ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Sexta Secção)

18 de maio de 2022 ( *1 )

«Concorrência — Concentrações — Setor do fabrico de instrumentos médicos — Decisão de aplicação de coimas por realização de uma operação de concentração antes da sua notificação e autorização — Artigo 4.o, n.o 1, artigo 7.o, n.o 1, e artigo 14.o do Regulamento (CE) n.o 139/2004 — Operação provisória e operação final — Estrutura de detenção em carteira por conta — Concentração única — Direitos de defesa — Confiança legítima — Princípio da legalidade — Proporcionalidade — Montante das coimas — Circunstâncias atenuantes»

No processo T‑609/19,

Canon Inc., com sede em Tóquio (Japão), representada por U. Soltész, W. Bosch, C. von Köckritz, K. Winkelmann, M. Reynolds, J. Schindler, D. Arts e W. Devroe, advogados,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por G. Conte e C. Urraca Caviedes, na qualidade de agentes,

recorrida,

apoiada por:

Conselho da União Europeia, representado por A.‑L. Meyer e O. Segnana, na qualidade de agentes,

interveniente,

que tem por objeto um pedido apresentado ao abrigo do artigo 263.o TFUE, destinado, a título principal, à anulação da Decisão C(2019) 4559 final da Comissão, de 27 de junho de 2019, que aplica coimas por não notificação de uma concentração em violação do artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 139/2004 do Conselho e por realização de uma concentração em violação do artigo 7.o, n.o 1, do referido regulamento (processo M.8179 — Canon/Toshiba Medical Systems Corporation), e, a título subsidiário, à supressão ou à redução do montante das coimas aplicadas à recorrente,

O TRIBUNAL GERAL (Sexta Secção),

composto por: A. Marcoulli, presidente, S. Frimodt Nielsen e R. Norkus (relator), juízes,

secretário: M. Zwozdziak‑Carbonne, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 8 de julho de 2021,

profere o presente

Acórdão ( 1 )

I. Antecedentes do litígio

1

A recorrente, a Canon Inc., é uma sociedade multinacional especializada no fabrico de produtos óticos e de tratamento de imagem, incluindo máquinas fotográficas, câmaras de vídeo, fotocopiadoras, fotorrepetidores e impressoras para computadores. Desde que adquiriu a Toshiba Medical Systems Corporation (a seguir «TMSC»), a recorrente também é especializada no fabrico de equipamento médico.

2

A TMSC, ativa no desenvolvimento, fabrico e venda de equipamento médico, e na prestação de serviços técnicos para equipamento médico, era, antes da sua aquisição pela recorrente, uma filial detida a 100 % pela Toshiba Corporation (a seguir «Toshiba»). Na sequência dessa aquisição, a TMSC foi passou a designar‑se «Canon Medical Systems Corporation».

A. Aquisição da TMSC pela recorrente

3

No início de 2016, a Toshiba sofreu significativas dificuldades financeiras. Em especial, tendo em conta as previsões de resultados, a Toshiba pensava correr o risco de ter de comunicar resultados negativos aos acionistas pelo exercício de 2015 (encerrado em 31 de março de 2016). Uma vez que nenhuma sociedade pública de dimensão análoga à da Toshiba tinha comunicado resultados negativos aos acionistas num período recente no Japão, era difícil prever o impacto desse acontecimento no desempenho comercial, na condição financeira e no valor de mercado da Toshiba.

4

Consequentemente, a Toshiba iniciou um procedimento concursal acelerado para a venda da TMSC.

5

Num primeiro momento, em 19 de fevereiro de 2016, a Toshiba propôs aos candidatos uma estrutura de transação, qualificada de proposta «80/20».

6

No âmbito do procedimento concursal, cada candidato apresentou propostas que tinham em consideração a situação financeira da Toshiba. Na sua proposta, a recorrente propôs uma nova estrutura transacional à Toshiba. A razão de ser desta nova estrutura era que a venda da TMSC fosse reconhecida como entrada de capital nas contas da Toshiba até 31 de março de 2016, sem que, todavia, a recorrente adquirisse formalmente o seu controlo antes de obter as autorizações necessárias junto das autoridades da concorrência competentes.

7

Graças à nova estrutura transacional proposta pela recorrente, segundo a Toshiba, a TMSC deixava de ser uma das suas filiais face aos princípios contabilísticos geralmente aceites nos Estados Unidos («United States GAAP») (considerando 13 da decisão impugnada).

8

Segundo a Toshiba, após ter examinado a viabilidade e os efeitos da proposta de cada candidato, considerou que a proposta da recorrente era a mais competitiva e a única em que a transferência da totalidade do preço de compra não estava sujeita a autorizações abrangidas pelo controlo das concentrações (considerando 14 da decisão impugnada).

9

A aquisição da TMSC pela recorrente foi anunciada publicamente em 17 de março de 2016. No mesmo dia, a recorrente anunciou que tinha celebrado com a Toshiba um acordo de cessão de participações relativo à aquisição da TMSC à Toshiba, e a Toshiba e a TMSC anunciaram que a Toshiba tinha aceitado vender a TMSC à recorrente e que a TMSC deixara de ser uma filial do grupo Toshiba.

10

Na sequência da proposta da recorrente, a TMSC converteu as suas 134980060 ações ordinárias e criou novas categorias de ações para poder executar a estrutura de transação.

11

Em 15 de março de 2016, foram alterados os estatutos da TMSC para neles se incluírem as novas categorias de ações e ações adicionais.

12

Primeiro, a TMSC criou três categorias de ações:

as ações da categoria A (ações com direito de voto),

a ação da categoria B (ação sem direito de voto) e

as ações de categoria C (ações com direito de voto e opção de resgate que pode ser exercida pela TMSC).

13

Segundo, a TMSC converteu todas as ações ordinárias em ações da categoria C e criou opções sobre ações para o resgate obrigatório de todas as ações da categoria C.

14

Terceiro, em 16 de março de 2016, a TMSC converteu as ações da categoria C e emitiu em contrapartida:

20 ações da categoria A,

uma ação da categoria B e

100 opções sobre ações associadas às ações da categoria C.

15

A proposta da recorrente consistia numa estrutura de operações em duas fases.

16

Num primeiro momento, em 17 de março de 2016, a recorrente e a Toshiba celebraram um «Shares and Other Securities Transfer Agreement», pelo qual a recorrente adquiriu a ação sem direito de voto da categoria B por 4930 ienes (cerca de 40 euros) e 100 opções sobre ações com direito de voto da categoria C da TMSC por 665497806400 ienes (cerca de 5280000000 euros), direito de voto que, no entanto, não podia ser exercido enquanto as opções sobre ações não fossem exercidas. No mesmo dia, a MS Holding, veículo de titularização criado especificamente para efeitos da operação em 8 de março de 2016, e a Toshiba celebraram um «Excluded share Transfert Agreement», através do qual a MS Holding adquiriu as 20 ações com direito de voto remanescentes da categoria A da TMSC por 98600 ienes (cerca de 800 euros). Estas duas operações são designadas conjuntamente pela expressão «operação provisória» na Decisão C(2019) 4559 final da Comissão, de 27 de junho de 2019, que aplica coimas por não notificação de uma concentração em violação do artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 139/2004 e pela realização de uma concentração em violação do artigo 7.o, n.o 1, do mesmo regulamento (processo M.8179 — Canon/Toshiba Medical Systems Corporation; a seguir «decisão impugnada»).

17

Num segundo momento, em 19 de dezembro de 2016, a recorrente, após ter obtido a última autorização de concentração pertinente, exerceu as suas 100 opções sobre ações da categoria C para adquirir as ações com direito de voto subjacentes da TMSC, ao passo que a TMSC adquiriu a ação sem direito de voto da categoria B da recorrente por 4930 ienes (cerca de 40 euros) e as restantes 20 ações com direito de voto da categoria A da MS Holding por 36098600 ienes (cerca de 300000 euros). Estas duas operações são designadas conjuntamente, na decisão impugnada, pela denominação «operação final».

18

Todas estas operações são designadas, em conjunto, na decisão impugnada, pelo termo «concentração».

B. Fase de pré‑notificação

19

Em 11 de março de 2016, a recorrente enviou à Comissão Europeia um pedido de designação de uma equipa tendo em conta o seu projeto para adquirir o controlo exclusivo da TMSC na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento (CE) n.o 139/2004 do Conselho, de 20 de janeiro de 2004, relativo ao controlo das concentrações de empresas («Regulamento CE das Concentrações») (JO 2004, L 24, p. 1).

20

Em 5 de abril de 2016, por correio eletrónico, a recorrente enviou à Comissão a parte do formulário CO relativa à estrutura da operação prevista e uma apresentação sucinta que descrevia as várias fases da operação.

21

Em 28 de abril de 2016, a recorrente apresentou à Comissão um primeiro projeto de formulário CO. Em 11 de maio de 2016, esta última enviou à recorrente várias questões sobre o projeto de formulário CO, três das quais sobre a estrutura da operação, a que a recorrente respondeu em 27 de maio de 2016.

C. Notificação e decisão de autorização da concentração

22

Em 12 de agosto de 2016, a recorrente notificou à Comissão, nos termos do artigo 4.o do Regulamento n.o 139/2004, a aquisição do controlo exclusivo da TMSC pela aquisição de 100 % das suas ações, em conformidade com o procedimento normal de controlo das concentrações. A recorrente salientou que se devia entender que a notificação abrangia toda a concentração, isto é, a transação provisória e a transação final.

23

No âmbito da apreciação da concentração, a investigação da Comissão não revelou qualquer indício suscetível de expor problemas em termos do direito da concorrência. Foi por esta razão que, em 19 de setembro de 2016, a Comissão adotou, em conformidade com o artigo 6.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 139/2004 e com o artigo 57.o do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (EEE), uma decisão de autorização.

D. Procedimento administrativo e decisão impugnada

24

Em 18 de março de 2016, alguns dias depois de ter recebido o pedido da recorrente de que fosse designada uma equipa para o seu projeto de adquisição do controlo exclusivo da TMSC, a Comissão rececionou uma denúncia de um denunciante anónimo.

25

Em 11 de maio de 2016, a Comissão enviou à recorrente um pedido de informações sobre o seu primeiro projeto de formulário de notificação de 28 de abril de 2016, em resposta ao qual a recorrente apresentou as suas observações.

26

Em 29 de julho de 2016, a Comissão informou a recorrente de que tinha aberto uma investigação suscetível de conduzir à aplicação de coimas nos termos do artigo 14.o, n.o 2, alíneas a) e b), do Regulamento n.o 139/2004 devido a possíveis violações da obrigação de suspensão prevista no artigo 7.o, n.o 1, deste regulamento e da obrigação de notificação prevista no artigo 4.o, n.o 1, do referido regulamento.

27

Em 5 de setembro de 2016, a Comissão recebeu um memorando adicional da recorrente.

28

Em 6 de outubro de 2016, realizou‑se uma reunião entre a Comissão e a recorrente.

29

Por decisão de 7 de outubro de 2016, tomada ao abrigo do artigo 11.o, n.o 3, do Regulamento n.o 139/2004, a Comissão pediu à recorrente, à TMSC e à Toshiba que fornecessem informações e documentos internos. A recorrente e a TMSC responderam em 4 de novembro de 2016. A Toshiba deu as suas respostas entre 4 de novembro e 1 de dezembro de 2016.

30

Em 5 de novembro de 2016, a recorrente enviou uma carta à Comissão com as suas observações sobre a reunião de 6 de outubro de 2016 e a decisão de 7 de outubro de 2016.

31

Na sequência de mensagens de correio eletrónico da Comissão, a Toshiba, a TMSC e a recorrente apresentaram documentos adicionais, em 15 de fevereiro, 24 de fevereiro e 15 de março de 2017, respetivamente.

32

Em 6 de julho de 2017, nos termos do artigo 18.o do Regulamento n.o 139/2004, a Comissão enviou à recorrente uma comunicação de objeções, na qual conclui, a título preliminar, que a recorrente tinha violado intencionalmente, ou, pelo menos, por negligência, o artigo 4.o, n.o 1, e o artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004, e na qual refere, por conseguinte, considerar a aplicação de coimas ao abrigo do artigo 14.o, n.o 2, do referido regulamento.

33

Em 15 de março de 2018, a recorrente apresentou observações escritas e pediu para ser ouvida.

34

Em 3 de maio de 2018, realizou‑se uma audição, na qual a recorrente pôde apresentar os seus argumentos.

35

Em 8 de maio de 2018, a Comissão enviou à recorrente, por correio eletrónico, perguntas a que a recorrente não tinha podido responder durante a audição de 3 de maio de 2018. A recorrente apresentou as suas respostas em 24 de maio de 2018.

36

Em 11 de junho de 2018, a Comissão recebeu informações adicionais da parte da recorrente. Por outro lado, em resposta à comunicação de objeções, a recorrente pediu à Comissão que pusesse termo ao processo por infração à luz do critério definido pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 31 de maio de 2018, Ernst & Young (C‑633/16, EU:C:2018:371).

37

Em 30 de novembro de 2018, a Comissão publicou uma comunicação de objeções adicional, na qual conclui, a título preliminar, que o comportamento da recorrente constitui uma infração ao artigo 4.o, n.o 1, e ao artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004, também com base na interpretação do quadro jurídico adotada no Acórdão de 31 de maio de 2018, Ernst & Young (C‑633/16, EU:C:2018:371).

38

Em 21 de janeiro de 2019, a recorrente apresentou as suas respostas à comunicação de objeções adicional e pediu que fosse realizada uma segunda audição, que teve lugar em 14 de fevereiro de 2019.

39

Em 25 de fevereiro de 2019, a Comissão enviou à recorrente, por correio eletrónico, perguntas a que a recorrente não tinha podido responder durante a audição de 14 de fevereiro de 2019. A recorrente apresentou as suas respostas em 13 de março de 2019.

40

Em 3 de abril de 2019, a recorrente remeteu à Comissão comentários adicionais sobre a abordagem desta última no que respeita ao Acórdão de 31 de maio de 2018, Ernst & Young (C‑633/16, EU:C:2018:371).

41

Em 27 de junho de 2019, a Comissão adotou a decisão impugnada.

42

Os quatro primeiros artigos do dispositivo da decisão impugnada têm a seguinte redação:

«Artigo 1.o

Ao não notificar uma concentração de dimensão europeia antes da sua realização (em 17 de março de 2016), sem para tal ser expressamente autorizada pelo artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004, ou por uma decisão tomada em aplicação do artigo 7.o, n.o 3, deste regulamento, a [recorrente] violou, pelo menos por negligência, o artigo 4.o, n.o 1, do referido regulamento.

Artigo 2.o

Ao realizar uma concentração de dimensão europeia (em 17 de março de 2016), antes da sua autorização (em 19 de setembro de 2016), a [recorrente] violou, pelo menos por negligência, o artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento […] n.o 139/2004.

Artigo 3.o

É aplicada uma coima de 14000000 euros à [recorrente], em conformidade com o artigo 14.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento (CE) n.o 139/2004, pela infração referida no artigo 1.o da presente decisão.

Artigo 4.o

É aplicada uma coima de 14000000 euros à [recorrente], em conformidade com o artigo 14.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento (CE) n.o 139/2004, pela infração referida no artigo 2.o da presente decisão.»

II. Tramitação processual e pedidos das partes

43

Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 9 de setembro de 2019, a recorrente interpôs o presente recurso.

44

Em 27 de novembro de 2019, a Comissão apresentou a sua contestação.

45

Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 14 de janeiro de 2020, o Conselho da União Europeia pediu para intervir no presente processo, em apoio dos pedidos da Comissão.

46

Por decisão de 5 de março de 2020, o presidente da Sexta Secção do Tribunal Geral admitiu essa intervenção. O Conselho apresentou o articulado de intervenção em 24 de abril de 2020, tendo as partes principais apresentado observações sobre esse articulado nos prazos fixados.

47

As partes principais apresentaram réplica e tréplica, em 18 de março e 26 de junho de 2020, respetivamente.

48

Por carta de 28 de julho de 2020, a recorrente apresentou um pedido de realização de audiência de alegações, ao abrigo do artigo 106.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral.

49

A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

anular a decisão impugnada;

a título subsidiário, anular ou reduzir significativamente as coimas aplicadas;

condenar a Comissão nas despesas.

50

A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

negar provimento ao recurso;

condenar a recorrente nas despesas.

51

O Conselho conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne julgar integralmente improcedente a exceção de ilegalidade arguida relativamente ao artigo 14.o, n.o 2, e ao artigo 14.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 139/2004.

III. Questão de direito

52

A recorrente invoca três fundamentos de recurso, relativos, o primeiro, à não violação, por ela, do artigo 4.o, n.o 1, e do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004; o segundo, à violação do artigo 14.o do Regulamento n.o 139/2004; e, o terceiro, à violação do artigo 18.o do Regulamento n.o 139/2004 e do artigo 48.o, n.o 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

A. Quanto ao primeiro fundamento, relativo à não violação, pela recorrente, do artigo 4.o, n.o 1, e do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004

53

A título preliminar, importa salientar que, no considerando 99 da decisão impugnada, a Comissão resume a abordagem que adotou para concluir pela violação do artigo 4.o, n.o 1, e do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004, do seguinte modo:

«[…]

a)

A operação provisória e a operação final constituíam, em conjunto, uma concentração única na aceção do artigo 3.o do Regulamento [n.o 139/2004] e da jurisprudência dos tribunais da União, que consistiu na aquisição do controlo da TMSC pela [recorrente] (v. secção 4.1).

B)

Fazendo parte de uma concentração única, as operações provisória e final estavam intrinsecamente ligadas. Com efeito, a operação provisória era uma fase necessária para se conseguir uma alteração ao controlo da TMSC, que apresentava uma ligação funcional direta com a realização da aquisição do controlo da TMSC pela [recorrente]. Por estas razões, a operação provisória contribuiu (pelo menos em parte) para a mudança de controlo da TMSC na aceção do Acórdão Ernst & Young. Ao proceder à operação provisória, a [recorrente] realizou parcialmente a concentração única, que consistia na aquisição [, por ela,] do controlo da TMSC (v. secção 4.2).

c)

Pelo facto de ter realizado parcialmente a concentração que consistiu na aquisição do controlo da TMSC antes da notificação à Comissão e autorização por esta última, [a recorrente] violou o artigo 4.o, n.o 1, e o artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento [n.o 139/2004] (v. secção 4.3).»

54

O primeiro fundamento articula‑se em quatro partes. A primeira parte é relativa ao facto de a operação provisória não constituir uma aquisição de controlo pela recorrente. A segunda parte é relativa à inexistência de realização parcial, violando o artigo 4.o, n.o 1, e o artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004. A terceira parte é relativa a alegados erros manifestos cometidos na aplicação do conceito de «realização parcial» de uma «concentração única». A quarta parte é relativa ao facto de o procedimento de controlo ex ante das concentrações nunca ter sido elidido.

1.   Quanto à primeira parte, relativa ao facto de a operação provisória não constituir uma aquisição de controlo

55

No âmbito da primeira parte, a recorrente sustenta que a operação provisória não conduziu a uma aquisição de controlo por ela e não pode, por conseguinte, constituir um caso de realização antecipada de uma operação de concentração.

56

Esta primeira parte subdivide‑se em duas partes. No âmbito da primeira subparte, a recorrente sustenta que só haveria realização antecipada de uma operação de concentração na hipótese de uma aquisição do controlo. No âmbito da segunda subparte, a recorrente sustenta que a jurisprudência anterior confirma que a mudança no controlo é o único critério pertinente.

a)   Quanto à primeira subparte, segundo a qual a realização antecipada de uma concentração pressupõe a aquisição do controlo

57

A recorrente alega que resulta da redação do artigo 4.o, n.o 1, e do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004 que só há realização antecipada de uma operação de concentração quando há aquisição do controlo. É pacífico que o conceito de «concentração», utilizado nessas disposições, deve ser definido à luz do artigo 3.o do referido regulamento, segundo o qual as concentrações são aquisições que conduzem a uma mudança de controlo duradoura, direto ou indireto. Além disso, a recorrente remete para os n.os 44 e seguintes do Acórdão de 31 de maio de 2018, Ernst & Young (C‑633/16, EU:C:2018:371), segundo os quais a realização antecipada de uma concentração está estreitamente ligada ao conceito de concentração na aceção do artigo 3.o do Regulamento n.o 139/2004, que exige uma aquisição de controlo, no n.o 46 do referido acórdão, segundo o qual apenas as «operações que contribuam para mudar de forma duradoura o controlo da empresa‑alvo» são abrangidas pelo n.o 1 do artigo 7.o do referido regulamento, e nos n.os 49 e 60 do mesmo acórdão, segundo os quais as operações não «[contribuem] para mudar de forma duradoura o controlo da empresa‑alvo» quando não têm uma «ligação funcional direta com a [realização]» da concentração, ou seja, quando, «enquanto [tais]», não têm uma ligação com a mudança no controlo, sendo que este critério exclui todas as operações que têm uma «ligação condicional com a concentração» no sentido de que são «acessórias ou preparatórias» da sua realização. Ora, no considerando 134 da decisão impugnada, a Comissão reconhece expressamente que a recorrente não adquiriu o controlo da TMSC antes da autorização da Comissão de 19 de setembro de 2016. Além disso, a recorrente remete para o Acórdão de 6 de julho de 2010, Aer Lingus Group/Comissão (T‑411/07, EU:T:2010:281), segundo o qual a obrigação de suspensão pretende evitar que a Comissão se encontre numa situação em que uma decisão de incompatibilidade necessitaria de ser completada por uma decisão de dissolução destinada a pôr fim à obtenção do controlo ocorrida antes mesmo que a Comissão se pronuncie sobre os seus efeitos concorrenciais e conclui que o seu âmbito de aplicação não deve ser alargado além do necessário para garantir que as reestruturações das empresas não acarretem um prejuízo duradouro para a concorrência. Por último, o controlo da operação pela Comissão em nenhum momento e de modo algum foi obstaculado, dado que a recorrente só adquiriu o controlo da TMSC após ter obtido todas as autorizações das autoridades da concorrência em causa, entre as quais a da Comissão.

58

A Comissão contesta os argumentos da recorrente.

59

É pacífico entre as partes que durante a operação provisória a TMSC não era controlada pela recorrente.

60

Assim, importa determinar se, como sustenta a recorrente, só pode haver realização antecipada de uma concentração na hipótese de controlo da empresa‑alvo.

61

A este respeito, cumpre recordar que a realização de uma concentração, na aceção do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004, tem lugar logo que as partes numa concentração realizem operações que contribuam para mudar de forma duradoura o controlo da empresa‑alvo (Acórdãos de 31 de maio de 2018, Ernst & Young, C‑633/16, EU:C:2018:371, n.o 46, e de 4 de março de 2020, Marine Harvest/Comissão, C‑10/18 P, EU:C:2020:149, n.o 50).

62

Cumpre assim a exigência de garantir um controlo eficaz das concentrações a circunstância de todas as realizações parciais de uma concentração estarem abrangidas pelo âmbito de aplicação daquele mesmo artigo. Com efeito, se se proibisse às partes numa concentração realizarem‑na através de uma só operação, mas lhes fosse permitido obter o mesmo resultado através de operações parciais sucessivas, reduzir‑se‑ia o efeito útil da proibição imposta pelo artigo 7.o, do Regulamento n.o 139/2004 e far‑se‑ia perigar o caráter prévio do controlo previsto neste regulamento, bem como a prossecução dos seus objetivos (Acórdão de 31 de maio de 2018, Ernst & Young, C‑633/16, EU:C:2018:371, n.o 47).

63

Nesta mesma ótica, o considerando 20 do referido regulamento prevê que é adequado considerar como uma única concentração operações que apresentem ligações estreitas na medida em que estejam ligadas por condição ou assumam a forma de uma série de transações de títulos efetuadas num prazo razoavelmente curto (Acórdão de 31 de maio de 2018, Ernst & Young, C‑633/16, EU:C:2018:371, n.o 48).

64

Todavia, se, embora realizadas no âmbito de uma concentração, não forem necessárias para a mudança no controlo de uma empresa objeto da concentração, essas operações não estão abrangidas pelo artigo 7.o do Regulamento n.o 139/2004. Com efeito, ainda que possam ser acessórias ou preparatórias da concentração, tais operações não têm nenhuma ligação funcional direta com a sua realização, pelo que não são, em princípio, suscetíveis de afetar a eficácia do controlo das concentrações (Acórdão de 31 de maio de 2018, Ernst & Young, C‑633/16, EU:C:2018:371, n.o 49).

65

Por último, o Tribunal de Justiça concluiu que o artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004 deve ser interpretado no sentido de que uma concentração só se realiza através de uma operação que, no todo ou em parte, de facto ou de direito, contribua para a mudança no controlo da empresa‑alvo (Acórdão de 31 de maio de 2018, Ernst & Young, C‑633/16, EU:C:2018:371, n.o 59).

66

Como o artigo 7.o, n.o 1, e o artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004 são duas disposições relativas ao conceito de «realização de uma concentração», há que considerar que o Tribunal de Justiça, chamado a pronunciar‑se sobre um pedido prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE no processo que deu origem ao Acórdão de 31 de maio de 2018, Ernst & Young (C‑633/16, EU:C:2018:371), referiu relativamente à primeira destas disposições também vale para a segunda.

67

Portanto, a Comissão sustenta acertadamente que resulta do Acórdão de 31 de maio de 2018, Ernst & Young (C‑633/16, EU:C:2018:371), que o Tribunal de Justiça distinguiu entre os conceitos de «concentração» e de «realização de uma concentração».

68

A este respeito, resulta do n.o 45 do Acórdão de 31 de maio de 2018, Ernst & Young (C‑633/16, EU:C:2018:371), que, em conformidade com o artigo 3.o do Regulamento n.o 139/2004, o qual define o conceito de concentração, considera‑se que se realiza uma concentração «quando [ocorre] uma mudança de controlo duradoura», ao passo que resulta do n.o 46 do referido acórdão que a «realização de uma concentração» pode ocorrer logo «que as partes numa concentração realizem operações que contribuam para mudar de forma duradoura o controlo da empresa‑alvo», ou seja, eventualmente antes da aquisição do controlo da empresa‑alvo.

69

Esta conclusão é corroborada pelo n.o 59 do Acórdão de 31 de maio de 2018, Ernst & Young (C‑633/16, EU:C:2018:371), do qual resulta que, para que haja realização de uma concentração, na aceção do artigo 4.o, n.o 1, e do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004, basta que uma operação, no todo ou em parte, de facto ou de direito, contribua para a mudança no controlo da empresa‑alvo.

70

Assim, resulta do Acórdão de 31 de maio de 2018, Ernst & Young (C‑633/16, EU:C:2018:371), que o conceito de «realização de uma concentração», previsto no artigo 4.o, n.o 1, e no artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004, não se limita à situação em que o comprador final adquire o controlo da empresa‑alvo, abrangendo também qualquer operação que «contribua» para essa mudança no controlo.

71

A este respeito, é errado o argumento da recorrente de que, no Acórdão de 31 de maio de 2018, Ernst & Young (C‑633/16, EU:C:2018:371), o Tribunal de Justiça excluiu, em termos gerais, «todas as operações que têm uma “ligação condicional com a concentração” no sentido de que são “acessórias ou preparatórias” da sua realização», dado que o que o Tribunal de Justiça referiu no n.o 49 desse acórdão (v. n.o 64, supra) é que as operações não eram necessárias para obter uma mudança no controlo e que, portanto, ainda que acessórias ou preparatórias da concentração, não tinham uma ligação funcional direta com a realização da concentração não se enquadravam no artigo 7.o do Regulamento n.o 139/2004. Resulta, assim, desse número que as operações estão abrangidas pelo conceito de «realização de uma concentração», mesmo que essa realização seja parcial na aceção dos n.os 47 e 51 do referido acórdão, se contribuírem, no todo ou em parte, para a mudança no controlo da empresa‑alvo.

72

Além disso, a conclusão enunciada no n.o 69, supra, não é posta em causa pela argumentação da recorrente, visto que procede a uma interpretação literal de uma passagem do artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004. Esta invoca a situação em que as concentrações devem ser notificadas «após […] a aquisição de uma participação de controlo». Com efeito, o referido regulamento especifica neste número diferentes casos possíveis de aquisição de controlo e determina em que momento, consoante os casos, a notificação deve ser efetuada. Como a Comissão assinala, a referência à «aquisição de uma participação de controlo» pode incidir sobre as situações regidas pelo artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004: mesmo que não estejam sujeitas à condição suspensiva da autorização de concentração, a realização de ofertas públicas de aquisição e de transações de títulos pode conduzir à aquisição de uma participação de controlo sem violar o artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004, sob reserva do cumprimento das exigências estabelecidas no n.o 2 desta disposição. No entanto, a recorrente não alega que o presente caso esteja abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 7.o, n.o 2, do referido regulamento.

73

Por conseguinte, contrariamente ao que a recorrente sustenta, o critério seguido pelo Acórdão de 31 de maio de 2018, Ernst & Young (C‑633/16, EU:C:2018:371), para determinar se houve violação do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004 não é o de saber se houve aquisição do controlo da empresa‑alvo, mas, como sustenta a Comissão, o de saber se a operação em causa contribuiu, no todo ou em parte, de facto ou de direito, para a mudança no controlo da referida empresa. Esse critério é aplicável, por analogia, no que respeita ao artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004.

74

Relativamente à interpretação que a recorrente faz do Acórdão de 6 de julho de 2010, Aer Lingus Group/Comissão (T‑411/07, EU:T:2010:281), segundo a qual só as operações que necessitam de medidas de dissolução equivalem a atos que afetam a eficácia do sistema de controlo das concentrações, há que salientar que esta interpretação é inexata. Com efeito, o que o Tribunal Geral referiu nesse acórdão é que, por um lado, sem aquisição do controlo, a Comissão não tinha o poder de dissolver uma concentração (Acórdão de 6 de julho de 2010, Aer Lingus Group/Comissão, T‑411/07, EU:T:2010:281, n.o 66) e que, por outro, a aquisição de uma participação que não conferia, enquanto tal, o controlo na aceção do artigo 3.o do Regulamento n.o 139/2004 podia estar abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 7.o do referido regulamento (Acórdão de 6 de julho de 2010, Aer Lingus Group/Comissão, T‑411/07, EU:T:2010:281, n.o 83). Por outras palavras, o Tribunal Geral declarou que, se a aquisição do controlo fosse necessária para que a Comissão pudesse exercer o seu poder de dissolver a concentração, essa aquisição do controlo não era necessária para que uma operação caísse no âmbito de aplicação do artigo 7.o do Regulamento n.o 139/2004.

75

Por último, é errado o argumento da recorrente de que o controlo da operação pela Comissão em nenhum momento e de modo algum foi obstaculado, dado que só adquiriu o controlo da TMSC após ter obtido todas as autorizações das autoridades da concorrência em causa.

76

Com efeito, a recorrente considera que «as concentrações são definidas como aquisições que conduzem a uma alteração duradoura do controlo direto ou indireto» e, portanto, que, enquanto não se adquirir o controlo, não há realização antecipada da concentração.

77

Assim, a recorrente confunde os conceitos de «realização» e de «aquisição», que são dois conceitos distintos no Regulamento n.o 139/2004.

78

Com efeito, o termo «realização» é relativo à concentração (ou à transação a que se refere o artigo 7.o, n.o 4, do Regulamento n.o 139/2004), ao passo que o termo «aquisição» é relativo ao controlo.

79

Ora, estes dois termos não podem ser confundidos. A «realização» da concentração pode ocorrer a longo prazo, o que explica os conceitos de realização parcial e de concentração única, ao passo que a «aquisição» do controlo não pode ocorrer a longo prazo. Com efeito, ou o controlo é adquirido, quando uma entidade tem a possibilidade de exercer uma influência determinante sobre a sociedade‑alvo, ou não é adquirido. O conceito de aquisição do controlo não pode, portanto, cobrir uma aquisição «parcial». Portanto, o alegado «controlo parcial» não pode ser condição da realização parcial da concentração, contrariamente ao que a recorrente sustenta.

80

Assim, para ser efetivo, o controlo da Comissão deve ser realizado não só antes da aquisição do controlo mas também antes da realização, ainda que parcial, da concentração. Com efeito, como já foi salientado no n.o 62, supra, se fosse proibido as partes numa concentração realizarem uma concentração através de uma única operação mas lhes fosse permitido chegar ao mesmo resultado através de sucessivas operações parciais, isso reduziria o efeito útil da proibição prevista no artigo 7.o do Regulamento n.o 139/2004 e faria assim perigar o caráter prévio do controlo previsto neste regulamento, bem como a prossecução dos seus objetivos (Acórdão de 31 de maio de 2018, Ernst & Young, C‑633/16, EU:C:2018:371, n.o 47).

81

Consequentemente, há que julgar improcedente a primeira subparte do primeiro fundamento.

b)   Quanto à segunda subparte, segundo a qual a jurisprudência anterior confirma que a mudança no controlo é o único critério pertinente

82

A recorrente sustenta que a decisão impugnada viola a jurisprudência dos tribunais da União Europeia.

83

Assim, em primeiro lugar, a recorrente remete para o n.o 25 do Acórdão de 6 de julho de 2010, Aer Lingus Group/Comissão (T‑411/07, EU:T:2010:281), segundo o qual uma concentração só se realiza quando uma empresa adquire o controlo de outra, isto é, a possibilidade de exercer uma influência determinante, e no n.o 85 do referido acórdão, segundo o qual, na falta de tomada de controlo efetivo, a participação controvertida não pode ser equiparada a uma concentração que já foi realizada. Em segundo lugar, a recorrente alega que, no Acórdão de 13 de setembro de 2010, Éditions Odile Jacob/Comissão (T‑279/04, não publicado, EU:T:2010:384), o Tribunal Geral aceitou uma estrutura de detenção em carteira por conta porque não tinha sido transferido o controlo antes da obtenção da autorização. O Tribunal Geral confirmou, nesse acórdão, que o facto de confiar ações a uma sociedade constituída com o único objetivo de as acolher não conduz a uma aquisição de controlo pelo adquirente final e não está, portanto, abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004. Em terceiro lugar, segundo a recorrente, no Acórdão de 26 de outubro de 2017, Marine Harvest/Comissão (T‑704/14, EU:T:2017:753), o Tribunal Geral, nos n.os 148 e seguintes do referido acórdão, relativos ao considerando 20 do Regulamento n.o 139/2004, rejeitou a ideia de que, em caso de realização antecipada de uma concentração, duas operações deviam ser qualificadas de «concentração única», pelo simples facto de estarem estreitamente ligadas. A este respeito, resulta do n.o 44 do Acórdão de 4 de março de 2020, Marine Harvest/Comissão (C‑10/18 P, EU:C:2020:149), que o considerando 20 do Regulamento n.o 139/2004 não constitui base jurídica que permita concluir pela existência de uma «concentração única». A posição expressa pela Comissão na sua contestação, segundo a qual um «projeto económico único» de duas operações pode conduzir a uma «concentração única» deve, portanto, ser rejeitada. Além disso, a recorrente remete para o n.o 128 do Acórdão de 26 de outubro de 2017, Marine Harvest/Comissão (T‑704/14, EU:T:2017:753), segundo o qual o critério pertinente é o do momento em que a aquisição do controlo ocorre. Por outro lado, a recorrente afirma que o conceito de «concentração única» não pode ser invocado para demonstrar a realização antecipada de uma concentração e refere que, no n.o 151 do referido acórdão, o Tribunal Geral especificou que, quando essas operações, vistas no seu conjunto, não são suficientes para transferir o controlo da empresa‑alvo, não tem «qualquer sentido» qualificá‑las como uma concentração única. Por último, no n.o 105 da Decisão C(2014) 5089 final da Comissão, de 23 de julho de 2014, que aplica uma coima pela realização de uma concentração em violação do artigo 4.o, n.o 1, e do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004 (processo COMP/M.7184 — Marine Harvest/Morpol), a própria Comissão sustentou que a questão de saber se estas duas fases integravam a mesma operação, ou seja, a existência de uma «concentração única», era «destituída de pertinência» no quadro do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004.

84

A Comissão contesta os argumentos da recorrente.

85

Em primeiro lugar, há que salientar que o n.o 25 do Acórdão de 6 de julho de 2010, Aer Lingus Group/Comissão (T‑411/07, EU:T:2010:281), não diz respeito à posição do Tribunal Geral, antes relata o raciocínio da Comissão na decisão relativa a esse processo. Quanto ao n.o 85 do referido acórdão, embora o Tribunal Geral tenha efetivamente referido que, na falta de tomada de controlo efetivo, a participação controvertida no referido processo não podia «ser equiparada a uma“concentração” que “já foi realizada”», não se pode deduzir desta afirmação que a concentração não pode ser parcialmente realizada por uma operação que contribui para uma mudança no controlo.

86

Além disso, como foi salientado no n.o 74, supra, no Acórdão de 6 de julho de 2010, Aer Lingus Group/Comissão (T‑411/07, EU:T:2010:281, n.o 83), o Tribunal Geral referiu que a aquisição de uma participação que não conferia, enquanto tal, o controlo na aceção do artigo 3.o do Regulamento n.o 139/2004 podia estar abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 7.o do referido regulamento. Resulta, assim, desse Acórdão do Tribunal Geral, proferido antes do Acórdão de 31 de maio de 2018, Ernst & Young (C‑633/16, EU:C:2018:371), que a realização de uma concentração não devia necessariamente ser interpretada como uma aquisição de controlo.

87

Por conseguinte, o Acórdão de 6 de julho de 2010, Aer Lingus Group/Comissão (T‑411/07, EU:T:2010:281), não exclui que a proibição prevista no artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004 também englobe a realização parcial, ou seja, operações que, enquanto tais, não transferem o controlo.

88

Em segundo lugar, no que respeita ao Acórdão de 13 de setembro de 2010, Éditions Odile Jacob/Comissão (T‑279/04, não publicado, EU:T:2010:384), há que retificar a conclusão que deles retira a recorrente, a saber, que o facto de confiar ações a uma sociedade constituída com o único objetivo de as acolher não teria levado a uma aquisição de controlo pelo adquirente final e, por conseguinte, não estaria abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004, recolocando‑a no seu contexto.

89

Por um lado, o processo que deu origem ao Acórdão de 13 de setembro de 2010, Éditions Odile Jacob/Comissão (T‑279/04, não publicado, EU:T:2010:384), e o presente processo não são plenamente comparáveis. No processo que deu origem ao Acórdão de 13 de setembro de 2010, Éditions Odile Jacob/Comissão (T‑279/04, não publicado, EU:T:2010:384), a recorrente contestou que a estrutura de detenção em carteira por conta estivesse abrangida pelo artigo 3.o, n.o 5, alínea a), do Regulamento (CEE) n.o 4064/89 do Conselho, de 21 de dezembro de 1989, relativo ao controlo das operações de concentração de empresas (JO 1989, L 395, p. 1), ao passo que, no presente processo, a recorrente não alega que a estrutura de detenção em carteira por conta em causa se enquadre nessa exceção.

90

Uma vez que se trata de duas estruturas de detenção em carteira por conta diferentes, as conclusões a que se chegou relativamente à primeira não podem ser alargadas, de modo geral, à segunda.

91

Por outro lado, no processo que deu origem ao Acórdão de 13 de setembro de 2010, Éditions Odile Jacob/Comissão (T‑279/04, não publicado, EU:T:2010:384), como sublinhou a Comissão no n.o 175 da decisão impugnada, e como o Tribunal de Justiça, chamado a pronunciar‑se em sede de recurso, o recurso da recorrente no referido processo visava unicamente a anulação da decisão controvertida pela qual a Comissão tinha declarado a operação de concentração em causa compatível com o mercado comum (Acórdão de 6 de novembro de 2012, Éditions Odile Jacob/Comissão, C‑551/10 P, EU:C:2012:681, n.o 36). A questão em litígio incidia, assim, sobre a legalidade da decisão da Comissão que autorizava a concentração, e não sobre a questão da execução precoce das concentrações através de uma estrutura de detenção em carteira por conta. Por esta razão, o Tribunal de Justiça salientou que, para que o Tribunal Geral se possa pronunciar sobre a legalidade da decisão controvertida, o exame da questão de saber se a Lagardère SCA tinha adquirido um controlo único ou conjunto com o Banco NBP dos ativos em questão através da operação de detenção em carteira por conta em causa não era necessário e que as declarações do Tribunal Geral relativas a esta questão deviam, portanto, ser consideradas supérfluas (Acórdão de 6 de novembro de 2012, Éditions Odile Jacob/Comissão, C‑551/10 P, EU:C:2012:681, n.o 40).

92

Além disso, em todo o caso, no seu recurso no Tribunal Geral, a recorrente nesse processo sustentou que a detenção por conta dos ativos em questão tinha dado ao adquirente final, a partir da sua aquisição pela sociedade de detenção em carteira por conta, a possibilidade de exercer uma influência determinante na atividade relacionada com estes últimos, na medida em que essa detenção por conta conferiu ao adquirente final, no todo ou em parte dos ativos em questão, direitos de propriedade ou de usufruto, na aceção do artigo 3.o, n.o 3, alínea a), do Regulamento n.o 4064/89, conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 1310/97 do Conselho, de 30 de junho de 1997 (JO 1997, L 180, p. 1) (Acórdão de 13 de setembro de 2010, Éditions Odile Jacob/Comissão, T‑279/04, não publicado, EU:T:2010:384, n.o 119).

93

A recorrente neste processo isolou assim a operação que deu lugar à aquisição dos ativos em questão pela sociedade detentora de participações por conta e sustentou que esta já tinha conduzido a uma aquisição de controlo.

94

Neste contexto, o Tribunal Geral referiu que, uma vez que a detenção por conta dos ativos em questão não podia, neste caso, ser considerada uma operação de concentração na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 4064/89, a proibição imposta às partes nessa operação, pelo artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 4064/89, de a realizar antes de ser notificada e declarada compatível com o mercado comum não podia, portanto, ter sido violada (Acórdão de 13 de setembro de 2010, Éditions Odile Jacob/Comissão, T‑279/04, não publicado, EU:T:2010:384, n.o 171).

95

Assim, esta declaração do Tribunal Geral só foi formulada em resposta à alegação da recorrente de que a decisão de autorização da concentração era inválida, nomeadamente porque o adquirente final, através de uma operação de detenção em carteira por conta, tinha adquirido o controlo quer único quer conjunto dos ativos em questão com a aquisição destes pela sociedade de detenção em carteira por conta (detida indiretamente, mas a 100 % pelo Banco NBP), sem notificação prévia da concentração.

96

Por conseguinte, o Tribunal Geral não examinou a questão de saber se a aquisição dos ativos em questão pela sociedade detentora de participações por conta constituía, como no caso em apreço, a realização parcial de uma concentração única, mas se essa aquisição, efetuada no âmbito de uma estrutura de detenção em carteira por conta, tinha, enquanto tal, transferido o controlo para o adquirente.

97

Em terceiro lugar, no que respeita ao Acórdão de 26 de outubro de 2017, Marine Harvest/Comissão (T‑704/14, EU:T:2017:753), há que observar, a título preliminar, que as partes principais se opõem quanto à questão de saber qual foi o critério utilizado na decisão impugnada para caracterizar a realização antecipada de uma concentração.

98

Com efeito, a recorrente considera que, na decisão impugnada, a Comissão considerou que era suficiente demonstrar que a operação provisória e a operação final constituíam uma concentração única, ao passo que o critério adequado teria sido o de apreciar se a operação provisória lhe permitiu adquirir o controlo da TMSC.

99

A este respeito, cabe recordar que, como resulta do considerando 99 da decisão impugnada (v. n.o 53, supra), a Comissão não considerou suficiente demonstrar que a operação provisória e a operação final constituíam uma concentração única, mas salientou, em primeiro lugar, que a operação provisória e a operação final constituíam, em conjunto, uma concentração única; em segundo lugar, que a operação provisória tinha contribuído parcialmente para a mudança no controlo da TMSC, na aceção do Acórdão de 31 de maio de 2018, Ernst & Young (C‑633/16, EU:C:2018:371), e que, ao proceder a essa operação provisória, a recorrente tinha realizado parcialmente a concentração única que consistia na aquisição do controlo da TMSC pela recorrente; e, em terceiro lugar, que essa conclusão parcial, anterior à notificação à Comissão, tinha infringido o artigo 4.o, n.o 1, e o artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004.

100

No que respeita à remissão, pela recorrente, para os n.os 148 e seguintes do Acórdão de 26 de outubro de 2017, Marine Harvest/Comissão (T‑704/14, EU:T:2017:753), contrariamente ao que a recorrente sustenta, o Tribunal Geral não rejeitou a ideia de que, em caso de realização antecipada de uma concentração, duas operações deviam ser qualificadas de «concentração única» pelo simples facto de estarem estreitamente ligadas, uma vez que indicou simplesmente que o Regulamento n.o 139/2004 não definia exaustivamente as condições em que duas operações constituíam uma concentração única (Acórdão de 26 de outubro de 2017, Marine Harvest/Comissão, T‑704/14, EU:T:2017:753, n.o 150). Quanto ao n.o 44 do Acórdão de 4 de março de 2020, Marine Harvest/Comissão (C‑10/18 P, EU:C:2020:149), para o qual a recorrente também remete, o Tribunal de Justiça refere simplesmente que não se pode deduzir validamente da simples redação do considerando 20 do Regulamento n.o 139/2004 uma interpretação do conceito de «concentração única» que não seja conforme com as disposições deste regulamento. Por conseguinte, não se pode deduzir desse número que, nesse acórdão, o Tribunal de Justiça rejeite a abordagem da Comissão segundo a qual um «projeto económico único» de duas operações pode conduzir a uma «concentração única».

101

Assim, como indica a Comissão, nem o Tribunal Geral nem o Tribunal de Justiça puseram em causa o facto de duas operações poderem conduzir a uma operação única.

102

A este respeito, sem ser contrariado pelo Tribunal de Justiça, o Tribunal Geral salientou, no n.o 90 do Acórdão de 26 de outubro de 2017, Marine Harvest/Comissão (T‑704/14, EU:T:2017:753), que a Comissão se apoiou, em várias decisões, no conceito de «concentração única» e que o Tribunal Geral confirmou esse conceito, nomeadamente no Acórdão de 23 de fevereiro de 2006, Cementbouw Handel & Industrie/Comissão (T‑282/02, EU:T:2006:64).

103

No que respeita à remissão para o n.o 128 do Acórdão de 26 de outubro de 2017, Marine Harvest (T‑704/14, EU:T:2017:753), importa sublinhar que esse processo tinha por objeto a aplicação do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004 numa sequência de operações, relativamente às quais não era contestado que o controlo da empresa‑alvo já tinha sido adquirido aquando da primeira operação. Foi, portanto, neste contexto que o Tribunal Geral concluiu que, quando a aquisição do controlo exclusivo de facto da única empresa‑alvo ocorre através de uma primeira e única transação, as transações posteriores pelas quais o adquirente obtém participações suplementares dessa empresa já não eram pertinentes para adquirir o controlo (Acórdão de 26 de outubro de 2017, Marine Harvest/Comissão, T‑704/14, EU:T:2017:753, n.o 128). Por conseguinte, esta conclusão não pode levar a que a realização antecipada só possa ocorrer na hipótese de uma alteração de controlo aquando da primeira operação no contexto de uma concentração única como a do caso em apreço.

104

No que respeita à remissão para o n.o 151 do Acórdão de 26 de outubro de 2017, Marine Harvest (T‑704/14, EU:T:2017:753), há que salientar que a citação apresentada pela recorrente é inexata, pois está incompleta. Com efeito, o que «não tem qualquer sentido» nesse número, segundo o Tribunal Geral, é considerar que todas as operações que são objeto de uma ligação condicional ou assumem a forma de uma série de transações de títulos efetuadas num prazo razoavelmente curto devam ser tratadas como uma concentração única, mesmo quando essas operações, vistas no seu conjunto, não são suficientes para transferir o controlo da empresa‑alvo (Acórdão de 26 de outubro de 2017, Marine Harvest/Comissão, T‑704/14, EU:T:2017:753, n.o 151). Assim, nesse número, o Tribunal Geral sublinhou simplesmente que só as operações que, no seu conjunto, transferem o controlo podem constituir uma «concentração única».

105

Ora, no caso em apreço, na decisão impugnada, a Comissão não sustenta que a operação provisória foi, por si só, suficiente para transferir o controlo da TMSC para a recorrente. Com efeito, na decisão impugnada, a Comissão concluiu que foi a operação final, que constituía uma concentração única com a operação provisória, que transferiu o controlo da TMSC para a recorrente.

106

Por último, o argumento da recorrente que remete para a posição da Comissão expressa no n.o 105 da decisão no processo Marine Harvest/Morpol é inoperante, uma vez que não se tratava, nesse processo, da aquisição de uma empresa‑alvo através de uma estrutura de detenção em carteira por conta como no caso em apreço, mas de uma situação em que a Comissão tinha concluído que a Marine Harvest ASA adquiriu o controlo da Morpol ASA por meio de uma única aquisição de 48,5 % das ações da Morpol, e não por meio de múltiplas operações parciais relativas a elementos de ativos que constituem, afinal, uma única entidade económica (Acórdão de 4 de março de 2020, Marine Harvest/Comissão, C‑10/18 P EU:C:2020:149, n.o 29).

107

Resulta de tudo o exposto que a segunda subparte do primeiro fundamento deve ser julgada improcedente, bem como a primeira parte do referido fundamento na sua totalidade.

2.   Quanto à segunda parte, relativa à inexistência de realização parcial, violadora do artigo 4.o, n.o 1, e do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004

108

Importa salientar que, na secção 4.1 da decisão impugnada, a Comissão concluiu que a operação provisória e a operação final constituíam conjuntamente uma concentração única, uma vez que «[se inscreviam] num projeto económico único, graças ao qual [a recorrente] adquiriu o controlo da TMSC à Toshiba» (considerando 101 decisão impugnada). Para chegar a esta conclusão, a Comissão baseou‑se em três elementos. Em primeiro lugar, a operação provisória só foi realizada na perspetiva da operação final (secção 4.1.1 da decisão impugnada). Em segundo lugar, a único intuito da MS Holding foi facilitar a aquisição do controlo da TMSC pela recorrente (secção 4.1.2). Em terceiro lugar, a recorrente foi a única parte em condições de determinar a identidade do adquirente final da TMSC e assumiu o risco económico do conjunto da operação com a operação provisória (secção 4.1.3).

109

A título preliminar, cabe recordar que é indiferente que a aquisição, direta ou indireta, do controlo de uma ou de várias empresas tenha sido feita em uma ou em várias fases através de uma ou de várias transações, desde que o resultado alcançado constitua uma só operação de concentração (v., neste sentido, Acórdão de 23 de fevereiro de 2006, Cementbouw Handel & Industrie/Comissão, T‑282/02, EU:T:2006:64, n.o 104).

110

Que as partes, quando notificam uma concentração à Comissão, projetem concluir duas ou mais transações, ou que as tenham já concluído antes da sua notificação é totalmente indiferente. Cabe à Comissão, em todos os casos, apreciar se essas transações têm caráter unitário, de modo que constituam uma só operação de concentração na aceção do artigo 3.o do Regulamento n.o 139/2004 (Acórdão de 23 de fevereiro de 2006, Cementbouw Handel & Industrie/Comissão, T‑282/02, EU:T:2006:64, n.o 105).

111

Esta abordagem visa identificar, em função das circunstâncias de facto e de direito próprias de cada situação e com o intuito de procurar a realidade económica subjacente às operações, a finalidade económica perseguida pelas partes, examinando, na presença de diversas transações juridicamente distintas, se as empresas em causa se dispuseram a concluir cada transação individualmente considerada ou se, pelo contrário, cada transação constitui apenas um elemento de uma operação mais complexa, sem a qual não teria sido concluída pelas partes (Acórdão de 23 de fevereiro de 2006, Cementbouw Handel & Industrie/Comissão, T‑282/02, EU:T:2006:64, n.o 106).

112

Por outras palavras, para determinar o caráter unitário das transações em causa, há que apreciar, em cada situação, se essas transações são interdependentes, de modo que uma não teria sido realizada sem a outra (Acórdão de 23 de fevereiro de 2006, Cementbouw Handel & Industrie/Comissão, T‑282/02, EU:T:2006:64, n.o 107).

113

Este passo destina‑se, por um lado, a conferir às empresas que notificam uma operação de concentração o direito à segurança jurídica relativamente a todas as transações que realizam essa operação e, por outro, a permitir à Comissão exercer uma fiscalização eficaz sobre as operações de concentração suscetíveis de entravar de modo significativo uma concorrência efetiva no mercado comum ou numa parte substancial deste. Estes dois objetivos constituem, de resto, o objetivo principal do Regulamento n.o 139/2004 (Acórdão de 23 de fevereiro de 2006, Cementbouw Handel & Industrie/Comissão, T‑282/02, EU:T:2006:64, n.o 108 e jurisprudência referida).

114

Daqui resulta que uma operação de concentração, na aceção do artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004, pode ser realizada mesmo na presença de uma pluralidade de transações jurídicas formalmente distintas quando essas transações sejam interdependentes, pelo que não seriam realizadas umas sem as outras e cujo resultado consista em conferir a uma ou a várias empresas o controlo económico, direto ou indireto, sobre a atividade de uma ou de várias outras empresas (Acórdão de 23 de fevereiro de 2006, Cementbouw Handel & Industrie/Comissão, T‑282/02, EU:T:2006:64, n.o 109).

115

É nomeadamente à luz desta jurisprudência que há que examinar as cinco acusações deduzidas pela recorrente sob a forma de cinco subpartes, segundo as quais, em primeiro lugar, o facto de «a operação provisória só ter sido levada a cabo na perspetiva da operação final» é irrelevante e não está suficientemente demonstrado pela Comissão; em segundo lugar, o mero objetivo da MS Holding não era «facilitar a tomada do controlo pela recorrente da TMSC»; em terceiro lugar, o alegado poder de determinar a identidade do adquirente final e os riscos económicos é irrelevante; em quarto lugar, as condições de «realização parcial» na aceção do Acórdão de 31 de maio de 2018, Ernst & YoungC‑633/16, EU:C:2018:371), não estão preenchidas; e, em quinto lugar, a operação provisória não «contribuiu para uma mudança duradoura de controlo» da TMSC na aceção do Acórdão de 31 de maio de 2018, Ernst & Young (C‑633/16, EU:C:2018:371).

[OMISSIS]

a)   Quanto à quarta subparte, segundo a qual as condições da «realização parcial» na aceção do Acórdão de 31 de maio de 2018, Ernst & Young (C‑633/16), não estão preenchidas

214

A recorrente alega que, embora, no n.o 47 do Acórdão de 31 de maio de 2018, Ernst & Young (C‑633/16, EU:C:2018:371), o Tribunal de Justiça tenha reconhecido que, em determinadas circunstâncias, uma «realização parcial» podia constituir uma realização antecipada de uma concentração, tal «realização parcial» só pode existir no caso de uma aquisição de um «controlo parcial». Isso significa que ao adquirente foi conferida uma certa influência na tomada de decisões estratégicas pelo alvo. Ora, a recorrente não dispunha de nenhum direito particular suscetível de lhe ter conferido tal influência sobre o alvo antes da obtenção das autorizações. Além disso, tendo o Tribunal de Justiça especificado, no n.o 46 do referido acórdão, que só há violação do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004 quando as partes realizam operações que contribuam para mudar de forma duradoura o controlo da empresa‑alvo, o «controlo» constitui o elemento essencial, incluindo em caso de realização parcial. Por último, resulta do n.o 61 do acórdão acima referido, no qual o Tribunal de Justiça considerou que a medida preparatória em causa não tinha contribuído para a aquisição do controlo, porque os adquirentes não tiveram a possibilidade de exercer uma «qualquer influência» no alvo, que, se um adquirente não tiver adquirido «nenhuma influência», não há realização parcial.

215

A Comissão contesta os argumentos da recorrente.

216

No que respeita ao argumento da recorrente de que resulta do n.o 47 do Acórdão de 31 de maio de 2018, Ernst & Young (C‑633/16, EU:C:2018:371), que a «realização parcial» de uma concentração só pode existir no caso de aquisição de um «controlo parcial», este é inexato.

217

Nos termos do n.o 47 do Acórdão de 31 de maio de 2018, Ernst & Young (C‑633/16, EU:C:2018:371), todas as realizações parciais de uma concentração estão abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004.

218

Como foi recordado no n.o 73, supra, resulta do Acórdão de 31 de maio de 2018, Ernst & Young (C‑633/16, EU:C:2018:371), que o critério, para determinar se o artigo 4.o, n.o 1, e o artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004 foram violados, não é o de saber se houve aquisição do controlo, incluindo, portanto, de um «controlo parcial», da empresa‑alvo, mas, como sustenta a Comissão, o de saber se a operação em causa contribuiu para uma mudança de controlo da referida empresa.

219

No que respeita ao argumento da recorrente de que resulta do n.o 46 do Acórdão de 31 de maio de 2018, Ernst & Young (C‑633/16, EU:C:2018:371), que o «controlo» constitui o elemento «essencial», este argumento também é inexato.

220

Nos termos do n.o 46 do Acórdão de 31 de maio de 2018, Ernst & Young (C‑633/16, EU:C:2018:371), a realização de uma concentração tem lugar quando as partes numa concentração realizem operações que contribuam para mudar de forma duradoura o controlo da empresa‑alvo.

221

Além disso, resulta do n.o 59 do Acórdão de 31 de maio de 2018, Ernst & Young (C‑633/16, EU:C:2018:371) (v. n.o 65, supra), que uma concentração só se realiza através de uma operação que, no todo ou em parte, de facto ou de direito, contribua para a mudança no controlo da empresa‑alvo.

222

Assim, como alega a Comissão, se as operações «contribuem» para uma mudança de controlo na aceção do Acórdão de 31 de maio de 2018, Ernst & Young (C‑633/16, EU:C:2018:371), incluindo operações que não permitem transferir, por si só, o controlo, as mesmas constituem uma realização parcial de uma concentração.

223

No que respeita ao argumento da recorrente de que resulta do n.o 61 do Acórdão de 31 de maio de 2018, Ernst & Young (C‑633/16, EU:C:2018:371), que, se um adquirente não tiver adquirido «nenhuma influência», não há realização parcial, importa salientar que, embora o Tribunal de Justiça tenha considerado que a medida em causa nesse processo não estava abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004, porque, entre outros motivos, não deu à empresa em causa uma «qualquer influência» nas sociedades‑alvo, a recorrente teve, in casu, uma certa influência, já que, como a Comissão sublinha no considerando 157 da decisão impugnada e como já foi assinalado (v. n.os 195 e 208, supra), a partir da data da operação provisória, e independentemente dos resultados da autorização de concentração, a recorrente detinha a competência exclusiva de determinar a identidade do adquirente final da TMSC. Se tivesse sido impedida de a adquirir, a recorrente teria ainda podido decidir da identidade do adquirente final. Foi, portanto, com razão que a Comissão indicou, no considerando 155 da decisão impugnada, que a recorrente tinha adquirido a possibilidade de exercer um certo grau de influência na TMSC na sequência da operação provisória.

224

Em consequência, a quarta subparte deve ser julgada improcedente.

b)   Quanto à quinta subparte, segundo a qual a operação provisória não «contribuiu para mudar de forma duradoura o controlo» da TMSC na aceção do Acórdão de 31 de maio de 2018, Ernst & Young (C‑633/16)

225

A recorrente considera que o raciocínio da Comissão, enunciado no considerando 143 da decisão impugnada, de que a operação provisória era necessária para obter uma mudança no controlo da TMSC, no sentido de que esta operação apresentava uma ligação funcional direta com a realização da concentração, e de que tal significa que a operação provisória contribuiu — pelo menos em parte — para mudar o controlo da empresa‑alvo na aceção do Acórdão de 31 de maio de 2018, Ernst & Young (C‑633/16, EU:C:2018:371), é errado por várias razões.

1) Quanto ao critério da ligação funcional direta na aceção do Acórdão de 31 de maio de 2018, Ernst & Young (C‑633/16)

226

A recorrente sustenta que a «ligação funcional direta» exigida pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 31 de maio de 2018, Ernst & Young (C‑633/16, EU:C:2018:371), para concluir pela existência de uma realização antecipada de uma concentração só existe se o ato implicar, em si mesmo, a mudança no controlo. Ora, a recorrente recorda que, segundo o considerando 134 da decisão impugnada, não exerceu controlo sobre a TMSC. Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça excluiu a existência de violação da obrigação de suspensão quando o adquirente não adquire a possibilidade de exercer «qualquer influência» sobre o alvo. Além disso, resulta claramente dos n.os 48 e 49 do referido acórdão que mesmo as operações consecutivas que fazem parte de uma concentração única não constituem uma realização antecipada de uma concentração, uma vez que a primeira operação não é «necessária» para se alcançar uma mudança no controlo, sendo apenas «acessória» ou «preparatória». No caso em apreço, a transmissão das ações à MS Holding não era necessária para que a recorrente adquirisse o controlo da TMSC.

227

A Comissão contesta os argumentos da recorrente.

228

Como já foi salientado no n.o 73, supra, o critério seguido pelo Acórdão de 31 de maio de 2018, Ernst & Young (C‑633/16, EU:C:2018:371), para determinar se o artigo 4.o, n.o 1, e o artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004 foram violados não é o de saber se houve aquisição do controlo da empresa‑alvo, mas o de saber se a operação em causa contribuiu, no todo ou em parte, de facto ou de direito, para a mudança no controlo da referida empresa.

229

Assim, o facto, sublinhado no considerando 134 da decisão impugnada e para o qual remete a recorrente, de esta não ter exercido controlo sobre a TMSC durante o período provisório não significa que esta operação provisória não tenha contribuído, no todo ou em parte, para a mudança no controlo da empresa‑alvo (v., neste sentido, Acórdão de 31 de maio de 2018, Ernst & Young, C‑633/16, EU:C:2018:371, n.o 46).

230

Por conseguinte, há que rejeitar o argumento da recorrente de que a «ligação funcional direta» alegadamente exigida pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 31 de maio de 2018, Ernst & Young (C‑633/16, EU:C:2018:371), para concluir pela existência de uma realização antecipada de uma concentração só existe se o ato implicar, em si mesmo, a mudança no controlo.

231

Segundo o n.o 49 do Acórdão de 31 de maio de 2018, Ernst & Young (C‑633/16, EU:C:2018:371), as operações que não são necessárias para obter uma mudança no controlo, por não terem uma ligação funcional direta com a realização de uma concentração, não satisfazem o critério da contribuição para uma mudança no controlo e, por conseguinte, não violam o artigo 4.o, n.o 1, e o artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004 quando são realizadas antes da notificação e da autorização da concentração.

232

No caso em apreço, contrariamente ao que a recorrente sustenta, e como indicado no considerando 149 da decisão impugnada, a operação provisória era necessária, porquanto, em primeiro lugar, sem a estrutura de transação em duas fases proposta pela recorrente, a Toshiba estaria impossibilitada de renunciar ao controlo da TMSC e de receber de forma irreversível o pagamento da TMSC antes do fim do mês de março de 2016, uma vez que a Toshiba teria de aguardar pelas autorizações das autoridades da concorrência para a venda da TMSC. Em segundo lugar, no âmbito desta estrutura em duas fases, a operação provisória constituía uma fase necessária para se chegar a uma mudança no controlo da TMSC. O objetivo desta estrutura em duas fases era que a operação provisória permitisse, por um lado, a um comprador intermediário comprar todos os títulos de voto da TMSC, mas sem que fosse necessário cumprir as exigências em matéria de notificação e, por outro, à recorrente pagar o preço da TMSC à Toshiba de maneira irreversível, obtendo simultaneamente mais certezas quanto ao facto de que finalmente adquiria o controlo da TMSC. Em terceiro lugar, nenhuma das estruturas de operações alternativas hipotéticas podia colmatar a necessidade de a Toshiba receber um montante significativo de entrada de capital antes de 31 de março de 2016.

233

Além disso, como a Comissão refere no considerando 154 da decisão impugnada, o Tribunal de Justiça, no Acórdão de 31 de maio de 2018, Ernst & Young (C‑633/16, EU:C:2018:371), não qualificou a «ligação funcional direta» como uma exigência distinta da exigência de contribuição para uma mudança no controlo que deve ser cumprida para que uma operação seja abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004. O critério adotado pelo referido acórdão é o de saber se a operação em causa contribuiu, no todo ou em parte, de facto ou de direito, para a mudança no controlo da empresa‑alvo (v. n.o 73, supra).

234

Por último, no considerando 154 da decisão impugnada, a Comissão cita as observações da recorrente na sequência da comunicação de objeções, nas quais a própria recorrente indica que «a criação da MS Holding era […] necessária para a cessão da TMSC pela Toshiba, tendo em conta a situação financeira da Toshiba».

235

Com esta resposta, há que considerar que a própria recorrente admitiu que a operação provisória tinha uma «ligação funcional direta» com a mudança no controlo da TMSC.

[OMISSIS]

3.   Quanto à terceira parte, relativa à existência de erros manifestos cometidos na aplicação do conceito de «realização parcial de uma “concentração única”»

302

A título preliminar, a recorrente pretende sublinhar o contexto em que a decisão impugnada foi tomada. Segundo a recorrente, a Comissão não se pode basear no conceito de «concentração única» para demonstrar a existência de uma violação do artigo 4.o, n.o 1, e do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004. A Comissão confunde dois conceitos distintos, a saber, por um lado, o conceito de concentração única, que diz respeito à questão da competência e permite determinar se duas operações diferentes devem ser notificadas conjuntamente à Comissão, ou seja, em especial, verificar se o volume de negócios das duas operações deve ser combinado no âmbito do cálculo dos limiares de notificação, e, por outro, o conceito de concentração num contexto de pretensa realização antecipada de uma concentração em violação do artigo 4.o, n.o 1, e do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004. A recorrente acrescenta que foi porque a Comissão não encontrou qualquer elemento que prove que a recorrente controlou a TMSC desde a operação provisória que fundou uma teoria inovadora e inédita de «realização parcial de uma concentração única». A Comissão pretende assim, de forma abusiva, estabelecer uma nova regra que proíba as estruturas ditas de detenção em carteira por conta, mesmo quando não conduzem a uma aquisição de controlo anterior às autorizações.

303

A Comissão contesta os argumentos da recorrente.

304

Quanto ao argumento da recorrente de que o conceito de concentração única só diz respeito à questão da competência da Comissão, consoante determinados limiares sejam atingidos ou não, mas não à questão da eventual violação do artigo 4.o, n.o 1, e do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004, basta observar que o Tribunal de Justiça teve ocasião de salientar que argumentos que levam a incluir operações no conceito de concentração única levam de facto a incluí‑las no âmbito de aplicação do artigo 7.o do Regulamento n.o 139/2004 (v., neste sentido, Acórdão de 4 de março de 2020, Marine Harvest/Comissão, C‑10/18 P, EU:C:2020:149, n.o 53). Assim, o que integra o conceito de «concentração única» é abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 7.o do Regulamento n.o 139/2004 e, portanto, logicamente, pelo do artigo 4.o do referido regulamento.

305

Quanto ao argumento da recorrente de que a Comissão pretendeu estabelecer uma nova regra proibindo as estruturas ditas de detenção em carteira por conta, mesmo quando não conduzem a uma aquisição de controlo anterior às autorizações, há que matizar esta afirmação.

306

Com efeito, como já foi salientado no n.o 73, supra, resulta do Acórdão de 31 de maio de 2018, Ernst & Young (C‑633/16, EU:C:2018:371), que, para determinar se o artigo 4.o, n.o 1, e o artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004 foram violados, não é indispensável que tenha havido uma aquisição do controlo da empresa‑alvo. Pode bastar que a operação em causa tenha contribuído, no todo ou em parte, de facto ou de direito, para a mudança no controlo da referida empresa.

307

É, no entanto, exato que é a primeira vez que a Comissão salienta a existência de uma violação das obrigações de notificação e de suspensão no âmbito de uma operação de concentração única que implica uma estrutura de detenção em carteira por conta.

308

Em apoio da terceira parte, a recorrente desenvolve a sua argumentação em torno de três pontos.

a)   Quanto ao argumento de que o conceito de «concentração única» não se pode basear no considerando 20 do Regulamento n.o 139/2004

309

Segundo o considerando 20, in fine, do Regulamento n.o 139/2004, é necessário «considerar como uma única concentração operações que apresentem ligações estreitas na medida em que estejam ligadas por condição ou assumam a forma de uma série de transações de títulos que tem lugar num prazo razoavelmente curto».

310

A recorrente sustenta que, na decisão impugnada, a Comissão não fez prova da existência de uma ligação condicional entre as operações provisória e final. Se as autorizações necessárias no âmbito do processo de controlo não tivessem sido obtidas, a recorrente teria podido encontrar um adquirente terceiro para as opções sobre ações. Além disso, segundo a recorrente, a conclusão da Comissão na decisão impugnada, relativa à existência de uma concentração única, não se pode basear no considerando 20 do Regulamento n.o 139/2004, como tanto declarou o Tribunal Geral no Acórdão de 26 de outubro de 2017, Marine Harvest/Comissão (T‑704/14, EU:T:2017:753), como o Tribunal de Justiça no Acórdão de 4 de março de 2020, Marine Harvest/Comissão (C‑10/18 P, EU:C:2020:149). A recorrente sublinha ainda que, no n.o 126 do seu Acórdão de 26 de outubro de 2017, Marine Harvest/Comissão (T‑704/14, EU:T:2017:753), o Tribunal Geral esclareceu que não se pode deduzir do Acórdão de 23 de fevereiro de 2006, Cementbouw Handel Industrie/Comissão (T‑282/02, EU:T:2006:64), que, sempre que várias transações sejam interdependentes, constituem necessariamente uma concentração única. Por último, a recorrente sublinha que, segundo o considerando 20 do Regulamento n.o 139/2004, o conceito de concentração única é pertinente em apenas duas situações: quando duas operações estejam ligadas por condição e quando sejam realizadas num prazo razoavelmente curto. Ora, o caso em apreço não corresponde a nenhuma destas duas situações. Nenhuma destas duas aquisições foi efetuada num prazo razoavelmente curto, uma vez que só nove meses depois da operação provisória é que a recorrente pôde exercer as suas opções sobre ações.

311

A Comissão contesta os argumentos da recorrente.

312

No que respeita ao argumento da recorrente de que, na decisão impugnada, a Comissão não fez prova da existência de uma ligação condicional entre as operações provisória e final, basta observar que é inexato, como foi constatado nos n.os 228 a 235, supra.

313

A este respeito, o facto de não ser absolutamente certo que as autoridades da concorrência concedessem as autorizações necessárias não pode pôr em causa esta conclusão.

314

Com efeito, além do facto de, como a própria recorrente refere, a probabilidade de obter as autorizações ser elevada, a recusa das autoridades da concorrência não teria implicado a resolução da transação. O preço da TMSC foi pago de forma irreversível pela recorrente à Toshiba, que pôde registá‑lo em tempo útil nas suas contas. Pouco importa, portanto, que a recorrente seja efetivamente a adquirente final da TMSC, ou que a deveria ter vendido a um adquirente terceiro da sua escolha.

315

No que respeita ao argumento da recorrente de que, na decisão impugnada, a Comissão não podia basear a sua conclusão da existência de uma concentração única no considerando 20 do Regulamento n.o 139/2004, é certo que, como o Tribunal Geral salientou no n.o 91 do Acórdão de 26 de outubro de 2017, Marine Harvest/Comissão (T‑704/14, EU:T:2017:753), o conceito de «concentração única» figura unicamente no considerando 20 do Regulamento n.o 139/2004 e não nos artigos deste regulamento (Acórdão de 4 de março de 2020, Marine Harvest/Comissão, C‑10/18 P, EU:C:2020:149, n.o 42).

316

No n.o 150 do Acórdão de 26 de outubro de 2017, Marine Harvest/Comissão (T‑704/14, EU:T:2017:753), o Tribunal Geral considerou que esse considerando não continha uma definição exaustiva das condições nas quais duas operações constituem uma concentração única. Baseou‑se, a este título, na natureza específica do referido considerando, que, embora permita esclarecer a interpretação a dar a uma regra jurídica, não pode, por não ter valor jurídico vinculativo próprio, constituir uma dessas regras (Acórdão de 4 de março de 2020, Marine Harvest/Comissão, C‑10/18 P, EU:C:2020:149, n.o 43).

317

Ora, embora o considerando 20 do Regulamento n.o 139/2004 possa servir de elemento de interpretação das disposições deste regulamento, não se pode deduzir validamente da mera redação deste considerando uma interpretação do conceito de «concentração única» que não seja conforme com essas disposições. Neste sentido, o Tribunal de Justiça teve, aliás, a oportunidade, em várias ocasiões, de indicar que os considerandos de um ato da União não têm valor jurídico vinculativo e não podem ser utilmente invocados para derrogar as próprias disposições do ato em causa nem para interpretar essas disposições num sentido manifestamente contrário à sua redação (Acórdão de 4 de março de 2020, Marine Harvest/Comissão, C‑10/18 P, EU:C:2020:149, n.o 44).

318

No caso em apreço, há que constatar que a Comissão não baseou a decisão impugnada apenas no considerando 20 do Regulamento n.o 139/2004 mas também no artigo 3.o do Regulamento n.o 139/2004, interpretado à luz do referido considerando.

319

No que diz respeito ao argumento da recorrente relativo ao n.o 126 do Acórdão de 26 de outubro de 2017, Marine Harvest/Comissão (T‑704/14, EU:T:2017:753), é exato que o Tribunal Geral indicou no acórdão, em resposta a um argumento da recorrente nesse processo, baseado no conceito de ligação condicional mencionado no considerando 20 do Regulamento n.o 139/2004, que não se pode deduzir do n.o 107 do Acórdão de 23 de fevereiro de 2006, Cementbouw Handel & Industrie/Comissão (T‑282/02, EU:T:2006:64), segundo o qual, para determinar o caráter unitário das transações em causa, é necessário, em cada caso concreto, apreciar se essas transações são interdependentes de tal forma que uma não teria sido realizada sem a outra, que, sempre que várias transações sejam interdependentes, elas constituem necessariamente uma única concentração.

320

No entanto, há que salientar que as circunstâncias desse processo diferem do presente caso.

321

Esse processo tinha por objeto a aquisição do produtor e transformador norueguês de salmão Morpol. Num primeiro momento, a adquirente celebrou um contrato de aquisição de ações através do qual adquiriu, sem notificação prévia, 48,5 % do capital social da Morpol. Numa segunda fase, adquiriu as restantes ações lançando uma oferta pública obrigatória de aquisição nessas ações.

322

O Tribunal Geral constatou que, nesse processo, já tinha havido aquisição do controlo a partir da celebração do contrato de aquisição de ações (Acórdão de 26 de outubro de 2017, Marine Harvest/Comissão, T‑704/14, EU:T:2017:753, n.o 132).

323

Assim, o Tribunal Geral concluiu que não podia deduzir‑se do Acórdão de 23 de fevereiro de 2006, Cementbouw Handel & Industrie/Comissão (T‑282/02, EU:T:2006:64), que, numa situação na qual a aquisição do controlo de uma única empresa alvo ocorreu através de uma única operação, é necessário considerar essa operação como fazendo parte de uma concentração única, quando a aquisição de ações que conduziu à aquisição do controlo e a oferta pública de aquisição obrigatória posterior são interdependentes (Acórdão de 26 de outubro de 2017, Marine Harvest/Comissão, T‑704/14, EU:T:2017:753, n.o 133).

324

Assim, como a Comissão sublinha, a limitação prevista no n.o 126 do Acórdão de 26 de outubro de 2017, Marine Harvest/Comissão (T‑704/14, EU:T:2017:753), visava simplesmente excluir a situação específica descrita no n.o 133 do referido acórdão e não rejeitar o conceito de concentração única.

325

Além disso, o Tribunal Geral salientou que, em várias decisões, a Comissão se baseou no conceito de «concentração única» (Acórdão de 26 de outubro de 2017, Marine Harvest/Comissão, T‑704/14, EU:T:2017:753, n.o 90), e confirmou esse conceito, nomeadamente no Acórdão de 23 de fevereiro de 2006, Cementbouw Handel & Industrie/Comissão (T‑282/02, EU:T:2006:64).

326

Por último, há que sublinhar que, no Acórdão de 4 de março de 2020, Marine Harvest/Comissão (C‑10/18 P, EU:C:2020:149), o Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso interposto do Acórdão de 26 de outubro de 2017, Marine Harvest/Comissão (T‑704/14, EU:T:2017:753).

b)   Quanto ao argumento de que o n.o 35 da CCC [comunicação consolidada em matéria de competência] não constitui fundamento suficiente para os conceitos de «concentração única» e de «realização parcial» da Comissão

1) Quanto ao argumento de que a CCC não constitui base jurídica suficiente e não é juridicamente vinculativa

327

Por um lado, a recorrente alega que a CCC não constitui a base jurídica adequada em matéria de realização antecipada de uma concentração, dado que não aborda a questão do momento em que uma concentração é realizada na aceção do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004. Mesmo admitindo que seja possível qualificar as «operações de detenção em carteira por conta» na aceção do n.o 35 da CCC como «concentração única», o referido número da CCC não subentende que uma «realização parcial» de uma «estrutura de detenção em carteira por conta» constitua uma violação do artigo 4.o, n.o 1, ou do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004. Por outro lado, a recorrente sustenta que, quando a CCC se afasta do Regulamento n.o 139/2004 e da jurisprudência aplicável, não é vinculativa para as partes.

328

A Comissão contesta os argumentos da recorrente.

329

No que respeita ao argumento da recorrente de que a CCC não constitui base jurídica suficiente, importa salientar que, no considerando 75 da decisão impugnada, a Comissão referiu que, para determinar se várias operações fazem parte de uma concentração única, importava atender à «finalidade económica prosseguida pelas partes», em conformidade com o Acórdão de 23 de fevereiro de 2006, Cementbouw Handel & Industrie/Comissão (T‑282/02, EU:T:2006:64, n.o 106).

330

Por outro lado, no considerando 99, alínea b), da decisão impugnada, a Comissão considerou que «a operação provisória contribuiu (pelo menos em parte) para a mudança no controlo da TMSC na aceção do Acórdão [de 31 de maio de 2018, Ernst & Young (C‑633/16, EU:C:2018:371)] [; a]o proceder à operação provisória, a [recorrente] realizou parcialmente a concentração única, que consistia na aquisição do controlo da TMSC pela [recorrente]».

331

Por último, no considerando 101 da decisão impugnada, a Comissão explicou que considerava que a operação provisória e a operação final constituíam uma concentração única na aceção do artigo 3.o do Regulamento n.o 139/2004 e da jurisprudência dos tribunais da União, uma vez que, embora juridicamente distintas, se inscreviam no âmbito de um projeto económico único, através do qual a recorrente adquiriu o controlo da TMSC à Toshiba. Neste considerando, a Comissão acrescentou que as transações sucessivas celebradas entre a Toshiba, a MS Holding e a recorrente correspondiam estreitamente ao tipo de estrutura de transação de concentração única descrita no n.o 35 da CCC.

332

Assim, na decisão impugnada, a Comissão aplicou o conceito de concentração única, conforme interpretado pelo Tribunal Geral no Acórdão de 23 de fevereiro de 2006, Cementbouw Handel & Industrie/Comissão (T‑282/02, EU:T:2006:64), e considerou que a operação provisória tinha dado origem a uma realização parcial de uma concentração única com base no artigo 4.o, n.o 1, e no artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004, conforme interpretados pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 31 de maio de 2018, Ernst & Young (C‑633/16, EU:C:2018:371). Foi apenas a título subsidiário que a Comissão mencionou o n.o 35 da CCC.

333

É, portanto, sem razão que a recorrente sustenta que a CCC constitui a base jurídica da decisão impugnada.

334

No que respeita ao argumento da recorrente de que a CCC não é juridicamente vinculativa em seu desfavor, como foi salientado, a decisão impugnada não se baseia na CCC. Por outro lado, também não se baseia nos outros números da CCC.

335

Há, portanto, que rejeitar o argumento da recorrente de que a CCC não constitui base jurídica suficiente e não é juridicamente vinculativa.

2) Quanto ao argumento de que as condições previstas no n.o 35 da CCC não estão preenchidas

336

A recorrente alega que, admitindo que o n.o 35 da CCC seja aplicável ao caso em apreço, as condições de um «acordo de detenção em carteira por conta» não estão preenchidas, dado que, por um lado, segundo este número, o «adquirente provisório adquire geralmente as ações “por conta” do comprador final», ao passo que a MS Holding não adquiriu a TMSC «por conta» da recorrente, e que, por outro, não existia «ligação direta» ou «acordo que [preveja] a revenda futura» entre o «primeiro adquirente» ou o «adquirente final». A este respeito, a recorrente alega que a MS Holding podia exercer todos os direitos de voto na TMSC e que os administradores da MS Holding dispunham do direito de ceder as suas ações, uma vez que podiam ceder ações da categoria A, sem a aprovação da recorrente. Uma cessão hipotética de ações da categoria A pelos administradores da MS Holding apenas exigiria a aprovação dos administradores da TMSC e a MS Holding teria podido facilmente obter essa aprovação em virtude do seu poder de suprimir ou de substituir a totalidade do Conselho de Administração da TMSC.

337

A Comissão contesta os argumentos da recorrente.

338

Cabe recordar que, conforme assinalado (v. n.os 332 e 334, supra), o n.o 35 da CCC mencionado a título subsidiário na decisão impugnada não constitui a base jurídica da decisão impugnada.

339

Por conseguinte, há que rejeitar o argumento da recorrente de que as condições previstas no n.o 35 da CCC não estão preenchidas.

[OMISSIS]

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Sexta Secção)

decide:

 

1)

É negado provimento ao recurso.

 

2)

A Canon Inc. é condenada a suportar as suas próprias despesas e as despesas efetuadas pela Comissão Europeia.

 

3)

O Conselho da União Europeia suportará as suas próprias despesas.

 

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 18 de maio de 2022.

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: inglês.

( 1 ) Apenas são reproduzidos os números do presente acórdão cuja publicação o Tribunal Geral considera útil.