ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção)

20 de maio de 2021 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Segurança social — Determinação da legislação aplicável — Regulamento (CEE) n.o 1408/71 — Artigo 13.o, n.o 2, alínea a) — Artigo 14.o, n.o 2 — Pessoa que exerce normalmente uma atividade assalariada no território de dois ou mais Estados‑Membros — Contrato de trabalho único — Empregador estabelecido no Estado‑Membro de residência do trabalhador — Atividade assalariada exercida exclusivamente noutros Estados‑Membros — Trabalho efetuado em diferentes Estados‑Membros durante períodos sucessivos — Condições»

No processo C‑879/19,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal, Polónia), por Decisão de 19 de setembro de 2019, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 2 de dezembro de 2019, no processo

FORMAT Urządzenia i Montaże Przemysłowe

contra

Zakład Ubezpieczeń Społecznych I Oddział w Warszawie,

sendo interveniente:

UA,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção),

composto por: N. Wahl, presidente de secção, F. Biltgen (relator) e L. S. Rossi, juízes,

advogado‑geral: E. Tanchev,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação da FORMAT Urządzenia i Montaże Przemysłowe, por W. Barański, adwokat,

em representação do Zakład Ubezpieczeń Społecznych I Oddział w Warszawie, por M. Drewnowski, radca prawny,

em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

em representação do Governo belga, por L. Van den Broeck e S. Baeyens, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por D. Martin e A. Szmytkowska, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 14.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento (CEE) n.o 1408/71 do Conselho, de 14 de junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, conforme alterado e atualizado pelo Regulamento (CE) n.o 118/97 do Conselho, de 2 de dezembro de 1996 (JO 1997, L 28, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (CEE) n.o 1606/98 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de junho de 1998 (JO 1998, L 209, p. 1) (a seguir «Regulamento n.o 1408/71»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a sociedade FORMAT Urządzenia i Montaże Przemysłowe (a seguir «Format») ao Zakład Ubezpieczeń Społecznych I Oddział w Warszawie (Instituto da Segurança Social, 1.a Secção de Varsóvia, Polónia) a respeito da determinação da legislação aplicável a UA, trabalhador da Format (a seguir «interessado»), em matéria de segurança social.

Quadro jurídico

3

Em conformidade com o sexto considerando do Regulamento n.o 1408/71, as normas de coordenação devem garantir aos trabalhadores que se deslocam no interior da União, às pessoas que deles dependam e aos seus sobreviventes a manutenção dos direitos e das regalias adquiridas e em vias de aquisição.

4

Resulta do oitavo considerando do referido regulamento que as suas disposições se destinam a que os interessados fiquem, em princípio, sujeitos ao regime de segurança social de um único Estado‑Membro, e isso a fim de evitar o concurso de leis nacionais aplicáveis e as complicações que daí podem resultar.

5

O artigo 1.o, alínea h), do Regulamento n.o 1408/71 prevê que, para efeitos da aplicação deste regulamento, o termo «residência» significa residência habitual.

6

No título II do mesmo regulamento, sob a epígrafe «Determinação da legislação aplicável», o artigo 13.o, intitulado «Regras gerais», dispõe:

«1.   Sem prejuízo do disposto nos artigos 14.o‑C e 14.o‑F, as pessoas às quais se aplica o presente regulamento apenas estão sujeitas à legislação de um Estado‑Membro. Esta legislação é determinada de acordo com as disposições do presente título;

2.   Sem prejuízo do disposto nos artigos 14.o a 17.o:

a)

A pessoa que exerça uma atividade assalariada no território de um Estado‑Membro está sujeita à legislação desse Estado, mesmo se residir no território de outro Estado‑Membro ou se a empresa ou entidade patronal que a emprega tiver a sua sede ou domicílio no território de outro Estado‑Membro;

[…]»

7

Nesse mesmo título, o artigo 14.o do Regulamento n.o 1408/71, sob a epígrafe «Regras especiais aplicáveis às pessoas que exercem uma atividade assalariada, não sendo pessoal do mar», prevê:

«A regra enunciada no n.o 2, alínea a), do artigo 13.o é aplicada tendo em conta as seguintes exceções e particularidades:

1.

a)

A pessoa que exerça uma atividade assalariada no território de um Estado‑Membro, ao serviço de uma empresa de que normalmente depende, e que seja destacada por esta empresa para o território de outro Estado‑Membro a fim de aí efetuar um trabalho por conta desta última continua sujeita à legislação do primeiro Estado‑Membro, desde que o período previsível desse trabalho não exceda doze meses e que não seja enviada em substituição de outra pessoa que tenha terminado o período do seu destacamento;

[…]

2.

A pessoa que normalmente exerça uma atividade assalariada no território de dois ou mais Estados‑Membros está sujeita à legislação determinada do seguinte modo:

a)

A pessoa que faça parte da equipagem ou da tripulação de uma empresa que efetue, por conta própria, transportes internacionais de passageiros ou de mercadorias por caminho‑de‑ferro, por estrada, por via aérea ou por via navegável e que tenha a sede no território de um Estado‑Membro, está sujeita à legislação deste último [E]stado. […]

[…]

b)

a pessoa que não preencha os requisitos da alínea a) está sujeita:

i)

À legislação do Estado‑Membro em cujo território reside, se exercer uma parte da sua atividade nesse território ou se depender de várias empresas ou de várias entidades patronais que tenham a sua sede ou domicílio no território de diversos Estados‑Membros,

ii)

À legislação do Estado‑Membro em cujo território a empresa ou a entidade patronal que a emprega tenha a sua sede ou domicílio, se não residir no território de um dos Estados‑Membros em que exerce a sua atividade.

[…]»

8

Por força do artigo 12.o‑A, do Regulamento (CEE) n.o 574/72 do Conselho, de 21 de março de 1972, que estabelece as modalidades de aplicação do Regulamento n.o 1408/71 (JO L 1972, L 74), na sua versão alterada e atualizada pelo Regulamento (CE) n.o 118/97 do Conselho, de 2 de dezembro de 1996 (JO 1997, L 28, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 647/2005 da Comissão, de 13 de abril de 2005 (JO 2005, L 117, p. 1), as autoridades do Estado competente, na aceção do Regulamento n.o 1408/71, são obrigadas a fornecer às pessoas que normalmente exercem uma atividade assalariada no território de dois ou mais Estados‑Membros, na aceção do artigo 14.o, n.o 2, alínea b), deste último regulamento, um certificado comprovativo de que estão sujeitas à legislação do referido Estado‑Membro competente.

9

Este certificado, cujo modelo figura na Decisão n.o 202 da Comissão administrativa das Comunidades Europeias para a segurança social dos trabalhadores migrantes, de 17 de março de 2005, relativa aos modelos de formulários necessários à aplicação dos Regulamentos n.o 1408/71 e n.o 574/72 do Conselho (E001, E 101, E 102, E 103, E 104, E 106, E 107, E 108, E 109, E 112, E 115, E 116, E 117, E 118, E 120, E 121, E 123, E 124, E 125, E 126 e E 127) (JO 2006, L 77, p. 1), é comummente denominado «formulário E 101» ou «certificado E 101».

Litígio no processo principal e questão prejudicial

10

O interessado, nacional polaco residente na Polónia, trabalhou para a Format, cuja sede está situada na Polónia, ao abrigo de um contrato de trabalho a termo entre 20 de outubro de 2006 e 31 de dezembro de 2009. Durante esse período, trabalhou em França a partir de 23 de outubro de 2006, no Reino Unido de 5 de novembro de 2007 a 6 de janeiro de 2008, e novamente em França a partir de 7 de janeiro de 2008.

11

Por Decisão de 13 de fevereiro de 2008, baseada no artigo 14.o, n.o 1, alínea a), e n.o 2, alínea b), do Regulamento n.o 1408/71, o Instituto da Segurança Social, 1.a Secção de Varsóvia, recusou emitir ao interessado um certificado E 101 comprovativo de que, entre 23 de dezembro de 2007 e 31 de dezembro de 2009, este último estava sujeito ao regime de segurança social polaco pelo trabalho que tinha efetuado por conta da Format.

12

A Format e o interessado interpuseram recurso dessa decisão para o Sąd Okręgowy w Warszawie (Tribunal Regional de Varsóvia, Polónia), que lhe negou provimento. Esse órgão jurisdicional considerou que, como o interessado tinha trabalhado por conta da Format durante vários meses no território de dois Estados‑Membros, de forma sucessiva, não estava abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 14.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento n.o 1408/71, mas pelo do artigo 13.o, n.o 2, alínea a), desse regulamento.

13

A Format interpôs recurso da decisão do referido órgão jurisdicional para o Sad Apelacyjny w Warszawie (Tribunal de Recurso de Varsóvia, Polónia), que lhe negou provimento por Decisão de 23 de janeiro de 2018.

14

Esse órgão jurisdicional salientou que resulta do Acórdão de 4 de outubro de 2012, Format Urządzenia i Montaże Przemysłowe (C‑115/11, EU:C:2012:606), que o conceito de «pessoa que normalmente exerça uma atividade assalariada no território de dois ou mais Estados‑Membros», na aceção do artigo 14.o, n.o 2, alínea b), ii), do Regulamento n.o 1408/71, não cobre as situações em que o exercício de uma atividade assalariada no território de um único Estado‑Membro constitui a situação habitual da pessoa em causa. O referido órgão jurisdicional considerou que, tendo em conta que o trabalho efetuado pelo interessado em cada Estado‑Membro durou vários meses, a natureza do seu trabalho, a saber, trabalhos de construção, bem como o perfil de atividade da Format, a saber, a realização de trabalhos de construção em vários Estados‑Membros, o interessado exercia, na realidade, um trabalho habitual no território de um único Estado‑Membro e estava, portanto, abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 13.o, n.o 2, alínea a), desse regulamento.

15

A Format interpôs recurso de cassação dessa decisão para o órgão jurisdicional de reenvio.

16

Esse órgão jurisdicional considera que o Acórdão de 4 de outubro de 2012, Format Urządzenia i Montaże Przemysłowe (C‑115/11, EU:C:2012:606), que dizia respeito a um processo que envolvia igualmente a Format e se referia a factos ocorridos durante o período em causa no processo principal, não dissipa as dúvidas relativas à interpretação do artigo 14.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1408/71 suscitadas pelo presente processo. Com efeito, no referido acórdão, o Tribunal de Justiça declarou, na verdade, que essa disposição devia ser interpretada no sentido de que uma pessoa que, no quadro de contratos de trabalho sucessivos que indicam como local de trabalho o território de vários Estados‑Membros, só trabalha, de facto, durante o período de cada um desses contratos, no território de um único desses Estados não se pode enquadrar no conceito de «pessoa que normalmente exerça uma atividade assalariada no território de dois ou mais Estados‑Membros», na aceção da referida disposição. Todavia, os factos em causa no processo principal que deram origem a esse acórdão, a saber, o interessado tinha trabalhado em vários Estados‑Membros ao abrigo de sucessivos contratos de trabalho e tinha exercido a sua atividade assalariada, durante a vigência de cada um desses contratos, apenas no território de um desses Estados‑Membros, distinguem‑se dos que estão em causa no presente processo principal, na medida em que o interessado exerceu uma atividade assalariada, em virtude de um único contrato de trabalho, durante dois períodos sucessivos no território de dois Estados diferentes.

17

Além disso, resulta do Acórdão de 12 de julho de 1973, Hakenberg (13/73, EU:C:1973:92, n.o 19), que o conceito de «pessoa que normalmente exerça uma atividade assalariada» na aceção do artigo 14.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1408/71 visa as pessoas que se encontram numa relação de trabalho coerente e continua que cobre ao mesmo tempo ou em períodos sucessivos o território de vários Estados‑Membros, mas não visa as pessoas que, durante o período em causa, desempenham efetivamente uma atividade profissional, ao abrigo de um contrato de trabalho, num único Estado‑Membro e realizam, no ano seguinte, um trabalho noutro Estado‑Membro ao abrigo de outro contrato de trabalho.

18

O órgão jurisdicional de reenvio, que indica ter interpretado de maneira diferente este conceito em dois processos que lhe foram submetidos, considera que é necessário submeter uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça a fim de dissipar as dúvidas existentes a este respeito.

19

Nestas condições, o Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal, Polónia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a questão prejudicial seguinte:

«Deve o conceito de pessoa que normalmente exerça uma atividade assalariada no território de dois ou mais Estados‑Membros, utilizado no artigo 14.o, n.o 2, primeiro período, do Regulamento [n.o 1408/71], ser interpretado no sentido de que abrange uma pessoa que, no âmbito de um mesmo e único contrato de trabalho celebrado com um mesmo e único empregador, […] durante o período abrangido por esse contrato, realiza o seu trabalho no território de, pelo menos, dois Estados‑Membros, não [em simultâneo] ou em paralelo, mas durante períodos sucessivos de vários meses consecutivos?»

Quanto à questão prejudicial

20

Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 14.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1408/71 deve ser interpretado no sentido de que se aplica a uma pessoa que, no âmbito de um único contrato de trabalho celebrado com um único empregador, que prevê o exercício de uma atividade profissional em vários Estados‑Membros, trabalha durante vários meses sucessivos unicamente no território de cada um desses Estados‑Membros.

21

A este respeito, importa recordar que, para ser abrangida pelo artigo 14.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1408/71, uma pessoa deve normalmente exercer uma atividade assalariada no território de dois ou mais Estados‑Membros (Acórdão de 4 de outubro de 2012, Format Urządzenia i Montaże Przemysłowe, C‑115/11, EU:C:2012:606, n.o 39).

22

Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, para apreciar se se deve considerar que uma pessoa exerce normalmente uma atividade assalariada no território de dois ou mais Estados‑Membros ou, se, pelo contrário, se trata de atividades repartidas no território de vários Estados‑Membros de modo meramente pontual, há que ter em conta, em especial, a duração dos períodos de atividade e a natureza do trabalho assalariado tal como definidas nos documentos contratuais, bem como, se for caso disso, a realidade das atividades exercidas, a saber, nomeadamente, a maneira como os contratos celebrados entre o empregador e o trabalhador em causa foram executados na prática no passado, as circunstâncias que rodearam a celebração desses contratos e, mais genericamente, as características e as modalidades das atividades exercidas pela empresa em causa (Acórdão de 13 de setembro de 2017, X, C‑570/15, EU:C:2017:674, n.o 21 e jurisprudência aí referida).

23

No caso em apreço, a decisão de reenvio não especifica quais são as indicações que figuram no contrato de trabalho celebrado entre o interessado e a Format no que respeita, nomeadamente, aos locais de execução do trabalho efetuado pelo interessado e à duração desse trabalho.

24

Todavia, resulta da leitura do dossiê submetido ao Tribunal de Justiça que, no âmbito do contrato de trabalho celebrado entre a Format e o interessado, para o período compreendido entre 20 de outubro de 2006 e 31 de dezembro de 2009, o interessado trabalhou em França, a partir de 23 de outubro de 2006, seguidamente no Reino Unido, de 5 de novembro de 2007 a 6 de janeiro de 2008, e novamente em França, a partir de 7 de janeiro de 2008.

25

Se for efetivamente esse o caso, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, deve considerar‑se que o interessado exerceu a sua atividade assalariada de forma sucessiva em dois Estados‑Membros mas que os períodos de trabalho ininterruptos efetuados no primeiro Estado‑Membro eram, respetivamente, de cerca de treze meses e de quase dois anos, com um período intermédio de cerca de dois meses exercido no segundo Estado‑Membro. Assim, há que considerar que, no âmbito do seu contrato de trabalho celebrado para o período compreendido entre 20 de outubro de 2006 e 31 de dezembro de 2009, o interessado exerceu a quase totalidade da sua atividade assalariada no território de um único Estado‑Membro.

26

É verdade que, no que se refere aos eventuais períodos sucessivos de atividade exercidos no território de mais do que um Estado‑Membro, o artigo 14.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1408/71 não fixa limites temporais.

27

Contudo, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, se o exercício de uma atividade assalariada no território de um único Estado‑Membro constituir o regime normal da pessoa em causa, esta não se pode incluir no âmbito de aplicação do artigo 14.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1408/71 (v., neste sentido, Acórdão de 4 de outubro de 2012, Format Urządzenia i Montaże Przemysłowe, C‑115/11, EU:C:2012:606, n.o 40).

28

Por conseguinte, não se pode aceitar que uma pessoa que exerce uma atividade assalariada em condições como as que estão em causa no processo principal, descritas nos n.os 24 e 25 do presente acórdão, esteja abrangida pelo conceito de «pessoa que normalmente exerça uma atividade assalariada no território de dois ou mais Estados‑Membros» na aceção do artigo 14.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1408/71.

29

Com efeito, tal interpretação teria por efeito alargar o âmbito de aplicação desta disposição a situações em que, na realidade, o período durante o qual a pessoa em causa exerce a sua atividade assalariada no território de um único Estado‑Membro é tão longo, que essa atividade deveria ser considerada o regime de atividade normal da pessoa em causa.

30

Por outro lado, importa sublinhar que as disposições do título II do Regulamento n.o 1408/71, de que faz parte o artigo 14.o desse regulamento, constituem, segundo jurisprudência constante, um sistema completo e uniforme de regras de conflito de leis cuja finalidade é sujeitar os trabalhadores que se deslocam no interior da União ao regime de segurança social de um único Estado‑Membro, de forma a evitar o concurso de leis nacionais aplicáveis e as complicações que daí podem resultar (v., neste sentido, Acórdãos de 16 de fevereiro de 1995, Calle Grenzshop Andresen, C‑425/93, EU:C:1995:37, n.o 9; de 13 de setembro de 2017, X, C‑570/15, EU:C:2017:674, n.o 14; e de 8 de maio de 2019, Inspecteur van de Belastingdienst, C‑631/17, EU:C:2019:381, n.o 33).

31

Para esse efeito, o artigo 13.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 1408/71 institui o princípio segundo o qual um trabalhador assalariado está sujeito, em matéria de segurança social, à legislação do Estado onde trabalha (v., neste sentido, Acórdão de 13 de setembro de 2017, X, C‑570/15, EU:C:2017:674, n.o 15 e jurisprudência aí referida).

32

Contudo, este princípio é formulado «[s]em prejuízo dos artigos 14.o a 17.o» do Regulamento n.o 1408/71. Com efeito, em certas situações especiais, a aplicação pura e simples da regra geral referida no artigo 13.o, n.o 2, alínea a), deste regulamento implicaria o risco de criar, em vez de evitar, ao trabalhador, ao empregador e às instituições de segurança social complicações administrativas cujo efeito podia ser entravar o exercício da livre circulação das pessoas abrangidas pelo referido regulamento (Acórdão de 4 de outubro de 2012, Format Urządzenia i Montaże Przemysłowe, C‑115/11, EU:C:2012:606, n.o 31 e jurisprudência aí referida).

33

Assim, o n.o 2 do artigo 14.o do Regulamento n.o 1408/71 constitui, tal como o n.o 1, alínea a), deste artigo, uma derrogação ao princípio geral previsto no artigo 13.o, n.o 2, alínea a), deste regulamento. Por conseguinte, o artigo 14.o, n.o 2, do referido regulamento deve ser interpretado de forma estrita (v., neste sentido, Acórdão de 16 de janeiro de 2007, Perez Naranjo, C‑265/05, EU:C:2007:26, n.o 29).

34

Ora, há que ter em conta que, para efeitos da exceção prevista no artigo 14.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 1408/71, o legislador da União considerou manifestamente que o destacamento temporário e de curta duração de um trabalhador para outro Estado‑Membro durante um período máximo de doze meses justifica uma exceção à regra do Estado‑Membro do lugar de exercício da atividade prevista no artigo 13.o, n.o 2, alínea a), deste regulamento (v., neste sentido, Conclusões do advogado‑geral J. Mazák apresentadas no processo Format Urządzenia i Montaże Przemysłowe, C‑115/11, EU:C:2012:267, n.o 55).

35

Conclui‑se que, para garantir uma interpretação coerente das disposições do artigo 14.o, n.o 1, alínea a), e n.o 2, do Regulamento n.o 1408/71, se deve considerar que uma pessoa que exerce, durante períodos sucessivos de trabalho, uma atividade assalariada em diferentes Estados‑Membros exerce normalmente uma atividade assalariada no território de dois ou mais Estados‑Membros, na aceção do artigo 14.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1408/71, desde que a duração dos períodos ininterruptos de trabalho efetuado em cada um desses Estados‑Membros não exceda doze meses. Só esta interpretação é suscetível de evitar que se contorne o princípio estabelecido no artigo 13.o, n.o 2, alínea a), deste regulamento.

36

Por conseguinte, há que declarar que o artigo 14.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento n.o 1408/71, sob reserva de verificação pelo juiz nacional, não é aplicável a uma situação como a que está em causa no processo principal.

37

Cabe acrescentar que, a priori, essa situação também não é abrangida pelo artigo 14.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 1408/71. Com efeito, só pode beneficiar da vantagem proporcionada pela exceção prevista nessa disposição uma empresa que exerça habitualmente atividades significativas no território do Estado‑Membro da sede (Acórdão de 10 de fevereiro de 2000, FTS, C‑202/97, EU:C:2000:75, n.o 40). Ora, no caso em apreço, a decisão de reenvio não precisa se, durante o período compreendido entre 20 de outubro de 2006 e 31 de dezembro de 2009, a Format exerceu habitualmente atividades significativas na Polónia, o Estado‑Membro onde tem a sua sede. Além disso, decorre do Acórdão de 4 de outubro de 2012, Format Urządzenia i Montaże Przemysłowe (C‑115/11, EU:C:2012:606, n.o 32), que dizia respeito a um processo principal que envolvia igualmente a Format e se referia a factos ocorridos durante o período em causa no litígio no processo principal, que esta sociedade não exerce habitualmente atividades significativas na Polónia. Por conseguinte, não parece, a priori, que esta condição esteja preenchida no presente caso, o que, no entanto, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

38

Em contrapartida, essa situação é suscetível de ser abrangida pelo princípio enunciado no artigo 13.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 1408/71.

39

Atendendo a todas as considerações anteriores, há que responder à questão submetida que o artigo 14.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1408/71 deve ser interpretado no sentido de que não se aplica a uma pessoa que, no âmbito de um único contrato de trabalho celebrado com um único empregador, que prevê o exercício de uma atividade profissional em vários Estados‑Membros, trabalha durante vários meses sucessivos unicamente no território de cada um desses Estados‑Membros, quando a duração dos períodos ininterruptos de trabalho efetuados por essa pessoa em cada um desses Estados‑Membros exceda doze meses, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

Quanto às despesas

40

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Oitava Secção) declara:

 

O artigo 14.o, n.o 2, do Regulamento (CEE) n.o 1408/71 do Conselho, de 14 de junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, conforme alterado e atualizado pelo Regulamento (CE) n.o 118/97 do Conselho, de 2 de dezembro de 1996 (JO 1997, L 28, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (CEE) n.o 1606/98, de 29 de junho de 1998, deve ser interpretado no sentido de que não se aplica a uma pessoa que, no âmbito de um único contrato de trabalho celebrado com um único empregador, que prevê o exercício de uma atividade profissional em vários Estados‑Membros, trabalha durante vários meses sucessivos unicamente no território de cada um desses Estados‑Membros, quando a duração dos períodos ininterruptos de trabalho efetuados por essa pessoa em cada um desses Estados‑Membros exceda doze meses, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: polaco.