CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

ATHANASIOS RANTOS

apresentadas em 20 de maio de 2021 ( 1 )

Processo C‑29/20

Biofa AG

contra

Sikma D. Vertriebs GmbH und Co. KG

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Oberlandesgericht Köln (Tribunal Regional Superior de Colónia, Alemanha)]

«Reenvio prejudicial — Regulamento (UE) n.o 528/2012 — Artigo 3.o, n.o 1, alíneas a) e c) — Conceito de “produtos biocidas” — Conceito de “substância ativa” — Artigo 9.o, n.o 1, alínea a) — Aprovação de uma substância ativa — Regulamento de Execução (UE) 2017/794 — “Kieselguhr” ou “terra de diatomáceas” — Meios que não sejam a simples ação física ou mecânica — Alcance da aprovação»

I. Introdução

1.

A aprovação de uma «substância ativa» através de um regulamento de execução da Comissão Europeia, ao abrigo do Regulamento (UE) n.o 528/2012 ( 2 ), implica que essa substância tenha automaticamente por objetivo atuar contra um organismo prejudicial, «por meios que não sejam a simples ação física ou mecânica» na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), deste regulamento (a seguir «meio de ação biocida»)? Em caso de resposta afirmativa, se a referida substância for utilizada num produto que tem por objetivo controlar os organismos prejudiciais, deve este último ser considerado um «produto biocida» na aceção desta mesma disposição? Neste contexto, qual é a margem de apreciação de um órgão jurisdicional nacional para determinar a natureza «biocida» desse produto?

2.

São estas as questões suscitadas pelo presente processo e que levarão o Tribunal de Justiça a clarificar a articulação entre a aprovação de uma substância ativa por um regulamento de execução, ao abrigo do Regulamento n.o 528/2012, e a qualificação do produto que contém essa substância como «produto biocida» na aceção deste regulamento.

3.

A este respeito, recordo que o Tribunal de Justiça já teve oportunidade de precisar os elementos que um produto deve apresentar para ser abrangido pelo conceito de «produto biocida» na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 528/2012 ( 3 ). Ao fazê‑lo, inspirou‑se na sua jurisprudência relativa à interpretação da disposição equivalente da Diretiva 98/8/CE ( 4 ), que precedeu este regulamento e estabeleceu as regras relativas à colocação de produtos biocidas no mercado na União Europeia ( 5 ).

4.

Todavia, o Tribunal de Justiça ainda não teve oportunidade de se pronunciar sobre o alcance da aprovação de uma substância ativa na determinação da natureza biocida do produto que contém essa substância. Este processo levará, portanto, o Tribunal de Justiça a esclarecer o alcance das aprovações através de um regulamento de execução. Esta é uma tarefa de considerável importância prática, na medida em que a resposta dada à questão submetida é suscetível de afetar o papel dos órgãos jurisdicionais nacionais na qualificação jurídica dos produtos biocidas.

II. Quadro jurídico

A.   Regulamento n.o 528/2012

5.

Os considerandos 1, 2, 5 e 9 do Regulamento n.o 528/2012 enunciam:

«(1)

Os produtos biocidas são necessários para controlar os organismos prejudiciais à saúde humana ou animal e os organismos que provocam danos em materiais naturais ou manufaturados. Contudo, os produtos biocidas podem pôr em risco os seres humanos, os animais e o ambiente devido às suas propriedades intrínsecas e aos padrões de utilização que lhes estão associados.

(2)

Os produtos biocidas não deverão poder ser disponibilizados no mercado nem utilizados se não tiverem sido autorizados nos termos do presente regulamento. […]

[…]

(5)

As regras relativas à disponibilização no mercado de produtos biocidas na [União] foram definidas pela [Diretiva 98/8]. É necessário adaptar essas regras à luz da experiência adquirida, em especial do relatório relativo aos primeiros sete anos da sua aplicação apresentado pela Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho […].

[…]

(9)

O presente regulamento deverá ser aplicável aos produtos biocidas que, na forma em que são fornecidos ao utilizador, consistem em, contêm ou geram uma ou mais substâncias ativas.»

6.

O artigo 1.o deste regulamento, sob a epígrafe «Finalidade e objeto», dispõe:

«1.   O presente regulamento visa melhorar o funcionamento do mercado interno através da harmonização das normas relativas à disponibilização no mercado e à utilização de produtos biocidas, assegurando simultaneamente um elevado nível de proteção da saúde humana e animal e do ambiente. As disposições do presente regulamento assentam no princípio da precaução, com o qual se pretende preservar a saúde dos seres humanos, a saúde dos animais e o ambiente. Deve ser conferida atenção particular à proteção dos grupos vulneráveis.

2.   O presente regulamento estabelece regras para:

a)

A criação, ao nível da União, de uma lista das substâncias ativas que podem ser utilizadas em produtos biocidas;

b)

A autorização de produtos biocidas;

[…]»

7.

O artigo 3.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Definições», prevê, nos seus n.os 1 e 3:

«1.   Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

a)

“Produtos biocidas”

qualquer substância ou mistura, na forma em que são fornecidos ao utilizador, que consistam, contenham ou que gerem uma ou mais substâncias ativas, com o objetivo de destruir, repelir ou neutralizar um organismo prejudicial, prevenir a sua ação ou controlá‑la de qualquer outra forma, por meios que não sejam a simples ação física ou mecânica,

qualquer substância ou mistura gerada a partir de substâncias ou misturas que não sejam abrangidas pelo âmbito de aplicação do primeiro travessão e utilizada com o objetivo de destruir, repelir ou neutralizar um organismo prejudicial, prevenir a sua ação ou controlá‑la de qualquer outra forma, por meios que não sejam a simples ação física ou mecânica.

[…]

c)

“Substância ativa” uma substância ou um microrganismo que exerça uma ação sobre ou contra organismos prejudiciais;

[…]

3.   A pedido de um Estado‑Membro, a Comissão pode decidir, por meio de atos de execução, […] se um determinado produto ou grupo de produtos é um produto biocida ou um artigo tratado, ou nenhum deles. Esses atos de execução são adotados pelo procedimento de exame a que se refere o artigo 82.o, n.o 3.»

8.

O artigo 4.o deste mesmo regulamento, sob a epígrafe «Condições de aprovação», enuncia, nos seus n.os 1 e 2:

«1.   Uma substância ativa é aprovada por um período inicial não superior a dez anos se for previsível que pelo menos um dos produtos biocidas que a contêm preenche os critérios estabelecidos no artigo 19.o, n.o 1, alínea b) […].

2.   A aprovação de uma substância ativa limita‑se aos tipos de produtos para os quais tenham sido apresentados dados relevantes, nos temos do artigo 6.o»

9.

O artigo 6.o do Regulamento n.o 528/2012, sob a epígrafe «Dados a apresentar no pedido», dispõe, no seu n.o 1:

«Um pedido de aprovação de uma substância ativa deve conter, no mínimo, os seguintes elementos:

a)

Um dossier sobre a substância ativa, elaborado nos termos dos requisitos estabelecidos no anexo II;

b)

Um dossier, elaborado nos termos dos requisitos estabelecidos no anexo III, relativo a pelo menos um produto biocida representativo que contenha a substância ativa; e

[…]»

10.

O artigo 9.o deste regulamento, sob a epígrafe «Aprovação de uma substância ativa», tem a seguinte redação:

«1.   Após receção do parecer da [Agência Europeia dos Produtos Químicos; a seguir “ECHA”] referido no artigo 8.o, n.o 4, a Comissão:

a)

Adota um regulamento de execução que determina que a substância ativa é aprovada, e em que condições, incluindo as datas de aprovação e de caducidade da aprovação; […]

[…]

2.   As substâncias ativas aprovadas são incluídas numa lista da União de substâncias ativas aprovadas. A Comissão mantém a lista atualizada e disponibiliza‑a ao público por via eletrónica.»

11.

O artigo 17.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Disponibilização no mercado e utilização de produtos biocidas», dispõe, no seu n.o 1:

«Só podem ser disponibilizados no mercado, ou utilizados, os produtos biocidas que tenham sido autorizados nos termos do presente regulamento.»

12.

O artigo 19.o do mesmo regulamento, sob a epígrafe «Condições de concessão da autorização», prevê, no seu n.o 1, alíneas a) e b):

«Os produtos biocidas que não sejam elegíveis para o processo de autorização simplificado, nos termos do artigo 25.o, só podem ser autorizados se estiverem preenchidas as seguintes condições:

a)

As substâncias ativas estão incluídas no anexo I ou foram aprovadas para o tipo de produto em causa e estão preenchidas todas as condições especificadas para estas substâncias ativas;

b)

Foi estabelecido, de acordo com os princípios comuns de avaliação de dossiers de produtos biocidas definidos no anexo VI, que o produto biocida, quando utilizado de acordo com a autorização […], satisfaz os seguintes critérios:

i)

o produto biocida é suficientemente eficaz,

[…]»

13.

O artigo 89.o do Regulamento n.o 528/2012, sob a epígrafe «Medidas transitórias», enuncia, no seu n.o 1, terceiro parágrafo, e n.o 3:

«1.   […]

Para favorecer uma transição harmoniosa da [Diretiva 98/8] para o presente regulamento, durante a execução do programa de trabalho a Comissão adota regulamentos de execução que determinam que a substância ativa é aprovada, e em que condições, ou — nos casos em que as condições do artigo 4.o, n.o 1, ou, quando aplicável, do artigo 5.o, n.o 2, não sejam cumpridas ou em que as informações e dados necessários não tenham sido apresentados no prazo fixado — decisões de execução pelas quais a substância ativa não é aprovada. Esses atos de execução são adotados pelo procedimento de exame a que se refere o artigo 82.o, n.o 3. Os regulamentos de aprovação de substâncias ativas devem especificar a data de aprovação. É aplicável o artigo 9.o, n.o 2.

[…]

3.   Na sequência de uma decisão de aprovação de uma dada substância ativa para determinado tipo de produto, os Estados‑Membros asseguram que as autorizações de produtos biocidas que pertençam a esse tipo de produto e que contenham essa substância ativa sejam concedidas, alteradas ou revogadas, consoante o caso, nos termos do presente regulamento, no prazo de três anos a contar da data de aprovação.

[…]»

14.

O artigo 95.o deste regulamento, sob a epígrafe «Medidas transitórias relativas ao acesso ao dossier da substância ativa», alterado pelo Regulamento n.o 334/2014, tal como retificado na versão em língua alemã ( 6 ), com efeitos a partir de 1 de setembro de 2013, dispõe:

«1.   A partir de 1 de setembro de 2013, a [ECHA] publica e atualiza regularmente uma lista de todas as substâncias ativas e de todas as substâncias que geram uma substância ativa, sobre as quais um dossier […] tenha sido apresentado e aceite ou validado por um Estado‑Membro num procedimento previsto pelo presente regulamento ou por essa diretiva (“substâncias em causa”). Relativamente a cada substância em causa, a lista inclui também todas as pessoas que tenham apresentado esse dossier […].

Uma pessoa estabelecida na União que fabrique ou importe uma substância em causa, estreme ou contida em produtos biocidas (“fornecedor da substância”), ou que fabrique ou disponibilize no mercado um produto biocida que consista em, contenha ou gere essa substância em causa (“fornecedor do produto”), pode, a qualquer momento, apresentar à [ECHA] quer um dossier completo da substância em causa, quer uma carta de acesso a um dossier completo da substância, ou uma referência a um dossier completo da substância em relação ao qual já tenham expirado todos os prazos de proteção de dados. […]

[…]

2.   A contar de 1 de setembro de 2015, um produto biocida que consista em, contenha ou gere uma substância em causa incluída na lista referida no n.o 1 não é disponibilizado no mercado exceto se o fornecedor da substância ou o fornecedor do produto tiver sido incluído na lista referida no n.o 1 no que respeita aos tipos de produto a que este pertence.

[…]»

B.   Regulamento de Execução (UE) 2017/794

15.

Nos termos do artigo 1.o do Regulamento de Execução (UE) 2017/794 ( 7 ), «[o] dióxido de silício/Kieselguhr é aprovado como substância ativa para utilização em produtos biocidas do tipo 18, nos termos das especificações e condições definidas no anexo».

III. Litígio no processo principal, questão prejudicial e tramitação do processo no Tribunal de Justiça

16.

A Biofa AG, recorrente no processo principal, é uma sociedade alemã que desenvolve e comercializa produtos para a agricultura, principalmente de base biológica.

17.

De entre estes, comercializa produtos que contêm a substância ativa «dióxido de silício», também conhecida sob as designações «terra de diatomáceas» ou «kieselguhr» (a seguir «kieselguhr») ( 8 ), com a denominação comercial «InsectoSec®». Estes produtos são utilizados para controlar certos insetos e ácaros em aviários ( 9 ).

18.

Para o efeito, a Biofa pediu à ECHA a aprovação do kieselguhr como substância ativa, em conformidade com o Regulamento n.o 528/2012. Durante esse processo de aprovação, a eficácia e a segurança do kieselguhr para ser utilizado em produtos biocidas foram testadas e avaliadas positivamente.

19.

Pelo Regulamento de Execução 2017/794, a Comissão, na sequência do parecer favorável da ECHA ( 10 ), aprovou o kieselguhr como substância ativa para utilização em produtos biocidas do tipo 18 (inseticidas, acaricidas e produtos destinados a controlar outros artrópodes) ( 11 ), nos termos das especificações e condições definidas no anexo deste regulamento de execução.

20.

A Biofa é o único produtor de kieselguhr como substância ativa e está, assim, inscrita na lista de fornecedores referida no artigo 95.o, n.o 1, do Regulamento n.o 528/2012. Nos termos do artigo 95.o, n.o 2, deste regulamento, apenas as substâncias ativas que tenham sido adquiridas a fornecedores incluídos nesta lista podem ser utilizadas nos produtos biocidas. Em relação ao kieselguhr, isto significa que, em caso de utilização num produto biocida, esta substância ativa deve ser adquirida à Biofa.

21.

A Sikma D. Vertriebs GmdH und Co. KG, recorrida no processo principal (a seguir «Sikma»), é uma sociedade alemã que comercializa em linha produtos destinados aos proprietários de animais e à indústria dos alimentos compostos, entre outros para a «gestão dos parasitas, em especial no setor das aves de capoeira». Distribui, nomeadamente, o produto conhecido sob a denominação comercial «HS Mikrogur» (a seguir «produto em causa») para controlo dos ácaros que infestam as aves de capoeira. Este produto contém kieselguhr ( 12 ), mas a Sikma não o compra à Biofa.

22.

No âmbito de uma ação por concorrência desleal intentada no Landgericht Köln (Tribunal Regional de Colónia, Alemanha), a Biofa sustentou, em substância, que o produto em causa não pode ser colocado no mercado e que, por conseguinte, a sua comercialização deve cessar. Mais especificamente, alegou que a Sikma, ao comercializar este produto, colocou no mercado um produto biocida dado que a ação do kieselguhr não se limita a uma simples ação física ou mecânica, pelo que um produto que contém esta substância ativa deve ser qualificado de «produto biocida» na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 528/2012. Consequentemente, uma vez que a Sikma não adquire o kieselguhr à Biofa, quando esta é o fornecedor exclusivo desta substância ativa — e figura a esse título na lista referida no artigo 95.o, n.o 1, deste regulamento —, a comercialização do referido produto pela Sikma é uma prática comercial que viola, nomeadamente, as disposições do artigo 95.o, n.o 2, do referido regulamento e, por conseguinte, deve cessar ( 13 ).

23.

A Sikma sustentou, pelo contrário, que o produto em causa não pode ser qualificado de «produto biocida» na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 528/2012, dado que o kieselguhr atua por uma simples ação física ou mecânica, e não química ( 14 ). Por conseguinte, não viola o artigo 95.o, n.o 2, do Regulamento n.o 528/2012 ao não adquirir o kieselguhr à Biofa ( 15 ).

24.

O Landgericht Köln (Tribunal Regional de Colónia) julgou improcedente a ação da Biofa. Considerando‑se competente para verificar o meio de ação do kieselguhr, esse órgão jurisdicional, apesar de o Regulamento de Execução 2017/794 ter aprovado o kieselguhr como substância ativa para utilização em produtos biocidas, ordenou medidas de produção de prova para verificar, designadamente, se o produto em causa está abrangido pelo conceito de «produto biocida» na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), primeiro travessão, do Regulamento n.o 528/2012. Com base num relatório de peritagem, o referido órgão jurisdicional concluiu que esse produto não está abrangido por este conceito, uma vez que o kieselguhr atua por simples ação física ou mecânica, e não química.

25.

A Biofa interpôs recurso dessa decisão no órgão jurisdicional de reenvio, o Oberlandesgericht Köln (Tribunal Regional Superior de Colónia, Alemanha).

26.

Esse órgão jurisdicional refere que adere às conclusões de facto efetuadas pelo Landgericht Köln (Tribunal Regional de Colónia) e entende seguir o parecer do perito segundo o qual o produto em causa não constitui um «produto biocida» na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), primeiro travessão, do Regulamento n.o 528/2012.

27.

O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, todavia, sobre a questão de saber se a aprovação, nos termos do artigo 9.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 528/2012, de uma substância ativa por um regulamento de execução como o Regulamento de Execução 2017/794 tem como consequência, nomeadamente para os órgãos jurisdicionais nacionais no âmbito de um processo judicial, que produtos que contenham essa substância ativa devam ser automaticamente qualificados de «produtos biocidas» na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 528/2012 e que, portanto, atuam por um meio de ação biocida. Em caso de resposta afirmativa, esse órgão jurisdicional reconhece que não deve ser ordenada uma peritagem como a efetuada em primeira instância. Caso contrário, haveria que estabelecer se compete ao referido órgão jurisdicional determinar, no âmbito do apuramento dos factos, se estão reunidas as condições materiais previstas no artigo 3.o, n.o 1, alínea a), neste regulamento.

28.

Foi nestas circunstâncias que o Oberlandesgericht Köln (Tribunal Regional Superior de Colónia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«A aprovação de uma substância ativa através de um regulamento de execução, em conformidade com o artigo 9.o, n.o 1, alínea a), do [Regulamento n.o 528/2012], confere, em processos judiciais instaurados num Estado‑Membro, caráter vinculativo ao facto de a substância objeto de aprovação se destinar, na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), [deste regulamento], a ser eficaz por meios que não sejam a simples ação física ou mecânica, ou cabe ao órgão jurisdicional do Estado‑Membro chamado a pronunciar‑se determinar, ao proceder ao apuramento dos factos, se estão preenchidas as condições materiais do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), [do referido regulamento], mesmo depois de ter sido adotado um regulamento de execução?»

29.

Foram apresentadas observações escritas pelas duas partes no processo principal e pela Comissão. Todos responderam igualmente às questões escritas colocadas pelo Tribunal de Justiça.

IV. Análise

A.   Observações preliminares

30.

O presente pedido de decisão prejudicial foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe duas sociedades concorrentes — a Biofa e a Sikma — a respeito da comercialização de produtos para controlar organismos prejudiciais na avicultura. A Biofa, que desenvolve e comercializa esses produtos biocidas e obteve a aprovação, pelo Regulamento de Execução 2017/794, do kieselguhr como substância ativa para ser utilizada nos referidos produtos, consta como fornecedor exclusivo desta substância ativa na lista referida no artigo 95.o, n.o 1, do Regulamento n.o 528/2012. A Sikma vende, nomeadamente, um produto de controlo das pragas na avicultura que contém kieselguhr, sem no entanto adquirir esta substância à Biofa. A Sikma considera que a referida substância permite controlar as pragas através de uma simples ação física ou mecânica e que, portanto, o produto que comercializa não está abrangido pelo conceito de «produto biocida». Por conseguinte, não é obrigada a adquirir o kieselguhr exclusivamente à Biofa, ao abrigo do artigo 95.o, n.o 2, do Regulamento n.o 528/2012.

31.

O órgão jurisdicional de reenvio entende que é chamado a pronunciar‑se sobre a qualificação do produto em causa, ou seja, sobre a questão de saber se esse produto, que contém uma substância ativa aprovada por um regulamento de execução da Comissão, está necessariamente abrangido pelo conceito de «produto biocida» na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 528/2012. É neste contexto que se interroga, nomeadamente, sobre o alcance do caráter vinculativo, para um Estado‑Membro e os seus órgãos jurisdicionais, da aprovação de uma substância ativa por um regulamento de execução quando se trata de qualificar um produto que a contém.

32.

Para responder às interrogações do órgão jurisdicional de reenvio, considero que devem ser analisados três aspetos, a saber, em primeiro lugar, se uma substância ativa atua necessariamente por um meio de ação biocida (C), em segundo lugar, se um produto que contém uma substância ativa constitui necessariamente um produto biocida (D) e, em terceiro lugar — tendo em conta as respostas que os dois primeiros aspetos exigem —, qual é a margem de apreciação de que dispõem as autoridades nacionais competentes para qualificar — de «biocida» ou não — um produto que contém uma substância ativa (E).

33.

Atendendo à natureza técnica destes aspetos, considero útil, antes de iniciar a minha análise de cada um deles, apresentar uma descrição geral do quadro regulamentar relativo aos produtos biocidas (B).

B.   Quadro regulamentar relativo aos produtos biocidas

34.

O quadro jurídico no domínio dos produtos biocidas foi instituído pela Diretiva 98/8 ( 16 ), que foi revogada e substituída pelo Regulamento n.o 528/2012, a fim de adaptar as regras que continha à luz da experiência adquirida ( 17 ).

35.

Conforme resulta do artigo 1.o, n.o 1, do Regulamento n.o 528/2012, este visa melhorar o funcionamento do mercado interno através da harmonização das normas relativas à disponibilização no mercado e à utilização de produtos biocidas, assegurando simultaneamente um elevado nível de proteção da saúde humana e animal e do ambiente. Estas disposições assentam no princípio da precaução, com o qual se pretende preservar a saúde dos seres humanos, a saúde dos animais e o ambiente.

36.

Nos termos do artigo 1.o, n.o 2, alíneas a) e b), do Regulamento n.o 528/2012, este estabelece, nomeadamente, regras para, por um lado, a criação, ao nível da União, de uma lista das substâncias ativas que podem ser utilizadas em produtos biocidas e, por outro, a autorização de produtos biocidas. Estes dois níveis de regras determinam conjuntamente quais os produtos biocidas que podem ser disponibilizados e utilizados no mercado da União.

37.

Com efeito, ao abrigo do artigo 17.o, n.o 1, deste regulamento, só podem ser disponibilizados no mercado ou utilizados os produtos biocidas autorizados nos termos do disposto no referido regulamento ( 18 ).

1. Quanto aos conceitos de «produtos biocidas» e de «substância ativa»

38.

Nos termos do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 528/2012, entende‑se por «produtos biocidas»«qualquer substância ou mistura», com o «objetivo de destruir, repelir ou neutralizar um organismo prejudicial, prevenir a sua ação ou controlá‑la de qualquer outra forma» (a seguir «finalidade biocida»), «por meios que não sejam a simples ação física ou mecânica» (meio de ação biocida).

39.

Essas substâncias ou misturas podem, por um lado, «consist[ir], conte[r] ou […] ger[ir] uma ou mais substâncias ativas» ( 19 ) e, por outro, serem «gerada[s] a partir de substâncias ou misturas que não sejam abrangidas pelo âmbito de aplicação do primeiro [tipo de substâncias ou misturas]» ( 20 ). No caso em apreço, uma vez que o processo principal diz respeito a um produto constituído por uma substância ativa, apenas é pertinente o primeiro tipo de substâncias ou misturas. A este respeito, pode deduzir‑se do considerando 9 do Regulamento n.o 528/2012 que o objetivo do legislador da União era incluir no âmbito de aplicação deste regulamento os produtos biocidas que, «na forma em que são fornecidos ao utilizador, consistem em, contêm ou geram uma ou mais substâncias ativas» ( 21 ).

40.

O Tribunal de Justiça declarou, ao interpretar a disposição equivalente da Diretiva 98/8, ou seja, o seu artigo 2.o, n.o 1, alínea a) ( 22 ), que a definição de produtos biocidas se articula em torno de três elementos cumulativos, a saber, i) a presença de uma substância ativa, ii) a prossecução de determinadas finalidades biocidas e iii) um meio de ação biocida ( 23 ). Tendo o Regulamento n.o 528/2012 revogado e substituído a Diretiva 98/8, a interpretação das disposições desta diretiva fornecida pelo Tribunal de Justiça é igualmente válida para este regulamento, quando as disposições dos dois instrumentos de direito da União possam ser qualificadas de equivalentes ( 24 ).

41.

No que respeita ao primeiro elemento, a saber, a presença de uma substância ativa, considero, antes de mais, que o artigo 3.o, n.o 1, alínea a), primeiro travessão, do Regulamento n.o 528/2012, lido em conjugação com o seu considerando 9, pode ser qualificado de equivalente ao artigo 2.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 98/8. Além disso, o artigo 3.o, n.o 1, alínea c), deste regulamento define o conceito de «substância ativa», de que um «produto biocida» pode ser composto, como «uma substância ou um microrganismo que exerça uma ação sobre ou contra organismos prejudiciais» ( 25 ). Daqui resulta que os elementos constitutivos deste conceito são igualmente pertinentes para efeitos de qualificação de um produto de «produto biocida» ( 26 ).

42.

No que respeita ao segundo elemento, a saber, a prossecução de uma finalidade biocida, o artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 528/2012 retoma a redação do artigo 2.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 98/8 ( 27 ). O Tribunal de Justiça declarou que, com esta disposição, este regulamento efetua uma gradação das finalidades dos produtos biocidas que vão da destruição dos organismos à prevenção contra os mesmos ( 28 ). Foi, designadamente, com fundamento nesta finalidade preventiva que o Tribunal de Justiça declarou que o conceito de «produto biocida» devia ser objeto de uma interpretação ampla ( 29 ).

43.

No que respeita ao terceiro elemento, relativo ao meio de ação do produto em causa, há que salientar que o artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 528/2012, diferentemente do artigo 2.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 98/8, não o limita a «mecanismos químicos ou biológicos», mas alarga‑o a quaisquer «meios que não sejam a simples ação física ou mecânica» ( 30 ). Este alargamento da definição do meio de ação de um produto biocida foi julgado coerente com o objetivo deste regulamento, que consiste em «adaptar as regras da Diretiva 98/8 “à luz da experiência adquirida” e garantir um nível de proteção mais elevado da saúde humana e animal e do ambiente» ( 31 ). A título de exemplo, o Tribunal de Justiça declarou que a circunstância de um produto ter um efeito probiótico, e não químico, não se op[unha], por si só, à sua qualificação de produto biocida, na aceção [do referido regulamento]» ( 32 ).

2. Quanto ao procedimento de aprovação das substâncias ativas

44.

As substâncias ativas que podem ser utilizadas nos produtos biocidas são aprovadas a nível da União pela Comissão, em conformidade com o disposto no capítulo II do Regulamento n.o 528/2012. O procedimento de aprovação pode ser resumido da seguinte forma.

45.

O requerente da aprovação de uma substância ativa apresenta à ECHA o seu pedido, comunicando‑lhe, além dos dados necessários ( 33 ), o nome da autoridade competente do Estado‑Membro que propõe para avaliar esse pedido. Ao receber o pagamento das taxas devidas pelo requerente, a ECHA aceita o referido pedido e informa a autoridade competente de avaliação. No prazo de 365 dias a contar da validação do mesmo pedido, essa autoridade deve preparar e enviar à ECHA um relatório de avaliação e as conclusões da sua avaliação ( 34 ). No prazo de 270 dias a contar da receção dessas conclusões, a ECHA elabora e apresenta à Comissão um parecer sobre a aprovação da substância ativa, tendo em conta as conclusões da autoridade competente de avaliação ( 35 ). Após a receção deste parecer, a Comissão adota um regulamento de execução que determina que a substância ativa é aprovada, e em que condições ( 36 ).

46.

Uma substância ativa é aprovada, em princípio, por um período inicial não superior a dez anos se for previsível que pelo menos um dos produtos biocidas que a contêm preenche os critérios de concessão de uma autorização ( 37 ). Esta aprovação limita‑se aos tipos de produtos para os quais tenham sido apresentados dados relevantes ( 38 ), a saber, nomeadamente, «[u]m dossier, elaborado nos termos dos requisitos estabelecidos no anexo III, relativo a pelo menos um produto biocida representativo que contenha a substância ativa» ( 39 ). Por último, a referida aprovação especifica condições, tais como, designadamente, o tipo de produto, o modo e zona de utilização ( 40 ).

47.

Essas substâncias ativas são incluídas numa lista da União de substâncias ativas aprovadas, que a Comissão atualiza regularmente ( 41 ). Para efeitos da análise sistemática de todas as substâncias ativas existentes iniciada ao abrigo da Diretiva 98/8, a aprovação dessas substâncias ativas baseia‑se nas disposições transitórias previstas, designadamente, no artigo 89.o, n.o 1, terceiro parágrafo, do Regulamento n.o 528/2012, que prevê, nomeadamente, a adoção, pela Comissão, de regulamentos de execução que determinam que a substância ativa é aprovada e em que condições.

3. Quanto ao procedimento de autorização dos produtos biocidas

48.

Diferentemente do procedimento de aprovação das substâncias ativas, o Regulamento n.o 528/2012 prevê várias vias diferentes para obter a autorização dos produtos biocidas, a saber, uma autorização nacional (capítulo VI, artigos 29.o a 31.o), um procedimento de reconhecimento mútuo (capítulo VII, artigos 32.o a 40.o) e uma autorização da União (capítulo VIII, artigos 41.o a 46.o). Além disso, existe um procedimento de autorização simplificado para determinados produtos biocidas (capítulo V, artigos 25.o a 28.o). Estas autorizações podem ser concedidas para um produto biocida único ou para uma família de produtos biocidas, por um prazo máximo de dez anos ( 42 ), e estabelecem, nomeadamente, os termos e condições da disponibilização no mercado e da utilização do produto biocida único.

49.

Não me parece necessária uma descrição mais detalhada desses procedimentos no âmbito do exame do presente processo. O que é pertinente é que todas essas vias de obtenção de uma autorização de um produto biocida têm um elemento comum, a saber, que uma das condições a preencher para com vista a essa autorização é a aprovação de uma substância ativa à escala da União ou a sua inclusão no anexo I do Regulamento n.o 528/2012. Com efeito, o artigo 19.o, n.o 1, alínea a), deste regulamento, que enumera as condições de concessão da autorização, dispõe que um produto biocida é autorizado se, nomeadamente, tiverem sido aprovadas as substâncias ativas para o tipo de produto em causa e estiverem preenchidas todas as condições especificadas para estas substâncias ativas. Além disso, o artigo 25.o, alínea a), do referido regulamento, que diz exclusivamente respeito ao procedimento de autorização simplificado, prevê a admissibilidade deste procedimento se «[t]odas as substâncias ativas contidas no produto biocida constam do anexo I e cumprem as restrições especificadas nesse anexo».

50.

As disposições transitórias do artigo 89.o, n.o 3, do Regulamento n.o 528/2012 preveem que os Estados‑Membros asseguram que as autorizações relativas a produtos biocidas de um determinado tipo de produto que contenham uma substância ativa aprovada sejam concedidas, alteradas ou revogadas, consoante o caso, no prazo de três anos a contar da data de aprovação.

4. Quanto à interação entre o procedimento de autorização dos produtos biocidas e o procedimento de aprovação das substâncias ativas

51.

Resulta da descrição anterior que os dois procedimentos estão intrinsecamente ligados.

52.

Por um lado, nos termos do artigo 19.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 528/2012, só podem ser autorizados os produtos biocidas cujas substâncias ativas tenham sido aprovadas para o tipo de produto em causa, se estiverem preenchidas as condições especificadas para essas substâncias ativas. Isto implica que tal produto biocida só pode ser autorizado se a substância ativa que contém tiver sido previamente avaliada pela ECHA e aprovada pela Comissão.

53.

Por outro lado, o Regulamento n.o 528/2012 faz com que só possam ser aprovadas as substâncias ativas contidas em pelo menos um produto biocida suscetível de ser autorizado. Esta regra permite evitar o procedimento trabalhoso de aprovação de uma substância ativa quando esta não possa ser utilizada em nenhum produto biocida admissível para aprovação. Com efeito, o artigo 4.o, n.o 1, deste regulamento prevê expressamente que uma substância ativa só pode ser aprovada se for previsível que pelo menos um dos produtos biocidas que a contêm satisfaz os critérios de autorização dos produtos biocidas previstos no artigo 19.o, n.o 1, alínea b), do referido regulamento. Para o garantir, o artigo 6.o, n.o 1, alíneas a) e b), do mesmo regulamento enuncia que o pedido de aprovação de uma substância ativa deve conter não só «um dossier sobre a substância ativa», propriamente dita, mas também «um dossier, elaborado nos termos dos requisitos [em matéria de informações a fornecer] estabelecidos no anexo III, relativo a pelo menos um produto biocida representativo que contenha a substância ativa».

54.

Com o contexto regulamentar assim delineado, há que responder aos três aspetos da questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio.

C.   Quanto à questão de saber se uma substância ativa aprovada atua necessariamente por um meio de ação biocida

55.

Conforme indicado no n.o 41 das presentes conclusões, nos termos do artigo 3.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 528/2012, entende‑se por «substância ativa» uma «substância ou um microrganismo que exerça uma ação sobre ou contra organismos prejudiciais». Embora esta definição indique que uma substância ativa prossegue uma finalidade biocida, na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), deste regulamento («ação sobre ou contra organismos prejudiciais») ( 43 ), o meio de ação dessa substância não é, todavia, especificado na referida definição. O facto de, contrariamente à definição de «produtos biocidas» contida no artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do referido regulamento, a definição de «substância ativa» não especificar o meio de ação biocida poderia pugnar no sentido de que uma «substância ativa» pode atuar por um meio de ação diferente de biocida.

56.

Todavia, apesar do silêncio desta definição, considero que, à luz do contexto e do objeto do Regulamento n.o 528/2012, o meio de ação biocida de uma substância ativa aprovada por um regulamento de execução é inerente ao próprio conceito de «substância ativa» e impõe‑se a todos os Estados‑Membros e, consequentemente, aos seus órgãos jurisdicionais e autoridades competentes.

57.

A título preliminar, há que ter presente que uma substância ativa constitui muitas vezes, em si mesma, um produto biocida. Neste caso, todas as condições materiais que definem um produto biocida, conforme estabelecidas no artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 528/2012, devem necessariamente ser também preenchidas pela substância ativa, incluindo, designadamente, o meio de ação biocida. Todavia, esta consideração não basta, por si só, para determinar que uma certa substância ativa atua sempre por um meio de ação biocida. Com efeito, na hipótese de um produto biocida conter várias substâncias ativas, a ação biocida desse produto pode resultar de uma das suas outras substâncias ativas, ou mesmo de uma síntese química no referido produto.

58.

A este propósito, a despeito desta constatação, importa observar que o meio de ação biocida de uma substância ativa resulta do facto de esse meio de ação fazer expressamente parte da análise de aprovação de uma substância ativa, sendo avaliado tanto para essa substância como para o respetivo produto biocida representativo. Por outro lado, dado que o presente processo incide sobre as consequências jurídicas da aprovação de uma substância ativa, as condições dessa aprovação são decisivas a este respeito.

59.

Por um lado, relativamente ao meio de ação da substância ativa, o anexo II do Regulamento n.o 528/2012, que estabelece os «requisitos em matéria de informações para as substâncias ativas», contém, no título 1, coluna 1, ponto 6.5, um quadro que exige informações sobre o «[m]odo de ação (incluindo tempo necessário)». Assim, se o meio de ação da substância ativa (biocida) não fosse pertinente para efeitos da sua aprovação, essa informação não seria exigida.

60.

Por outro lado, relativamente ao meio de ação do produto biocida representativo, conforme indicado nos n.os 46 e 53 supra, o pedido de aprovação de uma substância ativa deve conter um dossier relativo a «pelo menos um produto biocida representativo». O meio de ação biocida desse produto é, portanto, igualmente examinado durante o procedimento de aprovação de uma substância ativa. Se se verificar que esse meio de ação não existe, o produto representativo não poderá ser elegível para autorização e, por isso, a aprovação da substância ativa não poderá, também ela, ser concedida, uma vez que não está preenchida a exigência prevista no artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 528/2012, segundo a qual pelo menos um dos produtos biocidas que contêm essa substância deve ser elegível para autorização.

61.

No caso em apreço, a Biofa, com o seu pedido de aprovação do kieselguhr, teve igualmente de apresentar um dossier para o produto representativo «InsectoSec®», composto por 100 % de kieselguhr. O kieselguhr foi, portanto, avaliado, inicialmente pela autoridade competente de avaliação (em França) — para efeitos da sua utilização nos produtos do tipo 18, a que pertence o «InsectoSec®». Assim, no relatório de avaliação preparado por essa autoridade, esta verificou expressamente o meio de ação do kieselguhr, concluindo que, «[a]o destruir a barreira natural da água, a camada cerosa da cutícula, e ao perturbar assim o funcionamento do mecanismo de conservação da água, [o kieselguhr] interfere com os processos fisiológicos» ( 44 ). Para chegar a esta conclusão, a referida autoridade baseou‑se no «Manual de Decisões para a execução da [Diretiva 98/8]». A ECHA, por sua vez, emitiu um parecer à luz das conclusões da autoridade. Segundo esse parecer, «pode presumir‑se que os produtos biocidas do tipo 18 que contenham [kieselguhr] satisfazem os critérios do artigo 19.o, n.o 1, [alínea] b), do Regulamento [n.o 528/2012]» ( 45 ). Daqui resulta que o meio de ação biocida da substância ativa foi examinado e confirmado durante a aprovação do kieselguhr ( 46 ) e que está vinculativamente estabelecido para todos os Estados‑Membros que o kieselguhr possui um mecanismo de ação biocida, não podendo esta constatação ser objeto de um pedido de prova por um órgão jurisdicional nacional nem, a fortiori, de uma apreciação divergente com base numa argumentação como a apresentada pela Sikma, segundo a qual a aprovação assenta em dados específicos obsoletos.

62.

Por conseguinte, proponho que se responda a este primeiro aspeto da questão prejudicial que deve necessariamente considerar‑se que uma substância ativa aprovada, em conformidade com o artigo 9.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 528/2012 ou com as medidas transitórias previstas no artigo 89.o, n.o 1, terceiro parágrafo, deste regulamento, por um regulamento de execução como o Regulamento de Execução 2017/794 atua por um meio de ação biocida na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do referido regulamento.

D.   Quanto à questão de saber se um produto que contém uma substância ativa aprovada deve constituir necessariamente um produto biocida

63.

Antes de mais, importa recordar que, devido ao sistema em duas etapas descrito nos n.os 44 a 54 das presentes conclusões, a substância ativa é inicialmente aprovada a nível da União. Só num segundo momento, no âmbito, se for o caso, de um procedimento nacional, é que a autorização é concedida para os diferentes produtos biocidas que contêm essa substância ativa. É, portanto, neste contexto que se coloca a questão de saber se um produto que contém uma substância ativa deve constituir necessariamente um «produto biocida» na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 528/2012.

64.

Conforme salientado no n.o 40 das presentes conclusões, resulta da interpretação do conceito de «produto biocida» que devem estar presentes três elementos para que um produto seja qualificado de «biocida» na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), primeiro travessão, do Regulamento n.o 528/2012. Uma vez que a presença de uma substância ativa é apenas um destes elementos, é também necessário que estejam reunidas as duas outras condições relativas à finalidade biocida e ao meio de ação biocida ( 47 ).

65.

Assim, para responder a este aspeto da questão submetida, há duas hipóteses possíveis.

66.

Por um lado, se o produto examinado for composto por 100 % de uma substância ativa aprovada — como, no caso em apreço, o produto representativo da Biofa («InsectoSec®») ou, com toda a evidência, o produto em causa —, estão igualmente preenchidas ipso facto as duas outras condições, a saber, a finalidade biocida e o meio de ação biocida. Esse produto deve, portanto, ser necessariamente qualificado de «biocida» na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 528/2012, visto que, como já foi referido nas presentes conclusões, a aprovação de uma substância ativa pressupõe uma avaliação tanto do meio de ação biocida como da finalidade biocida.

67.

Por outro lado, na medida em que um produto biocida pode igualmente consistir em «mais substâncias ativas», ou mesmo ser «gerad[o] a partir de substâncias ou misturas» ( 48 ), é necessário considerar também a hipótese de uma substância ativa ser apenas um dos numerosos componentes de um produto. Nesta hipótese, deve um produto ser igualmente qualificado de «biocida»?

68.

A meu ver, a resposta a esta questão varia em função da composição do produto em causa. Por exemplo, um produto que contém uma substância ativa em quantidade muito limitada não pode ser automaticamente qualificado de «biocida», na medida em que não é necessariamente suscetível de preencher a condição da finalidade biocida ou do meio de ação biocida pelo simples facto para presença dessa substância ativa. Cabe à autoridade nacional competente, no âmbito de um pedido de autorização nacional, ou, como no caso vertente, ao órgão jurisdicional nacional, no âmbito de uma ação por concorrência desleal, examinar se esse produto, composto por diferentes substâncias ou por uma mistura, constitui um produto biocida, verificando se estão preenchidas todas as condições materiais previstas no artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 528/2012.

69.

Por conseguinte, proponho responder a este segundo aspeto da questão prejudicial que um produto que contém uma substância ativa aprovada por um regulamento de execução deverá necessariamente ser qualificado de «produto biocida» na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 528/2012, se a sua composição for idêntica à da substância ativa aprovada.

E.   Quanto à margem de apreciação de que dispõem os órgãos jurisdicionais nacionais para qualificar um produto de «biocida»

70.

Com fundamento na análise precedente, é possível afirmar que a margem de apreciação de um órgão jurisdicional nacional, no âmbito de um processo judicial, para qualificar um produto de biocida varia em função da composição desse produto.

71.

Quando o produto em causa é composto por 100 % da substância ativa aprovada por um regulamento de execução, a margem de apreciação dos órgãos jurisdicionais nacionais é inexistente. Neste contexto, quando é chamado a decidir a questão da natureza biocida desse produto, o órgão jurisdicional nacional não pode ordenar medidas de administração da prova para verificar o preenchimento da condição da finalidade biocida ou do meio de ação biocida.

72.

Com efeito, como dispõe o Regulamento de Execução 2017/794, este «é obrigatório em todos os seus elementos e diretamente aplicável em todos os Estados‑Membros». No presente caso, uma vez que este regulamento de execução aprovou o kieselguhr como substância ativa em 1 de novembro de 2018 para um determinado tipo de produto, os Estados‑Membros são obrigados, em conformidade com o artigo 89.o, n.o 3, do Regulamento n.o 528/2012, a conceder, alterar ou revogar as autorizações de produtos biocidas que se enquadram nesse tipo de produto no prazo de três anos a contar da data de aprovação, ou seja, até 1 de novembro de 2021.

73.

Em contrapartida, quando o produto contém uma mistura de substâncias, incluindo uma substância ativa aprovada, o órgão jurisdicional nacional possui uma certa margem de apreciação, que não deve, todavia, contrariar o efeito útil das disposições do Regulamento n.o 528/2012.

74.

A este respeito, a título preliminar, recordo que, para assegurar uma aplicação coerente da qualificação desse produto ao nível da União, o artigo 3.o, n.o 3, do Regulamento n.o 528/2012 prevê a possibilidade de os Estados‑Membros pedirem à Comissão que decida, por meio de atos de execução, nomeadamente, se um determinado produto ou grupo de produtos é um produto biocida. Como salienta a Comissão nas suas observações escritas, não está excluído que os Estados‑Membros façam o pedido mesmo quando a substância ativa já tenha sido avaliada e aprovada, desde que existam dúvidas quanto ao caráter biocida de um produto, em especial quando este último ainda não foi avaliado no momento da aprovação da substância ativa como produto biocida representativo ( 49 ).

75.

Embora caiba aos órgãos jurisdicionais nacionais verificar a existência de uma finalidade e de um meio de ação biocidas para poder concluir que um produto é biocida ( 50 ), os elementos seguintes deverão, em todo o caso, ser tidos em conta por estes órgãos jurisdicionais.

76.

Em primeiro lugar, conforme referido nos n.os 42 e 43 das presentes conclusões, os conceitos de «finalidade biocida» e de «meio de ação biocida» devem ser objeto de uma interpretação ampla. Assim, o Tribunal de Justiça declarou que, com o seu artigo 3.o, n.o 1, alínea a), o Regulamento n.o 528/2012 efetua uma gradação das finalidades dos produtos biocidas que vão da destruição dos organismos à prevenção contra os mesmos. Foi com fundamento nessa finalidade preventiva que o Tribunal de Justiça considerou que o conceito de «produto biocida» devia ser objeto de uma interpretação ampla ( 51 ). Esta interpretação ampla é também corroborada pelo objetivo enunciado no artigo 1.o, n.o 1, do Regulamento n.o 528/2012 e baseado no princípio da precaução, de assegurar «um elevado nível de proteção da saúde humana e animal e do ambiente». Com efeito, este objetivo não seria plenamente cumprido se produtos que contêm «substâncias ativas» não fossem qualificados de «biocidas» devido ao seu efeito preventivo sobre os organismos prejudiciais visados e não estivessem sujeitos às regras relativas à disponibilização no mercado e à utilização, estabelecidas neste regulamento ( 52 ). É a própria presença da substância ativa que é suscetível de apresentar um risco para o ambiente, independentemente da questão de saber se essa substância atua de maneira direta ou indireta ou de maneira destrutiva ou preventiva sobre os organismos visados ( 53 ).

77.

Em segundo lugar, o Tribunal de Justiça declarou igualmente que o conceito de «produto biocida» devia ser interpretado no sentido de que inclui os produtos que só atuem de forma indireta nos organismos prejudiciais a que se destinam, desde que contenham uma ou mais substâncias ativas que impliquem uma reação, química ou biológica, que faça parte integrante de uma cadeia de causalidade cujo objetivo seja produzir um efeito inibidor nesses organismos ( 54 ). Por conseguinte, estão abrangidos pelo conceito de «produto biocida» não só os efeitos diretos mas também os efeitos indiretos de um produto. Esta interpretação é coerente com a interpretação contextual do Regulamento n.o 528/2012, na medida em que o conceito de «substância ativa», inclui duas vertentes alternativas, a saber, uma ação «sobre» e uma ação «contra» os organismos prejudiciais, o que confirma que compreende não só as ações diretas sobre os organismos prejudiciais mas também as ações indiretas contra esses organismos ( 55 ).

78.

Em terceiro lugar, há que igualmente considerar que, se o fabricante de um produto entender que uma determinada substância ativa aprovada deve estar presente na mistura que constitui esse produto, deve presumir‑se que o seu objetivo é alcançar o efeito pretendido por um produto biocida. Com efeito, a ação de um produto biocida baseia‑se, em princípio, na ação da substância ativa que contém e não nas outras substâncias presentes nesse produto, que se presume terem um papel secundário (por exemplo, contribuir para a forma, composição ou comercialização, ou mesmo reforçar a ação dessa substância ativa). Por conseguinte, há geralmente que presumir que o produto em causa é igualmente «biocida», a menos que se constate que o produto em causa não prossegue a finalidade biocida e que, com base em considerações químicas, a substância ativa contida nesse produto não atua pelo seu meio de ação biocida, pelo que a presença dessa substância ativa é justificada por outras razões que não estão relacionadas com o meio de ação ou finalidade biocidas. Daqui resulta que a utilização de uma substância ativa cria uma presunção ilidível de que o produto que contém essa substância é, de facto, um produto biocida, nomeadamente quando a referida substância foi avaliada e aprovada com base no Regulamento n.o 528/2012.

79.

Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que responder à questão prejudicial que o artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 528/2012 deve ser interpretado no sentido de que, quando uma substância ativa contida num produto tenha sido aprovada por um regulamento de execução da Comissão, ao abrigo do artigo 9.o, n.o 1, alínea a), ou do artigo 89.o, n.o 1, terceiro parágrafo, deste regulamento, presume‑se que a condição que consiste em «control[ar] de qualquer outra forma, por meios que não sejam a simples ação física ou mecânica» na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do referido regulamento está preenchida. No âmbito de um processo judicial, esta presunção só pode ser ilidida se o meio de ação biocida dessa substância ativa puder ser considerado excluído no que respeita a esse produto. A referida presunção é, contudo, inilidível se o referido produto for composto por uma única substância ativa aprovada ou se a sua composição for idêntica à do produto biocida apresentado como representativo no pedido de aprovação da substância ativa.

V. Conclusão

80.

Tendo em conta o que precede, proponho que o Tribunal de Justiça responda do seguinte modo à questão prejudicial submetida pelo Oberlandesgericht Köln (Tribunal Regional Superior de Colónia, Alemanha):

O artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento (UE) n.o 528/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2012, relativo à disponibilização no mercado e à utilização de produtos biocidas, conforme alterado pelo Regulamento Delegado (UE) n.o 736/2013 da Comissão, de 17 de maio de 2013, e pelo Regulamento (UE) n.o 334/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de março de 2014, deve ser interpretado no sentido de que, quando uma substância ativa contida num produto tenha sido aprovada por um regulamento de execução da Comissão, ao abrigo do artigo 9.o, n.o 1, alínea a), ou do artigo 89.o, n.o 1, terceiro parágrafo, deste regulamento, presume‑se que a condição que consiste em «control[ar] de qualquer outra forma, por meios que não sejam a simples ação física ou mecânica», na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do referido regulamento está preenchida. No âmbito de um processo judicial, esta presunção só pode ser ilidida se o meio de ação biocida dessa substância ativa puder ser considerado excluído no que respeita a esse produto. A referida presunção é, contudo, inilidível se o referido produto for composto por uma única substância ativa aprovada ou se a sua composição for idêntica à do produto biocida apresentado como representativo no pedido de aprovação da substância ativa.


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2012, relativo à disponibilização no mercado e à utilização de produtos biocidas (JO 2012, L 167, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento Delegado (UE) n.o 736/2013 da Comissão, de 17 de maio de 2013 (JO 2013, L 204, p. 25), e pelo Regulamento (UE) n.o 334/2014 do Parlamento e do Conselho, de 11 de março de 2014 (JO 2014, L 103, p. 22).

( 3 ) Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Darie (C‑592/18, a seguir «Acórdão Darie, EU:C:2019:1140, n.os 28 a 53).

( 4 ) Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de fevereiro de 1998, relativa à colocação de produtos biocidas no mercado (JO 1998, L 123, p. 1).

( 5 ) V., nomeadamente, Acórdão de 1 de março de 2012, Söll (C‑420/10, a seguir «Acórdão Söll, EU:C:2012:111), e Acórdão Darie, n.o 29.

( 6 ) Retificação ao Regulamento [n.o 334/2014] (JO 2015, L 305, p. 55).

( 7 ) Regulamento de Execução da Comissão, de 10 de maio de 2017, que aprova o dióxido de silício/Kieselguhr como substância ativa existente para utilização em produtos biocidas do tipo 18 (JO 2017, L 120, p. 7).

( 8 ) Esta substância ativa é um mineral obtido a partir de escamas microscópicas de diatomáceas mortas e consiste predominantemente em dióxido de silício.

( 9 ) Isto é, o verme rastejante, em especial o ácaro vermelho. O órgão jurisdicional de reenvio explica que, pelo contacto com o kieselguhr, os insetos e os ácaros prejudiciais morrem desidratados pelo facto de esta substância ativa afetar a camada de cera que se encontra na respetiva carapaça e que os protege da desidratação.

( 10 ) V. considerandos 3 a 5 do Regulamento de Execução 2017/794.

( 11 ) No anexo V do Regulamento n.o 528/2012, que contém a lista de produtos biocidas abrangidos por este regulamento, estes são classificados em 22 tipos e reunidos em quatro grupos. O grupo 3 diz respeito aos «Produtos de controlo de animais prejudiciais» e inclui o tipo de produtos 18, intitulado «Inseticidas, acaricidas e produtos destinados a controlar outros artrópodes», relativo aos produtos utilizados no controlo dos artrópodes (por exemplo, insetos, aracnídeos e crustáceos) por outros meios que não sejam os de repeli‑los ou atraí‑los.

( 12 ) Segundo a Comissão, o referido produto é composto por 100 % do princípio ativo kieselguhr, todavia, isto não resulta explicitamente dos autos do processo.

( 13 ) Mais precisamente, a Biofa intentou contra a Sikma uma ação destinada a obter a cessação de comportamento, a comunicação de informações, a declaração da obrigação de indemnização e o reembolso das despesas de interpelação, com fundamento nos §§ 3 e 3a da Gesetz gegen den unlauteren Wettbewerb (Lei Relativa à Repressão da Concorrência Desleal), na versão constante da Comunicação de 3 de março de 2010 (BGBl. 2010 I, p. 254), alterada pelo § 5 da Lei de 18 de abril de 2019 (BGB1. 2019 I, p. 466), lidos em conjugação com o artigo 95.o, n.os 2 e 3, do Regulamento n.o 528/2012.

( 14 ) Segundo a Sikma, a adoção do Regulamento de Execução n.o 2017/794 assenta em conclusões que datam dos anos 1990 e foi examinada, pela última vez, no outono de 2016, pela autoridade competente de avaliação francesa. Essas conclusões assentam em dados obsoletos e já não são conformes com o estado atual dos conhecimentos científicos, segundo os quais o meio de ação do kieselguhr é claro e exclusivamente físico, sem nenhuma indicação de efeito químico. A este respeito, a Biofa refere, nas suas observações escritas, que decorre de uma Decisão da Câmara de Recurso da ECHA de 2 de setembro de 2019 (processo n.o A‑011‑2019) que, em 15 de agosto de 2019, a Sikma interpôs recurso da apreciação da ECHA com fundamento nessa mesma argumentação, mas que recurso foi julgado inadmissível por essa Câmara de Recurso.

( 15 ) Além disso, resulta das observações da Sikma que esta, por carta de 19 de setembro de 2019 e recebida na Comissão em 27 de setembro de 2019, pediu à Comissão (DG Saúde), ao abrigo do artigo 12.o, n.o 2, do Regulamento n.o 528/2012, a revisão e a alteração da classificação da substância ativa kieselguhr como biocida, bem como a revogação do Regulamento de Execução 2017/794. Na resposta escrita a uma questão colocada a este respeito pelo Tribunal de Justiça, a Comissão confirmou ter recebido essa carta e ter‑lhe respondido em 10 de janeiro de 2020, indicando que não podia dar seguimento ao pedido da Sikma pelo facto de as disposições do artigo 12.o do Regulamento n.o 528/2012 se aplicarem no âmbito do procedimento de renovação da aprovação de uma substância ativa e que a renovação da aprovação do kieselguhr como substância ativa será examinada se for apresentado um pedido de renovação 550 dias antes da data do termo da autorização (em 31 de outubro de 2028). Além disso, a Comissão respondeu aos argumentos que visam contestar a qualificação do kieselguhr como substância ativa indicando, por um lado, que, aquando da adoção da Diretiva 98/8, o Conselho e o Parlamento inscreveram expressamente o kieselguhr na lista das substâncias ativas e, por outro, que a aprovação do kieselguhr como substância ativa biocida no âmbito do Regulamento n.o 528/2012 foi também recomendada pela ECHA, conforme exposto no parecer do seu Comité de Produtos Biocidas, que recebeu o total sem reserva dos Estados‑Membros. Segundo a Comissão, esse pedido de revisão da classificação da substância ativa foi reiterado pela Sikma por outra carta de 17 de julho de 2020. A Comissão respondeu igualmente por carta de 12 de agosto de 2020, remetendo para a sua resposta de 10 de janeiro de 2020.

( 16 ) A legislação relativa aos produtos biocidas tem origem nas preocupações, expressas pelo Conselho no decurso do ano de 1989 — nos debates consagrados à Diretiva 91/414/CEE do Conselho, de 15 de julho de 1991, relativa à colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado (JO 1991, L 230, p. 1) —, quanto à inexistência de disposições comunitárias harmonizadas relativas aos produtos biocidas, anteriormente conhecidos sob o nome de «pesticidas não agrícolas». Considerando que esses produtos, por um lado, são necessários para o controlo dos organismos nocivos para o homem e para a saúde animal e dos organismos que provocam danos nos produtos naturais ou transformados, mas, por outro lado, podem representar vários riscos devido às suas propriedades intrínsecas e aos padrões de utilização que lhes estão associados, o Conselho convidou a Comissão a analisar a situação nos Estados‑Membros e as possibilidades de ação a nível comunitário (considerandos 2 e 3 da Diretiva 98/8). Durante essa análise, a Comissão constatou diferenças nas regulamentações nos Estados‑Membros que podiam constituir entraves não só às trocas comerciais dos produtos biocidas como também às trocas comerciais dos produtos com eles tratados e afetar, assim, o funcionamento do mercado interno. Por conseguinte, propôs o desenvolvimento de um quadro regulamentar relativo à colocação de produtos biocidas no mercado para utilização, tendo como condição um elevado grau de proteção dos seres humanos, dos animais e do ambiente (considerandos 4 e 5 da Diretiva 98/8). Esta proposta conduziu à adoção da Diretiva 98/8.

( 17 ) A adoção de um regulamento foi considerada o instrumento jurídico adequado para substituir a Diretiva 98/8, a fim de fixar regras claras, pormenorizadas e diretamente aplicáveis, assegurando que os requisitos jurídicos sejam aplicados em simultâneo e de modo harmonizado em toda a União (considerandos 5 e 6 do Regulamento n.o 528/2012).

( 18 ) V. considerandos 2 e 52 do Regulamento n.o 528/2012.

( 19 ) Primeiro travessão do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 528/2012.

( 20 ) Segundo travessão do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 528/2012.

( 21 ) Segundo o artigo 3.o, n.o 2, alíneas a) e b), do Regulamento n.o 528/2012, os termos «substância» e «mistura» são definidos em conformidade com o artigo 3.o do Regulamento (CE) n.o 1907/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de dezembro de 2006, relativo ao registo, avaliação, autorização e restrição dos produtos químicos (REACH), que cria a Agência Europeia dos Produtos Químicos, que altera a Diretiva 1999/45/CE e revoga o Regulamento (CEE) n.o 793/93 do Conselho e o Regulamento (CE) n.o 1488/94 da Comissão, bem como a Diretiva 76/769/CEE do Conselho e as Diretivas 91/155/CEE, 93/67/CEE, 93/105/CE e 2000/21/CE da Comissão (JO 2006, L 396, p. 1). Nos termos desta disposição, uma «substância» é definida como «um elemento químico e seus compostos, no estado natural ou obtidos por qualquer processo de fabrico, incluindo qualquer aditivo necessário para preservar a sua estabilidade e qualquer impureza que derive do processo utilizado, mas excluindo qualquer solvente que possa ser separado sem afetar a estabilidade da substância nem modificar a sua composição», e o termo «mistura», como «uma mistura ou solução composta por duas ou mais substâncias».

( 22 ) O artigo 2.o, n.o 1, alínea a), primeiro parágrafo, da Diretiva 98/8 definia os produtos biocidas como «[s]ubstâncias ativas e preparações que contenham uma ou mais substâncias ativas, apresentadas sob a forma em que são fornecidas ao utilizador, e que se destinem a destruir, travar o crescimento, tornar inofensivo, evitar ou controlar de qualquer outra forma a ação de um organismo prejudicial por mecanismos químicos ou biológicos».

( 23 ) V. Acórdãos Söll, n.o 24, e Darie, n.os 31 e 32.

( 24 ) V. Acórdão Darie, n.o 29 e jurisprudência referida.

( 25 ) Esta definição corresponde, em substância, à da Diretiva 98/8, que se referia «[à]s substâncias e micro‑organismos, incluindo vírus e fungos, com um[a] ação geral ou específica sobre ou contra organismos prejudiciais» (o sublinhado é meu).

( 26 ) V., neste sentido, Acórdão Darie, n.os 49 e 52.

( 27 ) Por outro lado, como no âmbito do anexo V da Diretiva 98/8, estas finalidades são mais concretizadas no âmbito do anexo V do Regulamento n.o 528/2012, que contém uma série de descrições dos 22 tipos de produtos biocidas, agrupando‑os em quatro grupos, a saber, grupo 1 («Desinfetantes»), grupo 2 («Conservantes»), grupo 3 («Produtos de controlo de animais prejudiciais») e grupo 4 («Outros produtos biocidas»).

( 28 ) Acórdão Darie, n.o 41, que se refere ao Acórdão Söll, n.o 28. V., igualmente, anexo V do Regulamento n.o 528/2012, que inclui produtos de ação preventiva.

( 29 ) Acórdão Darie, n.os 42 e 43.

( 30 ) Acórdão Darie, n.o 35.

( 31 ) Acórdão Darie, n.os 36 e 37. V., igualmente, Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Darie (C‑592/18, EU:C:2019:880, n.o 27).

( 32 ) Acórdão Darie, n.o 38. O sublinhado é meu.

( 33 ) Artigo 6.o do Regulamento n.o 528/2012.

( 34 ) Artigo 8.o, n.o 1, do Regulamento n.o 528/2012.

( 35 ) Artigo 8.o, n.o 4, do Regulamento n.o 528/2012.

( 36 ) Esse regulamento de execução é adotado em conformidade com o procedimento de exame a que se refere o artigo 82.o, n.o 3, do Regulamento n.o 528/2012, que remete para o procedimento previsto no artigo 5.o do Regulamento (UE) n.o 182/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de fevereiro de 2011, que estabelece as regras e os princípios gerais relativos aos mecanismos de controlo pelos Estados‑Membros do exercício das competências de execução pela Comissão (JO 2011, L 55, p. 13).

( 37 ) Artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 528/2012.

( 38 ) Artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento n.o 528/2012.

( 39 ) Artigo 6.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 528/2012.

( 40 ) Artigo 4.o, n.o 3, alíneas c) e d), do Regulamento n.o 528/2012.

( 41 ) Artigo 9.o, n.o 2, do Regulamento n.o 528/2012. A lista dos fornecedores de substâncias ativas está disponível (em inglês) no sítio Internet da ECHA: https://echa.europa.eu/pt/information‑on‑chemicals/active‑substance‑suppliers.

( 42 ) Artigo 17.o, n.os 1 a 4, do Regulamento n.o 528/2012.

( 43 ) Acórdão Darie, n.o 34. O sublinhado é meu.

( 44 ) V. secção 2.1.5., intitulada «Mode of action», do Relatório de avaliação do dióxido de silício kieselguhr de novembro de 2016, disponível (em inglês) no sítio Internet da ECHA: https://echa.europa.eu/documents/10162/6bff79eb‑7faa‑183a‑9498‑5ca02d5ebe0d.

( 45 ) V. considerandos 2 a 5 do Regulamento de Execução 2017/794.

( 46 ) Como salienta a Comissão nas suas observações escritas, o kieselguhr já figurava na Diretiva 98/8 como substância suscetível de ser incluída na lista das substâncias de base (v. artigo 2.o, n.o 1, alínea c), sexto travessão, desta diretiva). O kieselguhr foi, posteriormente, também incluído na lista das substâncias ativas existentes do anexo I do Regulamento (CE) n.o 2032/2003 da Comissão, de 4 de novembro de 2003, relativo à segunda fase do programa de trabalho de 10 anos mencionado no n.o 2 do artigo 16.o da [Diretiva 98/8] e que altera o Regulamento (CE) n.o 1896/2000 (JO 2003, L 307, p. 1).

( 47 ) V., neste sentido, Acórdão Darie, n.o 38.

( 48 ) V. n.o 39 das presentes conclusões.

( 49 ) Além disso, ao abrigo do artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 528/2012, a Comissão pode proceder à revisão da aprovação da substância ativa para um ou mais tipos de produto a pedido de um Estado‑Membro «se houver indícios de que a utilização da substância ativa em produtos biocidas […] suscita preocupações significativas quanto à segurança desses produtos biocidas […]».

( 50 ) Se a substância ativa tiver sido aprovada por um regulamento de execução, o órgão jurisdicional nacional pode submeter ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial, nos termos do artigo 267.o TFUE, para que este interprete as disposições desse regulamento de execução quanto ao alcance da aprovação dos produtos em causa. No âmbito desse pedido de decisão prejudicial, o Tribunal de Justiça não se pronuncia sobre o mérito do litígio e não pode decidir se o produto em causa deve ser qualificado de «biocida», sendo tal apreciação da competência exclusiva do órgão jurisdicional de reenvio.

( 51 ) V. nota 29 das presentes conclusões. O Tribunal de Justiça considerou que quando espécies bacterianas, enzimas ou outros componentes de um produto impedem a criação ou a manutenção do ambiente de vida dos organismos prejudiciais a que esse produto se destina, retirando‑lhes o ambiente alimentar, atuam, enquanto substância ativa, preventivamente, contra esses organismos (v. Acórdão Darie, n.o 45). Do mesmo modo, um produto que não mata algas, mas que, quando é vertido na água, provoca, pela ação química da hidrólise, a aglutinação das mesmas, o que facilita a sua remoção mecânica prevista no folheto informativo do produto em causa, está abrangido pelo conceito de «produto biocida», tendo em conta a ligação estreita entre a hidrólise e os seus efeitos que consistem em exercer um melhor controlo sobre os organismos prejudiciais visados (v. Acórdão Söll, n.os 29 e 30).

( 52 ) Acórdão Darie, n.os 42 e 43.

( 53 ) V., neste sentido, Acórdãos Söll, n.o 27, e Darie, n.o 44.

( 54 ) Acórdãos Söll, n.os 24, 31 e dispositivo, e Darie, n.o 30.

( 55 ) Acórdão Darie, n.os 33 e 34.