ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

15 de julho de 2021 ( *1 )

«Incumprimento de Estado — Regime disciplinar aplicável aos juízes — Estado de Direito — Independência dos juízes — Tutela jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo direito da União — Artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE — Artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Infrações disciplinares devido ao conteúdo de decisões judiciais — Jurisdições disciplinares independentes e estabelecidas por lei — Respeito do prazo razoável e dos direitos de defesa nos processos disciplinares — Artigo 267.o TFUE — Limitação do direito e da obrigação de os órgãos jurisdicionais nacionais submeterem pedidos de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça»

No processo C‑791/19,

que tem por objeto uma ação por incumprimento, nos termos do artigo 258.o TFUE, que deu entrada em 25 de outubro de 2019,

Comissão Europeia, representada, inicialmente, por K. Banks, S. L. Kalėda e H. Krämer e, em seguida, por K. Banks, S. L. Kalėda e P. J. O. Van Nuffel, na qualidade de agentes,

demandante,

apoiada por:

Reino da Bélgica, representado por C. Pochet, M. Jacobs e L. Van den Broeck, na qualidade de agentes,

Reino da Dinamarca, representado, inicialmente, por M. Wolff, M. Jespersen e J. Nymann‑Lindegren e, em seguida, por M. Wolff e J. Nymann‑Lindegren, na qualidade de agentes,

Reino dos Países Baixos, representado por M. K. Bulterman e J. Langer, na qualidade de agentes,

República da Finlândia, representada por M. Pere e H. Leppo, na qualidade de agentes,

Reino da Suécia, representado por C. Meyer‑Seitz, H. Shev, A. Falk, J. Lundberg e H. Eklinder, na qualidade de agentes,

intervenientes,

contra

República da Polónia, representada por B. Majczyna, D. Kupczak, S. Żyrek, A. Dalkowska e A. Gołaszewska, na qualidade de agentes,

demandada,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, R. Silva de Lapuerta, vice‑presidente, A. Arabadjiev, A. Prechal (relatora), M. Vilaras, M. Ilešič, A. Kumin e N. Wahl, presidentes de secção, T. von Danwitz, C. Toader, K. Jürimäe, C. Lycourgos, N. Jääskinen, I. Ziemele e J. Passer, juízes,

advogado‑geral: E. Tanchev,

secretário: M. Aleksejev, chefe de unidade,

vistos os autos e após a audiência de 1 de dezembro de 2020,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 6 de maio de 2021,

profere o presente

Acórdão

1

Na sua petição, a Comissão Europeia pede que o Tribunal de Justiça declare que,

ao permitir que o conteúdo das decisões judiciais possa ser qualificado de uma infração disciplinar praticada por um juiz dos tribunais comuns [artigo 107.o, n.o 1, da ustawa — Prawo o ustroju sądów powszechnych (Lei da Organização dos Tribunais Comuns), de 27 de julho de 2001 (Dz. U. n.o 98, posição 1070), na versão resultante das sucessivas alterações publicadas no Dziennik Ustaw Rzeczypospolitej Polskiej de 2019 (posições 52, 55, 60, 125, 1469 e 1495) (a seguir «Lei dos Tribunais Comuns»), e artigo 97.o, n.os 1 e 3, da ustawa o Sądzie Najwyższym (Lei do Supremo Tribunal), de 8 de dezembro de 2017 (Dz. U. de 2018, posição 5), na sua versão consolidada, conforme publicada no Dziennik Ustaw Rzeczypospolitej Polskiej de 2019 (posição 825) (a seguir «nova Lei do Supremo Tribunal»)];

ao não garantir a independência e a imparcialidade da Izba Dyscyplinarna (Secção Disciplinar) do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal, Polónia) (a seguir «Secção Disciplinar»), à qual incumbe a fiscalização das decisões proferidas nos processos disciplinares instaurados contra juízes [artigo 3.o, ponto 5, artigo 27.o e artigo 73.o, n.o 1, da nova Lei do Supremo Tribunal, lidos em conjugação com o artigo 9.o‑A da ustawa o Krajowej Radzie Sądownictwa (Lei do Conselho Nacional da Magistratura), de 12 de maio de 2011 (Dz. U. n.o 126, posição 714), conforme alterada pela ustawa o zmianie ustawy o Krajowej Radzie Sądownictwa oraz niektórych innych ustaw (Lei Que Altera a Lei do Conselho Nacional da Magistratura e algumas outras leis), de 8 de dezembro de 2017 (Dz. U. de 2018, posição 3) (a seguir «Lei do KRS»)];

ao conferir ao presidente da Secção Disciplinar o poder discricionário de designar o tribunal disciplinar competente em primeira instância nos processos relativos aos juízes dos tribunais de direito comum (artigo 110.o, n.o 3 e artigo 114.o, n.o 7, da Lei dos Tribunais Comuns), e, portanto, ao não garantir que os processos disciplinares sejam decididos por um tribunal «estabelecido por lei», e

ao atribuir ao ministro da Justiça a competência para nomear um instrutor de processos disciplinares do Ministério da Justiça (artigo 112.o‑B da Lei dos Tribunais Comuns) e, portanto, ao não garantir que os processos disciplinares instaurados contra juízes dos tribunais comuns sejam decididos num prazo razoável, e ao prever que os atos relacionados com a nomeação de um defensor e com a assunção da defesa por este não têm efeito suspensivo sobre a tramitação do processo disciplinar (artigo 113.o‑A desta lei), e que o tribunal disciplinar tramita o processo apesar da ausência justificada do juiz arguido, citado, ou do seu defensor (artigo 115.o‑A, n.o 3, da referida lei), e, portanto, ao não garantir o respeito pelos direitos de defesa dos juízes dos tribunais comuns que são arguidos em processos disciplinares,

a República da Polónia não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE,

e que,

ao permitir que o direito dos tribunais de submeterem pedidos de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça da União Europeia seja restrito mediante a possibilidade de abertura de um processo disciplinar, a República da Polónia não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 267.o, segundo e terceiro parágrafos, TFUE.

Quadro jurídico

Direito da União

Tratados UE e FUE

2

O artigo 2.o TUE tem a seguinte redação:

«A União funda‑se nos valores do respeito pela dignidade humana, da liberdade, da democracia, da igualdade, do Estado de direito e do respeito pelos direitos do Homem, incluindo os direitos das pessoas pertencentes a minorias. Estes valores são comuns aos Estados‑Membros, numa sociedade caracterizada pelo pluralismo, a não discriminação, a tolerância, a justiça, a solidariedade e a igualdade entre homens e mulheres.»

3

O artigo 19.o, n.o 1, TUE dispõe:

«O Tribunal de Justiça da União Europeia inclui o Tribunal de Justiça, o Tribunal Geral e tribunais especializados. O Tribunal de Justiça da União Europeia garante o respeito do direito na interpretação e aplicação dos Tratados.

Os Estados‑Membros estabelecem as vias de recurso necessárias para assegurar uma tutela jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo direito da União.»

4

Nos termos do artigo 267.o TFUE:

«O Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para decidir, a título prejudicial:

a)

Sobre a interpretação dos Tratados;

b)

Sobre a validade e a interpretação dos atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União.

Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados‑Membros, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao Tribunal que sobre ela se pronuncie.

Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal.

[…]»

Carta

5

O título VI da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), intitulado «Justiça», inclui, nomeadamente, o artigo 47.o, sob a epígrafe «Direito à ação e a um tribunal imparcial», que tem a seguinte redação:

«Toda a pessoa cujos direitos e liberdades garantidos pelo direito da União tenham sido violados tem direito a uma ação perante um tribunal nos termos previstos no presente artigo.

Toda a pessoa tem direito a que a sua causa seja julgada de forma equitativa, publicamente e num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei. […]

[…]»

Direito polaco

A Constituição

6

Nos termos do artigo 179.o da Constituição, o presidente da República da Polónia (a seguir «presidente da República») nomeia os juízes, sob proposta do Krajowa Rada Sądownictwa (Conselho Nacional da Magistratura, Polónia) (a seguir «KRS»), por tempo indeterminado.

7

O artigo 187.o da Constituição dispõe:

«1.   O [KRS] é composto:

1)

pelo primeiro presidente do [Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal)], pelo ministro da Justiça, pelo presidente do [Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo)] e por uma pessoa nomeada pelo presidente da República,

2)

por quinze membros eleitos de entre os juízes do [Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal)], dos tribunais comuns, dos tribunais administrativos e dos tribunais militares,

3)

por quatro membros eleitos pelo [Sejm (Parlamento, Polónia)] de entre os seus deputados e dois membros eleitos pelo Senado de entre os senadores.

[…]

3.   Os mandatos dos membros eleitos [do KRS] têm a duração de quatro anos.

4.   O regime, o domínio de atividade, o modo de trabalho [do KRS] e o modo de eleição dos seus membros são definidos por lei.»

Nova Lei do Supremo Tribunal

8

A nova Lei do Supremo Tribunal, na sua versão inicial, entrou em vigor em 3 de abril de 2018. Através da mesma foram criadas duas novas secções no Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal), a saber, por um lado, a Secção Disciplinar, prevista no artigo 3.o, ponto 5, desta lei, e por outro, a Izba Kontroli Nadzwyczajnej i Spraw Publicznych Sądu Nawyższego (Secção de Fiscalização Extraordinária e dos Assuntos Públicos).

9

Nos termos do artigo 6.o da nova Lei do Supremo Tribunal:

«1.   O primeiro presidente do [Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal)] submete às autoridades competentes observações sobre as irregularidades ou lacunas constatadas na lei e que devem ser eliminadas para assegurar o Estado de Direito, a justiça social e a coesão do sistema jurídico da República da Polónia.

2.   O presidente do [Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal)], que conduz os trabalhos da Secção Disciplinar, submete às autoridades competentes observações sobre as irregularidades ou lacunas constatadas na lei e que devem ser eliminadas para assegurar a tramitação eficaz dos processos da competência desta secção ou para limitar o número de infrações disciplinares.»

10

Nos termos do artigo 7.o, n.os 3 e 4, desta lei:

«3.   O primeiro presidente do [Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal)] tem os mesmos poderes do ministro das Finanças Públicas no que respeita à execução do orçamento do [Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal)].

4.   Para a execução do orçamento do [Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal)] relativo ao funcionamento da Secção Disciplinar, os poderes do ministro das Finanças Públicas são atribuídos ao presidente do [Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal)] que conduz os trabalhos da Secção Disciplinar.»

11

O artigo 20.o da referida lei enuncia:

«No que respeita à Secção Disciplinar e aos juízes que a compõem, as prerrogativas do primeiro presidente do [Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal)], tal como definidas:

nos artigos 14.o, n.o 1, pontos 1, 4 e 7, 31.o, n.o 1, 35.o, n.o 2, 36.o, n.o 6, 40.o, n.os 1 e 4, e 51.o, n.o 7 e 14, devem ser exercidas pelo presidente do [Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal)], que conduz os trabalhos da Secção Disciplinar;

no artigo 14.o, n.o 1, ponto 2, e no artigo 55.o, n.o 3, segundo período, devem ser exercidas pelo primeiro presidente do [Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal)] de comum acordo com o presidente do [Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal)], que conduz os trabalhos da Secção Disciplinar.»

12

O artigo 27.o, n.o 1, da mesma lei prevê:

«São da competência da Secção Disciplinar os seguintes processos:

1)

processo disciplinares:

a)

relativos a juízes do [Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal)],

b)

que sejam apreciados pelo [Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal)] e relativos a processos disciplinares instaurados ao abrigo das seguintes leis:

[…]

Lei [Relativa aos Tribunais Comuns] […],

[…]»

13

Nos termos do artigo 35.o, n.o 2, da nova Lei do Supremo Tribunal, o primeiro presidente do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) pode transferir um juiz, com o consentimento deste, para exercício de funções noutra secção.

14

O artigo 73.o, n.o 1, desta lei dispõe:

«As jurisdições disciplinares nos processos disciplinares relativos a juízes do [Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal)] são:

1)

em primeira instância: o [Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal)], composto por dois juízes da Secção Disciplinar e por um jurado do [Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal)];

2)

em segunda instância: o [Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal)], composto por três juízes da Secção Disciplinar e por dois jurados do [Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal)].»

15

O artigo 97.o da referida lei tem a seguinte redação:

«1.   Caso o [Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal)] constate uma manifesta violação do direito durante a apreciação de um processo — independentemente das suas outras prerrogativas — deve remeter um auto de constatação de erro ao órgão jurisdicional em causa. Antes da remessa do auto de constatação de erro, deve informar o juiz ou os juízes que compõem a formação de julgamento da possibilidade de apresentarem esclarecimentos por escrito no prazo de 7 dias. A identificação de um erro e a remessa do respetivo auto não afetam o resultado do processo.

[…]

3.   Quando remete o auto de constatação de erro, o [Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal)] pode requerer que seja instaurado um processo disciplinar no órgão jurisdicional disciplinar. O órgão jurisdicional disciplinar de primeira instância é o [Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal)].»

16

As disposições transitórias da nova Lei do Supremo Tribunal incluem, nomeadamente, o seu artigo 131.o que dispõe:

«Enquanto não estiverem nomeados todos os juízes da Secção Disciplinar do [Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal)], os outros juízes deste tribunal não podem ser transferidos para exercer funções nesta secção.»

17

O artigo 131.o da nova Lei do Supremo Tribunal foi alterado pelo artigo 1.o, ponto 14, da ustawa o zmianie ustawy o Sądzie Najwyższym (Lei Que Altera a Lei do Supremo Tribunal), de 12 de abril de 2018 (Dz. U. de 2018, posição 847), que entrou em vigor em 9 de maio de 2018. Assim alterado, este artigo prevê:

«Os juízes que, à data da entrada em vigor da presente lei, exerçam funções noutras secções do [Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal)], podem ser transferidos para a Secção Disciplinar. Até ao dia em que todos os juízes do [Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal)] na Secção Disciplinar tenham sido nomeados pela primeira vez, o juiz que exercer funções noutra secção do [Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal)] deve apresentar [ao KRS] um pedido de transferência para a Secção Disciplinar, após ter obtido o acordo do primeiro presidente do [Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal)] e do presidente do [Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal)], que conduz os trabalhos da Secção Disciplinar, bem como do presidente da secção em que o juiz que requer a transferência exerce funções. Sob proposta [do KRS], o [presidente da República] nomeia um juiz para a Secção Disciplinar do [Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal)], até ao dia em que todos os lugares na referida secção tenham sido providos pela primeira vez.»

Lei dos Tribunais Comuns

18

O artigo 107.o, n.o 1, da Lei dos Tribunais Comuns dispõe:

«Os juízes são disciplinarmente responsáveis pela violação dos deveres profissionais, incluindo em caso de violação manifesta e grosseira das normas de direito e de ofensa à dignidade da função (infrações disciplinares).»

19

O artigo 110.o, n.os 1 e 3, desta lei tem a seguinte redação:

«1.   Nos processos disciplinares relativos a juízes, devem decidir:

1)

em primeira instância:

a)

os tribunais disciplinares junto dos órgãos jurisdicionais de segunda instância, compostos por três juízes,

b)

o [Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal)], composto por dois juízes da Secção Disciplinar e por um jurado do [Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal)], nos processos relativos a infrações disciplinares correspondentes a infrações dolosas passíveis de ação penal pelo Ministério Público ou processos relativos a infrações dolosas de natureza fiscal, ou ainda nos processos no âmbito dos quais o [Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal)] vier a requerer a instauração de um processo disciplinar na sequência de um auto de constatação de erro;

2)

em segunda instância: o [Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal)], composto por dois juízes da Secção Disciplinar e de um jurado do [Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal)].

[…]

3.   O tribunal disciplinar em cuja jurisdição o juiz que é objeto do processo disciplinar exerce funções não conhece dos processos referidos no n.o 1, ponto 1, alínea a). O tribunal disciplinar competente para conhecer do processo é designado pelo presidente do [Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal)] que conduz os trabalhos da Secção Disciplinar a pedido do instrutor de processos disciplinares.»

20

O artigo 112.o‑B da referida lei prevê:

«1.   O ministro da Justiça pode nomear um instrutor de processos disciplinares do Ministério da Justiça para a instrução de um determinado processo relativo a um juiz. A nomeação de um instrutor de processos disciplinares do Ministério da Justiça exclui a intervenção de outro instrutor de processos disciplinares nesse processo.

2.   […] Em casos justificados, especialmente por morte ou por impedimento prolongado para o exercício das funções do instrutor de processos disciplinares do Ministério da Justiça, o ministro da Justiça nomeia como substituto outro juiz ou, em processos relativos a infrações disciplinares constitutivas de infrações dolosas passíveis de ação penal pelo Ministério Público, um juiz ou um magistrado do Ministério Público.

3.   O instrutor de processos disciplinares do Ministério da Justiça pode instaurar processos a pedido do ministro da Justiça ou intervir em processos pendentes.

4.   A nomeação do instrutor de processos disciplinares do Ministério da Justiça equivale a um pedido de abertura de um processo de inquérito ou de um processo disciplinar.

5.   As funções do instrutor de processos disciplinares do Ministério da Justiça cessam quando a decisão judicial de indeferimento da abertura do processo disciplinar, de arquivamento do processo disciplinar ou de encerramento do processo disciplinar se torna definitiva. A cessação de funções do instrutor de processos disciplinares do Ministério da Justiça não exclui a possibilidade de nova nomeação de um instrutor de processos disciplinares do Ministério da Justiça pelo ministro da Justiça no mesmo processo.»

21

O artigo 113.o, n.os 2 e 3, da mesma lei dispõe:

«2.   Se o arguido não puder intervir no processo perante o tribunal disciplinar por razões de saúde, o presidente do tribunal disciplinar ou o tribunal designa, mediante pedido fundamentado do arguido, um defensor oficioso, escolhido entre advogados ou consultores jurídicos. O arguido deve juntar ao seu pedido um atestado emitido por um médico habilitado, que certifique que o seu estado de saúde não lhe permite intervir no processo disciplinar.

3.   A título excecional, quando decorre das circunstâncias do caso concreto que a não apresentação de um pedido se deve a razões não imputáveis ao arguido, pode ser nomeado um defensor oficioso na falta do pedido referido no n.o 2.»

22

O artigo 113.o‑A da Lei dos Tribunais Comuns tem a seguinte redação:

«Os atos relacionados com a nomeação de um defensor oficioso e à assunção da defesa por este não têm efeito suspensivo sobre a tramitação do processo.»

23

Nos termos do artigo 114.o, n.o 7, desta lei:

«Na sequência da notificação das infrações disciplinares, o instrutor de processos disciplinares pede ao presidente do [Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal)] que conduz os trabalhos da Secção Disciplinar que seja designado um tribunal disciplinar com vista à apreciação do processo em primeira instância. O presidente do [Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal)] que conduz os trabalhos da Secção Disciplinar designa esse tribunal no prazo de sete dias a contar da receção do pedido.»

24

O artigo 115.o‑A, n.o 3, da referida lei dispõe:

«O tribunal disciplinar deve tramitar o processo, apesar da ausência justificada do arguido citado ou do seu defensor, salvo se tal for contrário à boa condução do processo disciplinar.»

Lei do KRS

25

Nos termos do artigo 9.o‑A da Lei sobre o KRS:

«1.   O Parlamento elege, de entre os juízes do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal), dos tribunais comuns, dos tribunais administrativos e dos tribunais militares, 15 membros do [KRS] para um mandato conjunto de quatro anos.

2.   Ao proceder à eleição referida no n.o 1, o Parlamento tem em conta, tanto quanto possível, a necessidade de estarem representados no [KRS] juízes de tribunais de diferentes jurisdições e níveis.

3.   O mandato conjunto dos novos membros do [KRS], eleitos de entre os juízes, tem início no dia seguinte ao dia da sua eleição. Os membros cessantes do [KRS] desempenharão as suas funções até ao dia em que tem início o mandato conjunto dos novos membros do [KRS].»

26

A disposição transitória constante do artigo 6.o da Lei de 8 de dezembro de 2017, que altera a Lei do Conselho Nacional da Magistratura e algumas outras leis, que entrou em vigor em 17 de janeiro de 2018, prevê:

«O mandato dos membros do [KRS] referidos no artigo 187.o, n.o 1, ponto 2, da [Constituição], eleitos com base nas atuais disposições, deve durar até ao dia anterior ao início do mandato dos novos membros do [KRS], mas não deverá exceder os 90 dias a contar da data de entrada em vigor da presente lei, salvo se tiver cessado previamente devido ao seu termo.»

Procedimento pré‑contencioso

27

Considerando que, ao adotar novas disposições aplicáveis ao regime disciplinar dos juízes do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) e dos tribunais comuns, a República da Polónia não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do disposto no artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE e do artigo 267.o, segundo e terceiro parágrafos, TFUE, a Comissão interpelou este Estado‑Membro para o respetivo cumprimento por ofício de 3 de abril de 2019. Este último respondeu por ofício de 1 de junho de 2019, no qual contestou qualquer violação do direito da União.

28

Em 17 de julho de 2019, a Comissão emitiu um parecer fundamentado no qual reiterou que o novo regime disciplinar assim instituído violava as referidas disposições do direito da União. Consequentemente, esta instituição convidou a República da Polónia a adotar as medidas necessárias para dar cumprimento a este parecer fundamentado no prazo de dois meses a contar da sua receção. Na sua resposta de 17 de setembro de 2019, o referido Estado‑Membro considerou que as alegações da Comissão eram infundadas.

29

Não convencida por esta resposta, a Comissão decidiu intentar a presente ação.

Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

30

Por requerimento separado, que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 25 de outubro de 2019, a Comissão pediu, nos termos do artigo 133.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, que este último submetesse o presente processo a tramitação acelerada. Em apoio deste pedido, a Comissão invocou que as alegações formuladas na sua ação relativamente ao novo regime disciplinar aplicável aos juízes polacos são relativas a violações sistémicas das garantias necessárias para assegurar a independência dos mesmos. Um imperativo de segurança jurídica exigiria, assim, uma célere apreciação do processo para dissipar as dúvidas em torno da conformidade do referido regime com o direito da União.

31

O artigo 133.o, n.o 1, do Regulamento de Processo prevê que, a pedido do demandante ou do demandado, o presidente do Tribunal de Justiça possa, quando a natureza do processo exija o seu tratamento dentro de prazos curtos, ouvidos a outra parte, o juiz relator e o advogado‑geral, decidir submeter um processo a tramitação acelerada, em derrogação das disposições deste regulamento.

32

A este respeito, importa recordar que essa tramitação acelerada constitui um instrumento processual destinado a responder a uma situação de urgência extraordinária. Por outro lado, resulta igualmente da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a tramitação acelerada pode não ser aplicada quando o caráter sensível e complexo dos problemas jurídicos colocados por um processo dificilmente se preste à aplicação dessa tramitação, nomeadamente quando não se afigura adequado encurtar a fase escrita do processo no Tribunal de Justiça (Acórdão de 18 de maio de 2021, Asociaţia «Forumul Judecătorilor din România» e o., C‑83/19, C‑127/19, C‑195/19, C‑291/19, C‑355/19 e C‑397/19, a seguir «Acórdão Asociaţia Forumul Judecătorilor din România e o., EU:C:2021:393, n.o 103 e jurisprudência referida).

33

No caso em apreço, em 26 de novembro de 2019, o presidente do Tribunal de Justiça decidiu, ouvidos o juiz relator e o advogado‑geral, indeferir o pedido da Comissão referido no n.o 30 do presente acórdão.

34

Com efeito, se as questões suscitadas pela presente ação, que se prendem com disposições fundamentais do direito da União, são a priori suscetíveis de assumir uma importância fundamental para o bom funcionamento do sistema jurisdicional da União, para o qual é essencial a independência dos órgãos jurisdicionais nacionais, o caráter sensível e complexo destas questões, que se inscrevem, além do mais, no âmbito de reformas de envergadura em matéria de justiça na Polónia, dificilmente se presta à aplicação da tramitação acelerada (v., por analogia, Acórdão Asociaţia «Forumul Judecătorilor din România» e o., n.o 105 e jurisprudência referida).

35

Todavia, tendo em conta o objeto da presente ação e a natureza das questões submetidas, por Decisão de 26 de novembro de 2019, o presidente do Tribunal de Justiça concedeu ao presente processo tratamento prioritário ao abrigo do artigo 53.o, n.o 3, do Regulamento de Processo.

36

Além disso, por requerimento separado que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça, em 23 de janeiro de 2020, a Comissão apresentou um pedido de medidas provisórias, nos termos do artigo 279.o TFUE e do artigo 160.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, para que, até à prolação da decisão do Tribunal de Justiça quanto ao mérito, fosse ordenado à República da Polónia que:

suspendesse a aplicação do artigo 3.o, ponto 5, do artigo 27.o e do artigo 73.o, n.o 1, da nova Lei do Supremo Tribunal, que constitui o fundamento da competência da Secção Disciplinar para se pronunciar, em primeira instância e em sede de recurso, nos processos disciplinares relativos a juízes;

se abstivesse de remeter processos pendentes na Secção Disciplinar para uma formação de julgamento que não satisfizesse as exigências de independência definidas, designadamente, no Acórdão de 19 de novembro de 2019, A. K. e o. (Independência da Secção Disciplinar do Supremo Tribunal) (C‑585/18, C‑624/18 e C‑625/18, a seguir «Acórdão A. K. e o.», EU:C:2019:982), e

comunicasse à Comissão, o mais tardar um mês após a notificação do despacho do Tribunal de Justiça que ordena as medidas provisórias pedidas, todas as medidas adotadas para dar pleno cumprimento a este despacho.

37

Por Despacho de 8 de abril de 2020, Comissão/Polónia (C‑791/19 R, EU:C:2020:277), o Tribunal de Justiça deferiu este pedido até à prolação da decisão que viesse a pôr termo à instância no presente processo.

38

Por Decisões do presidente do Tribunal de Justiça, de 11, 19 e 20 de fevereiro de 2020, o Reino da Bélgica, o Reino da Dinamarca, o Reino dos Países Baixos, a República da Finlândia e o Reino da Suécia foram admitidos a intervir no processo em apoio dos pedidos da Comissão.

39

Após a fase escrita do processo, durante a qual a República da Polónia deu entrada da sua contestação e, em seguida, da sua tréplica em resposta à réplica apresentada pela Comissão, bem como de uma resposta às alegações de intervenção, respetivamente, apresentadas pelos cinco Estados‑Membros intervenientes mencionados no número anterior, foram ouvidos os argumentos orais das partes na audiência realizada em 1 de dezembro de 2020. O advogado‑geral apresentou as suas conclusões em 6 de maio de 2021, data em que, consequentemente, a fase oral do processo foi encerrada.

40

Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal de Justiça, em 10 de junho de 2021, a República da Polónia solicitou a reabertura da fase oral do processo. Em apoio deste pedido, a República da Polónia indica, em substância, estar em desacordo com as conclusões do advogado‑geral, que, segundo aquele Estado, deixam transparecer que as circunstâncias do presente processo não foram suficientemente clarificadas.

41

A este respeito, importa recordar, por um lado, que o Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e o Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça não preveem a possibilidade de as partes apresentarem observações em resposta às conclusões apresentadas pelo advogado‑geral (Acórdão de 6 de março de 2018, Achmea, C‑284/16, EU:C:2018:158, n.o 26 e jurisprudência referida).

42

Por outro lado, em virtude do artigo 252.o, segundo parágrafo, TFUE, cabe ao advogado‑geral apresentar publicamente, com toda a imparcialidade e independência, conclusões fundamentadas sobre as causas que, nos termos do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, requeiram a sua intervenção. O Tribunal de Justiça não está vinculado nem por essas conclusões nem pela fundamentação em que o advogado‑geral baseia essas conclusões. Por conseguinte, o desacordo de uma parte com as conclusões do advogado‑geral, sejam quais forem as questões nelas examinadas, não constitui, em si mesmo, um fundamento justificativo da reabertura da fase oral do processo (Acórdão de 6 de março de 2018, Achmea, C‑284/16, EU:C:2018:158, n.o 27 e jurisprudência referida).

43

No entanto, o Tribunal de Justiça pode, a qualquer momento, ouvido o advogado‑geral, ordenar a reabertura da fase oral do processo, nos termos do artigo 83.o do seu Regulamento de Processo, designadamente se considerar que não está suficientemente esclarecido.

44

No caso vertente, todavia, ouvido o advogado‑geral, o Tribunal de Justiça considera que, contrariamente ao que sustenta a República da Polónia, dispõe, no termo da fase escrita do processo e da audiência perante ele realizada, de todos os elementos necessários para se pronunciar. Nestas condições, não há que ordenar a reabertura da fase oral do processo.

Quanto à ação

45

Em apoio da sua ação, a Comissão formula cinco alegações, as quatro primeiras, relativas a violações do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, e a quinta, relativa à violação do artigo 267.o, segundo e terceiro parágrafos, TFUE.

Quanto às quatro primeiras alegações, relativas à violação do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE

Quanto à aplicabilidade e ao alcance do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE

– Argumentos das partes

46

A Comissão alega que, contrariamente ao que sustentou a República da Polónia na sua resposta ao parecer fundamentado, o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE é aplicável no presente caso. Com efeito, a referida disposição impõe aos Estados‑Membros a obrigação de garantirem que as instâncias nacionais suscetíveis de se pronunciarem, na qualidade de «órgãos jurisdicionais», na aceção do direito da União, sobre questões relativas à aplicação ou interpretação deste direito, como é o caso dos tribunais comuns polacos e do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal), cumprem as exigências adequadas para garantir uma tutela jurisdicional efetiva, entre as quais as ligadas à independência e à imparcialidade das referidas instâncias.

47

Ora, segundo a Comissão, estas exigências de independência e de imparcialidade postulam nomeadamente a existência de regras que permitam afastar qualquer dúvida legítima, no espírito dos litigantes, quanto à impermeabilidade das instâncias em causa em relação a elementos externos e à sua neutralidade relativamente aos interesses em confronto. A este respeito, a independência da justiça diz respeito não só ao exercício das funções judiciais em casos concretos mas também à organização judiciária e à questão de saber se a instância em causa oferece garantias que possam assegurar uma «aparência de independência» adequada a manter a confiança que os órgãos jurisdicionais devem inspirar numa sociedade democrática.

48

Para o efeito, é especialmente necessário, como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, que o regime disciplinar aplicável aos juízes contenha as garantias indispensáveis que permitam evitar qualquer risco de utilização deste último como sistema de controlo político do conteúdo das decisões judiciais, o que exige a fixação de regras que definam tanto os comportamentos constitutivos de infrações disciplinares como as sanções concretamente aplicáveis, que prevejam a intervenção de uma instância independente em conformidade com um processo que garanta plenamente os direitos consagrados nos artigos 47.o e 48.o da Carta, designadamente os direitos de defesa, e que consagrem a possibilidade de impugnar judicialmente as decisões dos órgãos disciplinares.

49

Na sua contestação, a República da Polónia sustenta, nomeadamente, que os artigos 47.o e 48.o da Carta não são aplicáveis aos processos disciplinares relativos aos juízes nacionais, por não estar em causa a aplicação do direito da União, na aceção do artigo 51.o, n.o 1, da Carta. Especialmente, o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE não constitui uma fonte de direitos fundamentais de defesa nem do direito a ser julgado num prazo razoável. Este Estado‑Membro considera que os processos disciplinares conduzidos com fundamento nas disposições processuais contestadas pela Comissão têm caráter puramente interno e que, ao definir esses procedimentos, as autoridades polacas não regulamentaram domínios abrangidos pelo direito da União na aceção do referido artigo, lido em conjugação com o artigo 5.o TUE e os artigos 3.o e 4.o TFUE.

– Apreciação do Tribunal de Justiça

50

Há que recordar, desde logo, que a União agrupa Estados que aderiram livre e voluntariamente aos valores comuns referidos no artigo 2.o TUE, que respeitam esses valores e que estão empenhados em os promover. Decorre, especialmente, do artigo 2.o TUE que a União se funda em valores, como o Estado de Direito, que são comuns aos Estados‑Membros, numa sociedade caracterizada, designadamente, pela justiça. A este respeito, cumpre salientar que a confiança mútua entre os Estados‑Membros e, designadamente, os seus órgãos jurisdicionais assenta na premissa fundamental segundo a qual os Estados‑Membros partilham de uma série de valores comuns em que a União se funda, como precisado nesse artigo [v., neste sentido, Acórdãos de 24 de junho de 2019, Comissão/Polónia (Independência do Supremo Tribunal), C‑619/18, EU:C:2019:531, n.os 42 e 43 e jurisprudência referida, e Asociaţia «Forumul Judecătorilor din România» e o., n.o 160 e jurisprudência referida].

51

Por outro lado, o respeito por um Estado‑Membro dos valores consagrados no artigo 2.o TUE constitui uma condição para o gozo de todos os direitos que decorrem da aplicação dos Tratados a esse Estado‑Membro. Um Estado‑Membro não pode, portanto, alterar a sua legislação de modo que implique uma regressão da proteção do valor do Estado de Direito, valor que é concretizado, nomeadamente, pelo artigo 19.o TUE. Os Estados‑Membros devem, assim, evitar qualquer regressão, à luz desse valor, da sua legislação em matéria de organização da justiça, abstendo‑se de adotar regras que venham a prejudicar a independência dos juízes (Acórdãos de 20 de abril de 2021, Repubblika, C‑896/19, EU:C:2021:311, n.os 63 a 65 e jurisprudência referida, e Asociaţia «Forumul Judecătorilor din România» e o., n.o 162).

52

Como prevê o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, cabe aos Estados‑Membros prever um sistema de vias de recurso e de processos que permita assegurar aos particulares o respeito do seu direito a uma tutela jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo direito da União. O princípio da tutela jurisdicional efetiva dos direitos conferidos aos particulares pelo direito da União, a que se refere, assim, o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, constitui um princípio geral do direito da União que decorre das tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros, que foi consagrado pelos artigos 6.o e 13.o da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»), e que é atualmente afirmado no artigo 47.o da Carta (Acórdão Asociaţia «Forumul Judecătorilor din România» e o., n.o 190 e jurisprudência referida).

53

Quanto ao âmbito de aplicação material do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, há que recordar, por outro lado, que esta disposição visa os «domínios abrangidos pelo direito da União», independentemente da situação em que os Estados‑Membros apliquem esse direito, na aceção do artigo 51.o, n.o 1, da Carta [Acórdãos de 24 de junho de 2019, Comissão/Polónia (Independência do Supremo Tribunal), C‑619/18, EU:C:2019:531, n.o 50 e jurisprudência referida, e Asociaţia «Forumul Judecătorilor din România» e o., n.o 192 e jurisprudência referida].

54

Por força do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, qualquer Estado‑Membro deve assim assegurar, nomeadamente, que as instâncias que, enquanto «órgãos jurisdicionais» no sentido definido pelo direito da União, fazem parte do seu sistema de vias de recurso nos domínios abrangidos pelo direito da União e que são, portanto, suscetíveis de se pronunciar nessa qualidade sobre a aplicação e a interpretação do direito da União satisfazem as exigências de uma tutela jurisdicional efetiva [Acórdão de 2 de março de 2021, A.B. e o. (Nomeação de juízes para o Supremo Tribunal — Recurso), C‑824/18, a seguir «Acórdão A. B. e o.», EU:C:2021:153, n.o 112 e jurisprudência referida].

55

Ora, é ponto assente que quer o Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) nomeadamente, a Secção Disciplinar que dele faz parte, quer os tribunais comuns polacos podem ser chamados a pronunciar‑se sobre questões relacionadas com a aplicação ou a interpretação do direito da União e que, enquanto «órgãos jurisdicionais», na aceção definida por este direito, os mesmos fazem parte do sistema polaco de vias de recurso nos «domínios abrangidos pelo direito da União», na aceção do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, pelo que estes órgãos jurisdicionais devem satisfazer as exigências da tutela jurisdicional efetiva [Acórdãos de 24 de junho de 2019, Comissão/Polónia (Independência do Supremo Tribunal), C‑619/18, EU:C:2019:531, n.o 56, e de 5 de novembro de 2019, Comissão/Polónia (Independência dos tribunais comuns), C‑192/18, EU:C:2019:924, n.o 104].

56

A este respeito, importa recordar que, embora, como salienta a República da Polónia, a organização judiciária nos Estados‑Membros seja, sem dúvida, da competência destes últimos, a verdade é que, no exercício desta competência, os Estados‑Membros estão obrigados a respeitar as obrigações que para eles decorrem do direito da União e, especialmente, do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE [Acórdãos de 24 de junho de 2019, Comissão/Polónia (Independência do Supremo Tribunal), C‑619/18, EU:C:2019:531, n.o 52 e jurisprudência referida, e do 5 de novembro de 2019, Comissão/Polónia (Independência dos tribunais comuns), C‑192/18, EU:C:2019:924, n.o 102].

57

Uma vez que o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE impõe a todos os Estados‑Membros que estabeleçam as vias de recurso necessárias para assegurar, nos domínios abrangidos pelo direito da União, uma proteção jurisdicional efetiva, na aceção, nomeadamente, do artigo 47.o da Carta, esta última disposição deve ser devidamente tomada em consideração para efeitos da interpretação do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE (Acórdão de 20 de abril de 2021, Repubblika, C‑896/19, EU:C:2021:311, n.o 45 e jurisprudência referida). Ora, para garantir que as instâncias que podem ser chamadas a pronunciar‑se sobre questões relacionadas com a aplicação ou a interpretação do direito da União possam assegurar essa proteção jurisdicional efetiva, é fundamental que seja preservada a sua independência, como confirma o artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta, que menciona o acesso a um tribunal «independente» entre as exigências ligadas ao direito fundamental a um recurso efetivo (Acórdão Asociaţia «Forumul Judecătorilor din România» e o., n.o 194 e jurisprudência referida).

58

Esta exigência de independência dos órgãos jurisdicionais, que é inerente à missão de julgar, faz parte do conteúdo essencial do direito a uma tutela jurisdicional efetiva e do direito fundamental a um processo equitativo, que reveste uma importância crucial enquanto garante da proteção de todos os direitos que o direito da União confere aos litigantes e da preservação dos valores comuns aos Estados‑Membros, enunciados no artigo 2.o TUE, designadamente do valor do Estado de Direito (Acórdão de 20 de abril de 2021, Repubblika, C‑896/19, EU:C:2021:311, n.o 51 e jurisprudência referida).

59

Nos termos de uma jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, as garantias de independência e de imparcialidade exigidas pelo direito da União postulam a existência de regras, designadamente no que respeita à composição da instância, à nomeação, à duração das funções, bem como às causas de escusa, de impugnação da nomeação e de destituição dos seus membros, que permitam afastar qualquer dúvida legítima, no espírito dos litigantes, quanto à impermeabilidade da referida instância a elementos externos e à sua neutralidade relativamente aos interesses em confronto (Acórdão de 20 de abril de 2021, Repubblika, C‑896/19, EU:C:2021:311, n.o 53 e jurisprudência referida).

60

A este respeito, importa que os juízes estejam ao abrigo de intervenções ou de pressões externas que possam pôr em risco a sua independência. As regras aplicáveis ao estatuto dos juízes e ao exercício da sua função devem, especialmente, não só permitir afastar qualquer influência direta, sob a forma de instruções, mas também formas de influência mais indireta suscetíveis de orientar as decisões dos juízes em causa, e permitir afastar, assim, qualquer falta de aparência de independência ou de imparcialidade desses juízes que possa pôr em causa a confiança que a justiça deve inspirar aos particulares numa sociedade democrática e num Estado de Direito (Acórdão Asociaţia «Forumul Judecătorilor din România» e o., n.o 197 e jurisprudência referida).

61

No que respeita, mais especificamente, às regras que regulam o regime disciplinar aplicável aos juízes, a exigência de independência decorrente do direito da União e, designadamente, do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, impõe, segundo jurisprudência constante, que esse regime apresente as garantias necessárias para evitar qualquer risco de utilização desse regime enquanto sistema de controlo político do conteúdo das decisões judiciais. A este respeito, a adoção de regras que definam, designadamente, tanto os comportamentos constitutivos de infrações disciplinares como as sanções concretamente aplicáveis, que prevejam a intervenção de uma instância independente em conformidade com um processo que garanta plenamente os direitos consagrados nos artigos 47.o e 48.o da Carta, designadamente os direitos de defesa, e que consagrem a possibilidade de impugnar judicialmente as decisões dos órgãos disciplinares, constitui um conjunto de garantias essenciais para efeitos da preservação da independência do poder judicial (Acórdão Asociaţia «Forumul Judecătorilor din România» e o., n.o 198 e jurisprudência referida).

62

Tendo em conta o que precede, as regras nacionais em matéria disciplinar contestadas pela Comissão no âmbito das quatro primeiras alegações podem ser objeto de fiscalização à luz do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, pelo que há que examinar se as violações desta disposição alegadas por essa instituição se verificam.

Quanto à segunda alegação

– Argumentos das partes

63

Com a sua segunda alegação, que importa examinar em primeiro lugar, a Comissão conclui pela violação do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, na medida em que a Secção Disciplinar que decide, em primeira instância e em sede de recurso, os processos disciplinares relativos aos juízes do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal), e, consoante o caso, ou em sede de recurso, ou em primeira instância e também em sede de recurso, os processos disciplinares relativos aos juízes dos tribunais comuns, não satisfaz as garantias de independência e de imparcialidade exigidas.

64

Embora, de um modo geral, a intervenção de um órgão executivo no processo de nomeação dos juízes não seja, em si mesma, suscetível de afetar a independência ou a imparcialidade dos mesmos, há, todavia, que ter em conta, no presente caso, que a conjugação e a introdução simultânea, na Polónia, de diversas reformas legislativas gerou uma rutura estrutural que já não permite preservar a aparência de independência e de imparcialidade da justiça e a confiança que os órgãos jurisdicionais devem inspirar numa sociedade democrática nem afastar qualquer dúvida legítima, no espírito dos particulares, quanto à impermeabilidade da Secção Disciplinar em relação a elementos externos e quanto à sua neutralidade relativamente aos interesses em confronto.

65

Esta rutura resulta de diversos fatores, entre os quais a circunstância de a Secção Disciplinar, investida, designadamente, de competência jurisdicional em matéria disciplinar em relação aos juízes, ter sido criada ex nihilo, ao mesmo tempo que lhe foi conferido, no Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal), um grau elevado de autonomia organizacional e financeira de que não gozam as outras secções desse órgão jurisdicional, bem como o facto de estar previsto, sem justificação aparente, e por derrogação à regra geral aplicável, que os lugares a prover nesta nova secção só possam ser preenchidos por nomeação, pelo presidente da República, sob proposta do KRS, de novos juízes, e não por transferência de juízes que já exercem funções noutras secções do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal).

66

É igualmente pertinente, neste contexto, a circunstância de, imediatamente antes das nomeações desses novos juízes para a Secção Disciplinar, o KRS ter sido inteiramente reconstituído, mediante o encurtamento dos mandatos em curso dos membros do referido órgão, com base em novas regras que regem o modo de designação dos 15 membros que o constituem e que têm a qualidade de juiz, tendo passado a estar prevista a eleição destes não pelos próprios juízes, como anteriormente, mas pelo Parlamento. Como consequência destas inovações, 23 dos 25 membros com que conta o KRS passam, assim, a ser nomeados pelas autoridades legislativas ou executivas ou passam a representar essas autoridades, o que gera uma politização desse órgão e, consequentemente, um aumento da influência das referidas autoridades no processo de nomeação dos juízes da Secção Disciplinar, como sublinharam, nomeadamente, a Comissão Europeia para a Democracia através do Direito (dita «Comissão de Veneza»), no seu Parecer n.o 904/2017, de 11 de dezembro de 2017 [CDL(2017)031], e o Grupo de Estados contra a Corrupção (GRECO), no seu Relatório ad hoc sobre a Polónia, de 23 de março de 2018.

67

Na sua contestação, a República da Polónia sustenta que tanto o processo de nomeação dos membros da Secção Disciplinar, o qual, de resto, se assemelha ao que está em vigor noutros Estados‑Membros, tanto as demais garantias de que beneficiam estes membros depois de serem nomeados são suscetíveis a garantir a independência da referida secção.

68

Com efeito, as condições que os candidatos às funções de juízes do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) devem reunir são definidas de forma exaustiva pelo direito nacional, sendo que o respetivo processo de nomeação, após a publicação do anúncio do concurso público, implica uma seleção efetuada pelo KRS com base na qual este órgão apresenta uma proposta de nomeação dos candidatos selecionados, que culmina no ato de nomeação pelo presidente da República, que não tem de seguir a proposta do KRS.

69

Por outro lado, a nova composição do KRS não é muito diferente da predominante nos conselhos nacionais da magistratura instituídos em alguns outros Estados‑Membros e contribuiu para reforçar a legitimidade democrática desse órgão e para assegurar uma representatividade melhorada da magistratura polaca.

70

Por último, a independência dos juízes da Secção Disciplinar resulta, após a respetiva nomeação, da existência de um elaborado sistema de garantias relacionadas, designadamente, com a duração indeterminada do mandato, com a sua inamovibilidade, com a sua imunidade, com a sua obrigação de permanecerem apolíticos, com as suas diversas incompatibilidades profissionais e com uma remuneração particularmente elevada. Quanto ao elevado grau de autonomia administrativa, financeira e jurisprudencial de que goza a Secção Disciplinar, este é de molde a reforçar a independência dessa instância, protegendo os seus membros dos riscos ligados a uma sujeição profissional orgânica ou à colegialidade quando são chamados a julgar, em matéria disciplinar, juízes das outras secções do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal).

71

De resto, a independência da Secção Disciplinar em relação ao poder executivo polaco reflete‑se também nas decisões dessa instância que revelam, nomeadamente, que, nos dezoito recursos interpostos pelo ministro da Justiça de sentenças dos tribunais disciplinares de primeira instância proferidas em processos relativos a juízes, em sete processos, as sentenças recorridas foram mantidas, em cinco processos, foram reformadas com a aplicação de sanções disciplinares mais severas, em dois processos, a Secção Disciplinar reformou sentenças exoneratórias e aplicou sanções disciplinares, sendo que também em dois processos, reformou sentenças de absolvição, declarando a infração cometida, mas renunciando à aplicação de uma sanção, num processo, anulou a sentença e encerrou o processo disciplinar por morte do juiz em causa e, noutro processo, aquela secção reformou a sentença em causa e renunciou à aplicação de uma sanção após ter requalificado a infração em questão de infração disciplinar menor.

72

Na réplica, a Comissão alega que, entretanto, o Acórdão A. K. e o., proferido posteriormente à propositura da presente ação, confirmou a procedência da presente alegação.

73

O mesmo se verifica com o Acórdão de 5 de dezembro de 2019 (III PO 7/18) e com os Despachos de 15 de janeiro de 2020 (III PO 8/18 e III PO 9/18), através dos quais o Sąd Najwyższy (Izba Pracy i Ubezpieczeń Społecznych) [Supremo Tribunal (Secção do Trabalho e da Segurança Social), Polónia], que era o órgão jurisdicional de reenvio nos processos principais que deram origem ao Acórdão A. K. e o., decidiu, com base nos ensinamentos que decorrem deste último acórdão, que o KRS não é, na sua composição atual, uma instância imparcial e independente dos poderes legislativo e executivo polacos e que a Secção Disciplinar não é um «tribunal», na aceção do artigo 47.o da Carta, do artigo 6.o da CEDH e do artigo 45.o, n.o 1, da Constituição. Nessas decisões, o Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) refere, nomeadamente, além dos fatores já mencionados no n.o 65 do presente acórdão, que, em primeiro lugar, foi também atribuída à Secção Disciplinar uma competência exclusiva no que respeita aos processos relativos aos juízes do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) em matéria de direito do trabalho, da segurança social e da aposentação, ou seja todas matérias que eram anteriormente da competência dos tribunais comuns; em segundo lugar, durante o processo de nomeação dos juízes em causa, as possibilidades de um candidato não selecionado contestar as resoluções do KRS foram consideravelmente limitadas após várias alterações sucessivas à Lei do KRS; em terceiro lugar, as pessoas nomeadas juízes da Secção Disciplinar têm ligações muito estreitas com os poderes legislativo ou executivo polacos; e, em quarto lugar, desde a sua criação, a Secção Disciplinar diligenciou, nomeadamente, no sentido de serem retirados os pedidos de decisão prejudicial submetidos ao Tribunal de Justiça nos processos que deram origem ao Acórdão A. K. e o.

74

As constatações assim efetuadas nas referidas decisões foram posteriormente reiteradas numa Resolução de 23 de janeiro de 2020, dotada do efeito de um princípio de direito, adotada pelo Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) na formação de julgamento constituída pelas Secções Cível, Penal e do Trabalho e da Segurança Social do referido órgão jurisdicional.

75

Por outro lado, os juízes da Secção Disciplinar encontram‑se numa situação privilegiada em relação aos juízes das outras secções do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal). Com efeito, decorre igualmente do Acórdão do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal), de 5 de dezembro de 2019 (III PO 7/18), que o volume de trabalho da Secção Disciplinar é consideravelmente mais reduzido do que o volume de trabalho que recai sobre as outras secções do referido órgão jurisdicional, quando, como alegou a República da Polónia na sua contestação, os membros da Secção Disciplinar auferem uma remuneração que é cerca de 40 % superior à dos juízes das outras secções do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal).

76

Quanto às garantias que alegadamente protegem os juízes da Secção Disciplinar após a sua nomeação, a que se referiu a República da Polónia, resulta dos ensinamentos retirados do Acórdão A. K. e o. que, independentemente da existência das referidas garantias, continua a ser necessário assegurar, através de uma análise global das disposições nacionais relativas à criação da instância em causa e designadamente referentes às competências que lhe são atribuídas, à sua composição e às modalidades de nomeação dos juízes que nela exercem funções, que esses diversos elementos não são suscetíveis de criar, no espírito dos particulares, dúvidas legítimas quanto à impermeabilidade dos juízes em causa em relação a elementos externos e à sua neutralidade relativamente aos interesses em confronto, uma vez nomeados os interessados.

77

Na sua tréplica, a República da Polónia alega que decorre da petição da Comissão que a segunda alegação versa sobre uma apreciação jurídica das disposições nacionais objeto do presente recurso e não sobre o apuramento de factos. Ora, os parâmetros relacionados com a independência da Secção Disciplinar que, em conformidade com o Acórdão A. K. e o., deviam ser examinados pelo órgão jurisdicional de reenvio nos processos principais que deram origem ao referido acórdão, nada têm que ver com a apreciação da conformidade abstrata dessas disposições nacionais com o direito da União, antes se inserindo no domínio factual. Assim, as decisões proferidas pelo Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal), na sequência do Acórdão A. K. e o., são desprovidas de pertinência para efeitos da apreciação do incumprimento imputado a este Estado‑Membro no âmbito da presente ação. Por seu turno, a Resolução do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) de 23 de janeiro de 2020 não é referente à competência da Secção Disciplinar e foi, aliás, declarada inconstitucional pelo Trybunał Konstytucyjny (Tribunal Constitucional, Polónia) num Acórdão de 20 de abril de 2020.

78

Por último, a República da Polónia apresenta, anexos à sua tréplica, documentos, num total de cerca de 2300 páginas, que oferecem uma visão completa das decisões da Secção Disciplinar que corroboram a convicção do referido Estado‑Membro de que a referida instância se pronuncia com toda a imparcialidade e com toda a independência. Por outro lado, resulta de uma síntese comparativa das decisões proferidas nos processos disciplinares instaurados na sequência de um recurso do ministro da Justiça durante os anos de 2017 a 2019, igualmente anexado a esse articulado, que, enquanto, em 2017 e 2018, a Secção Penal do Supremo Tribunal julgou procedentes 6 dos 14 recursos do ministro da Justiça, a Secção Disciplinar julgou procedentes 17 dos seus 44 recursos, em 2018 e 2019, o que se traduz em proporções equivalentes.

79

O Reino da Bélgica, o Reino da Dinamarca, o Reino dos Países Baixos, a República da Finlândia e o Reino da Suécia consideram, por seu turno, que resulta, designadamente, dos ensinamentos do Acórdão A. K. e o. que a Secção Disciplinar não cumpre as exigências de imparcialidade e de independência que decorrem do direito da União. Segundo o Reino da Bélgica, esta conclusão pode ainda assentar em diferentes instrumentos adotados no âmbito de instâncias internacionais, como a Carta Europeia sobre o Estatuto dos Juízes e o Parecer n.o 977/2019, de 16 de janeiro de 2020, da Comissão de Veneza, relativo às alterações introduzidas, em 20 de dezembro de 2019, designadamente, na Lei dos Tribunais Comuns e na nova Lei do Supremo Tribunal.

– Apreciação do Tribunal de Justiça

80

Conforme decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça, recordada no n.o 61 do presente acórdão, incumbe a qualquer Estado‑Membro, por força do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, assegurar que o regime disciplinar aplicável aos juízes dos órgãos jurisdicionais nacionais que fazem parte do seu sistema de vias de recurso nos domínios abrangidos pelo direito da União respeite o princípio da independência dos juízes, designadamente garantindo que as decisões proferidas no âmbito dos procedimentos disciplinares instaurados contra os juízes dos referidos órgãos jurisdicionais sejam fiscalizadas por uma instância que satisfaça ela própria as garantias inerentes a uma tutela jurisdicional efetiva, incluindo a da independência (Despacho de 8 de abril de 2020, Comissão/Polónia, C‑791/19 R, EU:C:2020:277, n.o 35).

81

Ora, resulta do artigo 27.o, n.o 1, do artigo 73.o, n.o 1, e do artigo 97.o, n.o 3, da nova Lei do Supremo Tribunal, bem como do artigo 110.o, n.o 1, da Lei dos Tribunais Comuns, que as decisões disciplinares suscetíveis de ser adotadas contra juízes polacos passaram a ser da competência da Secção Disciplinar, instituída ao abrigo da nova Lei sobre o Supremo Tribunal. Essa secção decide, em primeira instância e em sede de recurso, os processos disciplinares relativos aos juízes do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal), e, consoante o caso, quer em sede de recurso, quer em primeira instância e em sede de recurso, os processos disciplinares relativos aos juízes dos tribunais comuns. Decorre, assim, dos princípios recordados no número anterior que, por força do direito da União e, especialmente, do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, uma instância como a Secção Disciplinar deve oferecer todas as garantias necessárias quanto à sua independência e à sua imparcialidade.

82

Como já foi precisado a este respeito pelo Tribunal de Justiça, a simples perspetiva, para os juízes do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) e dos tribunais de direito comum, de incorrer no risco de um procedimento disciplinar que possa ser instaurado numa instância cuja independência não está garantida é suscetível de afetar a sua própria independência (Despacho de 8 de abril de 2020, Comissão/Polónia, C‑791/19 R, EU:C:2020:277, n.o 90).

83

A este respeito, importa especialmente ter em conta que as medidas disciplinares podem ter repercussões graves na vida e carreira dos magistrados sancionados. Como salientou igualmente o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, a fiscalização jurisdicional exercida deve, assim, ser adaptada ao caráter disciplinar das decisões em causa. Com efeito, quando um Estado instaura um processo disciplinar, está em causa a confiança pública no funcionamento e independência do poder judicial; num Estado democrático, essa confiança garante a própria existência do Estado de Direito (v., neste sentido, TEDH, 6 de novembro de 2018, Ramos Nunes de Carvalho e Sá c. Portugal, CE:ECHR:2018:1106JUD005539113, § 196, e TEDH, 9 de março de 2021, Eminağaoğlu c. Turquia, CE:ECHR:2021:0309JUD007652112, § 97).

84

Com a sua segunda alegação, a Comissão sustenta, em substância, que, tendo em conta o contexto particular em que ocorreu a criação da Secção Disciplinar, algumas das suas características e o processo que conduz à nomeação dos juízes que nela exercem funções, a referida instância não cumpre as exigências de independência e de imparcialidade exigidas nos termos do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE.

85

A este respeito, importa recordar, antes de mais, que, como sublinharam a Comissão e os intervenientes, no seu Acórdão A. K. e o., o Tribunal de Justiça já teve de examinar um pedido de decisão prejudicial do Sąd Najwyższy (Izba Pracy i Ubezpieczeń Społecznych) [Supremo Tribunal (Secção do Trabalho e da Segurança Social)] que dizia respeito, nomeadamente, à questão de saber se o direito da União devia ser interpretado no sentido de que uma instância como a Secção Disciplinar cumpre as exigências de independência e de imparcialidade, previstas designadamente no artigo 47.o da Carta.

86

Conforme resulta do dispositivo do Acórdão A. K. e o., o Tribunal de Justiça declarou, a este respeito, que uma instância não constitui um tribunal independente e imparcial, na aceção da referida disposição, quando as condições objetivas em que foi criada e as suas características, assim como a forma como os seus membros foram nomeados forem suscetíveis de levantar dúvidas legítimas, no espírito dos particulares, quanto à impermeabilidade da referida instância em relação a elementos externos, especialmente, influências diretas ou indiretas dos poderes legislativo e executivo, e quanto à sua neutralidade em relação aos interesses concorrentes. Tais dúvidas são assim suscetíveis de ter como consequência que a referida instância não tenha a aparência de independência ou imparcialidade, situação que pode afetar a confiança que a justiça deve inspirar nos referidos particulares numa sociedade democrática.

87

Ora, como decorre dos n.os 52 e 57 do presente acórdão, o artigo 47.o da Carta deve ser devidamente tido em consideração para efeitos da interpretação do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE.

88

Para determinar se a Secção Disciplinar preenche a exigência de independência e de imparcialidade exigida por força do direito da União, enquanto instância competente para fiscalizar as decisões proferidas no âmbito dos processos disciplinares instaurados contra juízes que podem ser chamados a pronunciar‑se sobre a interpretação e a aplicação do direito da União, há que recordar, antes de mais, que, como alegou a Comissão, a criação da referida secção, pela nova Lei sobre o Supremo Tribunal, ocorreu no contexto mais global de importantes reformas relativas à organização do poder judicial na Polónia, incluindo, particularmente, as reformas resultantes da adoção desta nova Lei sobre o Supremo Tribunal e das alterações introduzidas, respetivamente, na Lei dos Tribunais Comuns e na Lei sobre o KRS.

89

Neste contexto, importa, em primeiro lugar, salientar que, como alegou a Comissão, a Secção Disciplinar assim criada ex nihilo viu ser‑lhe especificamente confiada, nos termos dos artigos 27.o, 73.o, n.o 1, e 97.o, n.o 3, da nova Lei do Supremo Tribunal e do artigo 110.o, n.o 1, da Lei dos Tribunais Comuns, uma competência exclusiva para conhecer dos processos em matéria disciplinar e em matéria de direito do trabalho e da segurança social e de aposentação dos juízes do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal), bem como a competência para conhecer, consoante os casos, quer em sede de recurso, quer em primeira instância e em sede de recurso, de processos em matéria disciplinar relativos a juízes dos tribunais comuns.

90

Ora, importa recordar, nomeadamente, que, como já salientou o Tribunal de Justiça nos n.os 148 e 149 do Acórdão A. K. e o., no que respeita, especialmente, aos processos relativos à aposentação dos juízes do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal), a atribuição desta competência à Secção Disciplinar ocorreu paralelamente à adoção de disposições da nova Lei sobre o Supremo Tribunal que previram uma redução da idade de aposentação dos juízes do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) e a aplicação desta medida aos juízes em exercício desse tribunal, tendo simultaneamente conferido ao presidente da República o poder discricionário de prorrogar o exercício das funções judiciais ativas desses juízes além da idade de aposentação assim recentemente fixada. A este propósito, o Tribunal de Justiça declarou, no seu Acórdão de 24 de junho de 2019, Comissão/Polónia (Independência do Supremo Tribunal) (C‑619/18, EU:C:2019:531), que, devido à adoção das referidas disposições nacionais, a República da Polónia tinha desrespeitado a inamovibilidade e a independência dos juízes do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) e incumprido as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE.

91

Em segundo lugar, importa observar que, conforme alegou a Comissão e salientou igualmente o Tribunal de Justiça no n.o 151 do Acórdão A. K. e o., resulta das disposições estabelecidas pela nova Lei do Tribunal Supremo e, especialmente, dos artigos 6.o, 7.o e 20.o desta lei, que, ainda que instituída, formalmente, como secção do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal), a Secção Disciplinar goza de um grau de autonomia organizacional, funcional e financeira particularmente elevado em relação às outras secções no referido órgão jurisdicional.

92

A este respeito, o argumento avançado pela República da Polónia de que se trata apenas, no presente caso, de reforçar a independência dos juízes da Secção Disciplinar, protegendo‑os dos riscos associados a uma sujeição profissional orgânica ou à colegialidade, não pode ser acolhido, dado que, nomeadamente, os juízes que compõem a Secção Disciplinar são, eles próprios, suscetíveis de ser partes em litígios de natureza disciplinar ou relativos a questões de direito do trabalho, da segurança social ou da aposentação e que o legislador polaco não considerou necessário atribuir competência para conhecer desses litígios a outra secção do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal).

93

Em terceiro lugar, no que respeita ao facto de os juízes que compõem a Secção Disciplinar terem direito a uma remuneração que é cerca de 40 % superior à auferida pelos juízes afetos às outras secções do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal), há que salientar que, segundo as explicações fornecidas pela República da Polónia nos seus articulados e durante a audiência, este importante acréscimo de remuneração é exclusivamente justificado pela existência de uma regra de incompatibilidade especificamente aplicável aos juízes da Secção Disciplinar que os impedem de exercer funções académicas. Todavia, de acordo com estas mesmas explicações, os interessados continuam, não obstante esse regime de incompatibilidade, livres de optar por essas funções académicas, desde que não sejam contrárias à dignidade do estatuto de magistrado e que os mesmos renunciem, neste caso, a esse acréscimo de remuneração. Ora, é forçoso constatar que tais explicações não permitem, nomeadamente, entender as razões objetivas pelas quais esta faculdade de optar entre, por um lado, o exercício de atividades académicas e, por outro, o benefício desse acréscimo substancial de remuneração não pode ser igualmente reconhecida aos juízes afetos às outras secções do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal).

94

Em quarto lugar, importa sublinhar a circunstância, invocada pela Comissão e já realçada pelo Tribunal de Justiça no n.o 150 do Acórdão A. K. e o., segundo a qual, nos termos do artigo 131.o da nova Lei do Supremo Tribunal, a Secção Disciplinar assim investida das competências mencionadas no n.o 89 do presente acórdão devia, ao ser inicialmente estabelecida, ser composta apenas por novos juízes nomeados pelo presidente da República, sob proposta do KRS, com exclusão, portanto, de qualquer possibilidade de transferência para a referida secção de juízes que já exerciam funções no Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal), quando é, em princípio, permitida, ao abrigo desta mesma lei, a transferência de magistrados de uma secção para outra do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal). Por outro lado, antes de serem efetuadas essas nomeações, o KRS foi inteiramente recomposto.

95

Conforme decorre da jurisprudência constante recordada no n.o 59 do presente acórdão, as garantias adequadas para assegurar a independência e a imparcialidade dos juízes exigidas pelo direito da União postulam, nomeadamente, a existência de regras que enquadrem a nomeação dos juízes (v., neste sentido, Acórdão A. B. e o., n.os 117 e 121). Do mesmo modo, decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça recordada no n.o 56 do presente acórdão que, no exercício das suas competências, designadamente da relativa à adoção de regras nacionais que regulam o processo de nomeação dos juízes, os Estados‑Membros devem respeitar as obrigações que para eles decorrem do direito da União e, especialmente, o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE (v., neste sentido, Acórdãos A. B. e o., n.os 68 e 79, e de 20 de abril de 2021, Repubblika, C‑896/19, EU:C:2021:311, n.o 48).

96

Em conformidade com o princípio da separação de poderes que caracteriza o funcionamento de um Estado de Direito, a independência dos órgãos jurisdicionais deve, nomeadamente, ser garantida em relação aos poderes legislativo e executivo (Acórdão de 20 de abril de 2021, Repubblika, C‑896/19, EU:C:2021:311, n.o 54 e jurisprudência referida).

97

No que respeita, mais especificamente, às condições em que são tomadas as decisões de nomeação dos juízes do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) e, particularmente, da Secção Disciplinar, o Tribunal de Justiça já teve, na verdade, a oportunidade de precisar que o simples facto de os juízes em causa serem nomeados pelo presidente da República de um Estado‑Membro não é suscetível de criar uma dependência daqueles em relação a este, nem de gerar dúvidas quanto à sua imparcialidade, se, uma vez nomeados, os interessados não estiverem sujeitos a nenhuma pressão e não receberem instruções no exercício das suas funções (Acórdão de 20 de abril de 2021, Repubblika, C‑896/19, EU:C:2021:311, n.o 56 e jurisprudência referida).

98

O Tribunal de Justiça esclareceu, todavia, que é necessário garantir que as condições materiais e as modalidades processuais que presidem à adoção das referidas decisões de nomeação sejam tais que não possam criar, no espírito dos litigantes, dúvidas legítimas quanto à impermeabilidade dos juízes em causa em relação a elementos externos e à sua neutralidade relativamente aos interesses em confronto, uma vez nomeados os interessados, e que importa, nomeadamente, para este efeito, que as referidas condições e modalidades permitam excluir não só qualquer influência direta, sob a forma de instruções, mas também formas de influência mais indireta suscetíveis de orientar as decisões dos juízes em causa (v., neste sentido, Acórdão de 20 de abril de 2021, Repubblika, C‑896/19, EU:C:2021:311, n.os 55 e 57 e jurisprudência referida).

99

Tendo salientado que, por força do artigo 179.o da Constituição, os juízes do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) são nomeados pelo presidente da República sob proposta do KRS, a saber, pelo órgão investido pelo artigo 186.o da Constituição da missão de garantir a independência dos tribunais e dos juízes, o Tribunal de Justiça precisou, no n.o 137 do Acórdão A. K. e o. e no n.o 124 do Acórdão A. B. e o., que a intervenção desse órgão, no contexto de um processo de nomeação dos juízes, pode, em princípio, contribuir para conferir objetividade a esse processo, enquadrando a margem de manobra de que o presidente da República dispõe no exercício da competência que lhe é assim conferida.

100

No n.o 138 do Acórdão A. K. e o. e no n.o 125 do Acórdão A. B. e o., o Tribunal de Justiça indicou, no entanto, que tal só se verifica na condição, nomeadamente, de o referido órgão ser, ele próprio, suficientemente independente dos poderes legislativo e executivo e da autoridade à qual deve submeter essa proposta de nomeação.

101

A este respeito, importa salientar que, por força do artigo 179.o da Constituição, o ato pelo qual o KRS propõe a nomeação de um candidato para um lugar de juiz no Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) constitui uma condição sine qua non para que esse candidato possa ser nomeado para esse lugar pelo presidente da República. O papel do KRS neste processo de nomeação é, portanto, determinante (v., neste sentido, Acórdão A. B. e o., n.o 126).

102

Em tal contexto, o grau de independência de que goza o KRS relativamente aos poderes legislativo e executivo polacos no exercício das missões que lhe são conferidas pode ser pertinente quando se trata de apreciar se os juízes que seleciona estarão eles próprios em condições de satisfazer as exigências de independência e de imparcialidade decorrentes do direito da União (v., neste sentido, Acórdãos A. K. e o., n.o 139 e A. B. e o., n.o 127).

103

É certo que, como alegou a República da Polónia, o Tribunal de Justiça já declarou que a circunstância de um órgão, como um conselho nacional da magistratura, envolvido no processo de nomeação dos juízes ser, de forma preponderante, composto por membros escolhidos pelo poder legislativo não pode, por si só, conduzir a que se questione a independência dos juízes nomeados no termo do referido processo (v., neste sentido, Acórdão de 9 de julho de 2020, Land Hessen, C‑272/19, EU:C:2020:535, n.os 55 e 56). Todavia, decorre igualmente da jurisprudência do Tribunal de Justiça e, mais especificamente, dos Acórdãos A. K. e o. e A. B. e o. que tal não é o caso se essa mesma circunstância, conjugada com outros elementos pertinentes e com as condições em que foram feitas essas escolhas, conduzir a gerar tais dúvidas.

104

A este respeito, importa, em primeiro lugar, salientar que, como alegou a Comissão, enquanto anteriormente os 15 membros do KRS eram eleitos de entre os juízes pelos seus pares, a Lei sobre o KRS foi recentemente alterada, pelo que, como resulta do artigo 9.o‑A da referida lei, esses 15 membros são agora nomeados por um ramo do poder legislativo polaco, com a consequência de 23 dos 25 membros que constituem o KRS nessa nova composição terem sido nomeados pelos poderes executivo e legislativo polacos ou serem membros dos referidos poderes. Ora, essas alterações são suscetíveis de gerar um risco, até então inexistente no modo de eleição anteriormente em vigor, de influência acrescida desses poderes legislativo e executivo sobre o KRS e de atentado contra a independência deste órgão.

105

Em segundo lugar, e como igualmente sublinhou a Comissão, decorre do artigo 6.o da Lei de 8 de dezembro de 2017, reproduzida no n.o 26 do presente acórdão, que o KRS, com esta nova composição, foi criado através de uma redução do mandato em curso dos membros que até então formavam esse órgão, cuja duração era de quatro anos e estava prevista no artigo 187.o, n.o 3, da Constituição.

106

Em terceiro lugar, importa assinalar que a reforma legislativa que presidiu à implementação desta nova composição do KRS ocorreu concomitantemente à adoção da nova Lei do Supremo Tribunal, que procedeu a uma vasta reforma do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) que inclui, nomeadamente, a criação, no referido órgão jurisdicional, de duas novas secções, sendo uma delas a Secção Disciplinar, e a adoção de disposições, entretanto declaradas contrárias ao artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE e já referidas no n.o 90 do presente acórdão, que preveem uma redução da idade de aposentação dos juízes do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) e a aplicação desta medida aos juízes em exercício nesse tribunal.

107

Assim sendo, é facto assente que o termo antecipado dos mandatos de determinados membros do KRS então em funções e a remodelação do KRS na sua nova composição ocorreu num contexto em que se esperava que muitos lugares seriam em breve providos no Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal), designadamente na Secção Disciplinar, como já sublinhou o Tribunal de Justiça, em substância, nos n.os 22 a 27 do Despacho de 17 de dezembro de 2018, Comissão/Polónia (C‑619/18 R, EU:C:2018:1021), no n.o 86 do Acórdão de 24 de junho de 2019, Comissão/Polónia (Independência do Supremo Tribunal) (C‑619/18, EU:C:2019:531), e no n.o 134 do Acórdão A. B. e o.

108

Ora, há que observar que os elementos realçados nos n.os 104 a 107 do presente acórdão são suscetíveis de gerar dúvidas legítimas, no que respeita à independência do KRS e ao seu papel num processo de nomeação como o que conduziu à nomeação dos membros da Secção Disciplinar.

109

Ademais, resulta dos n.os 89 a 94 do presente acórdão, por um lado, que esse processo de nomeação se aplica aos candidatos a membro de uma secção jurisdicional novamente criada para decidir, designadamente, dos processos disciplinares relativos a juízes nacionais e sobre questões ligadas à reforma das disposições relativas ao Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal), das quais alguns aspetos já levaram a que fosse declarado o incumprimento, pela República da Polónia, do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE e, por outro, que essa instância deve ser constituída exclusivamente por novos juízes, que não exerciam anteriormente funções no Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) e que irão beneficiar de uma remuneração significativamente mais elevada e de uma grau de autonomia organizacional, funcional e financeira particularmente elevado em relação às condições existentes nas outras secções jurisdicionais do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal).

110

Estes elementos, tidos em conta no âmbito de uma análise global que inclui o importante papel desempenhado na nomeação dos membros da Secção Disciplinar pelo KRS, a saber, como resulta do n.o 108 do presente acórdão, um órgão cuja independência do poder político é questionável, são suscetíveis de criar dúvidas legítimas, no espírito dos litigantes, quanto à independência e à imparcialidade da referida Secção Disciplinar.

111

No que respeita aos dados relativos à jurisprudência da Secção Disciplinar referidos nos n.os 71 e 78 do presente acórdão, basta salientar a este respeito que, além do facto de as estatísticas em causa nesse n.o 71 parecerem sobretudo demonstrar que, na maioria dos casos em que conheceu de um recurso do ministro da Justiça contra uma decisão proferida por uma jurisdição disciplinar de primeira instância, a Secção Disciplinar confirmou ou agravou a responsabilidade disciplinar dos juízes em causa, a segunda alegação da Comissão não tem de qualquer modo por objeto, como esta última sublinhou, a atividade jurisdicional concreta desenvolvida pela Secção Disciplinar e pelos juízes que a constituem, mas sim a falta de aparência de independência e de imparcialidade dessa secção, na aceção da jurisprudência recordada no n.o 86 do presente acórdão. Consequentemente, nem as estatísticas evocadas pela República da Polónia na contestação e na tréplica nem, mais genericamente, as cerca de 2300 páginas de decisões atribuídas à Secção Disciplinar apresentadas pela República da Polónia em apoio deste último articulado, a respeito das quais esse Estado se limita a afirmar, de maneira geral, que as mesmas não são suscetíveis de fazer duvidar da independência e da imparcialidade da referida instância, podem pôr em causa o mérito da presente alegação.

112

Tendo em conta todas as considerações enunciadas nos n.os 89 a 110 do presente acórdão, há que declarar que — tidos em conta conjuntamente — o contexto particular e as condições objetivas em que foi criada a Secção Disciplinar, as suas características e a forma como os seus membros foram nomeados são suscetíveis de suscitar dúvidas legítimas, no espírito dos particulares, quanto à impermeabilidade dessa instância em relação a elementos externos, especialmente, influências diretas ou indiretas dos poderes legislativo e executivo polacos, e quanto à sua neutralidade em relação aos interesses concorrentes e, por conseguinte, são suscetíveis de ter como consequência que a referida instância não tenha a aparência de independência ou imparcialidade, situação que pode afetar a confiança que a justiça deve inspirar nos referidos particulares numa sociedade democrática e num Estado de Direito. Essa evolução constitui um retrocesso da proteção do valor do Estado de Direito, na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça recordada no n.o 51 do presente acórdão.

113

Daqui resulta, nomeadamente, que — ao não garantir a independência e a imparcialidade da Secção Disciplinar que decide, em primeira instância e em sede de recurso, os processos disciplinares relativos aos juízes do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) e, consoante o caso, quer em sede de recurso, quer em primeira instância e em sede de recurso, os processos disciplinares relativos aos juízes dos tribunais comuns, e ao pôr, deste modo, em causa a independência desses juízes à custa, além do mais, de um retrocesso da proteção do valor do Estado de Direito nesse Estado‑Membro, na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça recordada no n.o 51 do presente acórdão — a República da Polónia não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE.

114

Por conseguinte, há que julgar procedente a segunda alegação.

Quanto à primeira alegação

– Argumentos das partes

115

Com a sua primeira alegação, que importa examinar em segundo lugar, a Comissão sustenta que o artigo 107.o, n.o 1, da Lei dos Tribunais Comuns e o artigo 97.o, n.os 1 e 3, da nova Lei do Supremo Tribunal violam o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, na medida em que as referidas disposições nacionais permitem, em violação do princípio da independência dos juízes, pôr em causa a responsabilidade disciplinar dos juízes dos tribunais comuns polacos devido ao conteúdo das suas decisões judiciais e, deste modo, utilizar o regime disciplinar que lhes é aplicável para exercer um controlo político da sua atividade jurisdicional.

116

Com efeito, por um lado, o artigo 107.o, n.o 1, da Lei dos Tribunais Comuns define a infração disciplinar como incluindo, designadamente, os casos de «violação manifesta e grosseira das normas de direito». Ora, essa redação permite a interpretação de que a responsabilidade disciplinar dos juízes se estende ao exercício, por estes, da função de julgar.

117

É, de resto, o que confirma a prática interpretativa recentemente desenvolvida pelo instrutor de processos disciplinares dos processos relativos aos juízes dos tribunais comuns e dos seus adjuntos (a seguir, em conjunto, «instrutor de processos disciplinares»). Com efeito, o instrutor de processos disciplinares abriu, nomeadamente, inquéritos contra três juízes, relacionados com os pedidos de decisão prejudicial que estes submeteram ao Tribunal de Justiça nos processos que deram origem ao Acórdão de 26 de março de 2020, Miasto Łowicz e Prokurator Generalny (C‑558/18 e C‑563/18, EU:C:2020:234) e ao Despacho de 6 de outubro de 2020, Prokuratura Rejonowa w Słubicach (C‑623/18, não publicado, EU:C:2020:800), e intimou, por cartas de 29 de novembro de 2018, cada um desses juízes a apresentarem uma declaração escrita sobre um possível excesso jurisdicional relacionado com os referidos pedidos, antes de precisar, a este respeito, por carta de 4 de janeiro de 2019, que «entendia ser seu dever examinar se a submissão das questões prejudiciais, em violação das condições claramente definidas no artigo 267.o TFUE […] [era] suscetível de constituir uma infração disciplinar».

118

Do mesmo modo, depois de o Sąd Okręgowy w Warszawie (Tribunal Regional de Varsóvia, Polónia) ter, nos processos apensos C‑748/19 a C‑754/19, submetido ao Tribunal de Justiça pedidos de decisão prejudicial relativos às exigências de independência de uma formação de julgamento que integrou um juiz destacado para esse tribunal por decisão do ministro da Justiça, o instrutor de processos disciplinares informou, por comunicado de 3 de setembro de 2019, que tinham sido tomadas medidas de instrução para determinar se o comportamento da juíza que presidia a referida formação, e que submeteu os referidos pedidos, podia constituir uma infração disciplinar.

119

Por outro lado, o artigo 97.o, n.os 1 e 3, da nova Lei sobre o Supremo Tribunal habilita o Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal), incluindo a sua Secção de Fiscalização Extraordinária e dos Assuntos Públicos quando conhece de um recurso extraordinário, a remeter um «auto de constatação de erro» ao órgão jurisdicional em causa em caso de «manifesta violação do direito» e a apresentar, nesse caso, à Secção Disciplinar um pedido de apreciação disciplinar da conduta dos juízes em causa, em conformidade com o artigo 110.o, n.o 1, alínea b), da Lei dos Tribunais Comuns. Ora, o conceito de «manifesta violação do direito» permite, por sua vez, a interpretação no sentido de que a responsabilidade disciplinar dos juízes se estende ao exercício, por estes, da função de julgar.

120

Na sua contestação, a República da Polónia sustenta que a definição de infração disciplinar constante do artigo 107.o, n.o 1, da Lei dos Tribunais Comuns não é suscetível de permitir um controlo político do conteúdo das decisões judiciais. A este respeito, a Comissão não teve em conta a interpretação restritiva bem assente de que esta disposição é objeto pelo Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal). Com efeito, decorre da jurisprudência constante do referido órgão jurisdicional que uma infração disciplinar não pode resultar de um erro comum de interpretação ou de aplicação da norma de direito decorrente de uma decisão judicial, mas apenas de violações «manifestas e grosseiras» das normas de direito, a saber, em princípio, violações de normas de natureza processual e não diretamente correlacionadas com a própria decisão, que sejam verificáveis, desde logo, por qualquer pessoa e que tenham produzido efeitos negativos importantes, prejudiciais aos interesses das partes, a outros particulares ou à administração da justiça.

121

Ora, segundo a República da Polónia, o facto de tais comportamentos resultantes da má-fé ou de uma profunda ignorância por parte de um juiz serem considerados infrações disciplinares é justificado com vista a assegurar a tutela jurisdicional efetiva dos particulares e a preservar a imagem de equidade inerente ao poder judicial. Limitada a esses casos, a perspetiva de eventuais processos disciplinares não é suscetível de afetar a independência do poder judicial.

122

Nestas condições, a República da Polónia defende que o mero receio de que a disposição nacional em causa possa ser objeto de uma interpretação diferente da adotada de forma constante pelo Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) é desligado da realidade e puramente hipotético. Quanto ao instrutor de processos disciplinares, tratar‑se‑ia apenas de um órgão de investigação e de acusação cujas apreciações não são vinculativas para as jurisdições disciplinares.

123

Segundo a República da Polónia, as mesmas considerações devem prevalecer no que respeita ao artigo 97.o, n.os 1 e 3, da nova Lei do Supremo Tribunal.

124

Na sua réplica, a Comissão alega que os argumentos apresentados pela República da Polónia não põem em causa a conclusão de que os conceitos referidos nos n.os 116 e 119 do presente acórdão podem ser interpretados no sentido de que visam o conteúdo das decisões judiciais, o que, de resto, os processos disciplinares instaurados após a propositura da presente ação continuam a demonstrar.

125

Assim, em 6 de dezembro de 2019, o instrutor de processos disciplinares instaurou um processo disciplinar contra a juíza referida no n.o 118 do presente acórdão, tendo indicado, num comunicado, que, em seu entender, essa juíza, «ignorando a deliberação da formação de julgamento, apresentou a sua posição pessoal sobre a existência de fundamentos adicionais para adiar a audiência e contestou publicamente a referida formação, constituída em conformidade com a legislação em vigor para conhecer desse processo, pondo em causa a imparcialidade e a independência do juiz em questão, membro da formação, e recusando que este nela exerça funções», e que, além disso, «excedeu os seus poderes ao adotar ilegalmente, aquando do adiamento do julgamento em sede de recurso, e sem consultar os dois outros membros devidamente nomeados da formação, o despacho de reenvio prejudicial».

126

Por seu turno, a Secção Disciplinar, instância de que depende agora inteiramente a interpretação dos conceitos referidos nos n.os 116 e 119 do presente acórdão, suspendeu das suas funções, como decorre da Decisão de 4 de fevereiro de 2020 (II DO 1/20) apresentada pela Comissão, um juiz do Sąd Rejonowy w Olsztynie (Tribunal de Primeira Instância de Olsztyn, Polónia) contra o qual tinha sido instaurado um processo disciplinar, com o fundamento de que, como resulta de um comunicado publicado em 29 de novembro de 2019 pelo instrutor de processos disciplinares, a atuação desse juiz, aquando da apreciação de um recurso, «conduziu à adoção de uma decisão sem base legal», que intimava a Diète a apresentar as listas de cidadãos e de juízes que apoiaram as candidaturas aos lugares de membro do KRS na sua nova composição.

127

Na fundamentação da referida decisão, a Secção Disciplinar declarou, nomeadamente, que «se, tendo em conta o tipo de ato cometido pelo juiz, a autoridade do órgão jurisdicional ou os interesses essenciais do serviço exigirem que seja imediatamente dispensado das suas obrigações de serviço, o presidente do órgão jurisdicional ou o ministro da Justiça podem suspender imediatamente as atividades do juiz até ser proferida a decisão da jurisdição disciplinar num prazo inferior a um mês. Duas das condições acima referidas (a autoridade do órgão jurisdicional e os interesses essenciais do serviço) aplicam‑se no presente caso, em relação ao comportamento do juiz sob a forma de uma violação manifesta e grosseira das normas de direito e de uma ofensa à dignidade da função, na aceção do artigo 107.o, n.o 1, da [Lei dos Tribunais Comuns]». Nessa mesma decisão, a Secção Disciplinar também afirmou que «a ilegalidade da decisão judicial não suscitou nenhuma dúvida. Com efeito, o acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia não serve de fundamento para uma intromissão nas prerrogativas do chefe de Estado e para a tomada de decisão, pelos juízes, a respeito da questão de saber quem é juiz e quem não o é».

128

Por último, fazendo referência aos processos disciplinares mencionados nos n.os 125 e 126 do presente acórdão e a outros processos disciplinares instaurados contra juízes por terem posto em causa a validade da nomeação de determinados juízes, conforme consta de dois comunicados do instrutor de processos disciplinares de 15 de dezembro de 2019 e de 14 de fevereiro de 2020 apresentados pela Comissão, o Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) referiu‑se, na sua Resolução de 23 de janeiro de 2020, mencionada no n.o 74 do presente acórdão, ao «facto de um órgão político, como o ministro da Justiça, realizar, por intermédio de instrutores de processos disciplinares por ele nomeados, atos de natureza repressiva contra juízes que exercem funções judiciais que visam esclarecer as dúvidas quanto às modalidades de organização de concursos para o recrutamento de juízes».

129

Na sua tréplica, a República da Polónia alega que as decisões do instrutor de processos disciplinares e a decisão da Secção Disciplinar referidas pela Comissão na sua réplica são irrelevantes, porque a alegação formulada pela Comissão diz respeito à compatibilidade abstrata de definições legais da infração disciplinar com o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, e não a uma violação do direito da União decorrente de ações determinadas dos órgãos do Estado. Além disso, o acórdão do Tribunal de Justiça deve dizer respeito à situação existente no termo do prazo fixado no parecer fundamentado. Por último, a decisão mencionada no n.o 125 do presente acórdão é referente ao facto de um juiz ter excedido os seus poderes ao pronunciar sozinho decisões de reenvio prejudicial em processos que deviam ser julgados por três juízes, enquanto a decisão da Secção Disciplinar também não diz respeito a um processo resultante de uma violação manifesta e grosseira de normas jurídicas, mas sim a uma suspeita de prática de uma infração de abuso de poder e de ofensa à dignidade da função e constitui, além disso, uma medida provisória.

130

Todos os Estados‑Membros que intervieram em apoio dos pedidos da Comissão consideram que as disposições nacionais criticadas no âmbito da presente alegação são suscetíveis de exercer um efeito de dissuasão em relação aos juízes dos tribunais comuns no exercício das suas funções judiciais e que as mesmas põem assim em causa a exigência de independência destes que decorre do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE.

131

O Reino da Dinamarca é da opinião de que, embora o artigo 107.o, n.o 1, da Lei dos Tribunais Comuns, atendendo à sua redação, não seja contrário ao princípio da independência dos juízes, a formulação vaga desta disposição confere, todavia, uma ampla margem de apreciação à autoridade disciplinar para efeitos da declaração da existência de uma infração disciplinar. Ora, conjugada com a composição problemática dos órgãos responsáveis pela sua aplicação, e, especialmente, da Secção Disciplinar, e com a forma como é interpretada e aplicada na prática, esta disposição nacional cria o risco de o regime disciplinar ser utilizado como meio de pressão sobre os juízes e de controlo político do conteúdo das decisões judiciais. O mesmo acontece no que respeita à definição da infração constante do artigo 97.o, n.o 1, da nova Lei do Supremo Tribunal, tendo em conta, especialmente, a faculdade, pouco compreensível de acordo com esse Estado‑Membro, para a Secção de Fiscalização Extraordinária e dos Assuntos Públicos, de instaurar, oficiosamente, um processo disciplinar devido a erros no conteúdo das decisões que examina.

132

Por seu turno, a República da Finlândia alega que resulta de diversas fontes independentes e fiáveis, bem como de elementos referidos no Acórdão de 26 de março de 2020, Miasto Łowicz e Prokurator Generalny (C‑558/18 e C‑563/18, EU:C:2020:234) que a possibilidade de instaurar processos disciplinares contra juízes devido ao conteúdo das suas decisões judiciais foi efetivamente utilizada.

133

Na sua resposta aos articulados de intervenção, a República da Polónia alega que as definições das infrações disciplinares constantes da legislação de diversos Estados‑Membros não são menos amplas do que a do artigo 107.o, n.o 1, da Lei dos Tribunais Comuns. As referências a conceitos gerais são simultaneamente frequentes e inevitáveis nesta matéria sendo que, de acordo com aquele Estado, não se pode proceder a uma apreciação negativa das disposições em causa fazendo abstração do seu conteúdo, finalidade e aplicação prática pelas jurisdições disciplinares nacionais.

– Apreciação do Tribunal de Justiça

134

Como resulta do n.o 61 do presente acórdão, a exigência de independência e de imparcialidade, designadamente decorrente do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, e que devem satisfazer os órgãos jurisdicionais nacionais que, à semelhança dos tribunais comuns polacos, possam ter de interpretar e aplicar o direito da União, impõe, para evitar que o risco de o regime disciplinar aplicável a quem tem por missão julgar seja utilizado como sistema de controlo político do conteúdo das decisões judiciais, que esse regime contenha, nomeadamente, regras que definam os comportamentos constitutivos de uma infração disciplinar.

135

Com a sua primeira alegação, a Comissão sustenta que, ao prever que os comportamentos dos juízes dos tribunais comuns constitutivos de uma infração disciplinar abranjam, respetivamente, qualquer «violação manifesta e grosseira das normas de direito» e qualquer «erro» que implique uma «manifesta violação do direito», o artigo 107.o, n.o 1, da Lei dos Tribunais Comuns e o artigo 97.o, n.os 1 e 3, da nova Lei do Supremo Tribunal permitem esse controlo político, o que, de resto, demonstram os diversos casos concretos de aplicação destas disposições referidos por essa instituição.

136

A este respeito, importa sublinhar, antes de mais, por um lado, que o regime disciplinar aplicável aos juízes faz, na verdade, parte da organização da justiça e é, portanto, da competência dos Estados‑Membros e, por outro, que a possibilidade de as autoridades de um Estado‑Membro porem em causa a responsabilidade disciplinar dos juízes pode, especialmente e segundo a escolha dos Estados‑Membros, constituir um elemento que permite contribuir para a responsabilização e para a eficácia do sistema judiciário. Todavia, como resulta dos n.os 56, 57 e 61 do presente acórdão, no exercício dessa competência, os Estados‑Membros devem respeitar o direito da União, assegurando, designadamente, a independência dos órgãos jurisdicionais chamados a pronunciar‑se sobre questões relacionadas com a aplicação ou a interpretação desse direito, a fim de garantir aos particulares a proteção jurisdicional efetiva exigida pelo artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE (v., por analogia, Acórdão Asociaţia «Forumul Judecătorilor din România» e o., n.os 229 e 230).

137

Neste contexto, a salvaguarda desta independência não pode nomeadamente ter como consequência a total exclusão de uma possível responsabilidade disciplinar dos juízes em determinados casos absolutamente excecionais, devido a decisões judiciais que tenham proferido. Com efeito, a referida exigência de independência não se destina, evidentemente, a justificar eventuais condutas graves e totalmente indesculpáveis de juízes, como, por exemplo, a violação de forma deliberada e de má-fé, ou com negligência especialmente grave e grosseira, das normas do direito nacional e da União cujo respeito devem assegurar, ou a adoção de uma conduta arbitrária ou de denegação de justiça, quando, enquanto depositários da função de julgar, os juízes são chamados a dirimir litígios que lhes são submetidos pelos particulares.

138

Em contrapartida, para preservar essa mesma independência e assim evitar que o regime disciplinar possa ser desviado das suas finalidades legítimas e utilizado para fins de controlo político das decisões judiciais ou de pressão sobre os juízes, afigura‑se essencial que o facto de uma decisão judicial comportar um eventual erro na interpretação e aplicação das normas do direito nacional e da União, ou na apreciação dos factos e avaliação das provas, não possa, por si só, implicar a responsabilidade disciplinar do juiz em causa (v., por analogia, Acórdão Asociaţia «Forumul Judecătorilor din România» e o., n.o 234).

139

Por conseguinte, é necessário que a responsabilidade disciplinar de um juiz com fundamento numa decisão judicial seja limitada a casos absolutamente excecionais, como os referidos no n.o 137 do presente acórdão, e enquadrada, a este respeito, por critérios objetivos e verificáveis, relativos a imperativos resultantes da boa administração da justiça, bem como por garantias destinadas a evitar qualquer risco de pressões externas sobre o conteúdo das decisões judiciais e a afastar, assim, no espírito dos sujeitos de direito, qualquer dúvida legítima quanto à impermeabilidade dos juízes em causa e à sua neutralidade relativamente aos interesses em confronto (v., por analogia, Acórdão Asociaţia «Forumul Judecătorilor din România» e o., n.o 233).

140

Para esse efeito, é essencial que estejam nomeadamente previstas regras que definam, de forma suficientemente clara e precisa, os comportamentos suscetíveis de dar origem à responsabilidade disciplinar dos juízes, a fim de garantir a independência inerente à sua missão e evitar que estejam expostos ao risco de responder disciplinarmente apenas devido a uma decisão sua (v., por analogia, Acórdão Asociaţia «Forumul Judecătorilor din România» e o., n.o 234).

141

No caso em apreço, importa salientar que, apenas à luz das respetivas redações, o artigo 107.o, n.o 1, da Lei dos Tribunais Comuns e o artigo 97.o, n.os 1 e 3, da nova Lei do Supremo Tribunal não cumprem as exigências de clareza e de precisão enunciadas no n.o 140 do presente acórdão. Com efeito, é forçoso constatar que as expressões «violação manifesta e grosseira das normas de direito» e «constatação de erro», que implicam uma «manifesta violação do direito», a que recorrem respetivamente as referidas disposições, não permitem excluir que possa haver responsabilidade dos juízes apenas com fundamento no conteúdo alegadamente «errado» das suas decisões e assegurar, simultaneamente, que essa responsabilidade seja sempre estritamente limitada a hipóteses absolutamente excecionais, como as referidas no n.o 137 do presente acórdão.

142

Por outro lado, decorre de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que o alcance das disposições legislativas nacionais objeto de uma ação por incumprimento deve, regra geral, ser apreciado tendo em conta a interpretação que delas fazem os órgãos jurisdicionais nacionais (v., neste sentido, Acórdãos de 18 de julho de 2007, Comissão/Alemanha, C‑490/04, EU:C:2007:430, n.o 49 e jurisprudência referida, e de 16 de setembro de 2015, Comissão/Eslováquia, C‑433/13, EU:C:2015:602, n.o 81).

143

A este respeito, é certo que, perante o Tribunal de Justiça, a República da Polónia fez detalhadamente referência à jurisprudência desenvolvida, há muitos anos, pelo Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) no que respeita aos diferentes elementos constitutivos do conceito de «violação manifesta e grosseira das normas de direito», na aceção do artigo 107.o, n.o 1, da Lei dos Tribunais Comuns. Ora, a jurisprudência nacional assim descrita e cuja existência e conteúdo não foram contestados pela Comissão parece efetivamente ter adotado, relativamente ao referido conceito, uma interpretação particularmente restritiva, que traduz uma clara preocupação de preservar a independência dos juízes.

144

Todavia, importa salientar, antes de mais, que as duas disposições objeto da presente alegação contêm fórmulas parcialmente distintas, uma vez que o artigo 97.o, n.os 1 e 3, da nova Lei do Supremo Tribunal visa, efetivamente, apenas as «manifestas» violações das normas de direito. Ora, a omissão, nesta nova disposição, da precisão relativa ao caráter «grosseiro» da violação das normas de direito, que consta, em contrapartida, do artigo 107.o, n.o 1, da Lei dos Tribunais Comuns, precisão essa que é tomada em consideração, designadamente, na jurisprudência constante do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) referida no n.o 143 do presente acórdão, é suscetível de criar dúvidas quanto ao respetivo alcance das referidas disposições. Por outro lado, a circunstância de a secção em causa poder, com fundamento no referido artigo 97.o, n.os 1 e 3, quando lavra um «auto de constatação de erro», ao reapreciar a decisão de um juiz, e quando considera, neste contexto, que o referido «erro» se traduz numa «manifesta violação do direito», requerer, diretamente, que seja instaurado um processo disciplinar contra esse juiz na Secção Disciplinar é suscetível de ser entendida no sentido de que pode haver responsabilidade dos juízes, apenas com fundamento no conteúdo alegadamente «errado» das suas decisões judiciais, além dos casos limitados à hipóteses absolutamente excecionais referidas no n.o 137 do presente acórdão.

145

Em seguida, importa salientar que as decisões do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) referentes ao artigo 107.o, n.o 1, da Lei dos Tribunais Comuns assim mencionadas pela República da Polónia foram adotadas não pela atual Secção Disciplinar do referido órgão jurisdicional, mas pela secção desse órgão jurisdicional que era competente antes da reforma.

146

Além disso, há que recordar a este respeito que, como decorre do n.o 61 do presente acórdão, a fim de assegurar que a efetivação da responsabilidade disciplinar dos juízes seja enquadrada por garantias que visam evitar qualquer risco de pressões externas sobre o conteúdo das decisões judiciais, as regras que definem os comportamentos constitutivos de uma infração no âmbito do regime disciplinar aplicável aos juízes devem ser consideradas conjuntamente com as outras regras que caracterizam tal regime e, designadamente, com as regras que preveem que as decisões proferidas nos processos disciplinares instaurados contra juízes sejam tomadas ou fiscalizadas por um tribunal independente e imparcial.

147

No caso em apreço, conforme resulta da fundamentação com base na qual o Tribunal de Justiça julgou procedente a segunda alegação invocada pela Comissão em apoio da sua ação, a Secção Disciplinar recentemente instituída pela nova Lei do Supremo Tribunal e à qual foi atribuída competência para conhecer, consoante o caso, quer em sede de recurso, quer em primeira instância e em sede de recurso, de processos disciplinares relativos aos juízes dos tribunais comuns, não satisfaz esta exigência de independência e de imparcialidade.

148

Por conseguinte, tal circunstância é, por sua vez, suscetível de reforçar o risco de disposições como o artigo 107.o, n.o 1, da Lei dos Tribunais Comuns e o artigo 97.o, n.os 1 e 3, da nova Lei do Supremo Tribunal — que definem as infrações disciplinares em termos que não cumprem as exigências de clareza e precisão enunciadas no n.o 140 do presente acórdão e não garantem que a efetivação da responsabilidade dos juízes decorrente das suas decisões seja estritamente limitada às hipóteses previstas no n.o 137 do presente acórdão — serem objeto de interpretação que permita que o regime disciplinar seja usado com a finalidade de influenciar as decisões judiciais.

149

A existência do risco de o regime disciplinar ser efetivamente usado para influenciar as decisões judiciais é, de resto, confirmada pela Decisão da Secção Disciplinar de 4 de fevereiro de 2020 mencionada nos n.os 126 e 127 do presente acórdão.

150

A este respeito, importa desde já rejeitar a argumentação da República da Polónia segundo a qual esta decisão da Secção Disciplinar não pode ser tida em conta pelo Tribunal de Justiça para efeitos de apreciação do incumprimento imputado a este Estado‑Membro, porque esse incumprimento deve, em conformidade com jurisprudência constante, ser apreciado à data em que terminou o prazo fixado no parecer fundamentado. Com efeito, como a Comissão alegou com razão na audiência perante o Tribunal de Justiça, esta decisão da Secção Disciplinar constitui apenas um elemento de prova ocorrido após a emissão do parecer fundamentado que se destina a exemplificar a alegação enunciada tanto nesse parecer fundamentado como no âmbito da presente ação, relativamente ao risco de o regime disciplinar aplicável aos juízes dos tribunais comuns polacos poder, no contexto decorrente das reformas normativas introduzidas recentemente na Polónia, ser utilizado para influenciar o conteúdo das decisões judiciais. Ora, como o Tribunal de Justiça já salientou, a tomada em consideração de um elemento de prova posterior à emissão do parecer fundamentado não constitui uma alteração do objeto do litígio, tal como o mesmo resulta do referido parecer fundamentado (v., neste sentido, Acórdão de 11 de julho de 2002, Comissão/Espanha, C‑139/00, EU:C:2002:438, n.o 21).

151

Decorre da referida decisão da Secção Disciplinar que uma infração disciplinar pode, em princípio, ser imputada a um juiz com fundamento no artigo 107.o, n.o 1, da Lei dos Tribunais Comuns, pelo facto de este ter intimado a Diète, alegadamente em grosseira e manifesta violação das normas de direito, a apresentar documentos relativos ao processo de nomeação dos membros do KRS na sua nova composição.

152

Essa interpretação ampla do artigo 107.o, n.o 1, da Lei dos Tribunais Comuns afasta‑se da interpretação particularmente restritiva desta disposição adotada pelo Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal), conforme referida no n.o 143 do presente acórdão, e traduz‑se, assim, no Estado‑Membro em causa, num retrocesso da proteção do valor do Estado de Direito.

153

Importa acrescentar que, quando uma legislação nacional é objeto de interpretações jurisprudenciais divergentes suscetíveis de serem tidas em conta, sendo que algumas dessas interpretações conduzem a uma aplicação da referida legislação que é compatível com o direito da União, e outras conduzem a uma aplicação incompatível com esse direito, há que declarar que, no mínimo, essa legislação não é suficientemente clara e precisa para assegurar uma aplicação compatível com o direito da União (v., neste sentido, Acórdão de 9 de dezembro de 2003, Comissão/Itália, C‑129/00, EU:C:2003:656, n.o 33).

154

Por último, a Comissão referiu diversos casos concretos recentes em que, no âmbito do novo regime disciplinar instituído pela Lei dos Tribunais Comuns, o instrutor de processos disciplinares abriu inquéritos disciplinares contra juízes devido ao conteúdo das decisões judiciais por eles proferidas, sem que se afigure que os juízes em causa tivessem violado os seus deveres, como os referidos no n.o 137 do presente acórdão. A este respeito, importa salientar, mais especificamente, que foram instaurados processos disciplinares, nomeadamente, devido a decisões judiciais através das quais tinham sido apresentados pedidos de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça com vista a assegurar a conformidade de determinadas disposições do direito nacional com as disposições do direito da União relativas ao Estado de Direito e à independência dos juízes.

155

Ainda que a República da Polónia sustente que as acusações formuladas pelo instrutor de processos disciplinares nos referidos casos não tinham por objeto violações manifestas e grosseiras das normas de direito, na aceção do artigo 107.o, n.o 1, da Lei dos Tribunais Comuns, mas sim o facto de os juízes em causa terem excedido a sua competência ou terem desrespeitado a função de juiz, a verdade é que as referidas acusações têm uma ligação direta com o conteúdo das decisões judiciais proferidas pelos referidos juízes.

156

Ora, a simples perspetiva de abertura de tais inquéritos disciplinares é, enquanto tal, suscetível de exercer pressão sobre aqueles que têm a missão de julgar (v., neste sentido, Acórdão Asociaţia «Forumul Judecătorilor din România» e o., n.o 199).

157

Tendo em conta as considerações precedentes e no contexto particular decorrente das recentes reformas que afetaram o poder judicial polaco e o regime disciplinar aplicável aos juízes dos tribunais comuns, e, designadamente, atendendo à circunstância de não estarem garantidas a independência e a imparcialidade da instância jurisdicional competente para se pronunciar sobre os processos disciplinares que dizem respeito aos referidos juízes, o Tribunal de Justiça considera ter sido demonstrado que as definições de infração disciplinar constantes do artigo 107.o, n.o 1, da Lei dos Tribunais Comuns e do artigo 97.o, n.os 1 e 3, da nova Lei do Supremo Tribunal não permitem evitar que o referido regime disciplinar seja usado para exercer pressões e criar um efeito dissuasor sobre esses juízes, que devem interpretar e aplicar o direito da União, que são suscetíveis de influenciar o conteúdo das suas decisões. As referidas disposições põem assim em causa a independência desses juízes, à custa, além do mais, de um retrocesso da proteção do valor do Estado de Direito na Polónia, na aceção da jurisprudência recordada no n.o 51 do presente acórdão, em violação do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE.

158

Daqui resulta que a primeira alegação deve ser julgada procedente.

Quanto à terceira alegação

– Argumentos das partes

159

Com a sua terceira alegação, a Comissão sustenta que o artigo 110.o, n.o 3, e o artigo 114.o, n.o 7, da Lei dos Tribunais Comuns não satisfazem a exigência decorrente do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, segundo a qual os processos disciplinares relativos aos juízes dos tribunais comuns devem poder ser apreciados por um tribunal «estabelecido por lei», uma vez que estas disposições nacionais conferem ao presidente da Secção Disciplinar o poder discricionário de designar o tribunal disciplinar territorialmente competente para conhecer desses processos.

160

A Comissão considera, a este respeito, que, na falta, nomeadamente, de critérios previstos por lei para enquadrar o exercício do referido poder, este pode ser usado para atribuir um processo a uma jurisdição disciplinar específica e, consequentemente, pelo menos, ser considerado como um meio que permite utilizar o regime disciplinar para fins de controlo político do conteúdo das decisões judiciais. Além disso, esse risco é, no caso vertente, agravado pelo facto de a Secção Disciplinar não ser um órgão independente e imparcial.

161

Na sua contestação, a República da Polónia alega que decorre do artigo 110.o, n.o 1, ponto 1, alínea a), e do artigo 110.o‑A, n.os 1 e 3, da Lei dos Tribunais Comuns que os processos disciplinares são da competência dos onze tribunais disciplinares instituídos junto dos órgãos jurisdicionais de segunda instância, cujos membros são nomeados, após parecer do KRS, pelo ministro da Justiça, de entre os juízes dos tribunais comuns, e têm assento, em formação permanente, por um período de seis anos. Daqui resulta que os referidos órgãos jurisdicionais são efetivamente estabelecidos por lei.

162

Por seu turno, o presidente da Secção Disciplinar limita‑se a designar um desses tribunais disciplinares, tendo em conta fatores como a economia processual, o volume de trabalho dos referidos tribunais, a distância, e as eventuais ligações entre as partes no processo e os referidos tribunais. A fixação dos referidos critérios na lei não serve nenhum objetivo identificável, designadamente em termos de proteção dos direitos do juiz arguido ou de interesse da justiça, na medida em que todos os tribunais disciplinares que podem ser designados apresentam as mesmas garantias de competência e de independência.

163

Foi precisamente para garantir a imparcialidade dos referidos tribunais disciplinares que foi instituída a solução que consiste em designar como territorialmente competente um órgão jurisdicional de segunda instância situado numa área de jurisdição diferente daquela em que o juiz interessado exerce funções. Além disso, segundo a República da Polónia, uma vez que os membros do tribunal disciplinar chamados a nele exercer funções são nomeados por sorteio de entre todos os juízes desse órgão jurisdicional, a alegação de que o poder de nomeação do tribunal disciplinar territorialmente competente para conhecer do processo se arrisca a ser utilizado para fins de controlo político do conteúdo das decisões judiciais é desprovida de fundamento.

– Apreciação do Tribunal de Justiça

164

Como foi recordado nos n.os 61 e 80 do presente acórdão, a exigência de independência que decorre, designadamente, do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, que devem satisfazer os órgãos jurisdicionais nacionais que, à semelhança dos tribunais comuns polacos, podem ter de interpretar e aplicar o direito da União, impõe que as normas que regem o regime disciplinar aplicáveis aos juízes que constituem esses órgãos jurisdicionais prevejam, nomeadamente, a intervenção de instâncias que satisfaçam elas próprias as garantias inerentes a uma tutela jurisdicional efetiva em conformidade com um processo que garanta plenamente os direitos consagrados nos artigos 47.o e 48.o da Carta.

165

Por outro lado, importa recordar que, na medida em que a Carta enuncia direitos correspondentes a direitos garantidos pela CEDH, o artigo 52.o, n.o 3, da Carta visa garantir a coerência necessária entre os direitos nela contidos e os direitos correspondentes garantidos pela CEDH, sem que tal ponha em causa a autonomia do direito da União. Segundo as anotações relativas à Carta dos Direitos Fundamentais (JO 2007, C 303, p. 17), o artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta corresponde ao artigo 6.o, n.o 1, da CEDH e o artigo 48.o da Carta é idêntico ao artigo 6.o, n.os 2 e 3, da CEDH. O Tribunal de Justiça deve, assim, assegurar que a sua interpretação do artigo 47.o, segundo parágrafo, e do artigo 48.o da Carta garanta um nível de proteção que não viole o garantido no artigo 6.o da CEDH, conforme interpretado pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (Acórdão de 29 de julho de 2019, Gambino e Hyka, C‑38/18, EU:C:2019:628, n.o 39 e jurisprudência referida).

166

Nos termos do artigo 47.o, segundo parágrafo, primeiro período, da Carta, toda a pessoa tem direito a que a sua causa seja julgada de forma equitativa, publicamente e num prazo razoável, por um «tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei».

167

Como declarou o Tribunal de Justiça, as garantias de acesso a um tribunal independente, imparcial e previamente estabelecido por lei, nomeadamente as que determinam o respetivo conceito e a sua composição, representam a pedra angular do direito ao processo equitativo. A verificação da exigência de que uma instância constitua, pela sua composição, um tribunal desse tipo é, nomeadamente, necessária à confiança que os tribunais de uma sociedade democrática devem inspirar nos particulares (v., neste sentido, Acórdão de 26 de março de 2020, Reapreciação Simpson/Conselho e HG/Comissão, C‑542/18 RX‑II e C‑543/18 RX‑II, EU:C:2020:232, n.o 57).

168

Por outro lado, decorre da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem que a expressão «estabelecido por lei», constante do artigo 6.o, n.o 1, CEDH, diz respeito não só à base legal da própria existência do tribunal mas também à composição da formação em cada processo. A referida expressão tem por objetivo evitar que a organização do sistema judicial seja deixada à discricionariedade do poder executivo e assegurar que essa matéria seja regulada por lei. Além disso, em países nos quais vigora um sistema de direito codificado, a organização do sistema judicial também não pode ser deixada à discricionariedade das autoridades judiciárias, o que não exclui, no entanto, que lhes seja reconhecido um certo poder de interpretação da legislação nacional nesta matéria. Aliás, a delegação de poderes em questões relativas à organização judiciária é aceitável na medida em que essa possibilidade se inscreve no âmbito do direito interno do Estado em causa, incluindo as disposições pertinentes da sua constituição (v., nomeadamente, TEDH, 28 de abril de 2009, Savino e o. c. Itália, CE:ECHR:2009:0428JUD001721405, § 94 e 95 e jurisprudência referida).

169

No presente processo, as disposições do artigo 110.o, n.o 3, e do artigo 114.o, n.o 7, da Lei dos Tribunais Comuns que a Comissão põe em causa não dizem respeito à própria existência das jurisdições disciplinares chamadas a pronunciar‑se sobre os processos disciplinares instaurados contra juízes dos tribunais comuns polacos, mas às condições em que se efetua a atribuição a essas jurisdições disciplinares dos processos disciplinares relativos a estes juízes.

170

Com a sua terceira alegação, a Comissão não visa, efetivamente, as condições em que são instituídas as jurisdições disciplinares polacas ou nomeados os juízes que as constituem, mas as condições em que é designada a jurisdição disciplinar que, de entre as jurisdições disciplinares situadas em diferentes áreas de jurisdição existentes na Polónia, deverá decidir de um determinado processo disciplinar instaurado contra um juiz.

171

A este respeito, há que salientar que, relativamente ao artigo 6.o, n.o 1, da CEDH, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem declarou, nomeadamente, que a exigência de que os órgãos jurisdicionais devem ser estabelecidos por lei exclui que a reatribuição de um processo a um órgão jurisdicional situado noutra área de jurisdição possa ficar sujeita ao poder discricionário de uma determinada instância. O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem considerou, mais especificamente, que a circunstância de, na regulamentação aplicável, não serem precisados nem as razões pelas quais essa reatribuição pode ocorrer nem os critérios que a esta devem presidir é suscetível de criar uma aparência de falta de independência e de imparcialidade desse órgão jurisdicional, assim discricionariamente designado, e não oferece o grau de previsibilidade e de certeza exigido para que esse órgão jurisdicional possa ser considerado «estabelecido por lei» (v., neste sentido, TEDH, 12 de janeiro de 2016, Miracle Europe kft c. Hungria, CE:ECHR:2016:0112JUD005777413, § 58, 63 e 67).

172

No caso em apreço, há que observar que as disposições nacionais que a Comissão contesta no âmbito da presente alegação investem o presidente da Secção Disciplinar do poder discricionário de designar o tribunal disciplinar territorialmente competente para conhecer de um processo disciplinar instaurado contra um juiz dos tribunais comuns sem que os critérios que devem presidir a essa designação tenham sido precisados na regulamentação aplicável.

173

Ora, como sustentou a Comissão, na falta de tais critérios, esse poder pode, nomeadamente, ser utilizado para encaminhar determinados casos a determinados juízes, evitando atribuí‑los a outros juízes ou ainda para exercer pressão sobre os juízes assim designados (v. igualmente, neste sentido, TEDH, 12 de janeiro de 2016, Miracle Europe kft c. Hungria, ECHR:2016:0112JUD005777413, § 58).

174

No caso vertente, como a Comissão também alegou, esse risco é agravado pelo facto de o responsável pela designação do tribunal disciplinar territorialmente competente ser o presidente da Secção Disciplinar, a saber, a instância que deve conhecer, em segunda instância, dos recursos interpostos contra as decisões proferidas pelo referido tribunal disciplinar e cuja independência e imparcialidade não estão garantidas, conforme resulta dos n.os 80 a 113 do presente acórdão.

175

Por último, contrariamente ao que sustenta a República da Polónia, a simples circunstância de os juízes competentes para decidir de um determinado processo disciplinar serem designados por sorteio não é suscetível de afastar o risco mencionado no n.o 173 do presente acórdão, uma vez que esse sorteio é efetuado, exclusivamente, entre os membros do tribunal disciplinar designado pelo presidente da Secção Disciplinar.

176

Resulta de tudo o que precede que, na medida em que conferem ao presidente da Secção Disciplinar o poder discricionário de designar o tribunal disciplinar territorialmente competente para conhecer dos processos disciplinares instaurados contra juízes dos tribunais comuns, a saber, juízes que podem ter de interpretar e aplicar o direito da União, o artigo 110.o, n.o 3, e o artigo 114.o, n.o 7, da Lei dos Tribunais Comuns não satisfazem a exigência que decorre do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, segundo a qual esses processos devem poder ser apreciados por um tribunal «estabelecido por lei».

177

A terceira alegação deve, consequentemente, ser julgada procedente.

Quanto à quarta alegação

– Argumentos das partes

178

Com a sua quarta alegação, que contém duas partes, a Comissão alega que as disposições dos artigos 112.o‑B e 113.o‑A e do artigo 115.o‑A, n.o 3, da Lei dos Tribunais Comuns violam o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, na medida em que não garantem a apreciação dos processos disciplinares relativos aos juízes dos referidos tribunais num prazo razoável nem os direitos de defesa do juiz arguido.

179

No que respeita à primeira parte desta alegação, a Comissão entende que resulta do artigo 112.o‑B, n.o 3, da Lei dos Tribunais Comuns que o ministro da Justiça pode nomear um instrutor de processos disciplinares do Ministério da Justiça em substituição do instrutor de processos disciplinares que até então instruía o processo em causa, e isto, em qualquer fase do processo disciplinar, incluindo após a atribuição do processo ao tribunal disciplinar ou durante a apreciação de um recurso contra a decisão deste último. Por outro lado, nos termos do artigo 112.o‑B, n.o 5, desta lei, nas situações em que uma decisão de indeferimento da abertura de um processo disciplinar ou de arquivamento do processo disciplinar ou uma decisão judicial que põe termo a esse processo se tornam definitivas, nada obsta a que um instrutor de processos disciplinares do Ministério da Justiça seja novamente designado no mesmo processo, de tal forma que o referido ministro tem a possibilidade de manter permanentemente a acusação que recai sobre um juiz. O cumprimento do prazo razoável não é, assim, garantido.

180

Com a segunda parte da sua quarta alegação, a Comissão sustenta que o princípio do respeito pelos direitos de defesa é violado, por um lado, pelo artigo 113.o‑A da Lei dos Tribunais Comuns, na medida em que esta disposição prevê que a tramitação do processo perante a jurisdição disciplinar pode prosseguir sem que seja nomeado um defensor para representar um juiz que não possa intervir no processo perante essa jurisdição por motivos de saúde ou pelo facto de o defensor nomeado por esse juiz ainda não ter assumido a defesa dos seus interesses.

181

Por outro lado, o artigo 115.o‑A, n.o 3, da Lei dos Tribunais Comuns, na medida em que prevê que a jurisdição disciplinar prossegue com o processo mesmo em caso de ausência justificada do juiz arguido ou do seu defensor, viola o princípio audiatur et altera pars, que constitui um dos elementos essenciais dos direitos de defesa. A este respeito, segundo a Comissão, é irrelevante o facto de a referida disposição precisar que a prossecução do processo só ocorre se tal não for contrário à boa condução do mesmo, uma vez que esse conceito não pode ser equiparado à tomada em consideração dos interesses legítimos do juiz em causa. O mesmo se aplica à circunstância de o artigo 115.o, n.os 2 e 4, desta lei prever que, ao mesmo tempo que procede à citação para comparecer, o tribunal disciplinar convida o juiz arguido a apresentar por escrito esclarecimentos e todos os elementos de prova, uma vez que o respeito pelos direitos de defesa também exige, efetivamente, que seja dada a esse juiz a possibilidade de intervir no processo quando a admissibilidade e o valor probatório dessas provas são apreciados pelo referido tribunal.

182

Na sua contestação, a República da Polónia sustenta que, embora, com a primeira parte da alegação tal como formulada nos pedidos apresentados na petição, a Comissão ponha em causa a própria criação da função de instrutor de processos disciplinares do Ministério da Justiça e o artigo 112.o‑B da Lei dos Tribunais Comuns como um todo, a referida instituição não precisou as razões pelas quais a nomeação desse instrutor é contrária ao direito da União, limitando‑se, na realidade, a contestar o n.o 5, segundo período, do referido artigo 112.o‑B.

183

Quanto ao artigo 112.o‑B, n.o 5, segundo período, da mesma lei, a República da Polónia defende que os argumentos da Comissão não incidem sobre o conteúdo normativo desta disposição, mas apenas sobre a possibilidade de o ministro da Justiça poder, apesar de uma decisão definitiva num processo disciplinar, tentar utilizar esta disposição para manter, permanentemente, a mesma acusação contra um juiz. Ora, a Comissão limitou‑se, a este respeito, a fazer uma leitura puramente hipotética da referida disposição nacional, nunca verificada na prática e contrária ao estado do direito nacional aplicável. Com efeito, o artigo 112.o‑B, n.o 5, primeiro período, da Lei dos Tribunais Comuns prevê que o mandato do instrutor de processos disciplinares do Ministério da Justiça termina nas três hipóteses aí referidas e o termo desse mandato tem caráter definitivo, uma vez que o princípio ne bis in idem, decorrente do artigo 17.o, n.o 1, ponto 7, do Código de Processo Penal, que se aplica, mutatis mutandis, aos processos disciplinares, nos termos do artigo 128.o da Lei dos Tribunais Comuns, obsta a uma nova ação no mesmo processo.

184

Segundo a República da Polónia, não existe, aliás, nenhuma relação entre a duração do processo e o facto de o mesmo poder ser tramitado pelo instrutor de processos disciplinares ou pelo instrutor de processos disciplinares do Ministério da Justiça, uma vez que a intervenção deste último não tem nenhuma incidência sobre a marcha dos atos já praticados nem sobre os prazos processuais vinculativos que se aplicam independentemente de o processo ser tramitado por um ou por outro desses instrutores.

185

Quanto à segunda parte da quarta alegação, a República da Polónia alega que o artigo 113.o‑A da Lei dos Tribunais Comuns tem por único objetivo assegurar uma tramitação eficaz do processo disciplinar, impedindo qualquer obstrução na fase da apreciação do litígio pelo tribunal disciplinar.

186

No que respeita ao artigo 115.o‑A, n.o 3, desta lei, o requisito relativo à boa tramitação do processo disciplinar é apreciado por um tribunal independente que avalia se a instrução de todos os factos, tanto de acusação como de defesa do juiz arguido, permite ou não tramitar o processo na ausência desse juiz ou do seu defensor. De resto, o direito do juiz em causa de ser ouvido está garantido desde a fase do processo tramitado pelo instrutor de processos disciplinares ou pelo instrutor de processos disciplinares do Ministério da Justiça, como resulta do artigo 114.o da referida lei, podendo esses instrutores, em primeiro lugar, convidar esse juiz a apresentar uma declaração por escrito relativa ao objeto da apreciação, devendo, em seguida, convidar este último, aquando da notificação das acusações disciplinares, a prestar esclarecimentos por escrito e todos os elementos de prova e podendo, por último, ouvir o referido juiz para recolher as suas explicações, ou fazê‑lo a pedido deste. Por outro lado, quando o tribunal disciplinar convoca as partes para a audiência, deve, em conformidade com o artigo 115.o da mesma lei, pedir a estas que apresentem os elementos de prova e, ao juiz arguido, que preste esclarecimentos por escrito.

– Apreciação do Tribunal de Justiça

187

Conforme recordado no n.o 164 do presente acórdão, o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE exige que as normas que regem o regime disciplinar aplicável aos juízes que podem ter de interpretar e aplicar o direito da União prevejam um processo que garanta plenamente os direitos consagrados nos artigos 47.o e 48.o da Carta.

188

Importa sublinhar, antes de mais, que resulta desde já da análise e da procedência da primeira a da terceira alegações da Comissão que, contrariamente às exigências que decorrem do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, o regime disciplinar aplicável aos juízes dos tribunais comuns polacos se caracteriza, nomeadamente, pelo facto de os órgãos jurisdicionais envolvidos no processo disciplinar não satisfazerem a exigência de independência e de imparcialidade ou a exigência de serem estabelecidos por lei, bem como pela circunstância de os comportamentos constitutivos de uma infração disciplinar polaca não estarem definidos de forma suficientemente clara e precisa pela legislação polaca. A quarta alegação deve ser apreendida tendo em conta, nomeadamente, o contexto normativo em que se inscrevem, assim, as disposições nacionais que a Comissão critica com a sua quarta alegação.

189

Nos termos do artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta, toda a pessoa tem direito a que a sua causa seja julgada num prazo razoável e deve ter a possibilidade de se fazer aconselhar, defender e representar em juízo. Por seu turno, o artigo 48.o, n.o 2, da Carta enuncia que é garantido a todo o arguido o respeito dos direitos de defesa.

190

Por outro lado, como decorre do n.o 165 do presente acórdão, o Tribunal de Justiça deve assegurar que a sua interpretação do artigo 47.o, segundo parágrafo, e do artigo 48.o da Carta garanta um nível de proteção que não viole o garantido no artigo 6.o da CEDH, conforme interpretado pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.

191

No que respeita à primeira parte da quarta alegação, importa recordar que o direito que toda a pessoa tem de ver a sua causa ser julgada num prazo razoável constitui um princípio geral do direito da União, que foi consagrado no artigo 6.o, n.o 1, da CEDH e, como acaba de ser recordado, no artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta no que diz respeito ao processo judicial (v., neste sentido, Acórdão de 5 de junho de 2018, Kolev e o., C‑612/15, EU:C:2018:392, n.o 71 e jurisprudência referida).

192

Todavia, no presente caso, a Comissão não alega que o direito de ser julgado num prazo razoável foi violado num determinado caso concreto, hipótese assim abrangida, designadamente, pelo domínio do artigo 47.o da Carta, mas acusa a República da Polónia de não ter cumprido as suas obrigações decorrentes do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, com o fundamento, em substância, de que as disposições nacionais que esta instituição critica são concebidas de modo que esse direito não possa ser plenamente garantido no que diz respeito aos processos disciplinares instaurados contra juízes dos tribunais comuns polacos.

193

A este respeito, decorre, nomeadamente, do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE que, a fim de preservar a independência dos juízes que podem ter de interpretar e aplicar o direito da União e evitar qualquer risco de utilização do regime disciplinar que lhes é aplicável como sistema de controlo político do conteúdo das suas decisões judiciais, importa que as normas nacionais que regem os processos disciplinares relativos a esses juízes sejam concebidas de maneira a não impedir que a sua causa seja julgada num prazo razoável (v., por analogia, Acórdão Asociaţia «Forumul Judecătorilor din România» e o., n.o 221).

194

Há que observar desde já que, a este respeito, não é possível deduzir da argumentação desenvolvida pela Comissão em apoio da primeira parte da sua quarta alegação em que medida é que a mera circunstância, mencionada no petitum da petição, de o artigo 112.o‑B da Lei dos Tribunais Comuns, considerado no seu todo, ter «confer[ido] ao ministro da Justiça o poder de nomear um instrutor de processos disciplinares do Ministério da Justiça» leva a que seja sistematicamente ultrapassado o prazo razoável nos processos disciplinares instaurados contras os juízes dos tribunais comuns polacos e impedir, assim, que a sua causa seja julgada dentro desse prazo.

195

Em contrapartida, resulta da referida argumentação que as críticas da Comissão incidem, neste plano, mais especificamente sobre a disposição específica do artigo 112.o‑B, n.o 5, segundo período, da Lei dos Tribunais Comuns.

196

A este respeito, é forçoso constatar que decorre da própria redação do artigo 112.o‑B, n.o 5, da Lei dos Tribunais Comuns que — nas hipóteses previstas no primeiro período desta disposição em que a função do instrutor de processos disciplinares do Ministério da Justiça cessa, ou seja, nos casos em que há uma recusa de abertura de um processo disciplinar por decisão judicial definitiva ou em que é proferida uma decisão judicial definitiva que ponha termo a esse processo — tais decisões não impedem que o referido instrutor de processos disciplinares seja de novo nomeado pelo ministro da Justiça no mesmo processo.

197

Ora, essa disposição, cujos termos claros sugerem que, depois de um juiz ter sido objeto de um inquérito e de um procedimento disciplinar que tenham sido encerrados por decisão judicial definitiva, o referido juiz pode novamente ser objeto de tais inquéritos e procedimentos no contexto do mesmo processo, de tal forma que continuará permanentemente sob a potencial ameaça de inquéritos e procedimentos, apesar da pronúncia da referida decisão judicial, é, pela sua própria natureza, suscetível de impedir que a causa desse juiz possa ser julgada num prazo razoável.

198

A circunstância, avançada pela República da Polónia, de que a existência de outros princípios fundamentais, como o princípio non bis in idem, se opõe a que esses inquéritos e procedimentos sejam instaurados após a pronúncia da referida decisão judicial definitiva não invalida esta constatação.

199

Com efeito, por um lado, a circunstância de o artigo 112.o‑B, n.o 5, segundo período, da Lei dos Tribunais Comuns se poder, à luz da sua redação, sendo caso disso, revelar igualmente incompatível com outros princípios fundamentais além daquele que foi referido pela Comissão em apoio da primeira parte da sua quarta alegação não pode obstar a que, sendo caso disso, seja declarado que a República da Polónia não cumpriu as obrigações que lhe incumbem em violação deste último princípio.

200

Por outro lado, esta mesma circunstância não é suscetível de afetar a conclusão de que a mera existência de uma disposição nacional assim redigida é suscetível de gerar, relativamente aos juízes em causa, a ameaça evocada no n.o 197 do presente acórdão e de criar, desse modo, um risco de utilização do regime disciplinar enquanto sistema de controlo político do conteúdo das decisões judiciais que estes devem proferir.

201

Do mesmo modo, o facto de a Comissão não ter feito referência a nenhum caso concreto em que o artigo 112.o‑B, n.o 5, segundo período, da Lei dos Tribunais Comuns tenha sido aplicado, perante uma decisão definitiva como as previstas no primeiro período do referido artigo 112.o‑B, n.o 5, é totalmente irrelevante para efeitos de apreciação da existência do incumprimento imputado, que é relativo à própria adoção da disposição nacional contestada e à violação da independência dos juízes dos tribunais comuns polacos que dela possa resultar.

202

Decorre de tudo o que precede que, uma vez que viola a independência dos juízes dos tribunais comuns polacos ao não garantir que a sua causa em matéria de processos disciplinares seja julgada num prazo razoável, o artigo 112.o‑B, n.o 5, segundo período, da Lei dos Tribunais Comuns não preenche as exigências decorrentes do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE. Consequentemente, a primeira parte da quarta alegação deve ser julgada procedente, na medida em que tem por objeto a referida disposição nacional.

203

No que respeita à segunda parte desta mesma alegação, há que recordar, antes de mais, que o princípio fundamental da tutela jurisdicional efetiva dos direitos, reafirmado no artigo 47.o da Carta, e o conceito de «processo equitativo», referido no artigo 6.o da CEDH, são constituídos por diversos elementos, que incluem, nomeadamente, o respeito pelos direitos de defesa e o direito de se fazer aconselhar, defender e representar em juízo (v., neste sentido, Acórdãos de 26 de junho de 2007, Ordre des barreaux francophones et germanophone e o., C‑305/05, EU:C:2007:383, n.o 31, e de 26 de julho de 2017, Sacko, C‑348/16, EU:C:2017:591, n.o 32 e jurisprudência referida).

204

Do mesmo modo, o respeito pelos direitos de defesa constitui, em qualquer procedimento que possa resultar na aplicação de uma sanção, um princípio fundamental do direito da União, consagrado no artigo 48.o, n.o 2, da Carta (v., neste sentido, Acórdão de 14 de setembro de 2010, Akzo Nobel Chemicals e Akcros Chemicals/Comissão e o., C‑550/07 P, EU:C:2010:512, n.o 92 e jurisprudência referida).

205

Decorre igualmente da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o direito de ser ouvido em qualquer processo faz parte integrante do respeito pelos direitos de defesa assim consagrados nos artigos 47.o e 48.o da Carta (v., neste sentido, Acórdão de 3 de julho de 2014, Kamino International Logistics e Datema Hellmann Worldwide Logistics, C‑129/13 e C‑130/13, EU:C:2014:2041, n.o 28 e jurisprudência referida, bem como n.o 29) e que esse direito garante que qualquer pessoa tenha a possibilidade de dar a conhecer, de maneira útil e efetiva, o seu ponto de vista no decurso do referido processo (v., neste sentido, Acórdão de 26 de julho de 2017, Sacko, C‑348/16, EU:C:2017:591, n.o 34).

206

No que respeita ao direito de acesso a um advogado, o Tribunal de Justiça precisou que este devia estar, efetivamente, em condições de assegurar de forma adequada a sua missão de aconselhamento, defesa e representação do seu cliente, sob pena de este último ser privado dos direitos que lhe são conferidos pelo artigo 47.o da Carta e pelo artigo 6.o da CEDH (v., neste sentido, Acórdão de 26 de junho de 2007, Ordre des barreaux francophones et germanophone e o., C‑305/05, EU:C:2007:383, n.o 32).

207

Por último, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, os direitos fundamentais, como o respeito pelos direitos de defesa, incluindo o direito de ser ouvido, não constituem, na verdade, prerrogativas absolutas, podendo comportar restrições, na condição, todavia, de estas responderem efetivamente a objetivos de interesse geral prosseguidos pela medida em causa e não constituírem, tendo em conta o objetivo prosseguido, uma intervenção excessiva e intolerável que atente contra a própria substância dos direitos assim garantidos (Acórdão de 26 de julho de 2017, Sacko, C‑348/16, EU:C:2017:591, n.o 38 e jurisprudência referida).

208

No caso vertente, resulta, por um lado, do artigo 113.o‑A da Lei dos Tribunais Comuns, lido em conjugação com o artigo 113.o, n.os 2 e 3, desta lei, que, quando o juiz arguido não pode intervir no processo perante o tribunal disciplinar, por motivos de saúde, e o referido tribunal ou o seu presidente nomeia, a pedido desse juiz ou oficiosamente, um defensor para assumir a defesa dos interesses do referido juiz, os atos relacionados com essa nomeação e assunção da defesa não têm efeito suspensivo na tramitação do processo.

209

Por outro lado, o artigo 115.o‑A, n.o 3, da Lei dos Tribunais Comuns prevê que o processo é tramitado pelo tribunal disciplinar mesmo em caso de ausência justificada do juiz arguido ou do seu representante, a menos que isso seja contrário à boa condução do processo disciplinar.

210

É forçoso constatar, a este respeito, que tais normas processuais são suscetíveis de restringir os direitos dos juízes contra os quais são instaurados processos disciplinares, nomeadamente o direito de serem efetivamente ouvidos pela jurisdição disciplinar e o direito de beneficiarem de uma defesa eficaz perante esta. Com efeito, as referidas normas não são suscetíveis de garantir que, em caso de ausência justificada do juiz em causa ou do seu defensor no decurso do processo instaurado perante a referida jurisdição, esse juiz estará sempre em condições de dar a conhecer, de maneira útil e efetiva, o seu ponto de vista, se for o caso, através da assistência de um defensor que tenha, ele próprio, a possibilidade efetiva de assegurar a sua defesa.

211

Contrariamente ao que alega a República da Polónia, essa garantia também não decorre da circunstância de o artigo 115.o‑A, n.o 3, da Lei dos Tribunais Comuns precisar que a jurisdição disciplinar só prossegue o processo se tal não for contrário à boa condução do mesmo, nem do facto de o artigo 115.o desta lei prever que, quando procede à notificação para comparecer, o tribunal disciplinar convida o juiz arguido a prestar esclarecimentos por escrito e a apresentar todos os elementos de prova que considerar úteis.

212

Com efeito, como sublinha a Comissão na sua petição, as referidas disposições não são adequadas a garantir o respeito pelos direitos de defesa do juiz em causa no âmbito do processo que corre termos perante a jurisdição disciplinar.

213

Ora, especialmente quando se inscrevem, como no caso em apreço, no contexto de um regime disciplinar que apresente as deficiências recordadas no n.o 188 do presente acórdão, normas processuais nacionais, como as que são objeto da segunda parte da presente alegação, podem ser suscetíveis de aumentar ainda mais o risco de o regime disciplinar aplicável àqueles que têm por missão julgar ser utilizado como sistema de controlo político do conteúdo das decisões judiciais. Com efeito, os juízes em causa podem recear, se decidirem num determinado sentido nos processos que lhes são submetidos, ser objeto de um processo disciplinar que não ofereça, assim, as garantias adequadas a satisfazer as exigências de um processo equitativo e, nomeadamente, a exigência relativa ao respeito pelos direitos de defesa. As restrições aos direitos de defesa decorrentes das referidas normas processuais atentam, deste modo, contra a independência dos juízes dos tribunais comuns polacos e, assim, não preenchem as exigências que decorrem do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE.

214

Nestas condições, é também julgada procedente a segunda parte da quarta alegação e, consequentemente, a quarta alegação na íntegra.

Quanto à quinta alegação, relativa à violação do artigo 267.o, segundo e terceiro parágrafos, TFUE

– Argumentos das partes

215

A Comissão alega que, como demonstram os casos concretos de aplicação a que se referiu nos argumentos desenvolvidos em apoio da sua primeira alegação, o disposto no artigo 107.o, n.o 1, da Lei dos Tribunais Comuns e no artigo 97.o, n.os 1 e 3, da nova Lei do Supremo Tribunal pode expor um juiz a processos disciplinares relacionados com a adoção de uma decisão de submeter ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial, o que viola o artigo 267.o TFUE.

216

Com efeito, a possibilidade de serem, assim, instaurados inquéritos e processos disciplinares contra juízes dos tribunais comuns polacos pelo facto de estes terem submetido ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial põe em causa a faculdade que lhes é conferida por esta disposição do direito da União de questionar este tribunal e pode dissuadi‑los de usar essa faculdade para não se exporem ao risco de sanções disciplinares. A independência dos referidos órgãos jurisdicionais nacionais é, deste modo, prejudicada, quando esta independência é essencial ao bom funcionamento do sistema de cooperação judiciária entre os referidos órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça no âmbito do mecanismo de reenvio prejudicial.

217

Na sua contestação, a República da Polónia alega que a Comissão não teve em conta que o artigo 114.o da Lei dos Tribunais Comuns distingue claramente duas fases processuais, a saber, por um lado, o inquérito, que é aberto e conduzido para apurar a eventual existência de uma infração disciplinar e identificar o seu autor sem ser instaurado contra uma pessoa particular, e, por outro, o processo disciplinar que, por seu turno, só é iniciado se as conclusões do inquérito o justificarem. Ora, nos casos concretos referidos pela Comissão, não se trata de processos disciplinares, mas apenas de inquéritos que foram instaurados contra juízes que submeteram ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial, inquéritos esses que, de resto, foram entretanto encerrados.

218

O primeiro inquérito incidiu sobre uma suspeita de infrações disciplinares, nos termos do artigo 107.o, n.o 1, da Lei dos Tribunais Comuns que teriam sido cometidas por determinados juízes pelo facto de terem exercido uma influência ilícita sobre os presidentes das formações de julgamento que submeteram um pedido de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça. Este primeiro inquérito foi encerrado após os depoimentos de dois dos juízes visados, uma vez que estes não confirmaram ter sido objeto de pressões. Por sua vez, o segundo inquérito era referente à suspeita de que os referidos juízes teriam violado a dignidade das suas funções na sequência da adoção de decisões de reenvio prejudicial cujos fundamentos eram, em substância, idênticos, e à possibilidade de pelo menos um dos juízes mencionados ter prestado um falso depoimento ao garantir ter ele próprio redigido a sua decisão de reenvio. O referido inquérito incidiu igualmente sobre a questão de saber se a interrupção sine die de um processo penal complexo de considerável importância devido a esse reenvio prejudicial eventualmente efetuado em violação do artigo 267.o TFUE podia constituir uma infração disciplinar por parte do juiz em causa. Todavia, este segundo inquérito foi também encerrado, não tendo a apreciação dos elementos de prova, incluindo os depoimentos dos juízes em causa, permitido concluir pela existência de tais violações por parte destes.

219

Segundo a República da Polónia, tais inquéritos, desde que revistam caráter excecional e não deem necessariamente origem a um processo disciplinar, não atentam contra a independência dos juízes, porque não visam pôr em causa a validade das decisões que proferiram, mas denunciar eventuais violações manifestas e grosseiras das suas obrigações, como alegou o referido Estado‑Membro na sua resposta à primeira alegação da Comissão. O regime disciplinar posto em causa no âmbito da presente ação não teve, assim, nenhuma incidência no exercício efetivo, pelos órgãos jurisdicionais em causa, do seu poder de submeter ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial nem sobre a sua faculdade de apresentar pedidos de reenvio prejudicial no futuro.

220

Além disso, a mera circunstância de um instrutor de processos disciplinares formular acusações ou examinar um determinado caso não pode, na falta de qualquer decisão judicial que confirme essa interpretação, levar a considerar que o simples facto de submeter um pedido de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça pode constituir uma infração disciplinar. Nem a redação do artigo 107.o, n.o 1, da Lei dos Tribunais Comuns nem a interpretação adotada desta disposição, à qual a República da Polónia se referiu no âmbito da sua resposta à primeira alegação, permitem, efetivamente, implicar a responsabilidade disciplinar de um juiz por esse único motivo.

221

De acordo com os cinco Estados‑Membros que intervieram em apoio dos pedidos da Comissão, resulta claramente tanto do modo como é interpretado e aplicado o artigo 107.o, n.o 1, da Lei dos Tribunais Comuns como das circunstâncias levadas ao conhecimento do Tribunal de Justiça pelos órgãos jurisdicionais de reenvio no contexto dos processos que deram origem ao Acórdão de 26 de março de 2020, Miasto Łowicz e Prokurator Generalny (C‑558/18 e C‑563/18,EU:C:2020:234), e dos ensinamentos decorrentes deste mesmo acórdão que a República da Polónia violou o artigo 267.o TFUE. Pouco importa, a este respeito, que os inquéritos em causa tenham sido encerrados sem que os juízes visados tenham sido objeto de processos judiciais, uma vez que basta o efeito dissuasivo que resulta do risco de ser sujeito a tal processo para poder afetar a decisão dos juízes quanto à necessidade de submeter um pedido de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça num determinado processo.

– Apreciação do Tribunal de Justiça

222

Importa recordar, desde já, que a pedra angular do sistema jurisdicional concebido pelos Tratados é constituída pelo processo de reenvio prejudicial previsto no artigo 267.o TFUE, que, ao instituir um diálogo de juiz para juiz entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros, tem por objetivo assegurar a unidade de interpretação do direito da União, permitindo assim assegurar a sua coerência, o seu pleno efeito e a sua autonomia, bem como, em última instância, o caráter específico do direito instituído pelos Tratados (Parecer 2/13, de 18 de dezembro de 2014, EU:C:2014:2454, n.o 176 e jurisprudência referida, e Acórdão A. B. e o., n.o 90 e jurisprudência referida).

223

Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o artigo 267.o TFUE confere aos órgãos jurisdicionais nacionais uma faculdade muito ampla de recorrer ao Tribunal, se considerarem que um processo neles pendente suscita questões que exigem a interpretação ou a apreciação da validade das disposições do direito da União necessárias para a resolução do litígio que lhes foi submetido (Acórdãos de 5 de outubro de 2010, Elchinov, C‑173/09, EU:C:2010:581, n.o 26, e A. B. e o., n.o 91 e jurisprudência referida).

224

Por outro lado, em relação a órgãos jurisdicionais cujas decisões não são suscetíveis de recurso previsto no direito interno na aceção do artigo 267.o, terceiro parágrafo, TFUE, essa faculdade transforma‑se mesmo, sob reserva das exceções reconhecidas pela jurisprudência do Tribunal de Justiça, numa obrigação de submeter um pedido de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça (Acórdão A. B. e o., n.o 92 e jurisprudência referida).

225

É igualmente jurisprudência constante que uma regra de direito nacional não pode impedir um órgão jurisdicional nacional de fazer uso da referida faculdade ou de dar cumprimento à referida obrigação, que são, com efeito, inerentes ao sistema de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça, instituído pelo artigo 267.o TFUE, e às funções de juiz encarregado da aplicação do direito da União confiadas por esta disposição aos órgãos jurisdicionais nacionais (Acórdão A. B. e o., n.o 93 e jurisprudência referida).

226

Além disso, uma regra de direito nacional que possa ter por consequência, nomeadamente, que o juiz nacional se prefira abster de submeter questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça põe em causa as prerrogativas reconhecidas aos órgãos jurisdicionais nacionais pelo artigo 267.o TFUE e, por conseguinte, a eficácia desse sistema de cooperação (v., neste sentido, Acórdão A. B. e o., n.o 94 e jurisprudência referida).

227

Assim, disposições nacionais das quais decorra que os juízes nacionais podem ser alvo de processos disciplinares pelo facto de terem submetido um reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça são inaceitáveis. Com efeito, a simples perspetiva de se poder eventualmente ser alvo de um processo disciplinar pelo facto de se ter procedido a um reenvio dessa natureza ou de se ter decidido mantê‑lo após a sua apresentação pode afetar o exercício efetivo, pelos juízes nacionais em causa, da faculdade e das funções visadas no n.o 225 do presente acórdão (Acórdão de 26 de março de 2020, Miasto Łowicz e Prokurator Generalny, C‑558/18 e C‑563/18, EU:C:2020:234, n.o 58).

228

O facto de esses juízes não estarem expostos a processos ou a sanções disciplinares por terem exercido a faculdade de submeter ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial, que é da sua competência exclusiva, constitui, de resto, uma garantia inerente à sua independência, sendo esta última, particularmente, essencial ao bom funcionamento do sistema de cooperação judiciária que o mecanismo do reenvio prejudicial previsto no artigo 267.o TFUE representa (Acórdão de 26 de março de 2020, Miasto Łowicz e Prokurator Generalny, C‑558/18 e C‑563/18, EU:C:2020:234, n.o 59 e jurisprudência referida).

229

No caso vertente, importa recordar que já resulta da análise que levou o Tribunal de Justiça a julgar procedente a primeira alegação formulada pela Comissão que as definições de infração disciplinar constantes do disposto no artigo 107.o, n.o 1, da Lei dos Tribunais Comuns e no artigo 97.o, n.os 1 e 3, da nova Lei do Supremo Tribunal não satisfazem as exigências decorrentes do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, uma vez que acarretam o risco de o regime disciplinar em causa ser utilizado para exercer pressões e criar um efeito dissuasivo sobre os juízes dos tribunais comuns polacos, suscetíveis de influenciar o conteúdo das decisões judiciais que devem proferir.

230

Ora, esse risco também existe nas decisões em que um órgão jurisdicional nacional opta por exercer a faculdade garantida pelo artigo 267.o TFUE de submeter ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial ou, sendo caso disso, cumpre a sua obrigação de apresentar um pedido de reenvio prejudicial por força desta mesma disposição.

231

Com efeito, como comprovam os exemplos realçados pela Comissão e referidos, designadamente, nos n.os 117, 118 e 125 do presente acórdão, a prática iniciada pelo instrutor de processos disciplinares confirma que esse risco se materializou, desde já, pela instauração de inquéritos respeitantes a decisões através das quais os tribunais comuns polacos apresentaram pedidos de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça, inquéritos que incluíam, nomeadamente, a inquirição dos juízes em causa e o envio a estes de questionários quanto à questão de saber se os pedidos de reenvio prejudicial apresentados eram suscetíveis de dar origem a infrações disciplinares.

232

Além disso, é forçoso constatar que, na sua contestação, a República da Polónia se limitou a minimizar o alcance dessas práticas, alegando, nomeadamente, que os referidos inquéritos não eram da iniciativa das próprias jurisdições disciplinares, mas de instrutores de processos disciplinares, que a fase de inquérito devia ser distinta da fase relativa aos processos disciplinares propriamente ditos, que esses mesmos inquéritos tinham entretanto sido encerrados e que, além disso, eram referentes às circunstâncias em torno da adoção das decisões de reenvio em questão e à conduta dos juízes em causa nessa ocasião, mais do que a essas próprias decisões.

233

Ora, importa recordar, a este respeito, por um lado, que o estrito cumprimento das obrigações decorrentes, para um Estado‑Membro, das disposições do artigo 267.o TFUE se impõe a todas as autoridades do Estado e, portanto, designadamente, a um órgão que, à semelhança do instrutor de processos disciplinares, está incumbido de instruir, sendo caso disso sob a autoridade do ministro da Justiça, os processos disciplinares suscetíveis de serem instaurados contra juízes. Por outro lado, conforme alegado tanto pela Comissão como pelos Estados‑Membros que intervêm em apoio dos pedidos da referida instituição, a simples circunstância de o instrutor de processos disciplinares realizar inquéritos nas condições recordadas no n.o 231 do presente acórdão basta para concretizar o risco de pressões e do efeito dissuasivo mencionado no n.o 229 desse mesmo acórdão e atentar contra a independência dos juízes que deles são objeto.

234

Daqui resulta que a quinta alegação, relativa ao incumprimento pela República da Polónia das suas obrigações decorrentes do artigo 267.o, segundo e terceiro parágrafos, TFUE, ao permitir que o direito de os órgãos jurisdicionais submeterem ao Tribunal de Justiça pedidos de decisão prejudicial seja limitado pela possibilidade de instauração de um processo disciplinar, deve ser julgada procedente.

235

Atendendo a todas as considerações precedentes, há que declarar que:

ao não garantir a independência e a imparcialidade da Secção Disciplinar, à qual incumbe a fiscalização das decisões proferidas nos processos disciplinares instaurados contra juízes (artigos 3.o, ponto 5, 27.o e 73.o, n.o 1, da nova Lei do Supremo Tribunal, lidos em conjugação com o artigo 9.o‑A da Lei sobre o KRS);

ao permitir que o conteúdo das decisões judiciais possa ser qualificado de uma infração disciplinar praticada por um juiz dos tribunais comuns (artigo 107.o, n.o 1, da Lei dos Tribunais Comuns e artigo 97.o, n.os 1 e 3, da nova Lei do Supremo Tribunal);

ao conferir ao presidente da Secção Disciplinar o poder discricionário de designar o tribunal disciplinar competente em primeira instância nos processos relativos aos juízes dos tribunais de direito comum (artigo 110.o, n.o 3, e artigo 114.o, n.o 7, da Lei dos Tribunais Comuns), e, portanto, ao não garantir que os processos disciplinares sejam decididos por um tribunal «estabelecido por lei», e

ao não garantir que os processos disciplinares instaurados contra juízes dos tribunais comuns sejam decididos num prazo razoável (artigo 112.o‑B, n.o 5, segundo período, desta lei), e ao prever que os atos relacionados com a nomeação de um defensor e com a assunção da defesa por este não têm efeito suspensivo sobre a tramitação do processo disciplinar (artigo 113.o‑A da referida lei), e que o tribunal disciplinar tramita o processo apesar da ausência justificada do juiz arguido, citado, ou do seu defensor (artigo 115.o‑A, n.o 3, da mesma lei), e, portanto, ao não garantir o respeito pelos direitos de defesa dos juízes dos tribunais comuns que são arguidos em processos disciplinares,

a República da Polónia não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE,

e que:

ao permitir que o direito de os órgãos jurisdicionais submeterem pedidos de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça da União Europeia seja restrito mediante a possibilidade de abertura de um processo disciplinar, a República da Polónia não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 267.o, segundo e terceiro parágrafos, TFUE.

Quanto às despesas

236

Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação da República da Polónia nas despesas e tendo esta sido vencida, há que condená‑la nas despesas, incluindo nas despesas do processo de medidas provisórias.

237

Em conformidade com o artigo 140.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, o Reino da Bélgica, o Reino da Dinamarca, o Reino dos Países Baixos, a República da Finlândia e o Reino da Suécia suportarão as suas próprias despesas.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) decide:

 

1)

— Ao não garantir a independência e a imparcialidade da Izba Dyscyplinarna (Secção Disciplinar) do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal, Polónia), à qual incumbe a fiscalização das decisões proferidas nos processos disciplinares instaurados contra juízes [artigo 3.o, ponto 5, artigo 27.o e artigo 73.o, n.o 1, da ustawa o Sądzie Najwyższym (Lei do Supremo Tribunal), de 8 de dezembro de 2017, na sua versão consolidada tal como publicada no Dziennik Ustaw Rzeczypospolitej Polskiej de 2019 (posição 825), lidos em conjugação com o artigo 9.o‑A da ustawa o Krajowej Radzie Sądownictwa (Lei do Conselho Nacional da Magistratura), de 12 de maio de 2011, conforme alterada pela ustawa o zmianie ustawy o Krajowej Radzie Sądownictwa oraz niektórych innych ustaw (Lei Que Altera a Lei do Conselho Nacional da Magistratura e algumas outras leis), de 8 de dezembro de 2017];

— ao permitir que o conteúdo das decisões judiciais possa ser qualificado de uma infração disciplinar praticada por um juiz dos tribunais comuns [artigo 107.o, n.o 1, da ustawa — Prawo o ustroju sądów powszechnych (Lei da Organização dos Tribunais Comuns), de 27 de julho de 2001, na sua versão resultante das sucessivas alterações publicadas no Dziennik Ustaw Rzeczypospolitej Polskiej de 2019 (posições 52, 55, 60, 125, 1469 e 1495), e artigo 97.o, n.os 1 e 3, da Lei do Supremo Tribunal, na sua versão consolidada tal como publicada no Dziennik Ustaw Rzeczypospolitej Polskiej de 2019 (posição 825)];

— ao conferir ao presidente da Izba Dyscyplinarna (Secção Disciplinar) do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) o poder discricionário de designar o tribunal disciplinar competente em primeira instância nos processos relativos aos juízes dos tribunais de direito comum [artigo 110.o, n.o 3, e artigo 114.o, n.o 7, da Lei da Organização dos Tribunais Comuns, na sua versão resultante das alterações sucessivas publicadas no Dziennik Ustaw Rzeczypospolitej Polskiej de 2019 (posições 52, 55, 60, 125, 1469 e 1495)] e, portanto, ao não garantir que os processos disciplinares sejam decididos por um tribunal «estabelecido por lei», e

— ao não garantir que os processos disciplinares instaurados contra juízes dos tribunais comuns sejam decididos num prazo razoável (artigo 112.o‑B, n.o 5, segundo período, desta lei), e ao prever que os atos relacionados com a nomeação de um defensor e com a assunção da defesa por este não têm efeito suspensivo sobre a tramitação do processo disciplinar (artigo 113.o‑A da referida lei), e que o tribunal disciplinar tramita o processo apesar da ausência justificada do juiz arguido, citado, ou do seu defensor (artigo 115.o‑A, n.o 3, da mesma lei), e, portanto, ao não garantir o respeito pelos direitos de defesa dos juízes dos tribunais comuns que são arguidos em processos disciplinares,

a República da Polónia não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE.

 

2)

Ao permitir que o direito de os órgãos jurisdicionais submeterem pedidos de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça da União Europeia seja restrito mediante a possibilidade de abertura de um processo disciplinar, a República da Polónia não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 267.o, segundo e terceiro parágrafos, TFUE.

 

3)

A República da Polónia é condenada a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela Comissão Europeia, incluindo as despesas relativas ao processo de medidas provisórias.

 

4)

O Reino da Bélgica, o Reino da Dinamarca, o Reino dos Países Baixos, a República da Finlândia e o Reino da Suécia suportam as suas próprias despesas.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: polaco.