Acórdão Tjebbes e o., n.o 30 e jurisprudência referida. Nas suas Conclusões no processo Tjebbes e o. (C‑221/17, EU:C:2018:572, n.o 28), o advogado‑geral P. Mengozzi considerou que as recorrentes no processo principal não tinham perdido definitivamente o seu estatuto de cidadãs da União conferido pelo artigo 20.o TFUE, mas tinham sido colocadas numa «situação suscetível de implicar a perda desse estatuto», concluindo que as situações em causa nesse processo eram abrangidas pelo direito da União. Contudo, no seu acórdão, o Tribunal de Justiça não analisou a aplicabilidade do direito da União.

( 29 ) Acórdão Tjebbes e o., n.o 32. Observo que resulta deste número que não são apenas as «situaç[ões] suscetív[eis] de implicar a perda do referido estatuto» que são abrangidas, pela sua natureza e pelas suas consequências, pelo direito da União [Acórdão Rottmann, n.o 42], mas também aquelas em que as pessoas «são confrontados com a perda do estatuto conferido pelo artigo 20.o TFUE e dos direitos correspondentes». O sublinhado é meu. Na minha opinião, a descrição deste segundo tipo de situação é mais direta, uma vez que designa situações em que as pessoas em causa são obrigadas a enfrentar a perda do estatuto de cidadão da União.

( 30 ) V. n.os 45 a 50 das presentes conclusões.

( 31 ) V. n.o 21 das presentes conclusões.

( 32 ) Quer se trate de uma condição de revogação da nacionalidade adquirida por naturalização, como no Acórdão Rottmann, quer de uma condição de perda ex lege da nacionalidade, como no Acórdão Tjebbes e o.

( 33 ) V. n.o 22 das presentes conclusões.

( 34 ) V., a este respeito, n.o 26 das presentes conclusões.

( 35 ) V. n.os 28 e 37 das presentes conclusões.

( 36 ) A primeira decisão diz respeito ao procedimento de perda da nacionalidade estónia, enquanto a decisão controvertida diz respeito ao procedimento de aquisição da nacionalidade austríaca.

( 37 ) O facto de que JY possuía a nacionalidade estónia antes de renunciar a essa nacionalidade para se conformar com a legislação austríaca distingue a sua situação da que estava em causa no processo que deu origem ao Acórdão de 20 de fevereiro de 2001, Kaur (C‑192/99, EU:C:2001:106), na qual M. Kaur, por não se integrar no conceito de nacional do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, não podia ser privada dos direitos decorrentes do estatuto de cidadão da União, dado que tais direitos nunca nasceram em relação a ela. V., a este respeito, Acórdão Rottmann, n.o 49.

( 38 ) Quanto à decisão das autoridades estónias, v. n.o 76 e segs. das presentes conclusões.

( 39 ) Acórdão de 7 de julho de 1992, Micheletti e o. (C 369/90, EU:C:1992:295, n.o 10). V. n.os 46 e 57 das presentes conclusões.

( 40 ) N.os 39 e 45.

( 41 ) N.os 30 e 32.

( 42 ) Em resposta a uma questão do Tribunal de Justiça na audiência, o Governo austríaco explicou que, no que respeita aos cidadãos da União, embora a legislação nacional não tenha sido alterada, as autoridades austríacas alteraram a sua prática para evitar a apatridia.

( 43 ) Quanto aos mecanismos relativos à proteção das expectativas legítimas no quadro das legislações nacionais em matéria de nacionalidade, v. de Groot, G.R., e Wautelet, P., «Reflections on Quasi‑Loss of Nacionality from Comparative, Internacional and European Perspetives», European Citizenship at the Crossroads. The Role of the European Union on Loss and Acquisition of Nacionality, Carrera Nuñez, S. e de Groot, G.R. (eds.), Wolf Legal Publishers, Oisterwijk, pp. 117 a 156, especialmente pp. 138 e segs.

( 44 ) No que diz respeito à decisão controvertida, podemos opor‑lhe o princípio da proteção da confiança legítima na manutenção do estatuto de cidadão da União, uma vez que, na minha opinião, existia uma confiança digna de proteção por parte de JY, que estava obrigada a renunciar à sua nacionalidade de origem. Quanto aos motivos da não aplicação do princípio da confiança legítima a J. Rottmann, v. Conclusões do advogado‑geral M. Poiares Maduro no processo Rottmann (C‑135/08, EU:C:2009:588, n.o 31).

( 45 ) V. n.os 102 e segs. das presentes conclusões.

( 46 ) N.o 32. Como referi no n.o 50 das presentes conclusões, o Tribunal de Justiça refere‑se, neste acórdão, à «perda do estatuto conferido pelo artigo 20.o TFUE e dos direitos correspondentes».

( 47 ) Acórdão de 8 de março de 2011 (C‑34/09, EU:C:2011:124). V., nomeadamente, Acórdãos de 13 de setembro de 2016, Rendón Marín (C‑165/14, EU:C:2016:675, n.o 80), e de 8 de maio de 2018, K.A. e o. (Reagrupamento familiar na Bélgica) (C‑82/16, EU:C:2018:308, n.o 49).

( 48 ) Acórdão de 14 de novembro de 2017 (C‑165/16, EU:C:2017:862).

( 49 ) Acórdão de 8 de março de 2011 (C‑34/09, EU:C:2011:124, n.o 42). A este respeito, a situação dos filhos de G. Ruiz Zambrano, suscetível de os «privar […] do gozo efetivo do essencial dos direitos conferidos pelo seu estatuto de cidadão da União», e a de J. Rottmann, «suscetível de implicar a perda do estatuto conferido pelo artigo [20.o TFUE] e dos direitos correspondentes» [Acórdão Rottmann, n.o 42], são comparáveis no sentido em que, em ambas as situações, o estatuto de cidadão de União fora privado do seu efeito útil. V., a este respeito, as minhas conclusões nos processos apensos Rendón Marín e CS (C‑165/14 e C‑304/14, EU:C:2016:75, n.os 114 e 115).

( 50 ) Acórdão de 14 de novembro de 2017 (C‑165/16, EU:C:2017:862). Recorde‑se que o processo que deu origem a este acórdão dizia respeito a uma nacional espanhola que, após ter residido no Reino Unido desde 1996, adquirira a cidadania britânica por naturalização em 2009, mantendo também a sua nacionalidade espanhola. Em 2014, casara com um nacional de um país terceiro. O pedido de título de residência na qualidade de cônjuge de um cidadão da União, apresentado por esse nacional de um país terceiro, fora indeferido pelas autoridades do Reino Unido pelo facto de este ter excedido o tempo de permanência autorizado nesse Estado‑Membro, em violação da legislação em matéria de imigração.

( 51 ) Na audiência, o Governo austríaco referiu que, antes da adesão da República da Estónia à União Europeia, JY dispunha de um certificado de estabelecimento para nacionais de países terceiros.

( 52 ) Acórdão de 14 de novembro de 2017, Lounes (C‑165/16, EU:C:2017:862, n.o 56).

( 53 ) Diretiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.o 1612/68 e que revoga as Diretivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE (JO 2004, L. 158, p. 77). No que diz respeito à situação em causa no processo principal, não posso excluir que JY tenha adquirido um direito de residência permanente nesse Estado‑Membro, em conformidade com o artigo 16.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38. A este respeito, saliento que basta que as condições que permitem beneficiar do direito de residência permanente, de acordo com o direito da União, estejam preenchidas pelo interessado para que esse direito seja aceite pelos Estados‑Membros. Há que sublinhar que, de acordo com o § 11a, n.o 4, ponto 2, da StbG, se o interessado for nacional de um Estado parte no Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (Acordo EEE), pode ser‑lhe concedida a nacionalidade austríaca se residir legal e ininterruptamente no território federal há, pelo menos, seis anos.

( 54 ) Acórdão de 14 de novembro de 2017, Lounes (C‑165/16, EU:C:2017:862, n.o 58). V., igualmente, Conclusões do advogado‑geral Y. Bot no processo Lounes (C‑165/16, EU:C:2017:407, n.o 86).

( 55 ) V. n.o 56 das presentes conclusões.

( 56 ) O Governo francês referiu que o artigo 23‑9, alínea 1a, do code civil (Código Civil) francês prevê que a perda da nacionalidade francesa produz efeitos na data da aquisição da nacionalidade estrangeira, o que evita a situação de apatridia. O Governo estónio, por seu turno, confirmou, em resposta a uma questão do Tribunal de Justiça, que a legislação estónia não exige a obtenção prévia da nova nacionalidade para autorizar a renúncia à nacionalidade por parte de um nacional estónio e que não é possível renunciar à nacionalidade estónia de forma temporária ou condicional.

( 57 ) N.o 62.

( 58 ) V. n.o 63 das presentes conclusões.

( 59 ) A este respeito, há que recordar que a República da Estónia não é parte contratante na Convenção Europeia sobre a Nacionalidade, pelo que não está sujeita às obrigações estabelecidas no artigo 8.o desta.

( 60 ) Assim, poder‑se‑ia censurar um Estado‑Membro na mesma situação que a República da Estónia por ter aceitado a renúncia se a situação de apatridia fosse previsível, o que, no caso em apreço, pelo menos do ponto de vista do Governo estónio, não acontecia. De facto, a renúncia de JY à sua nacionalidade de origem foi formulada para poder obter a nacionalidade austríaca e recuperar o estatuto de cidadã da União. Além disso, o Governo estónio afirmou que procedia a uma apreciação da proporcionalidade para cada decisão em matéria de nacionalidade e, nomeadamente, das consequências individuais para o interessado.

( 61 ) Acórdãos Rottmann, n.o 51, e Tjebbes e o., n.o 33.

( 62 ) A Convenção sobre a Nacionalidade prevê, no seu artigo 4.o, que «[a]s normas de cada Estado sobre a nacionalidade basear‑se‑ão nos seguintes princípios: a) Todos os indivíduos têm direito a uma nacionalidade; b) A apatridia deverá ser evitada».

( 63 ) V. n.o 6 das presentes conclusões.

( 64 ) V. n.o 3 das presentes conclusões. V., igualmente, artigo 8.o, n.o 3, alínea a), ii), desta convenção.

( 65 ) V. n.o 3 das presentes conclusões. V., igualmente, artigo 8.o, n.o 3, alínea a), ii), desta convenção.

( 66 ) Expert Meeting. Interpreting the 1961 Statelessness Convention and Avoiding Statelessness resulting from Loss and Deprivation of Nacionality. Summary Conclusions, ACNUR, Tunes, Tunísia, 31 de outubro — 1 de novembro de 2013, pp. 1 a 15, em especial, pp. 10, n.o 44. Estas conclusões estão disponíveis em: https://www.refworld.org/pdfid/533a754b4.pdf. Itálicos nossos.

( 67 ) Ibid., p. 10, n.o 45.

( 68 ) V. artigo 4.o da Convenção sobre a Nacionalidade. V., igualmente, artigo 15.o, n.o 2, da Declaração Universal dos Direitos do Homem, adotada em 10 de dezembro de 1948 pela Assembleia Geral das Nações Unidas, que prevê que «[n]inguém pode ser arbitrariamente privado da sua nacionalidade nem do direito de mudar de nacionalidade».

( 69 ) V., nesse sentido, Acórdão Tjebbes e o., n.o 40 e jurisprudência referida.

( 70 ) De acordo com o Tribunal de Justiça, tal aplica‑se igualmente em caso de perda da nacionalidade, mesmo que esta tenha sido obtida de modo fraudulento. V., nesse sentido, Acórdão Rottmann, n.o 59).

( 71 ) V. n.o 56 das presentes conclusões.

( 72 ) Importa ter em conta que esta condição se aplica a todos os requerentes da nacionalidade austríaca.

( 73 ) N.o 56.

( 74 ) Quanto a essas circunstâncias, saliento que essa jurisprudência não institui um numerus clausus.

( 75 ) JY referiu que a coima ascendia a 112 euros.

( 76 ) JY referiu que a coima ascendia a 300 euros.

( 77 ) V., igualmente, nota 65 das presentes conclusões.

( 78 ) Chamo a atenção para o facto de, nesta jurisprudência, o Tribunal de Justiça não se referir diretamente aos artigos 27.o e 28.o da Diretiva 2004/38.

( 79 ) Acórdão de 13 de setembro de 2016, Rendón Marín (C‑165/14, EU:C:2016:675, n.o 81).

( 80 ) Acórdão de 13 de setembro de 2016, Rendón Marín (C‑165/14, EU:C:2016:675, n.o 82). V., igualmente, Acórdãos de 4 de dezembro de 1974, van Duyn (41/74, EU:C:1974:133, n.o 18); de 26 de fevereiro de 1975, Bonsignore (67/74, EU:C:1975:34, n.o 6); de 28 de outubro de 1975, Rutili (36/75, EU:C:1975:137, n.o 27); de 27 de outubro de 1977, Bouchereau (30/77, EU:C:1977:172, n.o 33); de 19 de janeiro de 1999, Calfa (C‑348/96, EU:C:1999:6, n.o 23); e de 29 de abril de 2004, Orfanopoulos e Oliveri (C‑482/01 e C‑493/01, EU:C:2004:262, n.os 64 e 65).

( 81 ) Acórdão de 13 de setembro de 2016, Rendón Marín (C‑165/14, EU:C:2016:675, n.o 83).

( 82 ) Acórdão Tjebbes e o., p. 45 e jurisprudência referida. Recordo que, de acordo com o artigo 1.o da Carta, sob a epígrafe «Dignidade do ser humano», «[a] dignidade do ser humano é inviolável. Deve ser respeitada e protegida».

( 83 ) Conclusões do advogado‑geral P. Mengozzi no processo Tjebbes e o. (C‑221/17, EU:C:2018:572, n.o 88).