ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

28 de outubro de 2021 ( *1 )

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Ação de indemnização — Responsabilidade extracontratual — Instrumento de Assistência de Pré‑Adesão — Gestão descentralizada — Inquérito do Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) — Inspeção no local — Regulamento (Euratom, CE) n.o 2185/96 — Artigo 7.o — Acesso a dados informáticos — Operações forenses digitais — Princípio da proteção da confiança legítima — Direito de ser ouvido — Prejuízo moral»

No processo C‑650/19 P,

que tem por objeto um recurso de um acórdão do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 3 de setembro de 2019,

Vialto Consulting Kft., com sede em Budapeste (Hungria), representada por D. Sigalas e S. Paliou, dikigoroi,

recorrente,

sendo a outra parte no processo:

Comissão Europeia, representada por D. Triantafyllou, J. Baquero Cruz e A. Katsimerou, na qualidade de agentes,

demandada em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente do Tribunal de Justiça, exercendo funções de presidente da Primeira Secção, L. Bay Larsen (relator), vice‑presidente do Tribunal de Justiça, e J.‑C. Bonichot, juiz,

advogado‑geral: G. Hogan,

secretário: R. Schiano, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 10 de fevereiro de 2021,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 15 de abril de 2021,

profere o presente

Acórdão

1

Com o seu recurso, a Vialto Consulting Kft. (a seguir «Vialto») pede a anulação do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 26 de junho de 2019, Vialto Consulting/Comissão (T‑617/17, não publicado, a seguir acórdão recorrido, EU:T:2019:446), pelo qual este julgou improcedente a sua ação destinada a obter a reparação do prejuízo alegadamente sofrido em razão de comportamentos, em seu entender, ilegais da Comissão Europeia e do Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF), relacionados com a sua exclusão do contrato de prestação de serviços com a referência TR2010/0311.01‑02/001 (a seguir «contrato em causa»).

Quadro jurídico

Regulamento (Euratom, CE) n.o 2185/96

2

O artigo 4.o do Regulamento (Euratom, CE) n.o 2185/96 do Conselho, de 11 de novembro de 1996, relativo às inspeções e verificações no local efetuadas pela Comissão para proteger os interesses financeiros das Comunidades Europeias contra a fraude e outras irregularidades (JO 1996, L 292, p. 2), estabelece:

«As inspeções e verificações no local serão preparadas e orientadas pela Comissão em estreita colaboração com as autoridades competentes do Estado‑Membro em questão, que serão informadas em tempo útil do objetivo, da finalidade e da base jurídica das inspeções e verificações, de forma a prestarem toda a ajuda necessária. Para o efeito, os agentes do Estado‑Membro interessado podem participar nas inspeções e verificações no local.

Além disso, se o Estado‑Membro interessado o desejar, tais inspeções e verificações no local podem ser efetuadas conjuntamente pela Comissão e pelas autoridades competentes desse Estado‑Membro.»

3

O artigo 7.o deste regulamento dispõe:

«1.   Os inspetores da Comissão terão acesso, nas mesmas condições que os inspetores administrativos nacionais e no respeito das legislações nacionais, a todas as informações e documentação relativas às operações a analisar, que se revelem necessárias para o bom desenrolar das inspeções e verificações no local. Podem utilizar os mesmos meios materiais de inspeção que os inspetores administrativos nacionais, designadamente fazer cópias dos documentos adequados.

As inspeções e verificações no local podem, nomeadamente, incidir em:

[…]

dados informáticos,

[…]

2.   Se necessário, caberá aos Estados‑Membros, a pedido da Comissão, tomar as medidas cautelares adequadas previstas pela legislação nacional, nomeadamente para efeitos de salvaguardar os elementos de prova.»

4

O artigo 9.o do referido regulamento tem a seguinte redação:

«Sempre que os operadores económicos a que se refere o artigo 5.o se oponham a um controlo ou a uma verificação no local, o Estado‑Membro interessado prestará aos inspetores da Comissão, de acordo com as disposições nacionais, a assistência necessária para lhes permitir desempenhar as suas funções de inspeção e de verificação no local.

Compete aos Estados‑Membros tomar, se necessário, e na observância do direito nacional, as medidas necessárias.»

Decisão 1999/352/CE, CECA, Euratom

5

O artigo 2.o, n.o 1, da Decisão 1999/352/CE, CECA, Euratom da Comissão, de 28 de abril de 1999, que institui o Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) (JO 1999, L 136, p. 20), prevê, no seu primeiro parágrafo:

«O Organismo exerce as competências da Comissão em matéria de inquéritos administrativos externos com o fim de reforçar a luta contra a fraude, contra a corrupção e contra quaisquer outras atividades ilegais lesivas dos interesses financeiros das Comunidades, bem como para efeitos da luta antifraude respeitante a qualquer outro facto ou atividade de operadores em violação de disposições comunitárias.»

Regulamento (CE) n.o 718/2007

6

O considerando 1 do Regulamento (CE) n.o 718/2007 da Comissão, de 12 de junho de 2007, que dá aplicação ao Regulamento (CE) n.o 1085/2006 do Conselho que institui um Instrumento de Assistência de Pré‑Adesão (IPA) (JO 2007, L 170, p. 1), estabelece:

«O objetivo do Regulamento (CE) n.o 1085/2006 (a seguir designado “Regulamento IPA”) consiste em prestar assistência de pré‑adesão aos países beneficiários, apoiando‑os na sua transição do anexo II para o anexo I do referido regulamento, até a adesão destes países à União Europeia.»

7

O artigo 10.o, n.o 1, do Regulamento n.o 718/2007 dispõe:

«Salvo disposição em contrário nos n.os 2, 3 ou 4, a assistência concedida no âmbito do Regulamento IPA será levada a efeito através da gestão descentralizada, mediante a qual a Comissão delega a gestão de determinadas ações no país beneficiário, conservando a responsabilidade final pela execução do orçamento geral, em conformidade com o disposto no artigo 53.o‑C do Regulamento (CE, Euratom) n.o 1605/2002 [do Conselho, de 25 de junho de 2002, que institui o Regulamento Financeiro aplicável ao orçamento geral das Comunidades Europeias (JO 2002, L 248, p. 1),] e com as disposições pertinentes dos Tratados CE.

Para efeitos da concessão de assistência no âmbito do Regulamento IPA, a gestão descentralizada deve abranger, pelo menos, a organização dos procedimentos de contratos públicos, a sua adjudicação e os pagamentos.

[…]»

8

O artigo 21.o, n.o 1, deste regulamento tem a seguinte redação:

«O país beneficiário deve designar os seguintes organismos e autoridades:

[…]

f)

Uma estrutura operacional por componente ou programa IPA;

[…]»

9

O artigo 28.o do referido regulamento prevê:

«1.   Para cada componente ou programa IPA, será criada uma estrutura operacional encarregada da gestão e da execução da assistência concedida no âmbito do Regulamento IPA.

A estrutura operacional deve ser um organismo ou conjunto de organismos pertencentes à administração pública do país beneficiário.

2.   A estrutura operacional será responsável pela gestão e execução do programa ou programas em causa, de acordo com o princípio da boa gestão financeira. Para o efeito, desempenha, nomeadamente, as seguintes funções:

[…]

f)

Organiza os procedimentos de contratos públicos, a respetiva adjudicação e a celebração dos respetivos contratos e efetua os pagamentos aos beneficiários finais ou procede à sua eventual recuperação;

[…]»

Regulamento (UE, Euratom) n.o 883/2013

10

Nos termos do artigo 3.o do Regulamento (UE, Euratom) n.o 883/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de setembro de 2013, relativo aos inquéritos efetuados pelo Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1073/1999 do Parlamento Europeu e do Conselho e o Regulamento (Euratom) n.o 1074/1999 do Conselho (JO 2013, L 248, p. 1):

«1.   O Organismo exerce o poder conferido à Comissão pelo Regulamento (Euratom, CE) n.o 2185/96 para efetuar inspeções e verificações locais nos Estados‑Membros e, nos termos dos acordos de cooperação e assistência mútua e de outros instrumentos jurídicos em vigor, em países terceiros e nas instalações de organizações internacionais.

[…]

2.   A fim de comprovar a existência de fraude, corrupção ou quaisquer outras atividades ilegais lesivas dos interesses financeiros da União, em ligação com um acordo ou decisão de subvenção ou com um contrato relativo a um financiamento da União, o Organismo pode realizar, de acordo com as disposições e os procedimentos previstos no Regulamento (Euratom, CE) n.o 2185/96, inspeções e verificações nas instalações dos operadores económicos.

[…]»

11

O artigo 11.o deste regulamento dispõe:

«1.   No termo de qualquer inquérito realizado pelo Organismo, é elaborado um relatório, sob a autoridade do Diretor‑Geral. O relatório indica a base jurídica do inquérito e descreve as etapas processuais, os factos comprovados e a sua qualificação jurídica preliminar, o impacto financeiro estimado dos factos comprovados, o respeito das garantias processuais nos termos do artigo 9.o e as conclusões do inquérito.

O relatório é acompanhado de recomendações do Diretor‑Geral sobre se lhe deve ou não ser dado seguimento. As referidas recomendações indicam, se for caso disso, as medidas disciplinares, administrativas, financeiras e/ou judiciais a tomar pelas instituições, órgãos, organismos e agências e pelas autoridades competentes dos Estados‑Membros em causa, e especificam, em particular, os montantes estimados a recuperar e a qualificação jurídica preliminar dos factos comprovados.

[…]

3.   Os relatórios e recomendações elaborados na sequência de um inquérito externo e os documentos relevantes a eles referentes são transmitidos às autoridades competentes dos Estados‑Membros em causa, de acordo com as regras relativas aos inquéritos externos, e, se necessário, aos serviços competentes da Comissão.

[…]»

Orientações do OLAF dirigidas ao seu pessoal sobre as operações forenses digitais

12

O artigo 4.o, n.os 3 e 4, das Orientações do OLAF dirigidas ao seu pessoal sobre as operações forenses digitais, de 15 de fevereiro de 2016 (a seguir «Orientações do OLAF»), dispõe:

«3.   No início da operação forense digital, o DES (perito em prova digital do pessoal do OLAF) deve: 1) documentar e tirar fotografias de todos os suportes digitais objeto da operação forense, bem como do espaço físico envolvente e da sua disposição; 2) proceder ao inventário dos suportes digitais. O inventário deverá ser incluído no “Relatório sobre as operações forenses digitais”, e as fotografias anexadas ao mesmo.

4.   Em geral, o DES deve proceder a uma aquisição forense digital completa dos dispositivos referidos no n.o 4.3. Se possível, o DES e o inspetor devem pré‑visualizar, em conjunto, estes dispositivos para determinar se são suscetíveis de conter dados potencialmente relevantes para o inquérito e se uma aquisição forense parcial será adequada. Em caso afirmativo, o DES pode, em alternativa, proceder a uma aquisição forense parcial dos dados. Durante a aquisição da cópia forense digital, deve registar‑se uma breve descrição do conteúdo e o número de referência do processo atribuído pelo DES.»

13

O artigo 8.o, n.os 2 e 4, das Orientações do OLAF prevê:

«2.   O DES deve transferir a cópia forense digital para o servidor de ficheiros forenses no laboratório forense. O ficheiro assim transferido torna‑se o ficheiro de análise forense. O DES deverá informar o inspetor logo que o ficheiro de análise forense esteja pronto.

[…]

4.   Quando o ficheiro de análise forense estiver disponível, o inspetor deve apresentar pedidos por escrito através do Módulo de Pedido de Informação do SGC para indexar o ficheiro de análise forense e, se adequado, obter a assistência do DES ou de um analista operacional para identificar os dados relevantes para o inquérito. Este último pedido deve descrever o objetivo da pesquisa e qual o tipo de provas e/ou elementos de prova procurados pelo inspetor. Em resposta ao pedido escrito do inspetor e em conjunto com este, o DES deve extrair do ficheiro de análise forense digital os dados que correspondam aos critérios de pesquisa para acesso só de leitura pelo inspetor.»

Antecedentes do litígio

14

Os antecedentes do litígio estão expostos nos n.os 1 a 23 do acórdão recorrido e podem, para efeitos do presente processo, ser resumidos da seguinte forma.

15

A Vialto é uma sociedade de direito húngaro que presta serviços de consultadoria a empresas e entidades pertencentes aos setores privado e público.

16

Em 22 de abril de 2011, a Comissão celebrou um acordo de financiamento com a República da Turquia no âmbito do regime de gestão descentralizada com controlo ex ante, que se inscrevia no quadro do programa nacional a favor da República da Turquia a título da componente «Assistência à transição e [ao] desenvolvimento institucional» do Instrumento de Assistência de Pré‑Adesão (IPA). A estrutura operacional nomeada, na aceção do artigo 21.o do Regulamento n.o 718/2007, foi a Unidade central de financiamentos e concursos (a seguir «CFCU»), um organismo da Administração turca.

17

Em 17 de dezembro de 2013, foi publicado no Suplemento do Jornal Oficial da União Europeia (JO 2013/S 244‑423607), com a referência EuropeAid/132338/D/SER/TR, um anúncio para que um contrato fosse adjudicado através de um procedimento limitado para o fornecimento de serviços de controlo da qualidade externos no âmbito do projeto TR2010/0311.01 «Digitization of Land Parcel Identification System» (Digitalização do Sistema de Identificação das Parcelas Agrícolas) (a seguir «projeto em causa»). A entidade adjudicante designada no concurso era a CFCU.

18

Em 19 de setembro de 2014, o contrato correspondente ao referido concurso foi adjudicado a um consórcio coordenado pela Agrotec SpA (a seguir «consórcio») composto por cinco participantes, entre os quais a Vialto. O consórcio assinou o contrato em causa com a CFCU.

19

Na sequência da abertura de um inquérito por suspeitas de atos de corrupção ou de fraude cometidos no âmbito do projeto em causa, o OLAF decidiu proceder a inspeções e verificações nas instalações da Vialto (a seguir «inspeção no local»).

20

Em 7 de abril de 2016, o OLAF emitiu dois mandatos designando os agentes encarregados de efetuar a inspeção no local e uma operação forense digital. Nos termos destes mandatos, o objetivo da inspeção no local consistia em recolher os elementos de prova detidos pela Vialto sobre a sua eventual participação nos atos de corrupção e de fraude alegadamente cometidos no âmbito do projeto em causa. O objetivo da operação forense digital consistia em obter, nomeadamente, a cópia forense de todos os dispositivos digitais da Vialto utilizados para a gestão do projeto em causa, a correspondência de correio eletrónico entre a direção e os funcionários da Vialto, as caixas funcionais de correio eletrónico utilizadas para a execução do projeto em causa, bem como ficheiros ou pastas que figuram na rede da Vialto que poderiam ser pertinentes para efeitos do inquérito.

21

A inspeção no local e a operação forense digital foram realizadas de 12 a 14 de abril de 2016. O OLAF elaborou um relatório de cada dia de inspeção. No relatório de 14 de abril de 2016, assinalou‑se que a Vialto recusou fornecer ao OLAF certas informações. Um representante da Vialto assinou cada um dos relatórios, formulando, quando necessário, comentários.

22

Por carta de 6 de maio de 2016, a Vialto apresentou ao OLAF uma queixa em que contesta ou comenta certas informações constantes desses relatórios. O OLAF respondeu à sua queixa por carta de 8 de julho de 2016.

23

Por carta de 14 de setembro de 2016, o OLAF informou a Vialto de que era considerada uma pessoa visada pelo inquérito relativo às suspeitas de corrupção ou de fraude no que diz respeito ao projeto em causa e convidou‑a a apresentar as suas observações no prazo de dez dias.

24

Por carta de 23 de setembro de 2016, a Vialto apresentou ao OLAF as suas observações e afirmou ter agido em conformidade com as regras aplicáveis e respeitando todas as condições para o acesso legítimo do OLAF aos seus dados.

25

Por carta de 29 de setembro de 2016, a CFCU informou a Agrotec da realização da inspeção nas instalações da Vialto e do facto de esta não ter concordado em conceder ao OLAF acesso a certas informações solicitadas por este para levar a cabo o seu inquérito. A CFCU acrescentou que o OLAF considerou que, pela sua conduta, a Vialto tinha violado o artigo 25.o das condições gerais aplicáveis ao contrato em causa (a seguir «condições gerais») relativo às verificações, às inspeções e às auditorias pelas instâncias da União Europeia. Precisou igualmente que o OLAF examinou a situação com os serviços competentes da Comissão. Considerando que, segundo as condições gerais, a Agrotec era o seu único interlocutor para todas as questões contratuais e financeiras, a CFCU informou esta sociedade que suspendia preventivamente o pagamento das faturas apresentadas pela mesma, pelo menos até ao encerramento do inquérito do OLAF.

26

Por carta de 13 de outubro de 2016, a Direção‑Geral (DG) «Política Europeia de vizinhança e negociações para o alargamento» da Comissão (a seguir «DG “Alargamento”») informou a CFCU da recusa da Vialto, contrária ao artigo 25.o das condições gerais, em cooperar no inquérito realizado pelo OLAF e convidou‑a a tomar as medidas necessárias em aplicação destas condições gerais e, a este respeito, considerar como uma das medidas possíveis a suspensão da execução do contrato em causa ou a parte do referido contrato executada pela Vialto, com base nos artigos 25.o e 35.o das condições gerais. Acrescentou que considerou que os montantes pagos à Vialto ao abrigo do contrato em causa não eram elegíveis para o financiamento pelo orçamento da União e solicitou à CFCU que determinasse com precisão estes montantes.

27

Por carta de 9 de novembro de 2016, o OLAF informou a Vialto do encerramento do seu inquérito, da transmissão do seu relatório final de inquérito à DG «Alargamento» e das recomendações que tinha feito a esta DG para adotar medidas adequadas a fim de garantir a aplicação dos procedimentos e sanções decorrentes da violação grave, pela Vialto, das condições gerais.

28

Por carta de 11 de novembro de 2016, a CFCU informou a Agrotec do encerramento do inquérito do OLAF e da conclusão deste último de que a Vialto violou o artigo 25.o das condições gerais. A CFCU informou igualmente a Agrotec da sua decisão de excluir a Vialto do contrato em causa, em todos os aspetos, e prosseguir com a execução do referido contrato, em vez de seguir a recomendação da DG «Alargamento» de suspender a sua execução. Por conseguinte, a CFCU pediu à Agrotec que pusesse termo de imediato às atividades da Vialto e efetuasse as diligências necessárias para a excluir do consórcio, nomeadamente, redigindo uma adenda ao contrato em causa.

29

Por carta de 5 de dezembro de 2016 dirigida à CFCU, a Vialto contestou a sua exclusão do contrato em causa. A CFCU rejeitou os seus argumentos por carta de 10 de janeiro de 2017.

30

Em 13 de dezembro de 2016, a CFCU e a Agrotec assinaram uma adenda ao contrato em causa com o objetivo de retirar a Vialto da lista de membros do consórcio e de extrair daí consequências, particularmente, no plano financeiro.

Tramitação processual no Tribunal Geral e acórdão recorrido

31

Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 7 de setembro de 2017, a Vialto intentou uma ação destinada a obter a condenação da Comissão no pagamento de uma indemnização de 320944,56 euros e de 150000 euros, acrescidos de juros, como reparação, respetivamente, dos danos materiais e dos danos morais que alegou ter sofrido com a conduta supostamente ilícita da Comissão e do OLAF, no contexto da sua exclusão do contrato em causa.

32

Em apoio desta petição, a Vialto invocou dois fundamentos relativos à ilicitude da conduta imputada ao OLAF, alegando, em primeiro lugar, uma violação do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2185/96 e, em segundo lugar, uma violação do direito a uma boa administração, do princípio da não discriminação, do princípio da proporcionalidade e do princípio da proteção da confiança legítima. A Vialto apresentou ainda uma queixa relativa à ilicitude da conduta da Comissão, alegando a violação do direito de ser ouvido.

33

Durante a audiência no Tribunal Geral, a Vialto renunciou à indemnização por dados materiais alegados e reduziu o montante pedido como indemnização por danos morais alegadamente sofridos para 25000 euros, acrescido de juros.

34

Através do acórdão recorrido, o Tribunal Geral, tendo considerado que a Comissão tinha contestado indevidamente a sua competência e, com este fundamento, a admissibilidade da ação, julgou improcedentes todas as alegações formuladas pela Vialto contra o OLAF e a Comissão.

35

O Tribunal Geral declarou, antes de mais, nos n.os 69 a 73 do acórdão recorrido, que os dados a que os agentes do OLAF solicitaram acesso no presente caso podiam ser considerados pertinentes para o inquérito efetuado pelo OLAF e que a realização de uma cópia forense digital é abrangida pelo âmbito das competências conferidas à Comissão por força do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2185/96. Daí deduziu, nos n.os 74 e 80 do acórdão recorrido, que, ao solicitar à Vialto o acesso a estes dados para análise, os agentes do OLAF não cometeram uma violação desta disposição.

36

Em seguida, julgou improcedentes os argumentos apresentados pela Vialto relativamente à violação, pelo OLAF, do direito a uma boa administração, do princípio da não discriminação, do princípio da proporcionalidade e do princípio da proteção da confiança legítima. No que diz respeito a este último princípio, após ter recordado, no n.o 114 do acórdão recorrido, os requisitos que devem estar preenchidos para que uma pessoa o possa invocar, o Tribunal Geral constatou, nos n.os 116 e 117 desse acórdão, que, no presente caso, foi na sequência da recusa da Vialto em atender às solicitações lícitas com vista à recolha de dados por parte dos agentes do OLAF que estes últimos concordaram com a derrogação do procedimento estabelecido nas Orientações do OLAF no que se refere ao local onde os dados foram obtidos e processados e ao suporte utilizado para esse efeito. O Tribunal Geral deduziu daí, no n.o 118 do referido acórdão, que a Vialto não podia invocar em seu benefício uma violação suficientemente caracterizada do princípio da proteção da confiança legítima que tinha depositado na aplicação de uma prática derrogatória a seu favor, apesar da sua recusa em aceder aos pedidos formulados pelos agentes do OLAF em conformidade com o artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2185/96.

37

Por último, o Tribunal Geral negou provimento à alegação da Vialto relativa à violação pela Comissão do seu direito de ser ouvida, constatando, primeiro, no n.o 121 do acórdão recorrido, que a Vialto apresentara as suas observações quanto à inspeção no local, por cartas endereçadas ao OLAF e, segundo, no n.o 122 desse acórdão, que a decisão de excluir a Vialto do contrato em causa fora tomada pela CFCU, sem que esta última estivesse vinculada por uma declaração nesse sentido da DG «Alargamento».

38

Consequentemente, o Tribunal Geral julgou improcedente, na íntegra, a ação intentada pela Vialto, sem examinar as condições relativas à existência de um nexo de causalidade suficientemente direto entre os comportamentos imputados e o dano alegado, bem como à existência deste último.

Pedidos das partes

39

Com o presente recurso, a Vialto conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

anular o acórdão recorrido e

condenar a Comissão nas despesas.

40

A Vialto especifica que, em caso de anulação, deixa à apreciação do Tribunal de Justiça decidir quanto à remessa do processo ao Tribunal Geral para que este se pronuncie quanto ao mérito.

41

A Comissão conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

negar provimento ao recurso por improcedente e

condenar a Vialto nas despesas.

Quanto ao presente recurso

42

A Vialto invoca três fundamentos de recurso. Os dois primeiros fundamentos são relativos a erros cometidos pelo Tribunal Geral na medida em que julgou improcedentes as duas alegações relativas, em primeiro lugar, a uma violação do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2185/96 e, em segundo lugar, a uma violação do princípio da proteção da confiança legítima. O terceiro fundamento é relativo a erros cometidos pelo Tribunal Geral na medida em que julgou improcedente a alegação respeitante à violação do direito de ser ouvido.

Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2185/96

Quanto à primeira e segunda partes do primeiro fundamento

– Argumentos das partes

43

Com a primeira e segunda partes do primeiro fundamento, a Vialto alega que o Tribunal Geral cometeu vários erros relativos aos poderes de acesso e de recolha de dados pelo OLAF no âmbito de uma inspeção no local.

44

Em primeiro lugar, o Tribunal Geral desvirtuou os factos de duas maneiras antes de concluir, erradamente, no n.o 80 do acórdão recorrido, pela inexistência de violação, pelo OLAF, do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2185/96, quando o OLAF pediu à Vialto para aceder aos dados referidos no n.o 71 desse acórdão.

45

Por um lado, o processo que deu origem ao acórdão recorrido tem por objeto a questão da violação desta disposição devido ao pedido de recolha, pelo OLAF, desses dados e não devido ao seu pedido de acesso aos referidos dados.

46

Esta desvirtuação levou a uma aplicação incorreta do direito pelo Tribunal Geral, que devia ter interpretado o direito de acesso previsto no artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2185/96 no sentido de que comporta, por um lado, um direito de investigação muito amplo, aplicável a todas as categorias de dados visadas nesta disposição, e, por outro, um direito de recolha limitado aos dados relacionados com as operações abrangidas pela inspeção.

47

Por outro lado, sustenta que o Tribunal Geral desvirtuou os factos ao não declarar, no n.o 80 do acórdão recorrido, que a Vialto tinha concedido ao OLAF acesso aos dados em causa. Em especial, o Tribunal Geral devia ter tido em conta o anexo do relatório do OLAF relativo ao terceiro dia da inspeção, que a Vialto juntou à sua petição. Ora, resulta desse documento que esta última tinha concedido ao OLAF pleno acesso ao seu sistema contabilístico e às suas transações.

48

Em segundo lugar, o acórdão recorrido não justifica a constatação, feita no n.o 74 do acórdão recorrido, de que os dados cuja recolha foi solicitada pelo OLAF no presente caso eram relativos às operações em causa e eram necessários para o bom desenrolar da inspeção no local, na aceção do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2185/96. Tal constatação é, portanto, arbitrária.

49

Em terceiro lugar, tal constatação, igualmente retomada no n.o 83 do acórdão recorrido, está viciada por um erro de direito, uma vez que só se pode considerar, previamente a uma pesquisa por palavras‑chave, que todos os dados solicitados pelo OLAF, nomeadamente toda a correspondência e o conteúdo dos computadores de dois funcionários da Vialto, bem como a totalidade do seu servidor e uma cópia de todas as suas transações desde 2012, apresentavam uma ligação com as operações objeto do inquérito e eram necessários para este, pelo que podiam ser recolhidos pelo OLAF.

50

Em quarto lugar, alega que o Tribunal Geral desvirtuou os factos ao declarar, no n.o 75 do acórdão recorrido, que a Vialto se opôs apenas à recolha desses dados em suportes que deviam ser transferidos para as instalações do OLAF, quando a Vialto se opôs, desde o início e de maneira geral, à recolha dos dados não relacionados com o projeto controlado.

51

A Comissão conclui pedindo que a primeira e segunda partes do primeiro fundamento sejam julgadas improcedentes.

– Apreciação do Tribunal de Justiça

52

Em primeiro lugar, o argumento apresentado pela Vialto segundo o qual o Tribunal Geral desvirtuou o alcance da alegação que tinha apresentado na sua petição em primeira instância, relativa à ilicitude da conduta imputada ao OLAF, baseada na violação do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2185/96, não pode proceder.

53

Com efeito, há que salientar que o Tribunal Geral declarou, no n.o 62 do acórdão recorrido, que a Vialto acusa o OLAF de ter exigido que lhe fosse permitido recolher dados sem relação com o projeto em causa, em violação dessa disposição. Além disso, o Tribunal Geral especificou, no n.o 75 do acórdão recorrido, que a Vialto sustenta ter permitido aos agentes do OLAF aceder a todos os dados pedidos e ter‑se apenas oposto à recolha desses dados.

54

Por conseguinte, não se pode considerar que o Tribunal Geral interpretou a petição em primeira instância no sentido de que esta alegação tinha por objeto a questão da violação do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2185/96 devido ao pedido de acesso, pelo OLAF, a esses dados, e não devido à sua recolha.

55

Em segundo lugar, quanto à alegação da Vialto segundo a qual o Tribunal Geral desvirtuou os factos ao não declarar, no n.o 80 do acórdão recorrido, que a Vialto tinha concedido ao OLAF acesso a todos os dados pedidos, há que salientar que este número constitui a conclusão do raciocínio do Tribunal Geral relativo à interpretação do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2185/96 e que não contém nenhuma apreciação do comportamento da Vialto. Daqui resulta que esta alegação assenta numa leitura errada deste número.

56

Além disso, mesmo admitindo que a Vialto visasse, com essa alegação, contestar os fundamentos que levaram o Tribunal Geral a essa conclusão, há que salientar que os n.os 63 a 78 do acórdão recorrido não contêm a conclusão de que a Vialto recusou conceder ao OLAF o acesso aos dados referidos no n.o 71 do acórdão recorrido.

57

Em contrapartida, no n.o 79 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral declarou que os agentes do OLAF puseram fim à inspeção no local e às operações forenses digitais sem que a Vialto lhes tivesse comunicado os dados que considerava abrangidos pelo sigilo profissional ou pelas cláusulas contratuais que invocava.

58

A este respeito, importa recordar que, como resulta do artigo 256.o, n.o 1, segundo parágrafo, TFUE, bem como do artigo 58.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, o recurso de uma decisão do Tribunal Geral está limitado às questões de direito. Por conseguinte, o Tribunal Geral tem competência exclusiva para apurar e apreciar os factos pertinentes, assim como para apreciar os elementos de prova. A apreciação destes factos e destes elementos de prova não constitui, assim, exceto em caso de desvirtuação, uma questão de direito sujeita, enquanto tal, à fiscalização do Tribunal de Justiça no âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal Geral (Acórdão de 25 de fevereiro de 2021, Dalli/Comissão, C‑615/19 P, EU:C:2021:133, n.o 73 e jurisprudência referida).

59

Essa desvirtuação deve resultar de forma manifesta dos documentos dos autos, sem que seja necessário proceder a uma nova apreciação dos factos e das provas. Incumbe ao recorrente indicar de forma precisa os elementos que considera terem sido desvirtuados pelo Tribunal Geral e demonstrar os erros de análise que, segundo a sua apreciação, terão conduzido a essa desvirtuação (Acórdão de 4 de março de 2020, Tulliallan Burlington/EUIPO, C‑155/18 P a C‑158/18 P, EU:C:2020:151, n.o 102 e jurisprudência referida).

60

A Vialto alega, em substância, que, se o Tribunal Geral tivesse tido em conta o anexo do relatório do OLAF relativo ao terceiro dia da inspeção no local, no qual figuram as suas observações relativas ao desenrolar desse dia da inspeção, deveria ter constatado que a Vialto tinha concedido ao OLAF pleno acesso aos dados solicitados.

61

Todavia, há que salientar que esse documento reproduz as observações da Vialto sobre o desenrolar da inspeção, pelo que apenas permite determinar o seu ponto de vista sobre esse desenrolar. Ora, o Tribunal Geral especificou, no n.o 75 do acórdão recorrido, que a Vialto sustenta ter permitido aos agentes do OLAF acesso a todos os dados pedidos.

62

Daqui resulta que o argumento apresentado pela Vialto não permite demonstrar que o Tribunal Geral desvirtuou os factos ou as provas pertinentes, pelo que este argumento deve ser julgado improcedente.

63

Em terceiro lugar, no que se refere à pretensa falta de fundamentação da constatação que figura no n.o 74 do acórdão recorrido, cumpre recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o dever de fundamentação não obriga o Tribunal Geral a uma exposição que acompanhe, exaustiva e individualmente, todos os passos do raciocínio articulado pelas partes no litígio, podendo assim a fundamentação do Tribunal Geral ser implícita, na condição de permitir aos interessados conhecerem as razões pelas quais o Tribunal Geral não acolheu os seus argumentos e ao Tribunal de Justiça dispor de elementos suficientes para exercer a sua fiscalização (Acórdão de 25 de junho de 2020, CSUE/KF, C‑14/19 P, EU:C:2020:492, n.o 96 e jurisprudência referida).

64

No caso em apreço, o Tribunal Geral expôs, nos n.os 66 a 73 do acórdão recorrido, os motivos que o levaram a declarar que os dados que o OLAF pediu para recolher eram relativos às operações em causa e necessários para o bom desenrolar da inspeção no local, na aceção do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2185/96.

65

Resulta destes números que tal constatação se baseia, antes de mais, na redação desta disposição, da qual resulta, segundo o Tribunal Geral, por um lado, que o OLAF está autorizado a ter acesso a todas as informações e à documentação relativas aos factos objeto do seu inquérito e a fazer cópias dos documentos necessários para efetuar a sua inspeção no local e, por outro, que dispõe de uma certa margem de apreciação na determinação dos dados pertinentes para esse efeito. Em seguida, o Tribunal Geral baseou‑se no objeto do inquérito realizado no caso em apreço pelo OLAF e nos dados solicitados, os quais, segundo o Tribunal Geral, eram do tipo referido nessa disposição. Por último, o Tribunal Geral referiu as particularidades das operações forenses digitais, nomeadamente a necessidade de proceder a uma indexação dos dados, realizando cópias forenses digitais dos dados em causa, para poder identificar os documentos pertinentes para o inquérito.

66

Ora, esta fundamentação é suficiente para permitir, por um lado, à Vialto compreender as razões pelas quais a sua argumentação foi afastada e, por outro, ao Tribunal de Justiça exercer a sua fiscalização. A insuficiência de fundamentação invocada pela Vialto deve, portanto, ser julgada improcedente.

67

Em quarto lugar, quanto ao alegado erro de direito relativo à interpretação do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2185/96, há que salientar que o Tribunal Geral declarou, no n.o 74 do acórdão recorrido, que os dados que o OLAF pediu para recolher no caso em apreço eram relativos às operações em causa e eram necessários ao bom desenrolar da inspeção no local, na aceção desta disposição. Além disso, o Tribunal Geral considerou, no n.o 80 do acórdão recorrido, que, ao pedir à Vialto o acesso a esses dados para efeitos da sua análise, o OLAF não violou esta disposição.

68

A este respeito, o artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2185/96 prevê que os inspetores da Comissão terão acesso, nas mesmas condições que os inspetores administrativos nacionais e no respeito das legislações nacionais, a todas as informações e documentação relativas às operações a analisar, que se revelem necessárias para o bom desenrolar das inspeções e verificações no local. Esta disposição especifica que podem utilizar os mesmos meios materiais de inspeção que os inspetores administrativos nacionais, designadamente fazer cópias dos documentos adequados. A referida disposição estabelece, igualmente, que as inspeções e verificações no local podem, nomeadamente, incidir em dados informáticos.

69

Além disso, decorre do artigo 2.o, n.o 1, da Decisão 1999/352 e do artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 883/2013 que a competência conferida à Comissão pelo Regulamento n.o 2185/96 para efetuar inspeções e verificações no local é exercida pelo OLAF.

70

Resulta da conjugação destas disposições que, no âmbito de uma inspeção no local, os agentes do OLAF têm acesso, nas mesmas condições que os inspetores administrativos nacionais e no respeito das legislações nacionais, a todas as informações, incluindo aos dados informáticos, que se revelem necessárias para o bom desenrolar da inspeção no local e que podem utilizar os mesmos meios materiais de inspeção que os inspetores administrativos nacionais e, nomeadamente, fazer cópias dos documentos adequados.

71

Embora esta disposição remeta, no que respeita às condições que regem o acesso dos agentes do OLAF às informações, para o direito do Estado‑Membro em causa, importa salientar que a Vialto não alega de forma alguma que o OLAF violou as regras do direito húngaro aplicáveis durante a inspeção no local em causa e que não apresenta nenhum argumento nesse sentido.

72

Além disso, há que salientar que a Vialto não contesta as conclusões do Tribunal Geral relativas à realização de uma cópia forense digital, que figuram no n.o 73 do acórdão recorrido, que remete para as explicações contidas no n.o 44 desse acórdão. Ora, o Tribunal Geral constatou nesses números, baseando‑se, nomeadamente, nos artigos 4.o e 8.o das Orientações do OLAF, que, no âmbito desse procedimento, a realização de uma cópia forense digital dos dados contidos num suporte de armazenamento digital se destina a permitir a indexação dos dados, que visa, por sua vez, permitir pesquisas por palavras‑chave utilizando software informático forense específico para identificar os documentos pertinentes para o inquérito do OLAF.

73

Na medida em que a Vialto pretende, com a sua argumentação, equiparar a realização dessa cópia forense digital de todos os dados armazenados em certos suportes digitais à obtenção de uma cópia, na aceção do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2185/96, de todos os documentos guardados nesses suportes, há que sublinhar, como observou o advogado‑geral no n.o 78 das suas conclusões, que esta operação constitui apenas uma etapa intermédia no âmbito do exame desses dados (v., por analogia, Acórdão de 16 de julho de 2020, Nexans France e Nexans/Comissão, C‑606/18 P, EU:C:2020:571, n.o 63).

74

Assim, mesmo que a realização dessa cópia implique necessariamente, no plano técnico, «copiar» temporariamente todos os dados em causa, numa fase em que a sua pertinência ainda não foi examinada, esta operação está abrangida pelo exercício do direito de acesso às informações consagrado no artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2185/96, uma vez que serve unicamente para identificar os documentos pertinentes para efeitos do inquérito. Não se pode considerar que, ao fazê‑lo, o OLAF faça cópia de todos os documentos em causa na aceção desta disposição. Com efeito, resulta da redação e da economia da mesma que o direito de que dispõe um inspetor de fazer cópias dos documentos adequados visa, diferentemente do exercício do direito de acesso às informações, o facto de este conservar, de forma duradoura, cópias de determinados documentos, entre aqueles a que teve acesso, que identificou como sendo pertinentes para efeitos do seu inquérito, sendo esses documentos suscetíveis de ser posteriormente utilizados no âmbito deste.

75

Nestas condições, afigura‑se que o Tribunal Geral podia considerar corretamente que a realização dessa cópia forense digital pode estar ligada aos poderes conferidos ao OLAF ao abrigo do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2185/96, de aceder às informações necessárias ao bom desenrolar da inspeção no local e de fazer cópias dos documentos adequados.

76

A Vialto não demonstrou, portanto, que estaria viciada por um erro de direito a constatação do Tribunal Geral, que figura nos n.os 74 e 80 do acórdão recorrido, segundo a qual o pedido dirigido à Vialto pelo OLAF para poder recolher os dados referidos no n.o 71 do acórdão recorrido para realizar uma operação forense digital não era contrário ao artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2185/96.

77

Logo, deve ser julgada improcedente a alegação da Vialto, de que tal constatação está viciada por erro de direito.

78

Em quinto lugar, o argumento da Vialto segundo o qual o Tribunal Geral desvirtuou os factos, no n.o 75 do acórdão recorrido, assenta numa leitura errada do n.o 75 do acórdão recorrido e deve igualmente ser julgado improcedente. Com efeito, o Tribunal Geral constatou simplesmente, nesse número, a oposição da Vialto à recolha de dados num suporte que devia ser retirado das suas instalações, o que a Vialto não contesta.

79

Por conseguinte, há que julgar improcedentes a primeira e segunda partes do primeiro fundamento.

Quanto à terceira parte do primeiro fundamento

– Argumentos das partes

80

Com a terceira parte do primeiro fundamento, a Vialto alega, em primeiro lugar, que, no n.o 77 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao rejeitar, por não serem pertinentes para desencadear a responsabilidade extracontratual da União, os seus argumentos baseados no respeito pelo sigilo profissional e em cláusulas de contratos celebrados com os seus parceiros comerciais. Afirma que tais argumentos são pertinentes para demonstrar uma violação, pelo OLAF, do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2185/96, uma vez que permitem demonstrar que as reservas formuladas pela Vialto quanto à recolha de dados que não tinham conexão com o inquérito eram justificadas. Contudo, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a Vialto estava obrigada a provar que a formulação de tais reservas não constituía um abuso de direito.

81

Em segundo lugar, alega que o Tribunal Geral desvirtuou a petição ao declarar, no n.o 79 do acórdão recorrido, que não se pode considerar que o OLAF a tenha obrigado a violar o seu sigilo profissional ou os termos de contratos celebrados com os seus parceiros comerciais, quando não alegou de forma alguma ter sido obrigada pelo OLAF a agir desse modo.

82

A Comissão conclui pedindo que a terceira parte do primeiro fundamento seja julgada parcialmente inadmissível e parcialmente inoperante e, em todo o caso, improcedente.

– Apreciação do Tribunal de Justiça

83

Quanto ao erro de direito que alegadamente vicia o n.o 77 do acórdão recorrido, há que salientar que o Tribunal Geral declarou, nesse número, que os argumentos da Vialto baseados no sigilo profissional e nos compromissos contratuais assumidos para com os seus parceiros comerciais não eram pertinentes para desencadear a responsabilidade extracontratual da União, uma vez que se destinavam a justificar a sua recusa em comunicar ao OLAF alguns dos dados aos quais este pedia acesso e não a acusar o OLAF ou a Comissão da violação suficientemente caracterizada de uma regra de direito que tenha por objeto conferir direitos aos particulares.

84

Neste contexto, o argumento da Vialto segundo o qual tinha sido obrigada a provar que as reservas que expressou quanto à recolha de certos dados pelo OLAF não constituíam um abuso de direito não é suscetível de demonstrar que os argumentos apresentados em primeira instância relativos ao sigilo profissional e aos compromissos contratuais assumidos em relação aos seus parceiros comerciais eram suscetíveis de demonstrar uma violação suficientemente caracterizada de uma norma jurídica que tem por objeto conferir direitos aos particulares. Consequentemente, este argumento é inoperante.

85

O mesmo se diga da desvirtuação da petição invocada pela Vialto. Com efeito, mesmo admitindo que o Tribunal Geral, como sustenta a Vialto, tenha desvirtuado a petição em primeira instância ao considerar dever responder, no n.o 79 do acórdão recorrido, a um argumento não invocado por esta sociedade relativo a uma coação exercida pelo OLAF sobre esta, obrigando‑a a violar o sigilo profissional e os compromissos contratuais assumidos em relação aos seus parceiros comerciais, esse erro não é suscetível de pôr em causa a improcedência da primeira alegação apresentada pela Vialto em primeira instância.

86

Ora, resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que das alegações respeitantes a fundamentos apresentados a título exaustivo de uma decisão do Tribunal Geral não resulta a anulação dessa decisão, pelo que são inoperantes (Acórdão de 25 de fevereiro de 2021, Dalli/Comissão, C‑615/19 P, EU:C:2021:133, n.o 103 e jurisprudência referida).

87

Por conseguinte, há que afastar a terceira parte do primeiro fundamento por ser inoperante e julgar este fundamento improcedente na sua totalidade.

Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do princípio da proteção da confiança legítima

Argumentos das partes

88

Com o seu segundo fundamento, a Vialto apresenta uma série de argumentos destinados a demonstrar que o Tribunal Geral concluiu erradamente, no n.o 118 do acórdão recorrido, pela inexistência de violação do princípio da proteção da confiança legítima pelos agentes do OLAF no caso em apreço.

89

Em primeiro lugar, alega que o acórdão recorrido padece de uma fundamentação insuficiente, na medida em que não explica a razão pela qual um dos três requisitos necessários para invocar o princípio da proteção da confiança legítima não está preenchido no caso em apreço.

90

Em segundo lugar, afirma que o n.o 118 do acórdão recorrido está viciado por um erro de direito, uma vez que ignora a jurisprudência relativa à proibição de revogação retroativa de um ato administrativo lícito que confere direitos individuais ou benefícios semelhantes. Com efeito, as garantias dadas pelos agentes do OLAF no primeiro dia da inspeção relativa ao procedimento para realizar essa inspeção tinham sido lícitas. A este respeito, a Vialto especifica que uma derrogação às Orientações do OLAF não constitui uma violação do Regulamento n.o 2185/96. Por conseguinte, os agentes do OLAF não podiam ter revogado essas garantias a posteriori e exigido que essa inspeção fosse efetuada como se essas garantias nunca tivessem sido dadas.

91

Por outro lado, a revogação de um ato administrativo com efeitos retroativos é proibida, mesmo que este deva ser considerado ilícito.

92

Em terceiro lugar, a Vialto sustenta que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao declarar, no n.o 118 do acórdão recorrido, que ela não podia invocar uma violação da confiança legítima na aplicação de uma prática derrogatória a seu favor, apesar da sua recusa em aceder aos pedidos dos agentes do OLAF em conformidade com o artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2185/96. Em especial, a formulação desse número dá a impressão de que a Vialto tinha agido de má‑fé. Além disso, uma vez que os pedidos dos agentes do OLAF não estavam em conformidade com esta disposição, a sua recusa em aceder a esses pedidos foi, portanto, inteiramente lícita. Se os agentes do OLAF tivessem considerado que, pela sua conduta, a Vialto tinha agido ilicitamente ou obstado ao inquérito, teriam sido obrigados, em conformidade com os artigos 4.o e 9.o do Regulamento n.o 2185/96, a pedir ajuda às autoridades nacionais. Ora, os agentes do OLAF decidiram pôr termo à inspeção sem seguir este procedimento.

93

A Comissão sustenta que o segundo fundamento é, em parte, inoperante e, em todo o caso, improcedente.

Apreciação do Tribunal de Justiça

94

Em primeiro lugar, quanto à alegada falta de fundamentação do acórdão recorrido, importa recordar que resulta da jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, referida no n.o 63 do presente acórdão, que o dever de fundamentação não obriga o Tribunal Geral a apresentar uma exposição que acompanhe, exaustiva e individualmente, todos os passos do raciocínio articulado pelas partes no litígio, podendo assim a fundamentação do Tribunal Geral ser implícita, na condição de permitir aos interessados conhecerem as razões pelas quais o Tribunal Geral não acolheu os seus argumentos e ao Tribunal de Justiça dispor de elementos suficientes para exercer a sua fiscalização.

95

No caso em apreço, após ter recordado, no n.o 114 do acórdão recorrido, os requisitos que devem estar preenchidos para que uma pessoa possa invocar o princípio da proteção da confiança legítima, o Tribunal Geral constatou, no n.o 116 desse acórdão, que, no presente caso, foi na sequência da recusa da Vialto em atender às solicitações com vista à recolha de dados por parte dos agentes do OLAF que estes últimos concordaram com a derrogação do procedimento estabelecido nas Orientações do OLAF no que se refere ao local onde os dados foram obtidos e processados e ao suporte utilizado para esse efeito. Além disso, no n.o 117 do referido acórdão, o Tribunal Geral recordou que o OLAF podia, por força do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2185/96, aceder aos dados a que a Vialto lhe recusou acesso. O Tribunal Geral deduziu daí, no n.o 118 do mesmo acórdão, que a Vialto não podia invocar em seu benefício uma violação suficientemente caracterizada do princípio da proteção da confiança legítima que tinha depositado na aplicação de uma prática derrogatória a seu favor, apesar da sua recusa em aceder aos pedidos formulados pelos agentes do OLAF em conformidade com o artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2185/96.

96

Resulta, assim, dos n.os 113 a 118 do acórdão recorrido que o Tribunal Geral considerou que a Vialto não podia invocar uma confiança legítima na aplicação de um acordo a que tinha decidido não dar cumprimento.

97

Ora, esta fundamentação é suficiente para permitir à Vialto compreender as razões pelas quais a sua argumentação foi afastada e ao Tribunal de Justiça exercer a sua fiscalização. A insuficiência de fundamentação invocada pela Vialto deve, portanto, ser julgada improcedente.

98

Em segundo lugar, no que respeita ao argumento da Vialto relativo à jurisprudência do Tribunal de Justiça quanto às condições de revogação de um ato criador de direitos, basta observar que este argumento não foi invocado pela Vialto em primeira instância.

99

Ora, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, um fundamento invocado pela primeira vez no âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal Geral deve ser declarado inadmissível. No âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal Geral, a competência do Tribunal de Justiça está, em princípio, limitada ao exame da apreciação pelo Tribunal Geral dos fundamentos que foram debatidos perante ele. Ora, permitir a uma parte suscitar no Tribunal de Justiça um fundamento que não suscitou no Tribunal Geral equivaleria a permitir‑lhe submeter ao Tribunal de Justiça, cuja competência em sede de recurso é limitada, um litígio mais amplo do que aquele que foi submetido ao Tribunal Geral (Acórdão de 30 de maio de 2017, Safa Nicu Sepahan/Conselho, C‑45/15 P, EU:C:2017:402, n.o 109 e jurisprudência referida).

100

Consequentemente, este argumento deve ser declarado inadmissível.

101

Em terceiro lugar, no que respeita ao argumento da Vialto segundo o qual o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao declarar, no n.o 118 do acórdão recorrido, que a Vialto não podia invocar uma violação da confiança legítima na aplicação de uma prática derrogatória a seu favor, apesar da sua recusa em aceder aos pedidos dos agentes do OLAF em conformidade com o artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2185/96, há que salientar que, ao referir‑se assim à recusa da Vialto em fornecer determinadas informações, apesar de se ter comprometido a fazê‑lo, o Tribunal Geral declarou implícita mas necessariamente que a Vialto não podia invocar uma confiança legítima na aplicação de um acordo a que tinha decidido não dar cumprimento.

102

Ora, há que considerar que, ao recusar honrar os compromissos assumidos em relação aos agentes do OLAF no âmbito de tal acordo, a conduta da Vialto tornou impossível a aplicação desse acordo, pelo que não pode, em seguida, invocar uma confiança legítima na sua aplicação.

103

Daqui resulta que o Tribunal Geral não cometeu um erro de direito ao declarar, no n.o 118 do acórdão recorrido, que a Vialto não podia invocar uma confiança legítima na aplicação de um acordo a que tinha decidido não dar cumprimento.

104

O argumento da Vialto segundo o qual o n.o 118 do acórdão recorrido está viciado por um erro de direito deve, portanto, ser julgado improcedente.

105

Em quarto lugar, no que respeita ao argumento da Vialto segundo o qual a formulação do n.o 118 do acórdão recorrido dá a impressão de que agiu de má‑fé, há que observar que este argumento se baseia numa leitura errada do acórdão recorrido, uma vez que o referido número não contém nenhuma apreciação nesse sentido, pelo que deve ser julgado improcedente.

106

Em quinto lugar, quanto ao argumento da Vialto segundo o qual o pedido de recolha de dados formulado pelos agentes do OLAF não era conforme com o artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2185/96, resulta da análise do primeiro fundamento invocado pela Vialto que este argumento deve igualmente ser julgado improcedente.

107

Em sexto lugar, no que respeita ao argumento da Vialto relativo aos artigos 4.o e 9.o do Regulamento n.o 2185/96, há que constatar que a Vialto não apresentou tal argumento em primeira instância, pelo que, em conformidade com a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça referida no n.o 99 do presente acórdão, deve ser julgado inadmissível.

108

Tendo em conta o que precede, o segundo fundamento deve ser julgado parcialmente inadmissível e parcialmente improcedente.

Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação do direito de ser ouvido

Argumentos das partes

109

Com o seu terceiro fundamento, a Vialto alega que o Tribunal Geral cometeu vários erros ao julgar improcedentes, nos n.os 121 a 123 do acórdão recorrido, os seus argumentos relativos à violação do seu direito de ser ouvida.

110

Em primeiro lugar, alega que as constatações que figuram no n.o 121 do acórdão recorrido, relativas ao facto de que a Vialto foi ouvida pelo OLAF, não são de modo algum pertinentes no âmbito do exame da questão de saber se o seu direito a ser ouvida foi violado pela DG «Alargamento».

111

Em segundo lugar, o Tribunal Geral desvirtuou os factos ao afirmar, nos n.os 94 e 122 do acórdão recorrido, que a posição adotada por esta DG sobre as medidas a tomar relativamente à Vialto não vinculava a CFCU. Com efeito, resulta dos autos que esse pedido era vinculativo para a CFCU. Não poderia ser de outro modo, uma vez que a mesma DG financiaria o projeto e assinou, portanto, o contrato em causa.

112

Essa desvirtuação dos factos terá conduzido a uma aplicação incorreta do direito pelo Tribunal Geral. Com efeito, este deveria ter concluído pela existência de uma obrigação, para a DG «Alargamento», de ouvir a Vialto antes de dirigir à CFCU o seu pedido de adoção das medidas necessárias previstas no contrato em causa, tendo em conta a violação pela Vialto das suas obrigações contratuais.

113

Em terceiro lugar, o direito da Vialto de ser ouvida deveria ter sido igualmente respeitado por esta DG no contexto da sua recomendação para suspender a execução do contrato em causa ou da parte do contrato executada pela Vialto que esta anexou ao seu pedido. Com efeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, especialmente do seu Acórdão de 4 de abril de 2019, OZ/BEI (C‑558/17 P, EU:C:2019:289), que o direito de ser ouvido deve ser igualmente respeitado no caso de uma instituição da União formular recomendações não vinculativas.

114

A Comissão aprova a análise do direito de ser ouvido efetuada pelo Tribunal Geral e conclui pela improcedência do terceiro fundamento.

115

Em primeiro lugar, mesmo admitindo que a Comissão deveria ter ouvido a Vialto antes de dirigir a sua recomendação à CFCU, tal formalidade teria sido respeitada no caso em apreço pelo OLAF, enquanto serviço da Comissão na origem da recomendação.

116

Em segundo lugar, o Tribunal Geral constatou, sem desvirtuar os factos, que a Comissão tinha simplesmente convidado a CFCU a tomar as medidas adequadas, formulando recomendações, a título de exemplo, a esse respeito. A posição tomada pela Comissão relativamente à Vialto não era, portanto, vinculativa para a CFCU. O facto de a Comissão financiar o projeto não torna essa tomada de posição vinculativa.

117

Em terceiro lugar, o Acórdão de 4 de abril de 2019, OZ/BEI (C‑558/17 P, EU:C:2019:289), deixa transparecer o caráter subsidiário da audição perante o órgão emissor da recomendação, ao passo que a ênfase é colocada no órgão decisório. Além disso, a situação em causa no processo que deu origem a esse acórdão distingue‑se da que está em causa no presente processo, uma vez que, no primeiro processo, o órgão de recomendação e o órgão decisório pertenciam à mesma estrutura administrativa.

Apreciação do Tribunal de Justiça

118

No que respeita ao erro de direito cometido pelo Tribunal Geral, no n.o 122 do acórdão recorrido, importa salientar que o Tribunal Geral declarou, nesse número, que a DG «Alargamento» não estava sujeita à obrigação de ouvir a Vialto antes da adoção, pela CFCU, da sua decisão de excluir a Vialto do contrato em causa, com o fundamento de que a CFCU tomou essa decisão sem estar vinculada por uma tomada de posição nesse sentido da DG «Alargamento».

119

A Vialto contesta esta conclusão, alegando que, mesmo admitindo que a CFCU tivesse tomado a referida decisão sem estar vinculada por uma tomada de posição nesse sentido da DG «Alargamento», esta última devia ter ouvido a Vialto antes de adotar essa tomada de posição.

120

A este respeito, importa recordar que o artigo 41.o, n.o 2, alínea a), da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia dispõe que o direito a uma boa administração compreende, nomeadamente, o direito de qualquer pessoa de ser ouvida antes de a seu respeito ser tomada qualquer medida individual que a afete desfavoravelmente.

121

O direito de ser ouvido garante a qualquer pessoa a possibilidade de dar a conhecer, de maneira útil e efetiva, o seu ponto de vista no decurso do procedimento administrativo e antes da adoção de qualquer decisão suscetível de afetar desfavoravelmente os seus interesses (Acórdão de 4 de junho de 2020, SEAE/De Loecker, C‑187/19 P, EU:C:2020:444, n.o 68 e jurisprudência referida).

122

Importa igualmente recordar que o direito de ser ouvido faz parte do direito de defesa, o qual constitui um princípio fundamental do direito da União que deve ser aplicado mesmo na inexistência de uma regulamentação específica nessa matéria. Por força deste princípio, os destinatários de decisões que afetem de modo sensível os seus interesses devem ter a possibilidade de dar a conhecer utilmente o seu ponto de vista sobre os elementos contra si invocados como fundamento dessas decisões (v., neste sentido, Acórdão de 14 de junho de 2016, Marchiani/Parlamento, C‑566/14 P, EU:C:2016:437, n.o 51 e jurisprudência referida).

123

Além disso, como recordou o advogado‑geral no n.o 121 das suas conclusões, uma violação dos direitos de defesa, de que faz parte o direito de ser ouvido, deve ser examinada em função das circunstâncias específicas de cada caso concreto (v., neste sentido, Acórdão de 25 de outubro de 2011, Solvay/Comissão, C‑110/10 P, EU:C:2011:687, n.o 63).

124

Quanto à tomada de posição da DG «Alargamento» em causa, importa salientar que é certo que o artigo 10.o do Regulamento n.o 718/2007 prevê, a título dos princípios gerais para a prestação da assistência à pré‑adesão, que a Comissão confia a gestão descentralizada de certas ações ao país beneficiário, a qual abrange, pelo menos, a organização dos procedimentos de contratos públicos, a sua adjudicação e os pagamentos. Além disso, resulta do artigo 21.o, n.o 1, alínea f), deste regulamento que o país beneficiário deve designar uma estrutura operacional por componente ou programa IPA. Além disso, resulta do artigo 28.o do referido regulamento que a estrutura operacional deve ser um organismo ou conjunto de organismos pertencentes à administração pública do país beneficiário que será responsável pela gestão e execução dessa assistência, de acordo com o princípio da boa gestão financeira, assumindo, nomeadamente, os procedimentos de contratos públicos, a respetiva adjudicação e a celebração dos respetivos contratos (v., neste sentido, Despacho de 4 de julho de 2013, Diadikasia Symvouloi Epicheiriseon/Comissão e o., C‑520/12 P, não publicado, EU:C:2013:457, n.o 32).

125

Daqui resulta que os contratos públicos adjudicados por países terceiros e suscetíveis de beneficiar de assistência concedida ao abrigo do IPA, de acordo com o princípio da gestão descentralizada, continuam a ser contratos nacionais e que as empresas que apresentam propostas ou que são adjudicatárias dos contratos em causa apenas têm relações jurídicas com o Estado terceiro responsável pelo contrato (v., neste sentido, Despacho de 4 de julho de 2013, Diadikasia Symvouloi Epicheiriseon/Comissão e o., C‑520/12 P, não publicado, EU:C:2013:457, n.o 34).

126

Contudo, como resulta do artigo 10.o, n.o 1, do Regulamento n.o 718/2007, a Comissão conserva a responsabilidade final pela execução do orçamento geral e é, portanto, competente para determinar os montantes eventualmente excluídos do financiamento da União.

127

Ora, tendo em conta a responsabilidade final da execução do orçamento geral da Comissão, há que observar que uma carta na qual esta instituição recomenda à CFCU que não trabalhe com a Vialto, indicando que, em todo o caso, os montantes pagos a esta última no âmbito do projeto em causa não são elegíveis para financiamento do orçamento da União, pode ser razoavelmente considerada suscetível, na prática, de ter uma incidência importante na decisão da CFCU quanto às medidas a tomar a respeito da Vialto relativamente ao contrato em questão, de modo a afetá‑la negativamente, e que ultrapassa, de forma não negligenciável, o impacto que se pode esperar de uma mera recomendação.

128

Assim, tal tomada de posição da Comissão é suscetível de ter, para o operador económico em causa, consequências tais que este deve ter a possibilidade de apresentar observações sobre o comportamento que lhe é imputado e sobre as medidas a tomar a seu respeito em relação com o contrato em causa antes de a Comissão tomar a sua posição sobre essas questões (v., por analogia, Acórdão de 10 de julho de 2001, Ismeri Europa/Tribunal de Contas, C‑315/99 P, EU:C:2001:391, n.o 29).

129

Esta tomada de posição da Comissão deve, portanto, ser considerada uma medida individual que afeta desfavoravelmente a Vialto, na aceção do artigo 41.o, n.o 2, alínea a), da Carta dos Direitos Fundamentais.

130

Por conseguinte, há que concluir que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao declarar, no n.o 122 do acórdão recorrido, que a Comissão não estava sujeita à obrigação de ouvir a Vialto antes da adoção, pela CFCU, da sua decisão de excluir a Vialto do contrato em causa.

131

Não obstante, resulta dos n.os 121 e 123 do acórdão recorrido que o Tribunal Geral também se baseou na circunstância de a Vialto ter, no caso em apreço, sido ouvida pelo OLAF, para afastar o argumento da Vialto relativo à violação pela Comissão do direito de ser ouvido.

132

A este respeito, há que constatar que essa circunstância não permite à Comissão considerar que a sua obrigação de ouvir a pessoa em causa foi cumprida.

133

Com efeito, em conformidade com o artigo 11.o, n.o 1, do Regulamento n.o 883/2013, o OLAF elabora, no termo do inquérito, um relatório de inquérito acompanhado de recomendações do seu diretor‑geral sobre o seguimento a dar ou não ao inquérito. O artigo 11.o, n.o 3, deste regulamento especifica que os relatórios e recomendações elaborados na sequência de um inquérito externo e os documentos relevantes a eles referentes são transmitidos às autoridades competentes dos Estados‑Membros em causa, de acordo com as regras relativas aos inquéritos externos, e, se necessário, aos serviços competentes da Comissão.

134

Decorre da redação e da economia destas disposições que incumbe à autoridade à qual se dirigem essas recomendações efetuar a sua própria instrução e ouvir a pessoa em causa antes de adotar uma decisão suscetível de a lesar.

135

Neste contexto, as ligações estruturais existentes entre o OLAF e a Comissão também não a podem dispensar dessa obrigação, permitindo que se considere que a Vialto já foi ouvida por esta instituição por ocasião da sua audição por agentes do OLAF.

136

Por conseguinte, há que julgar procedente o terceiro fundamento do presente recurso e anular o acórdão recorrido, na medida em que julgou improcedente a alegação da Vialto relativa à violação pela Comissão do direito de ser ouvido.

Quanto ao recurso no Tribunal Geral

137

Nos termos do artigo 61.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, em caso de anulação da decisão do Tribunal Geral, o Tribunal de Justiça pode decidir definitivamente o litígio, se estiver em condições de ser julgado, ou remeter o processo ao Tribunal Geral, para julgamento.

138

Resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que a responsabilidade extracontratual da União, na aceção do artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE, está sujeita à verificação de um conjunto de requisitos, concretamente, a ilegalidade do comportamento imputado à instituição da União, a realidade do dano e a existência de um nexo de causalidade entre o comportamento dessa instituição e o dano invocado (Acórdão de 25 de fevereiro de 2021, Dalli/Comissão, C‑615/19 P, EU:C:2021:133, n.o 41 e jurisprudência referida).

139

No caso em apreço, o litígio está em condições de ser julgado no que respeita à primeira destas condições, relativa à conduta da Comissão.

140

Com efeito, resulta dos fundamentos expostos no âmbito da análise do terceiro fundamento invocado pela Vialto em apoio do seu recurso que esta demonstrou que a Comissão tinha violado o direito de ser ouvido, que constitui uma regra jurídica que tem por objeto conferir direitos aos particulares.

141

Quanto ao caráter suficientemente caracterizado desta violação, a Vialto alega que a Comissão não podia livremente decidir exigir a exclusão da Vialto do projeto sem lhe dar a possibilidade de ser ouvida e exercer os seus direitos de defesa.

142

A este respeito, importa recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, quando uma instituição da União apenas dispõe de uma margem de apreciação extremamente reduzida, ou mesmo inexistente, a simples infração ao direito da União pode ser suficiente para provar a existência de uma violação suficientemente caracterizada desse direito, suscetível de desencadear a responsabilidade extracontratual da União (Acórdão de 20 de janeiro de 2021, Comissão/Printeos, C‑301/19 P, EU:C:2021:39, n.o 103 e jurisprudência referida).

143

Ora, como resulta dos fundamentos expostos no âmbito da análise do terceiro fundamento, a Comissão tinha a obrigação de ouvir a Vialto antes de transmitir à CFCU a sua tomada de posição sobre as medidas a tomar relativamente à Vialto relacionadas com o contrato em causa, pelo que esta instituição não dispunha de nenhuma margem de apreciação a esse respeito.

144

Quanto ao restante, o litígio não está em condições de ser julgado.

145

Com efeito, os outros requisitos da responsabilidade extracontratual da União não foram apreciados pelo Tribunal Geral.

146

Além disso, resulta dos n.os 25 e 26 do acórdão recorrido que, na audiência no Tribunal Geral, a Vialto alterou consideravelmente a sua posição sobre o alcance do dano que alegadamente sofreu.

147

Tendo em conta os elementos precedentes, o Tribunal de Justiça não está em condições de se pronunciar, com um grau de certeza suficiente, sobre a realidade do dano e a existência de um nexo de causalidade entre a violação pela Comissão do direito de ser ouvido e o dano invocado.

148

Por conseguinte, há que remeter o processo ao Tribunal Geral para que este decida a este respeito.

Quanto às despesas

149

Uma vez que o processo é remetido ao Tribunal Geral, há que reservar para final a decisão quanto às despesas.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) decide:

 

1)

O Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 26 de junho de 2019, Vialto Consulting/Comissão (T‑617/17, não publicado, EU:T:2019:446), é anulado na medida em que julgou improcedente a alegação formulada pela Vialto Consulting Kft. relativa à violação pela Comissão Europeia do direito de ser ouvido.

 

2)

É negado provimento ao recurso da decisão do Tribunal Geral quanto ao restante.

 

3)

O processo é remetido ao Tribunal Geral da União Europeia para que decida sobre os requisitos da responsabilidade extracontratual da União Europeia relativos à existência de um nexo de causalidade entre a violação pela Comissão Europeia do direito de ser ouvido e o dano invocado, bem como à realidade do dano.

 

4)

Reserva‑se para final a decisão quanto às despesas.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: grego.