ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

15 de abril de 2021 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Convenção de Aarhus — Diretiva 2003/4/CE — Direito de acesso às informações sobre ambiente detidas pelas autoridades públicas — Artigo 2.o, ponto 2 — Conceito de “autoridade pública” — Órgãos ou instituições que atuam no exercício da sua competência judicial — Informações contidas nos autos de um processo judicial encerrado»

No processo C‑470/19,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela High Court (Tribunal Superior, Irlanda), por Decisão de 21 de maio de 2019, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 17 de junho de 2019, no processo

Friends of the Irish Environment Ltd

contra

Commissioner for Environmental Information,

sendo interveniente:

Courts Service of Ireland,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: J.‑C. Bonichot, presidente de secção (relator), R. Silva de Lapuerta, vice‑presidente do Tribunal de Justiça, e M. Ilešič, exercendo funções de juízes da primeira secção, M. Safjan e N. Jääskinen, juízes,

advogado‑geral: M. Bobek,

secretário: C. Strömholm, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 16 de setembro de 2020,

considerando as observações apresentadas:

em representação da Friends of the Irish Environment Ltd, por J. Kenny, BL, O. Clarke e A. Jackson, solicitors, e J. Healy, SC,

em representação do Commissioner for Environmental Information, por F. Valentine, BL, E. Egan, SC, e R. Minch, solicitor,

em representação do Courts Service of Ireland, por C. Donnelly, BL, B. Murray e M. Collins, SC, M. Costelloe e H. Gibbons, solicitors,

em representação da Irlanda, por M. Browne, G. Hodge e A. Joyce, na qualidade de agentes, assistidos por A. Carroll, BL, e C. Toland, SC,

em representação do Governo polaco, por B. Majczyna e D. Krawczyk, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por G. Gattinara e C. Cunniffe, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 3 de dezembro de 2020,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 2.o, ponto 2, da Diretiva 2003/4/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de janeiro de 2003, relativa ao acesso do público às informações sobre ambiente e que revoga a Diretiva 90/313/CEE do Conselho (JO 2003, L 41, p. 26).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Friends of the Irish Environment Ltd ao Commissioner for Environmental Information (Comissário para a Informação sobre Ambiente, Irlanda) a respeito do acesso aos autos de um processo judicial encerrado.

Quadro jurídico

Direito internacional

3

A Convenção sobre o Acesso à Informação, Participação do Público no Processo de Tomada de Decisão e Acesso à Justiça em Matéria de Ambiente, assinada em Aarhus, em 25 de junho de 1998, e aprovada, em nome da Comunidade Europeia, pela Decisão 2005/370/CE do Conselho, de 17 de fevereiro de 2005 (JO 2005, L 124, p. 1; a seguir «Convenção de Aarhus»), dispõe, no seu artigo 2.o, n.o 2:

«[Entende‑se por]“Autoridade pública”:

a)

Um governo a nível nacional, regional ou outro;

b)

Pessoas singulares ou coletivas que desempenhem funções de administração pública, de acordo com o direito interno, incluindo o exercício de deveres específicos, a realização de atividades ou a prestação de serviços relacionados com o ambiente;

c)

Quaisquer outras pessoas singulares ou coletivas com responsabilidades públicas, que desempenhem funções públicas ou que prestem serviços públicos relacionados com o ambiente, sob o controlo de um organismo ou de uma entidade referida nas alíneas a) ou b);

[…]

Esta definição não inclui organismos ou instituições que atuem na qualidade de órgãos jurisdicionais ou legislativos.»

4

O artigo 4.o, n.o 1, da Convenção de Aarhus prevê que, com algumas reservas, cada parte nessa convenção deve assegurar que as autoridades públicas coloquem à disposição do público, no quadro da sua legislação nacional, as informações sobre ambiente que lhes sejam solicitadas.

5

O artigo 4.o, n.o 4, da Convenção de Aarhus especifica:

«Pode ser recusado um pedido de informações se a divulgação das mesmas afetar negativamente:

[…]

c)

O funcionamento da justiça, o direito dos cidadãos a um julgamento justo ou a possibilidade de as autoridades públicas conduzirem inquéritos de natureza criminal ou disciplinar;

[…]

Os fundamentos de recusa acima referidos devem ser objeto de uma interpretação restritiva, tendo em conta o interesse público defendido pela divulgação e o facto de a informação solicitada ser relativa a emissões para o ambiente.»

Direito da União

6

Os considerandos 1, 5, 11 e 16 da Diretiva 2003/4 enunciam:

«(1)

Um maior acesso do público às informações sobre ambiente e a sua divulgação contribuem para uma maior sensibilização dos cidadãos em matéria de ambiente, para uma livre troca de opiniões, para uma participação mais efetiva do público no processo de decisão em matéria de ambiente e, eventualmente, para um ambiente melhor.

[…]

(5)

[…] As disposições da legislação comunitária devem ser compatíveis com [a Convenção de Aarhus], tendo em vista a sua conclusão pela Comunidade Europeia.

[…]

(11)

Para ter em conta o princípio consagrado no artigo 6.o do Tratado, de que as exigências em matéria de proteção do ambiente devem ser integradas na definição e execução das políticas e ações da Comunidade, a definição de autoridades públicas deve ser tornada extensiva ao governo ou a outras entidades da administração pública, a nível nacional, regional ou local, com ou sem responsabilidades em matéria de ambiente. Essa definição deverá igualmente abranger outras pessoas ou organismos que desempenhem funções administrativas públicas relacionadas com o ambiente, nos termos da legislação nacional, bem como outras pessoas ou organismos que atuem sob o seu controlo e que tenham responsabilidades ou exerçam funções públicas relacionadas com o ambiente.

[…]

(16)

O direito à informação significa que a divulgação de informação deve ser uma regra geral e que as autoridades públicas devem poder recusar um pedido de informações sobre ambiente em casos específicos e claramente definidos. Os motivos da recusa devem ser interpretados de forma restrita, mediante uma ponderação do interesse público protegido pela divulgação por oposição ao interesse protegido pela recusa. […]»

7

Nos termos do artigo 1.o desta diretiva:

«A presente diretiva tem os seguintes objetivos:

a)

Garantir o direito de acesso à informação sobre ambiente na posse das autoridades públicas ou detida em seu nome e estabelecer as condições básicas do, e disposições práticas para o, seu exercício; e

b)

Garantir, por via de regra, que a informação sobre ambiente seja progressivamente disponibilizada e divulgada ao público, a fim de atingir a mais vasta disponibilização e divulgação sistemáticas junto do público de informação sobre o ambiente. Para o efeito será conveniente promover, em especial, a utilização de tecnologias telemáticas e/ou eletrónicas, quando disponíveis.»

8

O artigo 2.o, n.o 2, da referida diretiva tem a seguinte redação:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

2.

“Autoridade pública”:

a)

O governo ou outros órgãos da administração pública nacional, regional ou local, incluindo órgãos consultivos;

b)

Qualquer pessoa singular ou coletiva que exerça funções administrativas públicas nos termos da legislação nacional, incluindo deveres, atividades ou serviços específicos, relacionados com o ambiente;

c)

Qualquer pessoa singular ou coletiva que tenha responsabilidades ou exerça funções públicas ou que preste serviços públicos relacionados com o ambiente, sob o controlo de um organismo ou pessoa referidos nas alíneas a) ou b).

Os Estados‑Membros podem prever que esta definição não inclua órgãos ou instituições no exercício da sua competência judicial ou legislativa. Os Estados‑Membros podem excluir órgãos ou instituições desta definição caso, na data de adoção da presente diretiva, a respetiva ordem constitucional não preveja um processo de recurso na aceção do artigo 6.o»

9

O artigo 3.o, n.o 1, da mesma diretiva dispõe:

«Os Estados‑Membros asseguram que as autoridades públicas sejam, nos termos da presente Diretiva, obrigadas a disponibilizar a qualquer requerente informação sobre ambiente na sua posse ou detida em seu nome, sem que o requerente tenha de justificar o seu interesse.»

10

Depois do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2003/4, que permite aos Estados‑Membros preverem o indeferimento de um pedido de informação sobre ambiente em certas hipóteses, o artigo 4.o, n.o 2, desta diretiva oferece igualmente essa faculdade aos Estados‑Membros nos termos seguintes:

«Os Estados‑Membros podem prever o indeferimento de um pedido de informação sobre ambiente se a divulgação dessa informação prejudicar:

[…]

c)

O bom funcionamento da justiça, o direito de todos a um julgamento equitativo ou a possibilidade de uma autoridade pública instruir um inquérito de caráter penal ou disciplinar;

[…]

Os motivos de indeferimento referidos nos n.os 1 e 2 devem ser interpretados de forma restritiva, tendo em conta, em cada caso, o interesse público servido pela sua divulgação. Em cada caso específico, o interesse público que a divulgação serviria deve ser avaliado por oposição ao interesse servido pelo indeferimento. Os Estados‑Membros não podem, por força do disposto nas alíneas a), d), f), g) e h) do n.o 2, prever o indeferimento de um pedido que incida sobre emissões para o ambiente.

[…]»

11

O artigo 6.o da Diretiva 2003/4, sob a epígrafe «Acesso à justiça», impõe aos Estados‑Membros que adotem as disposições necessárias para que qualquer requerente de informações sobre ambiente que considere que o seu pedido foi ignorado, indevidamente indeferido, obteve uma resposta inadequada ou não foi tratado em conformidade com as disposições dessa diretiva, possa interpor recurso administrativo ou judicial dos atos ou omissões da autoridade pública em causa.

Direito irlandês

12

O European Communities (Access to Information on the Environment) Regulations 2007‑2018 [Regulamento 2007‑2018 — Comunidades Europeias (Acesso à Informação sobre o Ambiente)] (a seguir «regras nacionais irlandesas»)] transpõe a Diretiva 2003/4 para o direito irlandês.

13

O artigo 3.o n.o 1, das regras nacionais irlandesas transpõe, em substância, o artigo 2.o, n.o 2, da referida diretiva.

14

Por força do artigo 3.o, n.o 2, das regras nacionais irlandesas, os órgãos «no exercício da sua competência judicial ou legislativa» estão excluídos da definição de autoridades públicas.

Litígio no processo principal e questão prejudicial

15

Em 25 de fevereiro de 2016, a High Court (Tribunal Superior, Irlanda) proferiu a sua sentença num processo que opõe X & Y ao An Bord Pleanala, contra a qual não foi interposto recurso. Esse processo dizia respeito à impugnação de uma licença emitida para a construção de aerogeradores no condado de Cork (Irlanda).

16

Em 9 de julho de 2016, a Friends of the Irish Environment escreveu ao Central Office of the High Court (Secretaria do Tribunal Superior, Irlanda), cuja gestão é confiada a um secretário nomeado pelo Courts Service of Ireland (Serviço dos Tribunais da Irlanda) (a seguir «Serviço dos Tribunais»), pedindo cópia das peças processuais, dos depoimentos sob juramento, dos documentos e das observações escritas apresentadas por todas as partes, bem como das decisões definitivas no referido processo. Esse pedido foi apresentado com base na Convenção de Aarhus e na Diretiva 2003/4, transposta pelas regras nacionais irlandesas.

17

O Serviço dos Tribunais indeferiu o pedido da recorrente no processo principal por Decisão de 13 de julho de 2016. Essa decisão baseava‑se, nomeadamente, no facto de as regras nacionais irlandesas não abrangerem os processos judiciais nem os documentos apresentados em tais processos.

18

Em 18 de julho de 2016, a recorrente no processo principal requereu ao Serviço dos Tribunais que reapreciasse a respetiva decisão. Não tendo recebido resposta, interpôs, em 15 de setembro de 2016, recurso para o Comissário para a Informação sobre Ambiente.

19

Em 19 de junho de 2017, o Comissário para a Informação sobre Ambiente escreveu à recorrente no processo principal indicando que já tinha sido tomada uma decisão num processo semelhante, o processo CEI/15/0008 An Taisce & The Courts Service. Sublinhando que cada processo é objeto de uma apreciação quanto ao mérito, solicitou à recorrente no processo principal que o informasse de uma razão que justificasse uma decisão diferente no que respeita ao seu pedido de acesso aos autos no processo judicial que opõe a X & Y ao An Bord Pleanala.

20

Na sua resposta de 26 de julho de 2017, a recorrente no processo principal indicou que pretendia invocar os fundamentos constantes do seu recurso e os de An Taisce no primeiro processo.

21

Por Decisão de 31 de julho de 2017, o Comissário para a Informação sobre Ambiente negou provimento ao recurso. Considerou que o Serviço dos Tribunais detinha os autos solicitados no âmbito do exercício da competência judicial, em nome da autoridade judicial. Considerou igualmente que o Serviço dos Tribunais, quando atua no exercício dessa competência, não é uma «autoridade pública», na aceção do artigo 3.o, n.o 1, das regras nacionais irlandesas.

22

A recorrente no processo principal recorreu dessa decisão para a High Court (Tribunal Superior), alegando, em substância, que a derrogação a favor dos órgãos ou instituições «no exercício da sua competência judicial», prevista no artigo 2.o, n.o 2, da Diretiva 2003/4 e transposta para o artigo 3.o, n.o 2, das regras nacionais irlandesas, não abrange os autos de processos encerrados.

23

Tendo dúvidas quanto à interpretação do artigo 2.o, n.o 2, da Diretiva 2003/4, a High Court (Tribunal Superior) decidiu suspender a instância e submeter à apreciação do Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O controlo do acesso a autos judiciais respeitantes a processos em que foi proferida uma decisão definitiva, expirou o prazo para a interposição de recurso e não está pendente um recurso ou outro pedido, embora, em determinadas circunstâncias, possam ser apresentados outros pedidos, constitui um exercício de “competência judicial” na aceção do artigo 2.o, n.o 2, da Diretiva 2003/4 […]?»

Quanto à questão prejudicial

24

Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 2.o, n.o 2, segundo parágrafo, primeiro período, da Diretiva 2003/4 deve ser interpretado no sentido de que a faculdade que confere aos Estados‑Membros de não considerarem «autoridades públicas», na aceção dessa diretiva, os «órgãos ou instituições no exercício da sua competência judicial», só pode ser exercida se estiverem em causa informações contidas nos autos de processos judiciais em curso, com exclusão dos processos encerrados.

25

A este respeito, importa salientar que é necessário, antes de mais, determinar se os órgãos jurisdicionais e as pessoas singulares ou coletivas sob o seu controlo constituem «autoridades públicas», na aceção do artigo 2.o, n.o 2, da Diretiva 2003/4, e, portanto, são abrangidas pelo âmbito de aplicação dessa diretiva.

26

A título preliminar, importa observar que, ao subscrever a Convenção de Aarhus, a União Europeia se obrigou a assegurar, no âmbito de aplicação do seu direito, um acesso de princípio às informações sobre ambiente na posse das autoridades públicas (Acórdão de 14 de fevereiro de 2012, Flachglas Torgau, C‑204/09, EU:C:2012:71, n.o 30 e jurisprudência referida).

27

Ao adotar a Diretiva 2003/4, o legislador da União pretendeu assegurar a compatibilidade do direito da União com essa Convenção com vista à respetiva subscrição pela Comunidade, prevendo um regime geral destinado a garantir que qualquer pessoa singular ou coletiva de um Estado‑Membro tenha direito de acesso às informações sobre ambiente na posse das autoridades públicas ou detida em seu nome, sem ter de justificar o seu interesse (Acórdão de 14 de fevereiro de 2012, Flachglas Torgau, C‑204/09, EU:C:2012:71, n.o 31 e jurisprudência referida).

28

Cumpre igualmente sublinhar que o direito de acesso garantido pela Diretiva 2003/4 só se coloca na medida em que as informações solicitadas estejam abrangidas pelas prescrições relativas ao acesso do público previstas por esta diretiva, o que pressupõe, nomeadamente, que as mesmas constituam «informações sobre ambiente» na aceção do artigo 2.o, n.o 1, da referida diretiva, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar no que respeita ao litígio no processo principal (Acórdão de 14 de fevereiro de 2012, Flachglas Torgau, C‑204/09, EU:C:2012:71, n.o 32).

29

Por outro lado, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, decorre simultaneamente das exigências da aplicação uniforme do direito da União e do princípio da igualdade que os termos de uma disposição do direito da União que não comporte uma remissão expressa para o direito dos Estados‑Membros para determinar o seu sentido e o seu alcance devem normalmente ser interpretados de modo autónomo e uniforme em toda a União Europeia, tendo em conta o contexto dessa disposição e o objetivo prosseguido pela regulamentação em causa [v., nomeadamente, Acórdão de 20 de janeiro de 2021, Land Baden‑Württemberg (Comunicações internas), C‑619/19, EU:C:2021:35, n.o 34].

30

Feitas estas observações, importa salientar que, segundo a definição dada no artigo 2.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alíneas a) e b), da Diretiva 2003/4, são «autoridades públicas», sujeitas, enquanto tais, à obrigação de dar acesso ao público às informações sobre ambiente que detenham, os órgãos e as instituições do «governo ou [de] outros órgãos da administração pública nacional, regional ou local, incluindo órgãos consultivos», bem como as pessoas singulares ou coletivas que exerçam, nos termos da legislação nacional, «funções administrativas públicas […], incluindo deveres, atividades ou serviços específicos, relacionados com o ambiente». Nos termos do artigo 2.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea c), dessa diretiva, são igualmente «autoridades públicas» as pessoas singulares ou coletivas «que tenha[m] responsabilidades ou exerça[m] funções públicas ou que preste[m] serviços públicos relacionados com o ambiente, sob o controlo de um organismo ou pessoa referidos nas alíneas a) ou b)».

31

O artigo 2.o, n.o 2, segundo parágrafo, primeiro período, da Diretiva 2003/4 tem por objeto, por seu lado, permitir aos Estados‑Membros, nomeadamente, fixarem as regras adequadas para assegurar o bom andamento dos processos judiciais, conferindo‑lhes a faculdade de excluírem do âmbito de aplicação dessa diretiva órgãos ou instituições que se enquadram na definição do conceito de «autoridade pública», constante do artigo 2.o, n.o 2, primeiro parágrafo, da referida diretiva, quando atuam «no exercício da sua competência judicial».

32

Por último, o artigo 2.o, n.o 2, segundo parágrafo, segundo período, da Diretiva 2003/4 prevê que os Estados‑Membros podem excluir esses órgãos ou instituições da definição de «autoridades públicas» constante do primeiro parágrafo desse artigo 2.o, n.o 2, caso, à data da adoção dessa diretiva, as suas disposições constitucionais não prevejam um processo de recurso, na aceção do artigo 6.o da mesma diretiva. O artigo 2.o, n.o 2, segundo parágrafo, segundo período, da Diretiva 2003/4, destinado a regular o caso especial de certas autoridades nacionais cujas decisões não podiam ser objeto de recurso em conformidade com as exigências dessa diretiva à data da sua adoção, não tem, no entanto, por objeto nem por efeito limitar a faculdade dos Estados‑Membros de excluírem do âmbito de aplicação da referida diretiva os órgãos ou as instituições no exercício da sua competência legislativa ou judicial, faculdade essa que, de resto, está prevista sem nenhuma restrição pela própria Convenção de Aarhus (v., neste sentido, Acórdão de 14 de fevereiro de 2012, Flachglas Torgau, C‑204/09, EU:C:2012:71, n.os 45 a 48).

33

Resulta do artigo 2.o, n.o 2, da Diretiva 2003/4, considerado no seu conjunto, que a faculdade conferida aos Estados‑Membros de excluírem do conceito de «autoridade pública» os órgãos ou instituições «no exercício da sua competência judicial», prevista no artigo 2.o, n.o 2, segundo parágrafo, primeiro período, dessa diretiva, que deve ser objeto de uma interpretação funcional (v., por analogia, Acórdão de 14 de fevereiro de 2012, Flachglas Torgau, C‑204/09, EU:C:2012:71, n.o 49), apenas pode dizer respeito aos órgãos ou instituições que se insiram na definição institucional do conceito de «autoridade pública» dada no artigo 2.o, n.o 2, primeiro parágrafo, da referida diretiva. O respeito dessa definição constitui, com efeito, um requisito prévio indispensável ao uso da faculdade de derrogação prevista no artigo 2.o, n.o 2, segundo parágrafo, primeiro período, da Diretiva 2003/4.

34

Ora, resulta tanto da própria Convenção de Aarhus como da Diretiva 2003/4, que tem por objeto transpor esta Convenção para o direito da União, que, ao mencionarem as «autoridades públicas», os seus autores pretenderam designar não as autoridades judiciárias, em particular os órgãos jurisdicionais, mas, como o Tribunal de Justiça já declarou, apenas as autoridades administrativas, uma vez que, nos Estados, são elas que habitualmente, no exercício das suas funções, possuem as informações sobre ambiente (v., neste sentido, Acórdão de 14 de fevereiro de 2012, Flachglas Torgau, C‑204/09, EU:C:2012:71, n.o 40).

35

Com efeito, os órgãos jurisdicionais não fazem, seguramente, parte do governo nem dos outros órgãos da administração pública referidos no artigo 2.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea a), da Diretiva 2003/4. Também não podem ser equiparados às pessoas singulares ou coletivas que exercem «funções administrativas públicas nos termos da legislação nacional, incluindo deveres, atividades ou serviços específicos, relacionados com o ambiente» mencionadas no artigo 2.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea b), dessa diretiva, que designa os órgãos ou instituições que, embora não fazendo parte do governo ou dos outros órgãos da administração pública referidos na primeira disposição, exercem funções que se enquadram no poder executivo ou concorrem para o exercício deste último e que estão relacionadas com o ambiente. Quanto ao artigo 2.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea c), da referida diretiva, este apenas diz respeito às pessoas ou aos organismos que atuam sob o controlo de um dos organismos ou pessoas referidos no artigo 2.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alíneas a) e b), da mesma e que tenham responsabilidades ou exerçam funções públicas relacionadas com o ambiente, pelo que não pode incluir nem os órgãos jurisdicionais nem, a fortiori, as pessoas singulares ou coletivas sob o seu controlo.

36

Esta interpretação é corroborada pelo objetivo prosseguido pelo legislador da União com a adoção da Diretiva 2003/4, lida à luz da Convenção de Aarhus. Com efeito, como resulta do considerando 1 e do artigo 1.o dessa diretiva, esta visa favorecer um maior acesso do público à informação sobre ambiente e uma participação mais efetiva deste no processo de decisão nessa matéria, com o objetivo de tomar melhores decisões e aplicá‑las de forma mais eficaz, assim como, eventualmente, contribuir para um ambiente melhor.

37

Deste modo, embora a execução desse objetivo implique que as autoridades administrativas deem acesso ao público à informação sobre ambiente na sua posse, a fim de dar conta das decisões que tomam nessa matéria e de associar os cidadãos à sua adoção, o mesmo não acontece com as peças processuais e outros documentos juntos aos autos de processos judiciais em matéria de ambiente, uma vez que o legislador da União não pretendeu favorecer a informação do público em matéria judicial e a sua participação na tomada de decisões nessa matéria.

38

Com efeito, ao adotar a Diretiva 2003/4, o legislador da União teve em conta a diversidade das regras existentes nos Estados‑Membros no que diz respeito ao acesso dos cidadãos às informações contidas nos processos judiciais, como demonstra o artigo 2.o, n.o 2, segundo parágrafo, primeiro período, e o artigo 4.o, n.o 2, alínea c), dessa diretiva, que conferem respetivamente aos Estados‑Membros, por um lado, a possibilidade de excluírem do âmbito de aplicação da referida diretiva órgãos ou instituições que se insiram na definição de «autoridade pública» que, como certas autoridades administrativas independentes, possam, pontualmente, ser levadas a agir no exercício de competência judicial sem que elas próprias tenham natureza de órgãos jurisdicionais (v., por analogia, relativamente a um ministério levado a agir no exercício de competência legislativa sem que ele próprio fizesse parte do poder legislativo, Acórdão de 14 de fevereiro de 2012, Flachglas Torgau, C‑204/09, EU:C:2012:71, n.o 49), e, por outro, a faculdade de derrogarem o princípio do acesso dos cidadãos às informações sobre ambiente detidas pelas «autoridades públicas» se a divulgação dessas informações puder comprometer «[o] bom funcionamento da justiça, o direito de todos a um julgamento equitativo ou a possibilidade de uma autoridade pública instruir um inquérito de caráter penal ou disciplinar».

39

Quanto ao artigo 6.o da Diretiva 2003/4, este diz apenas respeito ao acesso à justiça dos cidadãos que pretendam invocar os direitos que lhes são conferidos pelas disposições desta última, garantindo‑lhes, nomeadamente, a possibilidade de impugnar as decisões de indeferimento de pedidos de acesso às informações sobre ambiente com as quais possam ser confrontados.

40

Resulta do exposto que, na falta de menção expressa nesse sentido na Diretiva 2003/4, os órgãos jurisdicionais e as pessoas singulares ou coletivas sob o seu controlo não são «autoridades públicas», na aceção do artigo 2.o, n.o 2, primeiro parágrafo, dessa diretiva. Por conseguinte, não estão abrangidas pelo âmbito de aplicação da referida diretiva e, portanto, não estão sujeitas à obrigação prevista por esta última de dar acesso ao público às informações sobre ambiente na sua posse. Nestas condições, compete apenas aos Estados‑Membros prever, sendo caso disso, um direito de acesso do público às informações contidas nos processos judiciais e definir as modalidades do seu exercício.

41

Por conseguinte, contrariamente ao que foi alegado no Tribunal de Justiça, não há que questionar se o controlo do acesso aos processos judiciais se enquadra no exercício da competência judicial, na aceção do artigo 2.o, n.o 2, segundo parágrafo, primeiro período, da Diretiva 2003/4, nem estabelecer nenhuma distinção consoante os processos que contêm as informações solicitadas digam respeito a processos em curso ou encerrados, ou digam respeito a processos suscetíveis de serem reabertos.

42

A esse respeito, a solução sustentada pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 14 de fevereiro de 2012, Flachglas Torgau (C‑204/09, EU:C:2012:71, n.os 54 a 58), não pode conduzir, por analogia, a uma conclusão diferente, uma vez que, no processo que deu origem a esse acórdão, estava em causa o acesso a informações detidas por uma «autoridade pública», na aceção do artigo 2.o, n.o 2, primeiro parágrafo, da Diretiva 2003/4. Tal também não é o caso da solução seguida nos Acórdãos de 21 de setembro de 2010, Suécia e o./API e Comissão (C‑514/07 P, C‑528/07 P, C‑532/07 P, EU:C:2010:541), e de 18 de julho de 2017, Comissão/Breyer (C‑213/15 P, EU:C:2017:563), que diziam respeito ao acesso do público aos documentos relativos a processos perante os tribunais da União, uma vez que tal acesso é regulado pelas disposições do direito da União cujo conteúdo difere substancialmente daquelas cuja interpretação está em causa no presente processo.

43

No caso em apreço, resulta da decisão de reenvio que o litígio no processo principal tem por objeto o pedido de acesso de uma organização não governamental, a Friends of the Irish Environment, às informações sobre ambiente contidas nos autos relativos a um processo judicial encerrado, estando esse processo, à data desse pedido, na posse do Serviço dos Tribunais. Segundo as observações que apresentou ao Tribunal de Justiça, este organismo é responsável pelo armazenamento, pelo arquivo e pela gestão dos processos judiciais, em nome e sob o controlo do órgão jurisdicional em causa. Por conseguinte, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, tendo em conta as precisões feitas nos n.os 30 a 40 do presente acórdão, se o referido organismo deve ser considerado «autoridade pública», na aceção do artigo 2.o, n.o 2, primeiro parágrafo, da Diretiva 2003/4, caso em que o acesso às informações sobre ambiente contidas nos processos em sua posse está abrangido pelo âmbito de aplicação dessa diretiva, ou se, pelo facto de estabelecer relações estreitas com os órgãos jurisdicionais irlandeses, sob o controlo dos quais está colocado, se deve considerar que esse organismo constitui, como esses órgãos jurisdicionais, uma autoridade judiciária, o que o excluiria do âmbito de aplicação da referida diretiva.

44

Tendo em conta o exposto, há que responder à questão submetida que o artigo 2.o, n.o 2, da Diretiva 2003/4 deve ser interpretado no sentido de que não regula o acesso às informações sobre ambiente contidas nos processos judiciais, uma vez que os órgãos jurisdicionais e os órgãos ou as instituições sob o seu controlo e que mantêm, assim, relações estreitas com esses órgãos jurisdicionais não constituem «autoridades públicas» na aceção dessa disposição e não estão, portanto, abrangidos pelo âmbito de aplicação desta diretiva.

Quanto às despesas

45

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

 

O artigo 2.o, n.o 2, da Diretiva 2003/4/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de janeiro de 2003, relativa ao acesso do público às informações sobre ambiente e que revoga a Diretiva 90/313/CEE do Conselho, deve ser interpretado no sentido de que não regula o acesso às informações sobre ambiente contidas nos processos judiciais, uma vez que os órgãos jurisdicionais e os órgãos ou as instituições sob o seu controlo e que mantêm, assim, relações estreitas com esses órgãos jurisdicionais não constituem «autoridades públicas» na aceção dessa disposição e não estão, portanto, abrangidos pelo âmbito de aplicação desta diretiva.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: inglês.