ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

2 de setembro de 2021 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Proteção da saúde — Regulamento (CE) n.o 854/2004 — Artigo 5.o, ponto 2 — Regulamento (CE) n.o 882/2004 — Artigo 54.o, n.o 3 — Regras de higiene aplicáveis aos géneros alimentícios de origem animal — Inspeção post mortem das carcaças e das miudezas — Veterinário oficial — Marcação de salubridade — Recusa — Carne declarada imprópria para consumo humano — Direito de recurso de uma decisão de um veterinário oficial — Proteção jurisdicional efetiva — Artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia»

No processo C‑579/19,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Supreme Court of the United Kingdom (Supremo Tribunal do Reino Unido), por Decisão de 24 de julho de 2019, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 30 de julho de 2019, no processo

The Queen, a pedido de:

Association of Independent Meat Suppliers,

Cleveland Meat Company Ltd,

contra

Food Standards Agency,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: M. Vilaras, presidente de secção, N. Piçarra, D. Šváby (relator), S. Rodin e K. Jürimäe, juízes,

advogado‑geral: E. Tanchev,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Association of Independent Meat Suppliers e Cleveland Meat Company Ltd, por S. Hockman, QC, D. Hercock, barrister, e H. Leese, solicitor,

em representação do Governo do Reino Unido, por S. Brandon, na qualidade de agente, assistido por A. Dashwood, QC, e de M. A Heppinstall, barrister,

em representação da Comissão Europeia, por A. Dawes, W. Farrell e B. Hofstötter, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 11 de fevereiro de 2021,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 5.o, ponto 2, do Regulamento (CE) n.o 854/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, que estabelece regras específicas de organização dos controlos oficiais de produtos de origem animal destinados ao consumo humano (JO 2004, L 139, p. 206; retificações no JO 2004, L 226, p. 83, e no JO 2013, L 160, p. 17), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 882/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004 (JO 2004, L 165, p. 1, e retificação no JO 2004, L 191, p. 1) (a seguir «Regulamento n.o 854/2004»), e a interpretação do Regulamento n.o 882/2004.

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Association of Independent Meat Suppliers à Cleveland Meat Company Ltd (a seguir «CMC») à Food Standards Agency (Agência de Normas Alimentares, Reino Unido), a respeito do procedimento a seguir na sequência de uma decisão do veterinário oficial que recusou apor uma marcação de salubridade numa carcaça pertencente à CMC, que declarou essa carcaça imprópria para consumo humano e que levou à sua destruição.

Quadro jurídico

Direito da União

Acordo de saída

3

Com a sua Decisão (UE) 2020/135, de 30 de janeiro de 2020, relativa à celebração do Acordo sobre a Saída do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte da União Europeia e da Comunidade Europeia da Energia Atómica (JO 2020, L 29, p. 1, a seguir «Acordo de Saída»), o Conselho da União Europeia aprovou, em nome da União Europeia e da Comunidade Europeia da Energia Atómica, o Acordo de Saída, que foi junto a essa decisão.

4

O artigo 86.o do Acordo de Saída, com a epígrafe «Processos pendentes no Tribunal de Justiça da União Europeia», prevê, nos seus n.os 2 e 3:

«2.   O Tribunal de Justiça da União Europeia continua a ser competente para decidir a título prejudicial sobre os pedidos dos órgãos jurisdicionais do Reino Unido apresentados antes do termo do período de transição.

3.   Para efeitos do presente capítulo, considera‑se que um processo é instaurado no Tribunal de Justiça da União Europeia, e que um pedido de decisão prejudicial é apresentado no momento em que o ato introdutório da instância foi registado pela secretaria do Tribunal de Justiça […]»

5

Em conformidade com o artigo 126.o do Acordo de Saída, o período de transição teve início na data de entrada em vigor deste Acordo e terminou em 31 de dezembro de 2020.

Regulamento (CE) n.o 178/2002

6

O Regulamento (CE) n.o 178/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de janeiro de 2002, que determina os princípios e normas gerais da legislação alimentar, cria a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos e estabelece procedimentos em matéria de segurança dos géneros alimentícios (JO 2002, L 31, p. 1), dispõe, no seu artigo 3.o, considerandos 2 e 10:

«(2)

Deve ser assegurado um elevado nível de proteção da vida e da saúde humanas na realização das políticas comunitárias.

[…]

(10)

A experiência demonstrou a necessidade de serem tomadas medidas destinadas a garantir que não sejam colocados no mercado géneros alimentícios não seguros e que existam sistemas para identificar e resolver problemas de segurança dos géneros alimentícios, a fim de assegurar o funcionamento correto do mercado interno e proteger a saúde humana. Deverão ser abordadas as mesmas questões no que se refere à segurança dos alimentos para animais.»

7

O artigo 14.o, n.o 1, 2 e 5 deste regulamento tem a seguinte redação:

«1.   Não serão colocados no mercado quaisquer géneros alimentícios que não sejam seguros.

2.   Os géneros alimentícios não serão considerados seguros se se entender que são:

a)

prejudiciais para a saúde;

b)

impróprios para consumo humano.

[…]

5.   Ao determinar se um género alimentício é impróprio para consumo humano, deve‑se ter em conta se é inaceitável para consumo humano de acordo com o uso a que se destina, quer por motivos de contaminação, de origem externa ou outra, quer por putrefação, deterioração ou decomposição.»

Regulamento (CE) n.o 853/2004

8

O artigo 5.o do Regulamento (CE) n.o 853/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, que estabelece regras específicas de higiene aplicáveis aos géneros alimentícios de origem animal (JO 2004, L 139, p. 55, e retificação no JO 2004, L 226, p. 22), epigrafado «Marca de salubridade e de identificação», dispõe no seu n.o 1:

«Os operadores das empresas do setor alimentar não podem colocar no mercado produtos de origem animal manipulados num estabelecimento sujeito a aprovação nos termos do n.o 2 do artigo 4.o a menos que estes detenham:

a)

uma marca de salubridade aplicada nos termos do Regulamento (CE) n.o 854/2004; ou

b)

uma marca de identificação aplicada nos termos da Secção I, do Anexo II do presente regulamento, quando aquele regulamento não preveja a aplicação de uma marca de salubridade.»

Regulamento (CE) n.o 854/2004

9

O Regulamento n.o 854/2004 enuncia, nos seus considerandos 1, 2, 4, 6 e 9:

«(1)

O Regulamento (CE) n.o 852/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, [de 29 de abril de 2004, relativo à higiene dos géneros alimentícios (JO 2004, L 139, p. 1)], estabelece as regras gerais de higiene aplicáveis a todos os géneros alimentícios e o Regulamento [n.o 853/2004] define as regras específicas de higiene aplicáveis aos produtos de origem animal.

(2)

São necessárias regras específicas para os controlos oficiais dos produtos de origem animal, a fim de ter em conta os aspetos específicos associados a estes produtos.

[…]

(4)

Os controlos oficiais dos produtos de origem animal devem abranger todos os aspetos importantes para a proteção da saúde pública e, se for caso disso, da saúde e do bem‑estar dos animais; […]

[…]

(6)

A natureza e a intensidade dos controlos oficiais deverão basear‑se numa avaliação dos riscos para a saúde pública e animal e para o bem‑estar dos animais e, se for caso disso, do tipo e da capacidade dos processos realizados e do operador da empresa do setor alimentar em causa.

[…]

(9)

Tendo em conta as suas competências especializadas, é conveniente que os veterinários oficiais efetuem auditorias e inspeções em matadouros, instalações de tratamento de caça e certas instalações de desmancha. Os Estados‑Membros devem ter liberdade para decidir qual o pessoal mais adequado para as auditorias e as inspeções de outros tipos de estabelecimentos.»

10

O artigo 1.o, n.os 1, 1 A e 3, do Regulamento n.o 854/2004 prevê o seguinte:

«1.   O presente regulamento estabelece regras específicas de organização dos controlos oficiais de produtos de origem animal.

1 A.   O presente regulamento é aplicável em complemento do Regulamento [n.o 882/2004].

[…]

3   A realização de controlos oficiais nos termos do presente regulamento não prejudica a responsabilidade legal do setor alimentar de garantir a segurança dos géneros alimentícios, prevista no Regulamento [n.o 178/2002], nem qualquer responsabilidade civil e penal decorrente do incumprimento das suas obrigações.»

11

Nos termos do artigo 2.o, n.o 1, alíneas c), f) e g), do Regulamento n.o 854/2004:

«1.   Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

c)

“Autoridade competente”, a autoridade central de um Estado‑Membro competente para efetuar controlos veterinários ou qualquer autoridade em quem tenha delegado essa competência;

f)

“Veterinário oficial”, o veterinário habilitado a atuar nessa qualidade, nos termos do presente regulamento, e nomeado pela autoridade competente;

g)

“Veterinário aprovado”, o veterinário designado pela autoridade competente para efetuar em seu nome controlos oficiais específicos em explorações.»

12

O artigo 4.o deste regulamento dispõe:

«1.   Os Estados‑Membros garantirão que os operadores das empresas prestam toda a assistência necessária às autoridades competentes para que estas possam realizar controlos oficiais.

Devem nomeadamente:

permitir o acesso a edifícios, locais, instalações e demais infraestruturas,

disponibilizar qualquer documentação e registos exigidos nos termos do presente regulamento ou considerados necessários pela autoridade competente para a avaliação da situação.

2.   A autoridade competente efetua controlos oficiais para verificar o cumprimento, pelos operadores das empresas do setor alimentar, dos requisitos do:

a)

Regulamento (CE) n.o 852/2004;

b)

Regulamento (CE) n.o 853/2004;

e

c)

Regulamento (CE) n.o 1774/2002 [do Parlamento Europeu e do Conselho de 3 de outubro de 2002 que estabelece regras sanitárias relativas aos subprodutos animais não destinados ao consumo humano (JO 2002, L 273, p. 1)].

3.   Os controlos oficiais referidos no n.o 1 devem compreender:

a)

Auditorias das boas práticas de higiene e dos procedimentos baseados no sistema de análise de perigos e controlo dos pontos críticos (HACCP);

b)

Os controlos oficiais especificados nos artigos 5.o, 6.o, 7.o e 8.o;

e

c)

Quaisquer funções específicas de verificação constantes dos anexos.

4.   As auditorias das boas práticas de higiene devem verificar se os operadores das empresas do setor alimentar aplicam os procedimentos de forma constante e correta, pelo menos em matéria de:

a)

Verificação das informações relativas à cadeia alimentar;

b)

Conceção e manutenção das instalações e do equipamento do estabelecimento;

c)

Higiene das operações, antes, durante e após a sua realização;

d)

Higiene do pessoal;

e)

Formação em matéria de higiene e métodos de trabalho;

f)

Luta antiparasitária;

g)

Qualidade da água;

h)

Controlo da temperatura;

e

i)

Controlo dos alimentos que entram e saem do estabelecimento e de toda a documentação que os acompanha.

5.   As auditorias aos procedimentos baseados no sistema HACCP devem verificar se os operadores das empresas do setor alimentar os aplicam de forma constante e correta, e nomeadamente assegurar que os procedimentos forneçam as garantias especificadas na secção II do anexo II ao Regulamento (CE) n.o 853/2004. Essas auditorias devem determinar nomeadamente se os procedimentos garantem na medida do possível que os produtos de origem animal:

a)

Observam os critérios microbiológicos previstos na legislação comunitária;

b)

Cumprem a legislação comunitária sobre resíduos, contaminantes e substâncias proibidas;

e

c)

Não têm perigos físicos, como corpos estranhos.

Quando, nos termos do artigo 5.o do Regulamento (CE) n.o 852/2004, o operador de uma empresa do setor alimentar utilizar procedimentos estabelecidos em códigos relativos à aplicação dos princípios do sistema HACCP em vez de estabelecer os seus próprios procedimentos específicos, a auditoria deve verificar a correta utilização desses códigos.

6.   A verificação do cumprimento dos requisitos do Regulamento (CE) n.o 853/2004 em matéria de aplicação de marcas de identificação deve ser efetuada em todos os estabelecimentos aprovados nos seus próprios termos, para além da verificação da observância de outros requisitos de rastreabilidade.

7.   No caso dos matadouros, instalações de tratamento de caça e instalações de desmancha que comercializem carne fresca, o veterinário oficial deve desempenhar as funções de auditoria referidas nos n.os 3 e 4.

8.   No desempenho das funções de auditoria, a autoridade competente deve prestar especial atenção a:

a)

Determinar se o pessoal e as atividades do pessoal no estabelecimento em todas as fases do processo de produção cumprem os requisitos pertinentes dos regulamentos referidos nas alíneas a) e b) do n.o 1. Em apoio da auditoria, a autoridade competente pode proceder a testes de desempenho, a fim de avaliar se o desempenho do pessoal corresponde a parâmetros específicos;

b)

Verificar os registos pertinentes do operador da empresa do setor alimentar;

c)

Colher amostras para análise laboratorial, sempre que necessário;

e

d)

Documentar os elementos tidos em conta e as conclusões da auditoria.

9.   A natureza e intensidade das funções de auditoria em estabelecimentos individuais devem depender do risco estimado. Para o efeito, a autoridade competente deve avaliar periodicamente:

a)

Os riscos para a saúde pública e, se for caso disso, para a saúde animal;

b)

No caso dos matadouros, os aspetos relativos ao bem‑estar dos animais;

c)

O tipo e a capacidade dos processos realizados;

e

d)

Os antecedentes do operador da empresa do setor alimentar em matéria de cumprimento da legislação alimentar.»

13

O artigo 5.o do Regulamento n.o 854/2004 está redigido do seguinte modo:

«Os Estados‑Membros devem assegurar que os controlos oficiais de carne fresca sejam efetuados nos termos do anexo I.

1)

O veterinário oficial deve efetuar inspeções em matadouros, instalações de tratamento e de desmancha de caça que comercializem carne fresca, de acordo com os requisitos gerais do capítulo II da secção I do anexo I e com os requisitos específicos da secção IV, especialmente no que diz respeito a:

a)

Informações sobre a cadeia alimentar;

b)

Inspeção ante mortem;

c)

Bem‑estar dos animais;

d)

Inspeção post mortem;

e)

Matérias de risco especificadas e outros subprodutos animais;

e

f)

Testes laboratoriais.

2)

A marcação de salubridade das carcaças dos ungulados domésticos, dos mamíferos de caça de criação, com exceção dos lagomorfos, e da caça grossa selvagem, bem como das meias‑carcaças e peças obtidas pela desmancha de meias‑carcaças em quartos ou em três grandes peças, deve ser efetuada nos matadouros e em estabelecimentos de tratamento de caça nos termos do capítulo III da secção I do anexo I. As marcas de salubridade devem ser aplicadas pelo veterinário oficial ou sob a sua responsabilidade, sempre que os controlos oficiais não tenham detetado quaisquer deficiências suscetíveis de tornar a carne imprópria para consumo humano.

3)

Depois de efetuar os controlos referidos nos pontos 1 e 2, o veterinário oficial deve tomar as medidas adequadas previstas na secção II do anexo I, nomeadamente em relação:

a)

À comunicação dos resultados das inspeções;

b)

Às decisões relativas às informações sobre a cadeia alimentar;

c)

Às decisões relativas aos animais vivos;

d)

Às decisões relativas ao bem‑estar dos animais;

e

e)

Às decisões relativas à carne.

4)

Os auxiliares oficiais podem coadjuvar o veterinário oficial nos controlos oficiais efetuados nos termos das secções I e II do anexo I, conforme especificado no capítulo I da secção III, devendo, nesse caso, trabalhar integrados numa equipa de inspeção independente.

5)

a)

Os Estados‑Membros devem assegurar a disponibilidade de pessoal oficial suficiente para realizar os controlos oficiais previstos no anexo I com a frequência prevista no capítulo II da secção III.

b)

Seguir‑se‑á uma abordagem em função do risco para avaliar o número de agentes oficiais que deve estar presente na linha de abate num determinado matadouro. O pessoal oficial envolvido deve ser em número suficiente para que possam ser cumpridos todos os requisitos do presente regulamento.

6)

a)

Os Estados‑Membros podem autorizar a assistência de pessoal dos matadouros nos controlos oficiais, desempenhando determinadas funções específicas, sob a supervisão do veterinário oficial, no que se refere à produção de carne de aves de capoeira e lagomorfos, de acordo com o disposto na parte A do capítulo III da secção III do anexo I. Nesse caso, devem assegurar que o pessoal que efetua essas tarefas:

i)

seja qualificado e formado de acordo com essas disposições,

ii)

atue independentemente do pessoal de produção,

e

iii)

apresente ao veterinário oficial relatórios sobre quaisquer deficiências encontradas.

b)

Os Estados‑Membros podem também autorizar o pessoal dos matadouros a desempenhar determinadas funções específicas de recolha de amostras e realização de testes de acordo com o disposto na parte B do capítulo III da secção III do anexo I.

7)

Os Estados‑Membros devem assegurar que os veterinários oficiais e os auxiliares oficiais possuam as habilitações necessárias e recebam formação de acordo com o disposto no capítulo IV da secção III do anexo I.»

14

Na secção I do anexo I deste regulamento, o capítulo III, intitulado «Marcação de salubridade», dispõe, nos seus pontos 1 e 2:

«1.

O veterinário oficial deve fiscalizar a marcação de salubridade e as marcas utilizadas.

2.

O veterinário oficial deve assegurar, em especial, que:

a)

A marca de salubridade só seja aplicada em animais […] que tenham sido submetidos a inspeções ante e post mortem em conformidade com o presente regulamento e se não houver motivos para que a carne seja declarada imprópria para consumo humano.

[…]»

15

Na secção III do anexo I do Regulamento n.o 854/2004, o capítulo IV, intitulado «Qualificações profissionais», dispõe, no seu ponto A:

«Veterinários oficiais

1.

A autoridade competente só poderá nomear veterinários oficiais os veterinários que tenham realizado com êxito um teste que cumpra os requisitos do ponto 2.

2.

A autoridade competente deverá tomar as disposições necessárias relativamente ao teste. O teste destina‑se a verificar os conhecimentos necessários sobre as seguintes matérias, em função da experiência e das qualificações do veterinário:

a)

Legislação nacional e comunitária sobre as medidas veterinárias relacionadas com a saúde pública, a segurança dos alimentos, a saúde e o bem‑estar dos animais e as substâncias farmacêuticas;

b)

Princípios da Política Agrícola Comum, medidas de mercado, restituições à exportação e deteção de fraudes […]

c)

Conhecimentos básicos em matéria de transformação dos géneros alimentícios e de tecnologia alimentar;

d)

Princípios, conceitos e métodos das boas práticas de fabrico e de gestão da qualidade;

[…]

g)

Princípios, conceitos e métodos da análise dos riscos;

h)

Princípios, conceitos e métodos do sistema HACCP, utilização desse sistema durante toda a cadeia de produção alimentar;

i)

Prevenção e controlo dos riscos de origem alimentar para a saúde humana;

[…]

o)

Tecnologias da informação e da comunicação associadas às medidas veterinárias relacionadas com a saúde pública;

[…]

u)

Princípio da precaução e interesses dos consumidores;

v)

Princípios de formação do pessoal que trabalha na cadeia de produção.

[…]

[…]

5.

O veterinário oficial deverá manter‑se atualizado e tomar conhecimento dos novos desenvolvimentos através de atividades periódicas de formação contínua e da leitura de bibliografia especializada. Sempre que possível, o veterinário oficial deve seguir ações de formação todos os anos.

6.

Os veterinários já nomeados veterinários oficiais deverão possuir os conhecimentos adequados acerca dos assuntos enumerados no ponto 2. Sempre que necessário, deverão adquirir estes conhecimentos através de ações de formação contínua. A autoridade competente deve tomar as disposições apropriadas a este respeito.

[…]»

Regulamento (CE) n.o 882/2004

16

O Regulamento n.o 882/2004 enuncia, nos seus considerandos 1, 41 e 43:

«(1)

Os alimentos para animais e os géneros alimentícios deverão ser seguros e sãos. A legislação comunitária contém um conjunto de normas para garantir o cumprimento desse objetivo. Essas normas abrangem a produção e a colocação no mercado de alimentos para animais e de géneros alimentícios.

[…]

(41)

As infrações à legislação em matéria de alimentos para animais e de géneros alimentícios bem como às normas relativas à saúde e ao bem‑estar dos animais, podem constituir uma ameaça para a saúde humana, a saúde animal e o bem‑estar dos animais. […]

[…]

(43)

Os operadores deverão ter direito de recurso das decisões tomadas pela autoridade competente na sequência dos controlos oficiais, e ser informados desse direito.»

17

Nos termos do artigo 1.o deste regulamento:

«1.   O presente regulamento estabelece normas gerais para a realização de controlos oficiais destinados a verificar o cumprimento de normas que visam, em especial:

a)

Prevenir, eliminar ou reduzir para níveis aceitáveis os riscos para os seres humanos e os animais, quer se apresentem diretamente ou através do ambiente;

e

b)

Garantir práticas leais no comércio dos alimentos para animais e dos géneros alimentícios e defender os interesses dos consumidores, incluindo a rotulagem dos alimentos para animais e dos géneros alimentícios e outras formas de informação dos consumidores.

2.   O presente regulamento não é aplicável aos controlos oficiais destinados a verificar o cumprimento das normas relativas às organizações comuns de mercado dos produtos agrícolas.

3.   O presente regulamento não prejudica quaisquer disposições comunitárias específicas relativas a controlos oficiais.

4.   A realização de controlos oficiais nos termos do presente regulamento não afeta a responsabilidade legal principal dos operadores das empresas do setor dos alimentos para animais e do setor alimentar, que consiste em garantir a segurança dos alimentos para animais e dos géneros alimentícios nos termos do Regulamento (CE) n.o 178/2002, nem a responsabilidade civil ou penal decorrente do incumprimento das suas obrigações.»

18

O artigo 2.o do Regulamento n.o 882/2004 dispõe:

«Para efeitos do presente regulamento, são aplicáveis as definições estabelecidas nos artigos 2.o e 3.o do Regulamento (CE) n.o 178/2002.

Além disso, entende‑se por:

1)

“Controlo oficial”, qualquer forma de controlo que a autoridade competente ou a Comunidade efetue para verificar o cumprimento da legislação em matéria de alimentos para animais e de géneros alimentícios, assim como das normas relativas à saúde e ao bem‑estar dos animais;

[…]

4)

“Autoridade competente”, a autoridade central de um Estado‑Membro com competência para organizar controlos oficiais ou qualquer outra autoridade a quem tenha sido atribuída essa competência; inclui, se for caso disso, a autoridade correspondente de um país terceiro;

5)

“Organismo de controlo”, um terceiro independente no qual a autoridade competente tenha delegado determinadas tarefas de controlo;

[…]

10)

“Incumprimento”, o incumprimento da legislação em matéria de alimentos para animais ou de géneros alimentícios e das normas para a proteção da saúde e do bem‑estar dos animais;

[…]»

19

O artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 882/2004, prevê:

«Os Estados‑Membros devem designar as autoridades competentes responsáveis para efeitos dos objetivos e dos controlos oficiais previstos no presente regulamento.»

20

Nos termos do artigo 5.o, n.o 1, deste regulamento:

«A autoridade competente pode delegar competências específicas relacionadas com os controlos oficiais num ou mais organismos de controlo nos termos dos n.os 2 a 4.

[…]»

21

O artigo 54.o do Regulamento n.o 882/2004, sob a epígrafe «Medidas em caso de incumprimento», indica:

«1.   Sempre que a autoridade competente identifique um incumprimento, deve tomar medidas que garantam que o operador resolva a situação. Ao decidir da ação a empreender, a autoridade competente terá em conta a natureza do incumprimento e os antecedentes do operador no tocante ao incumprimento.

2.   Essa ação deve incluir, se for caso disso, as seguintes medidas:

a)

Imposição de procedimentos sanitários ou de quaisquer outras medidas consideradas necessárias para garantir a segurança dos alimentos para animais ou dos géneros alimentícios ou o cumprimento da legislação em matéria de alimentos para animais ou de géneros alimentícios e das normas relativas à saúde e bem‑estar dos animais;

b)

Restrição ou proibição da colocação no mercado, da importação ou da exportação de alimentos para animais, de géneros alimentícios ou de animais;

c)

Acompanhamento e, se necessário, imposição da recolha, retirada e/ou destruição dos alimentos para animais e dos géneros alimentícios;

d)

Autorização de utilização dos alimentos para animais ou dos géneros alimentícios para fins diferentes daqueles a que inicialmente se destinavam;

e)

Suspensão do funcionamento ou encerramento da totalidade ou de parte da empresa em questão durante um período adequado;

f)

Suspensão ou retirada da acreditação concedida ao estabelecimento;

g)

Medidas referidas no artigo 19.o para as remessas de países terceiros;

h)

Quaisquer outras medidas consideradas adequadas pela autoridade competente.

3.   A autoridade competente fornecerá ao operador em causa, ou ao seu representante:

a)

A notificação escrita da sua decisão relativa à ação a empreender nos termos do n.o 1 e a respetiva fundamentação;

e

b)

Informações sobre os seus direitos de recurso de tais decisões, assim como sobre o procedimento e os prazos aplicáveis.

4.   Se necessário, a autoridade competente deve também notificar a autoridade competente do Estado‑Membro de expedição da sua decisão.

5.   Todas as despesas incorridas por força do presente artigo são suportadas pelos operadores responsáveis das empresas do setor dos alimentos para animais ou do setor alimentar.»

Direito do Reino Unido

22

Nos termos da section 8, n.o 2, do Food Safety Act 1990 (Lei sobre a Segurança dos Alimentos de 1990, a seguir «Lei de 1990»), um género alimentício não satisfaz as prescrições relativas à segurança dos géneros alimentícios se for perigoso na aceção do artigo 14.o do Regulamento n.o 178/2002.

23

A section 9 da Lei de 1990, epigrafada «Inspeção e apreensão de géneros alimentícios suspeitos», prevê o procedimento a seguir no caso de um agente habilitado de uma autoridade de controlo como a Agência das Normas Alimentares considerar, após uma inspeção, que os géneros alimentícios destinados ao consumo humano não são conformes com as exigências em matéria de segurança alimentar.

24

A section 9, n.os 3 e 4, dessa lei prevê:

«3)   O agente autorizado pode:

a)

quer emitir à pessoa responsável pelos géneros alimentícios um aviso informando‑a de que, até à retirada do referido aviso, esses géneros ou parte específica destes:

i)

não podem ser utilizados para consumo humano;

e

ii)

ou não devem ser removidos ou não devem ser removidos a não ser para um local especificado no aviso; ou

b)

apreender os géneros alimentícios em questão e removê‑los para que o caso seja apreciado por um juiz de paz.

Qualquer pessoa que infrinja intencionalmente as exigências de um aviso referido na alínea a), comete uma infração.

4)   No exercício dos poderes que lhe são atribuídos pelo n.o 3, alínea a), supra, o agente autorizado verifica, o mais brevemente possível e, de qualquer modo, no prazo de 21 dias, se os géneros alimentícios em causa satisfazem ou não as exigências de segurança alimentar e:

a)

se os géneros alimentícios forem considerados conformes, retirará imediatamente o aviso,

b)

se os géneros alimentícios não forem considerados conformes, apreende‑os e remove‑os para que o caso seja apreciado por um juiz de paz.»

25

Nos termos da section 9, n.os 6 e 7, da referida lei:

«6)   Caso o juiz de paz entenda, com base nos elementos de prova que, dadas as circunstâncias, considere adequados que os géneros alimentícios sobre os quais se deve pronunciar ao abrigo da presente section não cumprem as exigências de segurança alimentar, deve declarar os referidos géneros alimentícios impróprios para consumo e ordenar:

a)

a sua destruição ou eliminação de modo a impedir a sua utilização para consumo humano; e

b)

que quaisquer despesas razoavelmente incorridas para fins de destruição ou de eliminação sejam suportadas pelo proprietário dos géneros alimentícios.

7)   Se um aviso emitido nos termos da alínea a) do n.o 3 for retirado ou o juiz de paz que dele tenha sido chamado a conhecer ao abrigo da presente section se recusar a declarar os géneros alimentícios em causa impróprios para consumo, a autoridade de segurança alimentar indemnizará o proprietário dos géneros alimentícios por qualquer depreciação do seu valor resultante da medida tomada pelo agente habilitado.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

26

Em 11 de setembro de 2014, a CMC comprou um touro vivo por cerca de 1361,20 libras esterlinas (GBP) (aproximadamente 1700 euros). O veterinário oficial ao serviço do matadouro da CMC declarou o touro apto para abate e atribuiu‑lhe um número de abate. Depois de o touro ter sido abatido, um inspetor da higiene das carnes procedeu a uma inspeção post mortem da carcaça e das miudezas e constatou a presença de três abcessos nas miudezas. As miudezas foram rejeitadas. No mesmo dia, o veterinário oficial procedeu à inspeção da carcaça em causa e, após debate com o inspetor da higiene das carnes, declarou a carne imprópria para consumo humano porque se suspeitava de piemia, uma forma de septicemia. Por esse facto, não foi aposta nesta carcaça uma marca de salubridade, certificando que era própria para consumo humano. Consequentemente, a CMC estava proibida de vender a referida carcaça por força da disposição regulamentar 19 das Food Safety and Hygiene (England) Regulations 2013 [Regulamento de 2013 Relativo à Higiene e Segurança dos Géneros Alimentícios (Inglaterra)].

27

A CMC pediu a opinião de outro veterinário e contestou o aviso do veterinário oficial. Alegou que, tendo em conta a sua contestação e a sua recusa em entregar a carcaça voluntariamente, o veterinário oficial deveria ter procedido à apreensão desta e submeter o processo à apreciação de um juiz de paz, em conformidade com a section 9 da Lei de 1990 para resolver a questão de saber se a carcaça devia ou não ser declarada imprópria para consumo humano. A Agência das Normas Alimentares, a autoridade competente em matéria de segurança dos géneros alimentícios e responsável pelos controlos oficiais nos matadouros, considerou que não era necessário recorrer a esse procedimento e que, tendo sido considerada imprópria para consumo humano pelo veterinário oficial, a carcaça devia ser eliminada como subproduto animal.

28

Posteriormente, em 23 de setembro de 2014, o veterinário oficial, agindo por conta da Agência das Normas Alimentares, notificou à CMC um aviso ordenando‑lhe que eliminasse a carcaça em causa como subproduto animal por força da disposição regulamentar 25(2)(a) das Animal By‑Products (Enforcement) (England) Regulations 2013 [Regulamento de 2013 Relativo aos Subprodutos Animais (Execução) (Inglaterra)] e do Regulamento (CE) n.o 1069/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de outubro de 2009, que define regras sanitárias relativas a subprodutos animais e produtos derivados não destinados ao consumo humano e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1774/2002 (Regulamento Relativo aos Subprodutos Animais) (JO 2009, L 300, p. 1). Esse aviso informava a CMC de que a inobservância deste podia levar à eliminação da referida carcaça, pela pessoa habilitada a expensas da CMC, e que o facto de colocar entraves a uma pessoa habilitada para a execução das obrigações impostas pelo referido aviso constituía uma infração. Esse mesmo aviso precisava igualmente que a CMC dispunha de um direito de recurso da decisão do veterinário oficial através da fiscalização jurisdicional e que esse recurso devia ser interposto no prazo de três meses.

29

Os recorrentes no processo principal apresentaram no High Court of Justice (England & Wales), Queen's Bench Division (United Kingdom) [Tribunal Superior de Justiça (Inglaterra e País de Gales), Secção do Foro da Rainha (Reino Unido)] um pedido de fiscalização jurisdicional para impugnar, a título principal, o bem fundado da afirmação da Agência das Normas Alimentares segundo a qual esta última não era obrigada a utilizar o procedimento estabelecido na section 9 da Lei de 1990 e a título subsidiário, alegar, que cabe ao Reino Unido prever as vias de recurso da decisão de um veterinário oficial relativa ao caráter próprio ou não de determinada carne para consumo humano. O seu pedido foi julgado improcedente tanto nesse órgão jurisdicional como na Court of Appeal (England Wales) (Civil Division) [Tribunal de Recurso (Inglaterra e País de Gales) (Secção Cível), Reino Unido]. Por conseguinte, os recorrentes interpuseram recurso para o Supreme Court of the United Kingdom (Supremo Tribunal do Reino Unido)]

30

O órgão jurisdicional de reenvio refere que o processo que foi submetido à sua apreciação suscita três questões de fundo.

31

A primeira diz respeito a uma questão de direito interno, a saber, se o procedimento previsto na section 9 da Lei de 1990 é aplicável nas presentes circunstâncias e deve aplicado pelo veterinário oficial ou pela Agência de Normas Alimentares quando o proprietário da carcaça, a saber, o operador de matadouro em questão se recusa a entregá‑la voluntariamente, de modo a conceder a esse operador a possibilidade de impugnar as decisões do veterinário oficial com as quais não está de acordo. A segunda problemática é a de saber se a utilização do procedimento previsto neste artigo é compatível com o regime instituído pelos Regulamentos n.o 854/2004 e n.o 882/2004 em direito da União no domínio da segurança alimentar. A terceira problemática é a de saber se o Regulamento (CE) n.o 882/2004 exige a instauração de um processo de recurso e, em caso afirmativo, se esse recurso deve permitir a impugnação da decisão do veterinário oficial sobre o mérito no seu todo, ou se o alcance mais limitado da impugnação que implica a fiscalização jurisdicional de tal decisão basta para cumprir as exigências deste regulamento.

32

O órgão jurisdicional de reenvio indicou, designadamente, que o procedimento previsto na section 9 da Lei de 1990 não está elaborado na ótica de um recurso da decisão de um veterinário oficial sobre o caráter próprio ou não para consumo humano de determinada carne. Com efeito, este procedimento permite a um agente habilitado de uma autoridade fiscalizadora, como a Agência de Normas Alimentares, se considerar que um género alimentício destinado ao consumo humano não satisfaz as prescrições relativas à segurança dos géneros alimentícios, apreender esse género alimentar a fim de que um juiz de paz da jurisdição territorial se pronuncie, podendo este último ser quer um juiz não jurista quer um juiz de distrito, jurista de formação, que esteja disponível sem dificuldade a qualquer momento. O juiz de paz pode decidir, com base em elementos de prova que considere adequados, que a carcaça em causa não satisfaz as prescrições relativas ao consumo humano e ordenar a sua destruição a expensas do proprietário. Por outro lado, esse juiz pode igualmente recusar declará‑la imprópria para o consumo humano, devendo então a autoridade de controlo em causa indemnizar o proprietário de qualquer depreciação dessa carcaça devida à ação desse agente.

33

Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio sublinha que, segundo as recorrentes no processo principal, o procedimento previsto na section 9 da Lei de 1990 prevê a possibilidade, quer para o veterinário oficial quer para a Agência de Normas Alimentares, de tomarem medidas de execução decorrentes da decisão do veterinário oficial que declara uma carcaça imprópria para consumo humano e, para o operador do matadouro em causa, de submeter essa decisão a um exame judicial, bem como de pedir ao juiz de paz que decida se a carcaça em causa satisfazia ou não as prescrições relativas à segurança dos géneros alimentícios.

34

As recorrentes admitem que o juiz de paz não pode ordenar a um veterinário oficial a aposição de uma marca de salubridade, mas sustentam que, por um lado, um veterinário oficial deveria acatar essa decisão oficial do juiz de paz e, em consequência aponha uma marca de salubridade, e que, por outro, uma indemnização pode ser concedida. Por outro lado, as recorrentes no processo principal alegam igualmente uma violação do direito de propriedade garantido pelo artigo 17.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), que impõe, no entender das recorrentes, que seja previsto um mecanismo de exame judicial da decisão do veterinário oficial que declare uma carcaça imprópria para consumo humano. A este respeito, consideram que esta disposição seria violada se, sem justificação ou indemnização adequadas, o operador em causa fosse privado da propriedade da carcaça ou fosse obrigado a dispor desta de modo que lhe retirasse qualquer valor.

35

A Agência de Normas Alimentares, em contrapartida, considera que o procedimento previsto na section 9 da Lei de 1990 não permite resolver um litígio que tem por objeto a questão de saber se uma carcaça é ou não própria para consumo humano, uma vez que o juiz de paz não dispõe do poder para ordenar ao veterinário oficial a aposição de uma marca de salubridade nem de um outro poder que não seja o de ordenar a destruição de uma carcaça que não ostente tal marca como sendo imprópria para consumo humano. A Agência de Normas Alimentares considera que a carcaça em causa no processo principal deve ser, de qualquer modo, eliminada como subproduto animal. Quanto à pretensa violação do artigo 17.o da Carta, a Agência de Normas Alimentares alega que não resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que este artigo autoriza o controlo do uso dos bens se isso for um meio proporcionado para alcançar um objetivo legítimo (v. Acórdão de 10 de julho de 2003, Booker Aquaculture e Hydro Seafood, C‑20/00 e C‑64/00, EU:C:2003:397). Ora, esta considera que o objetivo que consiste em assegurar, no que respeita aos géneros alimentícios, um elevado nível de proteção da saúde humana e dos interesses dos consumidores, é legítimo e o meio escolhido é proporcionado.

36

O órgão jurisdicional de reenvio pediu ao Tribunal de Justiça que partisse do pressuposto de que a interpretação das recorrentes é exata e que um juiz de paz tem poder para proferir uma decisão que possa resultar na atribuição de uma indemnização se esse juiz considerar que uma marca de salubridade deveria ter sido aposta numa carcaça.

37

O órgão jurisdicional de reenvio observa, por outro lado, que, embora isso não tenha sido mencionado pela Agência de Normas Alimentares na sua argumentação, um operador de matadouro tem o direito de intentar um processo de fiscalização jurisdicional no High Court of Justice (England Wales) [Supremo Tribunal de Justiça (Inglaterra e País de Gales), Reino Unido], quer para impugnar uma decisão tomada pelo veterinário oficial que declare uma carcaça imprópria para consumo humano quer para anular um aviso de eliminação como o mencionado no n.o 28 do presente acórdão. Nesse procedimento, o órgão jurisdicional que conhece do pedido pode anular essa decisão por qualquer causa de ilegalidade, incluindo no caso de o veterinário oficial ter agido com fim diverso daquele para o qual os seus poderes lhe foram atribuídos, no caso de não ter aplicado o critério jurídico adequado ou no caso de a sua decisão carecer de fundamento ou não for sustentada por elementos de prova suficientes. Além disso, o referido órgão jurisdicional recorre ocasionalmente a uma fase oral, pode ordenar medidas obrigatórias Noé dispõe do poder para conceder indemnizações por violação dos direitos que decorrem da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, assinada em Roma em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»).

38

Todavia, o órgão jurisdicional de reenvio precisa que o processo de fiscalização jurisdicional não constitui um recurso sobre o mérito da decisão do veterinário oficial que declara uma carcaça imprópria para consumo humano.

39

Nestas condições, o Supreme Court of the United Kingdom (Supremo Tribunal do Reino Unido) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Opõem‑se os Regulamentos (CE) n.os 854/2004 e 882//2004 a um procedimento segundo o qual, nos termos do artigo 9.o do Food Safety Act 1990 (Lei de 1990 relativa à segurança dos géneros alimentícios), um juiz de paz decide quanto ao mérito da causa e com base nas provas periciais apresentadas por cada uma das partes no sentido de saber se a carcaça viola os requisitos em matéria de segurança dos géneros alimentícios?

2)

Prevê o Regulamento (CE) n.o 882//2004 um direito de recurso relativamente a uma decisão de um veterinário oficial, nos termos do artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento (CE) n.o 854/2004, segundo a qual a carne de uma carcaça é imprópria para consumo humano e, em caso afirmativo, que abordagem deverá ser adotada, em sede de recurso, no que respeita à fiscalização do mérito da decisão tomada pelo veterinário oficial?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à competência do Tribunal de Justiça

40

A título preliminar, há que observar que resulta do artigo 86.o, n.o 2, do Acordo de Saída, que entrou em vigor em 1 de fevereiro de 2020, que o Tribunal de Justiça continua a ser competente para decidir a título prejudicial sobre os pedidos dos órgãos jurisdicionais do Reino Unido apresentados antes do termo do período de transição, fixado em 31 de dezembro de 2020, o que é o caso do presente pedido de decisão prejudicial.

Quanto à primeira questão

41

Como resulta dos n.os 33 e 36 do presente acórdão, o órgão jurisdicional de reenvio pede ao Tribunal de Justiça que parta da premissa de que a interpretação da section 9 da Lei de 1990 preconizada pelas recorrentes no processo principal é exata e que, por conseguinte, por força dessa disposição, numa situação como a que está em causa no processo principal, em que o veterinário oficial recusou apor numa carcaça uma marca de salubridade e o proprietário da carcaça em causa está em desacordo com essa recusa, o veterinário oficial é obrigado a recorrer ao juiz de paz competente a fim de que este se pronuncie sobre a destruição da carcaça em causa, de modo a conceder ao seu proprietário a possibilidade de impugnar a decisão do veterinário oficial.

42

Nestas condições, há que considerar que, com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os Regulamentos n.o 854/2004 e n.o 882/2004 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional por força da qual, quando um veterinário oficial se recusa a apor numa carcaça uma marca de salubridade e o proprietário dessa carcaça não está de acordo com essa decisão, o veterinário oficial deve recorrer a um juiz para que este decida sobre o mérito e com base em opiniões técnicas de peritos designados por cada uma das partes se a referida carcaça satisfaz ou não as prescrições de segurança dos géneros alimentícios, sem poder formalmente anular as decisões do veterinário oficial nem ordenar a supressão dos efeitos dessas decisões.

43

Para interpretar as disposições dos Regulamentos n.o 854/2004 e n.o 882/2004, há que salientar que estes regulamentos fazem parte do «pacote “higiene dos géneros alimentícios”» do direito da União, como indica o órgão jurisdicional de reenvio e como frisou o advogado‑geral no n.o 42 das suas conclusões.

44

Ora, o objetivo prosseguido pelos referidos regulamentos é, em conformidade com os considerandos 4 e 6 do Regulamento n.o 854/2004 e com os considerandos 1 e 41 do Regulamento n.o 882/2004, alcançar, no que respeita aos géneros alimentícios, um nível elevado de proteção da saúde pública. A fim de alcançar esse nível, esses regulamentos impõem aos Estados‑Membros a realização de controlos oficiais destinados a verificar que a legislação alimentar é respeitada pelos operadores do setor alimentar em todas as fases do processo de produção (v., neste sentido, Acórdão de 12 de setembro de 2019, Pollo del Campo e o., C‑199/18, C‑200/18 e C‑343/18, EU:C:2019:718, n.o 33).

45

Neste contexto, a autoridade competente nos termos do artigo 2.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 854/2004, a saber, a autoridade central de um Estado‑Membro competente para efetuar controlos veterinários ou qualquer autoridade à qual essa competência tenha sido delegada, no caso em apreço a Agência de Normas Alimentares, nomeia, em conformidade com o artigo 2.o, n.o 1, alínea f), deste regulamento, o veterinário oficial que satisfaça as exigências relativas às qualificações profissionais previstas na secção III, capítulo IV, ponto A, do anexo I do referido regulamento enquanto veterinário habilitado a agir nessa qualidade.

46

A este respeito, como salientou o advogado‑geral nos n.os 44 a 46 das suas conclusões, resulta do Regulamento n.o 854/2004 e dos seus anexos que, no âmbito dos controlos oficiais dos produtos de origem animal destinados ao consumo humano, o legislador da União confiou ao veterinário oficial a responsabilidade de zelar por que a carne colocada no mercado seja própria para consumo humano e conferiu‑lhe, em conformidade com a secção I do Anexo I deste regulamento, intitulada «Tarefas do veterinário oficial», várias tarefas no exercício desse papel. Por conseguinte, o veterinário oficial pode ser razoavelmente considerado a pessoa mais bem qualificada para efetuar controlos nos Estados‑Membros (v., por analogia, Acórdão de 15 de abril de 1997, Bakers of Nailsea, C‑27/95, EU:C:1997:188, n.o 35).

47

Além disso, dado que o domínio da segurança dos géneros alimentícios se caracteriza por uma complexidade que apresenta um nível elevado de especialização, o veterinário oficial dispõe, no âmbito desses controlos, de um poder de apreciação importante que é, no entanto, enquadrado pelas exigências definidas nos regulamentos neste domínio (v., neste sentido, Acórdão de 12 de setembro de 2019, A e o., C‑347/17, EU:C:2019:720, n.o 69).

48

Ora, o papel importante que ocupa, em conformidade com o Regulamento n.o 854/2004, o veterinário oficial enquanto autoridade administrativa e enquanto perito qualificado, especializado e responsável final em matéria de segurança dos géneros alimentícios não pode ser conciliado com uma regulamentação nacional, como a que é objeto da primeira questão, segundo a qual, se o veterinário oficial considerar que deve recusar apor numa carcaça uma marca de salubridade e que o proprietário dessa carcaça contesta esta conclusão, o veterinário oficial deve obrigatoriamente recorrer a um juiz para que este decida se a referida carcaça satisfaz ou não dias prescrições relativas à segurança dos géneros alimentícios.

49

Com efeito, tal regulamentação conduz à substituição do veterinário oficial, enquanto responsável final em matéria de segurança dos géneros alimentícios, por um juiz que decide do mérito da causa.

50

Na medida em que, no âmbito do litígio no processo principal, se alega que tal regulamentação nacional permite conceder ao proprietário de uma carcaça na qual o veterinário oficial recusou apor uma marca de salubridade a possibilidade de impugnar essa decisão do veterinário oficial, importa, no entanto, determinar se os Regulamentos n.o 854/2004 e n.o 882/2004 impõem ao Estado‑Membro em causa que preveja uma via de recurso contra tal decisão.

51

Há que salientar que o Regulamento n.o 854/2004, relativo, por força do seu artigo 1.o, às regras específicas de organização dos controlos oficiais dos produtos de origem animal, não contém nenhuma regra relativa a direitos de recurso das decisões do veterinário oficial. Em contrapartida, o Regulamento n.o 882/2004, que estabelece regras gerais aplicáveis à realização dos controlos oficiais neste domínio, prevê expressamente, no seu artigo 54.o, n.o 3, em caso de incumprimento pelo operador em causa, a existência de direitos de recurso deste último contra decisões destinadas a sanar esse incumprimento.

52

Como resulta claramente do artigo 1.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 854/2004, este aplica‑se em complemento do Regulamento n.o 882/2004, que, nos termos do seu artigo 1.o, n.o 3, não afeta as disposições específicas do direito da União relativas aos controlos oficiais. Na falta de disposições específicas no Regulamento n.o 854/2004 relativas aos direitos de recurso de decisões do veterinário oficial, deve, portanto, fazer‑se referência às disposições gerais contidas no Regulamento n.o 882/2004.

53

A este respeito, há que examinar se o artigo 54.o do Regulamento n.o 882/2004, em especial o seu n.o 3, é aplicável às decisões do veterinário oficial tomadas no âmbito dos controlos oficiais que efetua, mais particularmente, às decisões de não apor marcação de salubridade num género alimentício, tomadas nos termos do artigo 5.o, ponto 2, do Regulamento n.o 854/2004.

54

Por força do artigo 54.o, n.o 3, do Regulamento n.o 882/2004, a autoridade competente deve transmitir ao operador em causa uma notificação escrita da sua decisão relativa às medidas a tomar em conformidade com o n.o 1 desse artigo, à fundamentação dessa decisão e informações sobre os direitos de recurso desse operador contra tal decisão, assim como sobre o procedimento e os prazos aplicáveis. Esta disposição deve ser lida à luz do considerando 43 deste regulamento, que indica que «[o]s operadores deverão ter direito de recurso das decisões tomadas pela autoridade competente na sequência dos controlos oficiais e ser informados desse direito».

55

Em conformidade com o seu n.o 1, o artigo 54.o do Regulamento n.o 882/2004 visa as medidas que a autoridade competente deve tomar para que, sempre que constate um incumprimento, o operador remedeie essa situação. Nestas condições, há que determinar se a decisão do veterinário oficial de não apor marcação de salubridade num género alimentício pode ser abrangida pelo conceito de «incumprimento», na aceção do artigo 54.o do Regulamento n.o 882/2004.

56

Importa sublinhar que o conceito de «incumprimento» é definido de modo lato no artigo 2.o, ponto 10, do Regulamento n.o 882/2004 e visa qualquer incumprimento da legislação relativa aos alimentos para animais ou aos géneros alimentícios, bem como das disposições relativas à proteção da saúde e do bem‑estar dos animais.

57

Além disso, o artigo 54.o, n.o 2, alínea b), deste regulamento prevê, de entre as medidas necessárias para que o operador remedeie um incumprimento constatado pela autoridade competente, as medidas que restringem ou proíbem a colocação no mercado de géneros alimentícios. Ora, em conformidade com o artigo 14.o, n.o 1, do Regulamento n.o 178/2002, não serão colocados no mercado géneros alimentícios se forem considerados impróprios para consumo humano.

58

Daqui resulta que a decisão do veterinário oficial, tomada ao abrigo do artigo 5.o, ponto 2, do Regulamento n.o 854/2004, conjugado com as disposições mencionadas nos n.os 56 e 57 do presente acórdão, de não apor uma marca de salubridade num género alimentício, pelo facto de uma irregularidade que pode tornar a carne imprópria para consumo humano ter sido detetada ao proceder ao controlo oficial, tem precisamente por efeito impedir que uma carcaça imprópria para consumo humano seja colocada no mercado.

59

Consequentemente, o artigo 54.o, n.o 3, do Regulamento n.o 882/2004 é aplicável à decisão do veterinário oficial de não apor marcação de salubridade num género alimentício tomada ao abrigo do artigo 5.o, ponto 2, do Regulamento n.o 854/2004 e impõe aos Estados‑Membros que prevejam uma via de recurso através da qual o operador de matadouro em causa pode impugnar essa decisão.

60

Por conseguinte, há que examinar se um processo como o visado pela primeira questão garante ao operador em causa uma proteção jurisdicional efetiva na aceção dos Regulamentos n.o 854/2004 e n.o 882/2004.

61

Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a possibilidade, concedida a um dado litigante, de agir judicialmente a fim de que seja declarada a violação dos direitos que lhe são garantidos pelo direito da União e de obter a reparação do prejuízo que lhe causou essa violação garante‑lhe uma proteção jurisdicional efetiva, sempre que o tribunal chamado a conhecer do litígio disponha da possibilidade de fiscalizar o ato ou a medida que está na origem da referida violação e do referido prejuízo [Acórdão de 6 de outubro de 2020, Estado luxemburguês (Direito à ação contra um pedido de informação em matéria fiscal), C‑245/19 e C‑246/19, EU:C:2020:795, n.o 101].

62

Como resulta da decisão de reenvio, o procedimento previsto na section 9 da Lei de 1990 não é elaborado na ótica de um recurso de uma decisão do veterinário oficial na aceção dos Regulamentos n.o 854/2004 e n.o 882/2004. Se o juiz que se pronuncia entender, com base em elementos de prova que considere adequados, que o género alimentício não satisfaz prescrições relativas à segurança dos géneros alimentícios, deverá declará‑lo impróprio para consumo humano e ordenar a sua destruição a expensas do proprietário. Por outro lado, o juiz chamado a decidir pode igualmente recusar declarar o género alimentício em causa impróprio para o consumo humano, devendo então a autoridade de controlo indemnizar o proprietário por qualquer depreciação devida à ação do agente em causa. O órgão jurisdicional de reenvio refere as alegações das recorrentes no processo principal, segundo as quais, nesta última hipótese, o veterinário oficial deveria acatar esta decisão do juiz e, consequentemente, apor uma marca de salubridade na carcaça em causa.

63

A este respeito, há que salientar, em primeiro lugar, à semelhança do advogado‑geral no n.o 88 das suas conclusões, que o referido procedimento não permite ao operador em causa cujos direitos e interesses sejam diretamente afetados por uma decisão do veterinário oficial de recorrer ao juiz competente por sua própria iniciativa.

64

Em segundo lugar, há que salientar que, no âmbito desse processo, o juiz não tem condições para impor ao veterinário oficial a sua própria decisão relativa às apreciações de facto em que a decisão impugnada do veterinário oficial se baseia.

65

Com efeito, embora, esse juiz, ao que parece, pode apurar os factos quanto a saber se o género alimentício em causa satisfaz ou não as prescrições relativas à segurança dos géneros alimentícios com base em elementos de prova que considera apropriados e possa, a este respeito, ter igualmente em conta o parecer de outro veterinário que encarregou de examinar a carcaça em causa, não está, no entanto, autorizado a anular a decisão do veterinário oficial que declara essa carcaça imprópria para consumo humano e que ordena a eliminação da referida carcaça enquanto subproduto animal.

66

Por conseguinte, o procedimento a que se refere a primeira questão não visa obter a anulação da decisão do veterinário oficial que declara a carcaça em causa imprópria para consumo humano nem a supressão dos efeitos dessa decisão e, por conseguinte, não conduz a uma decisão judicial dotada de um efeito juridicamente vinculativo no que respeita à autoridade administrativa em causa.

67

No que respeita às alegações das recorrentes no processo principal segundo as quais o veterinário oficial deve acatar a decisão de recusar declarar o alimento em causa impróprio para consumo humano e nele apor uma marca de salubridade, importa salientar que não deixa de ser verdade que o juiz chamado a decidir não dispõe do poder de resolver, ele próprio, de forma definitiva e vinculativa, uma impugnação das decisões do veterinário oficial que lhe são submetidas.

68

Do mesmo modo, o facto de uma indemnização poder ser devida quando, no âmbito de um procedimento como o referido na primeira questão, o órgão jurisdicional chamado a decidir recusa declarar a carcaça em causa imprópria para consumo humano, não pode conduzir a uma conclusão diferente, na medida em que a concessão dessa indemnização não é abrangida, enquanto tal, pelo objeto do litígio submetido a esse juiz.

69

Por conseguinte, há que concluir que um procedimento como o referido na primeira questão não pode fornecer a um operador de matadouro garantias suficientes contra as decisões do veterinário oficial e, portanto, esse procedimento não satisfaz as exigências de um recurso efetivo na aceção dos Regulamentos n.o 854/2004 e n.o 882/2004.

70

Resulta de todas as considerações precedentes que os Regulamentos n.o 854/2004 e n.o 882/2004 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional por força da qual, quando um veterinário oficial se recusa a apor numa carcaça uma marca de salubridade e o proprietário dessa carcaça não está de acordo com essa decisão, o veterinário oficial deve recorrer a um juiz para que este decida quanto ao mérito e com base em pareceres técnicos de peritos designados por cada uma das partes se a referida carcaça satisfaz ou não as prescrições relativas à segurança dos géneros alimentícios, sem poder formalmente anular as decisões do veterinário oficial nem ordenar a supressão dos efeitos dessas decisões.

Quanto à segunda questão

71

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 54.o do Regulamento n.o 882/2004, lido em conjugação com o seu considerando 43 e à luz do artigo 47.o da Carta, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional segundo a qual a decisão tomada pelo veterinário oficial, em conformidade com o artigo 5.o, ponto 2, do Regulamento n.o 854/2004, de não apor uma marca de salubridade sobre uma carcaça só pode ser objeto de fiscalização jurisdicional restrita, no âmbito da qual o órgão jurisdicional chamado a decidir a pode anular com base em qualquer fundamento que a torne ilegal, incluindo se o veterinário oficial tiver agido com uma finalidade diferente daquela para a qual esses poderes lhe foram conferidos, se não tiver aplicado os critérios jurídicos adequados ou se a sua decisão carecer de fundamento ou se não for sustentada por elementos de prova suficientes.

72

Como resulta dos n.os 54 e 59 do presente acórdão, os Regulamentos n.o 854/2004 e n.o 882/2004 impõem aos Estados‑Membros que prevejam uma via de recurso através da qual o operador de matadouro em causa pode impugnar as decisões do veterinário oficial e que este último deve, enquanto autoridade competente, transmitir a esse operador informações sobre os seus direitos de recurso, bem como sobre o procedimento e os prazos aplicáveis.

73

A este respeito, importa salientar que estes regulamentos deixam ao cuidado dos Estados‑Membros a previsão das regras necessárias para que os operadores de matadouro em causa possam exercer o seu direito a um recurso efetivo.

74

Há que recordar que, segundo jurisprudência consolidada do Tribunal de Justiça, o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE impõe aos Estados‑Membros que estabeleçam as vias de recurso necessárias para assegurar uma proteção jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo direito da União (Acórdão de 26 de junho de 2019, Craeynest e o., C‑723/17, EU:C:2019:533, n.o 31 e jurisprudência referida). Por outro lado, quando definem as modalidades processuais das ações judiciais, os Estados‑Membros devem garantir o respeito desse direito. Assim, apesar da inexistência de regras de direito da União sobre as modalidades dos recursos aos órgãos jurisdicionais nacionais, e para determinar a intensidade da fiscalização judicial das decisões nacionais adotadas em aplicação de um ato do direito da União, há que ter em conta a finalidade desta e zelar para que não seja posta em causa a sua eficácia (Acórdão de 26 de junho de 2019, Craeynest e o., C‑723/17, EU:C:2019:533, n.os 46 e 54 e jurisprudência referida).

75

Esta obrigação imposta aos Estados‑Membros corresponde ao direito consagrado no artigo 47.o da Carta, sob a epígrafe «Direito à ação e a um tribunal imparcial», segundo o qual toda a pessoa cujos direitos e liberdades garantidos pelo direito da União tenham sido violados tem direito a uma ação perante um tribunal (Acórdão de 27 de setembro de 2017, Puškár, C‑73/16, EU:C:2017:725, n.o 58 e jurisprudência referida).

76

Decorre daí que, quando definem as modalidades processuais das ações judiciais destinadas a assegurar a salvaguarda dos direitos conferidos pelos Regulamentos n.o 854/2004 e n.o 882/2004 aos operadores de matadouro lesados por decisões do veterinário oficial de não apor uma marca de salubridade numa carcaça, os Estados‑Membros devem garantir o respeito do direito do direito à ação e a um tribunal imparcial, consagrado no artigo 47.o da Carta, que constitui uma reafirmação do princípio da proteção jurisdicional efetiva (v., por analogia, Acórdão de 27 de setembro de 2017, Puškár, C‑73/16, EU:C:2017:725, n.o 59 e jurisprudência referida).

77

A este respeito, importa recordar que o artigo 52.o, n.o 3, da Carta visa assegurar a coerência necessária entre os direitos nela contidos e os direitos correspondentes garantidos pela CEDH, sem pôr em causa a autonomia do direito da União e do Tribunal de Justiça da União Europeia. Assim, há que ter em conta os direitos correspondentes da CEDH para efeitos da interpretação da Carta, enquanto limiar de proteção mínima (Acórdão de 6 de outubro de 2020, La Quadrature du Net e o., C‑511/18, C‑512/18 e C‑520/18, EU:C:2020:791, n.o 124 e jurisprudência referida).

78

Importa recordar, neste contexto, que o respeito do direito a uma proteção jurisdicional efetiva, garantido pelo artigo 47.o da Carta, deve ser apreciado, em conformidade com a jurisprudência constante, em função das circunstâncias específicas de cada caso concreto, designadamente da natureza do ato em causa, do contexto em que foi adotado e das regras jurídicas que regem a matéria em questão (v., neste sentido, Acórdão de 26 de julho de 2017, Sacko, C‑348/16, EU:C:2017:591, n.o 41 e jurisprudência referida).

79

Trata‑se dos critérios que são, em substância, comparáveis aos aplicados pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Com efeito, este último decide de forma constante que, para avaliar se, num determinado caso, os órgãos jurisdicionais internos efetuaram uma fiscalização de alcance suficiente, deve tomar em consideração as competências atribuídas ao órgão jurisdicional em questão e elementos como, em primeiro lugar, o objeto da decisão impugnada, mais particularmente a questão de saber se esta diz respeito a uma questão especializada que exige conhecimentos ou experiência profissionais ou se, e em que medida, implica o exercício do poder discricionário da Administração, em segundo lugar, o método seguido para chegar a essa decisão e, em particular, as garantias processuais existentes no âmbito do procedimento perante a autoridade administrativa e, em terceiro lugar, o teor do litígio, incluindo os fundamentos de recurso, tanto os pretendidos como os realmente desenvolvidos (TEDH, 6 de novembro de 2018, Ramos Nunes de Carvalho e Sá c. Portugal, CE:ECHR:2018:1106JUD005539113, § 179 e jurisprudência referida).

80

Daqui resulta que o Tribunal de Justiça e o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem adotam a mesma regra segundo a qual, como salientou o advogado‑geral no n.o 68 das suas conclusões, o direito a uma proteção jurisdicional efetiva garantido pelo artigo 47.o da Carta prevê que, para que um órgão jurisdicional possa conhecer de uma impugnação relativa a direitos e obrigações decorrentes do direito da União, é necessário que tenha competência para examinar todas as questões de facto e de direito pertinentes para o litígio de que é chamado a decidir (Acórdão de 6 de novembro de 2012, Otis e o., C‑199/11, EU:C:2012:684, n.o 49 e jurisprudência referida).

81

Ora, no caso em apreço, como precisa o órgão jurisdicional de reenvio não é esse o caso no processo principal.

82

Com efeito, resulta da decisão de reenvio que o operador de um matadouro tem a possibilidade de instaurar um processo de fiscalização jurisdicional no High Court of Justice (England Wales) [Supremo Tribunal de Justiça (Inglaterra e País de Gales)] quer para impugnar a decisão tomada pelo veterinário oficial que declara uma carcaça imprópria para consumo humano, decisão que comporta, portanto, a recusa de apor uma marca de salubridade, quer para anular um aviso de eliminação dessa carcaça. Este órgão jurisdicional pode anular a decisão do veterinário oficial com base em qualquer fundamento que torne a decisão ilegal, incluindo se esse veterinário tiver agido com uma finalidade diferente daquela para a qual os seus poderes lhe foram conferidos, se não tiver aplicado os critérios jurídicos adequados ou se a sua decisão carecer de fundamento ou não for sustentada por elementos de prova suficientes. Recorre ocasionalmente a uma fase oral, ordena medidas obrigatórias e dispõe do poder de conceder indemnizações por violação dos direitos decorrentes da CEDH. No entanto, o órgão jurisdicional de reenvio precisa que o processo de fiscalização jurisdicional não constitui um recurso sobre o mérito interposto da decisão tomada.

83

Por conseguinte, há que determinar se o alcance de uma fiscalização jurisdicional de uma decisão tomada pelo veterinário oficial, em conformidade com o artigo 5.o, ponto 2, do Regulamento n.o 854/2004, de não apor uma marca de salubridade numa carcaça, como a efetuada pelo High Court of Justice (England Wales) [Tribunal Superior de Justiça (Inglaterra e País de Gales)], satisfaz as exigências do artigo 54.o do Regulamento n.o 882/2004, lido à luz do artigo 47.o da Carta, bem como da jurisprudência referida nos n.os 74 a 79 do presente acórdão.

84

A este respeito, há que salientar, em primeiro lugar, que nenhuma disposição dos Regulamentos n.o 854/2004 e n.o 882/2004 prevê uma fiscalização jurisdicional completa quanto ao mérito da decisão do veterinário oficial de não apor uma marca de salubridade numa carcaça.

85

Em segundo lugar, como foi recordado no n.o 47 do presente acórdão, dado que o domínio da segurança dos géneros alimentícios se caracteriza por uma complexidade que apresenta um nível elevado de especialização, o veterinário oficial dispõe, no âmbito dos controlos oficiais de que está encarregado, de um poder de apreciação importante. Com efeito resulta do artigo 5.o, ponto 2, in fine, do Regulamento n.o 854/2004, que as marcas de salubridade devem ser aplicadas pelo veterinário oficial ou sob a sua responsabilidade, sempre que os controlos oficiais não tenham detetado nenhuma das irregularidades suscetíveis de tornar a carne imprópria para consumo humano.

86

Como prevê a secção I, capítulo II, do anexo I desse regulamento, relativo às tarefas de inspeção, no âmbito dos controlos oficiais, o veterinário oficial deve controlar e analisar as informações pertinentes provenientes dos registos da exploração de origem dos animais destinados ao abate, bem como ter em conta os resultados devidamente documentados desse controlo e análises quando efetua inspeções ante e post mortem.

87

Além disso, resulta da secção I, capítulo III, desse anexo, que o veterinário oficial deve, designadamente, assegurar que a marca de salubridade só seja aposta em animais que tenham sido submetidos a uma inspeção ante mortem e post mortem em conformidade com o referido regulamento e quando não haja nenhum motivo para declarar a carcaça em causa imprópria para consumo humano.

88

Daqui resulta que, para decidir se deve ou não apor uma marca de salubridade numa carcaça, o veterinário oficial deve proceder a uma apreciação técnica complexa que necessita de uma qualificação profissional adequada, bem como uma peritagem na matéria. É assim que é plenamente responsável para impedir que nenhuma carne imprópria para consumo humano seja colocada no mercado e que seja assim assegurado o objetivo prosseguido pelos Regulamentos n.o 854/2004 e n.o 882/2004.

89

Por outro lado, a sua decisão deve, por força do artigo 54.o, n.o 3, do Regulamento n.o 882/2004, respeitar certas exigências relativas, nomeadamente, à sua notificação escrita e à sua fundamentação, bem como a informações sobre os direitos de recurso. Entre essas exigências, o dever de fundamentação das decisões das autoridades nacionais, tal como resulta da jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, reveste uma importância especial, na medida em que permite aos destinatários dessas decisões defenderem os seus direitos e decidirem com pleno conhecimento de causa se há que interpor recurso dessas decisões. Esse dever é igualmente necessário para permitir aos tribunais exercer a fiscalização da legalidade das referidas decisões e constitui, portanto, um dos requisitos da efetividade da fiscalização jurisdicional garantida pelo artigo 47.o da Carta (v., neste sentido, Acórdãos de 9 de novembro de 2017, LS Customs Services, C‑46/16, EU:C:2017:839, n.o 40, e de 15 de julho de 2021, Comissão/Landesbank Baden‑Württemberg e CUR, C‑584/20 P e C‑621/20 P, EU:C:2021:601, n.o 103).

90

Neste contexto, há que salientar que, em função das circunstâncias específicas do caso em apreço, em particular das regras em matéria de segurança dos géneros alimentícios, quando lhe é submetido um recurso a fim de impugnar decisões do veterinário oficial como a que está em causa no processo principal, o órgão jurisdicional nacional competente deve garantir que o processo jurisdicional, no seu todo, seja conforme tanto com o direito a uma ação efetiva, na aceção do artigo 47.o da Carta como o objetivo de alcançar um nível elevado de proteção da saúde pública prosseguido pelos Regulamentos n.o 854/2004 e n.o 882/2004, baseados no artigo 168.o, n.o 4, alínea b), TFUE.

91

Ora, a responsabilidade do veterinário oficial quando decide que uma carcaça é própria para consumo humano e, assim, suscetível de ser colocada no mercado não exige, tendo em conta o objetivo da proteção da saúde pública, que o artigo 47.o da Carta seja interpretado, no âmbito de um processo de fiscalização jurisdicional de decisões de autoridades administrativas, no sentido de que obriga os Estados‑Membros a instituir uma fiscalização jurisdicional de todas as apreciações feitas pelo veterinário oficial sobre os factos muito específicos constatados durante as inspeções e relativos à marcação de salubridade.

92

No caso em apreço, resulta dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe que o High Court of Justice (England Wales) [Supremo Tribunal de Justiça (Inglaterra e País de Gales)], no âmbito da apreciação de um recurso de uma decisão do veterinário oficial como a que está em causa no processo principal, é competente para fiscalizar essa decisão segundo as modalidades precisadas no n.o 82 do presente acórdão, nomeadamente a fim de se assegurar que o veterinário oficial não agiu com uma finalidade diferente daquela para a qual os seus poderes lhe foram conferidos e, sendo caso disso, de sancionar o facto de não ter aplicado os critérios jurídicos adequados ou de a sua decisão carecer de fundamento ou não ser sustentada por elementos de prova suficientes.

93

Na medida em que essa fiscalização jurisdicional no órgão jurisdicional nacional competente é exercida tendo em conta a fundamentação exigida da decisão do veterinário oficial, o seu alcance assim limitado não vai a ponto de comprometer a própria essência das garantias que protegem os direitos do operador de matadouro quando este impugna, em conformidade com os Regulamentos n.o 854/2004 e n.o 882/2004, lidos à luz do artigo 47.o da Carta, uma decisão do veterinário oficial que recusa apor uma marcação de salubridade após ter declarado a carne em causa imprópria para consumo humano. Por conseguinte, esse controlo é suscetível de respeitar o direito de um operador de matadouro a uma proteção jurisdicional efetiva, garantido pelo artigo 47.o da Carta.

94

Esta conclusão não pode ser posta em causa pelo argumento apresentado pelo operador do matadouro em causa no processo principal no órgão jurisdicional de reenvio relativo à violação do direito de propriedade.

95

A este respeito, há que salientar, por um lado, que é certo que, na sequência de uma decisão do veterinário oficial de não apor a marca de salubridade, o tratamento da carcaça em causa pode ter como consequência a obrigação da sua destruição. No entanto, essa destruição é abrangida pelo tratamento, em conformidade com o Regulamento n.o 1069/2009, que, com o objetivo, nomeadamente, de controlar os riscos para a saúde pública e animal, estabelece uma classificação dos subprodutos animais e dos produtos derivados em três categorias consoante o grau de risco que apresentam para a saúde pública e animal, com base na avaliação dos riscos. Importa recordar, como o Tribunal de Justiça sublinhou no Acórdão desse dia, Toropet (C‑836/19, n.o 45), que esse grau de risco de que depende essa classificação nas três categorias constitui igualmente o critério pertinente para a utilização final dos subprodutos animais. Com efeito, o Regulamento n.o 1069/2009 instaurou listas de utilizações e de eliminações possíveis para cada categoria de matérias, bem como as regras aplicáveis a cada uma delas, para que esse nível de risco seja reduzido ao mínimo.

96

Por outro lado, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o direito de propriedade, que é garantido pelo artigo 17.o da Carta, não constitui uma prerrogativa absoluta, antes deve ser tomado em consideração por referência à sua função na sociedade (v., neste sentido, Acórdão de 10 de julho de 2003, Booker Aquaculture e Hydro Seafood, C‑20/00 e C‑64/00, EU:C:2003:397, n.o 68). No contexto do processo principal, o direito de propriedade deve ser conciliado com o artigo 38.o da Carta que, à semelhança do artigo 168.o, n.o 4, alínea b), TFUE, se destina a assegurar, nas políticas da União, um nível elevado de proteção dos consumidores, incluindo a proteção da saúde pública.

97

Ora, a importância que reveste o objetivo de proteção dos consumidores é suscetível de justificar consequências económicas negativas, mesmo significativas, para certos operadores económicos (v., por analogia, Acórdão de 23 de março de 2021, Airhelp, C‑28/20, EU:C:2021:226, n.o 50 e jurisprudência referida). É também o que sucede no caso em apreço, na medida em que o artigo 1.o, n.o 3, do Regulamento n.o 854/2004 prevê a responsabilidade jurídica primária dos operadores do setor alimentar de assegurarem, eles próprios, a segurança dos géneros alimentícios, em conformidade com o Regulamento n.o 178/2002, independentemente das consequências económicas que esse dever lhes possa causar.

98

Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que responder à segunda questão que o artigo 54.o do Regulamento n.o 882/2004, lido em conjugação com o seu considerando 43 e à luz do artigo 47.o da Carta, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional segundo a qual a decisão tomada pelo veterinário oficial, em conformidade com o artigo 5.o, ponto 2, do Regulamento n.o 854/2004, conforme alterado pelo Regulamento n.o 882/2004, de não apor uma marca de salubridade numa carcaça só pode ser objeto de fiscalização jurisdicional restrita, no âmbito da qual o órgão jurisdicional que se pronuncia pode anular essa decisão com base em qualquer fundamento que a torne ilegal, incluindo se o veterinário oficial tiver agido com uma finalidade diferente daquela para a qual os seus poderes lhe foram conferidos, se não tiver aplicado os critérios jurídicos adequados ou se a sua decisão carecer de fundamento ou não for sustentada por elementos de prova suficientes.

Quanto às despesas

99

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

 

1)

O Regulamento (CE) n.o 854/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, que estabelece regras específicas de organização dos controlos oficiais de produtos de origem animal destinados ao consumo humano, conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 882/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, e o Regulamento n.o 882/2004 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional por força da qual, quando um veterinário oficial se recusa a apor numa carcaça uma marca de salubridade e o proprietário dessa carcaça não está de acordo com essa decisão, o veterinário oficial deve recorrer a um juiz para que este decida quanto ao mérito e com base em pareceres técnicos de peritos designados por cada uma das partes se a referida carcaça satisfaz ou não as prescrições relativas à segurança dos géneros alimentícios, sem poder formalmente anular as decisões do veterinário oficial nem ordenar a supressão dos efeitos dessas decisões.

 

2)

O artigo 54.o do Regulamento n.o 882/2004, lido em conjugação com o seu considerando 43 e à luz do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional segundo a qual a decisão tomada pelo veterinário oficial, em conformidade com o artigo 5.o, ponto 2, do Regulamento n.o 854/2004, conforme alterado pelo Regulamento n.o 882/2004, de não apor numa carcaça uma marca de salubridade só pode ser objeto de fiscalização jurisdicional restrita, no âmbito da qual o órgão jurisdicional que se pronuncia pode anular essa decisão com base em qualquer fundamento que a torne ilegal, incluindo se o veterinário oficial tiver agido com uma finalidade diferente daquela para a qual os seus poderes lhe foram conferidos, se não tiver aplicado os critérios jurídicos adequados ou se a sua decisão carecer de fundamento ou não for sustentada por elementos de prova suficientes.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: inglês.