ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

14 de janeiro de 2021 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Espaço de liberdade, segurança e justiça — Diretiva 2008/115/CE — Normas e procedimentos comuns nos Estados‑Membros para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular — Artigo 5.o, alínea a), artigo 6.o, n.os 1 e 4, artigo 8.o, n.o 1, e artigo 10.o — Decisão de regresso adotada relativamente a um menor não acompanhado — Interesse superior da criança — Obrigação de o Estado‑Membro em causa garantir, antes da adoção de uma decisão de regresso, que o menor é entregue no Estado de regresso a um membro da sua família, a um tutor designado ou a uma estrutura de acolhimento adequada — Distinção apenas em função do critério da idade do menor para efeitos de concessão de um direito residência — Decisão de regresso não seguida de medidas de afastamento»

No processo C‑441/19,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Rechtbank Den Haag, zittingsplaats’s‑Hertogenbosch (Tribunal de Primeira Instância de Haia, lugar da audiência em s‑Hertogenbosch, Países Baixos), por Decisão de 12 de junho de 2019, que deu entrada no Tribunal de Justiça no mesmo dia, no processo

TQ

contra

Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: J.‑C. Bonichot, presidente de secção, L. Bay Larsen, C. Toader, M. Safjan (relator) e N. Jääskinen, juízes,

advogado‑geral: P. Pikamäe,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação de TQ, por J. A. Pieters, advocaat,

em representação do Governo neerlandês, por M. K. Bulterman e J. M. Hoogveld, na qualidade de agentes,

em representação do Governo belga, por C. Van Lul e P. Cottin, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por C. Cattabriga e G. Wils, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 2 de julho de 2020,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 4.°, 21.° e 24.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), do artigo 5.o, alínea a), do artigo 6.o, n.os 1 e 4, do artigo 8.o, n.o 1, e do artigo 10.o da Diretiva 2008/115/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa a normas e procedimentos comuns nos Estados‑Membros para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular (JO 2008, L 348, p. 98), bem como do artigo 15.o da Diretiva 2011/95/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, que estabelece normas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional, a um estatuto uniforme para refugiados ou pessoas elegíveis para proteção subsidiária e ao conteúdo da proteção concedida (JO 2011, L 337, p. 9).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe TQ, um menor não acompanhado nacional de um país terceiro, ao Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (Secretário de Estado da Justiça e da Segurança, Países Baixos, a seguir «Secretário de Estado») a respeito da legalidade de uma decisão que ordenou que este menor abandonasse o território da União Europeia.

Quadro jurídico

Direito da União

Diretiva 2008/115

3

Nos termos dos considerandos 2, 4, 22 e 24 da Diretiva 2008/115:

«(2)

O Conselho Europeu de Bruxelas, de 4 e 5 de novembro de 2004, apelou à definição de uma política eficaz de afastamento e repatriamento, baseada em normas comuns, para proceder aos repatriamentos em condições humanamente dignas e com pleno respeito pelos direitos fundamentais e a dignidade das pessoas.

[...]

(4)

Importa estabelecer normas claras, transparentes e justas para uma política de regresso eficaz, enquanto elemento necessário de uma política de migração bem gerida.

[...]

(22)

Em consonância com a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, de 1989, o “interesse superior da criança” deverá constituir uma consideração primordial dos Estados‑Membros na aplicação da presente diretiva. Em consonância com a Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais[, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950,] o respeito pela vida familiar deverá ser também uma das considerações primordiais dos Estados‑Membros na aplicação da presente diretiva.

[...]

(24)

A presente diretiva respeita os direitos fundamentais e observa os princípios consagrados, em especial, na [Carta].»

4

O artigo 1.o desta diretiva, sob a epígrafe «Objeto», enuncia:

«A presente diretiva estabelece normas e procedimentos comuns a aplicar nos Estados‑Membros para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular, no respeito dos direitos fundamentais enquanto princípios gerais do direito comunitário e do direito internacional, nomeadamente os deveres em matéria de proteção dos refugiados e de direitos do Homem.»

5

O artigo 2.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Âmbito de aplicação», prevê, nos seus n.os 1 e 2:

«1.   A presente diretiva é aplicável aos nacionais de países terceiros em situação irregular no território de um Estado‑Membro.

2.   Os Estados‑Membros podem decidir não aplicar a presente diretiva aos nacionais de países terceiros que:

a)

Sejam objeto de recusa de entrada nos termos do artigo 13.o do [Regulamento (CE) n.o 562/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de março de 2006, que estabelece o código comunitário relativo ao regime de passagem de pessoas nas fronteiras (Código das Fronteiras Schengen) (JO 2006, L 105, p. 1),] ou sejam detidos ou intercetados pelas autoridades competentes quando da passagem ilícita das fronteiras externas terrestres, marítimas ou aéreas de um Estado‑Membro e não tenham posteriormente obtido autorização ou o direito de permanência nesse Estado‑Membro;

b)

Estejam obrigados a regressar por força de condenação penal ou em consequência desta, nos termos do direito interno, ou sejam objeto de processo de extradição.»

6

O artigo 3.o da diretiva, sob a epígrafe «Definições», dispõe:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[...]

2)

“Situação irregular”: a presença, no território de um Estado‑Membro, de um nacional de país terceiro que não preencha ou tenha deixado de preencher as condições de entrada previstas no artigo 5.o do [Regulamento n.o 562/2006] ou outras condições aplicáveis à entrada, permanência ou residência nesse Estado‑Membro;

[...]

5)

“Afastamento”, a execução do dever de regresso, ou seja, o transporte físico para fora do Estado‑Membro;

[...]

9)

“Pessoas vulneráveis”, menores, menores não acompanhados, pessoas com deficiência, idosos, grávidas, famílias monoparentais com filhos menores e pessoas que tenham sido vítimas de tortura, violação ou outras formas graves de violência psicológica, física ou sexual.»

7

O artigo 5.o da Diretiva 2008/115, sob a epígrafe «Não repulsão, interesse superior da criança, vida familiar e estado de saúde», tem a seguinte redação:

«Na aplicação da presente diretiva, os Estados‑Membros devem ter em devida conta o seguinte:

a)

O interesse superior da criança;

b)

A vida familiar;

c)

O estado de saúde do nacional de país terceiro em causa;

e respeitar o princípio da não repulsão.»

8

O artigo 6.o desta diretiva, sob a epígrafe «Decisão de regresso», enuncia, nos seus n.os 1 e 4:

«1.   Sem prejuízo das exceções previstas nos n.os 2 a 5, os Estados‑Membros devem emitir uma decisão de regresso relativamente a qualquer nacional de país terceiro que se encontre em situação irregular no seu território.

[...]

4.   Os Estados‑Membros podem, a qualquer momento, conceder autorizações de residência autónomas ou de outro tipo que, por razões compassivas, humanitárias ou outras, confiram o direito de permanência a nacionais de países terceiros em situação irregular no seu território. Neste caso, não pode ser emitida qualquer decisão de regresso. Nos casos em que já tiver sido emitida decisão de regresso, esta deve ser revogada ou suspensa pelo prazo de vigência da autorização de residência ou outra que confira direito de permanência.»

9

O artigo 8.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Afastamento», prevê, no seu n.o 1:

«Os Estados‑Membros tomam todas as medidas necessárias para executar a decisão de regresso se não tiver sido concedido qualquer prazo para a partida voluntária, nos termos do n.o 4 do artigo 7.o, ou se a obrigação de regresso não tiver sido cumprida dentro do prazo para a partida voluntária concedido nos termos do artigo 7.o»

10

O artigo 10.o da mesma diretiva, sob a epígrafe «Regresso e afastamento de menores não acompanhados», tem a seguinte redação:

«1.   Antes de uma decisão de regresso aplicável a um menor não acompanhado, é concedida assistência pelos organismos adequados para além das autoridades que executam o regresso, tendo na devida conta o interesse superior da criança.

2.   Antes de afastar um menor não acompanhado para fora do seu território, as autoridades do Estado‑Membro garantem que o menor é entregue no Estado de regresso a um membro da sua família, a um tutor designado ou a uma estrutura de acolhimento adequada.»

Diretiva 2011/95

11

O artigo 1.o da Diretiva 2011/95, sob a epígrafe «Objeto», enuncia:

«A presente diretiva tem por objetivo estabelecer normas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional, a um estatuto uniforme para refugiados e pessoas elegíveis para proteção subsidiária e ao conteúdo da proteção concedida.»

12

O artigo 2.o desta diretiva, sob a epígrafe «Definições», prevê:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[...]

f)

“Pessoa elegível para proteção subsidiária”, o nacional de um país terceiro ou um apátrida que não possa ser considerado refugiado, mas em relação ao qual se verificou existirem motivos significativos para acreditar que, caso volte para o seu país de origem ou, no caso de um apátrida, para o país em que tinha a sua residência habitual, correria um risco real de sofrer ofensa grave na aceção do artigo 15.o, e ao qual não se aplique o artigo 17.o, n.os 1 e 2, e que não possa ou, em virtude dos referidos riscos, não queira pedir a proteção desse país».

[...]»

13

O artigo 15.o da referida diretiva, relativo às condições de proteção subsidiária e sob a epígrafe «Ofensas graves», dispõe:

«São ofensas graves:

a)

A pena de morte ou a execução; ou

b)

A tortura ou a pena ou tratamento desumano ou degradante do requerente no seu país de origem; ou

c)

A ameaça grave e individual contra a vida ou a integridade física de um civil, resultante de violência indiscriminada em situações de conflito armado internacional ou interno.»

Diretiva 2013/33/UE

14

O artigo 1.o da Diretiva 2013/33/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, que estabelece normas em matéria de acolhimento dos requerentes de proteção internacional (JO 2013, L 180, p. 96), enuncia:

«A presente diretiva tem por objetivo estabelecer normas em matéria de acolhimento dos requerentes de proteção internacional [...] nos Estados‑Membros.»

15

O artigo 2.o desta diretiva prevê:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[...]

d)

“Menor”, um nacional de um país terceiro ou apátrida com menos de 18 anos de idade;

[...]»

Direito neerlandês

16

O artigo 8.o, alíneas a), f), h) e j), da wet tot algehele herziening van de Vreemdelingenwet (Lei de Revisão Geral da Lei dos Estrangeiros), de 23 de novembro de 2000 (Stb. 2000, n.o 495, a seguir «Lei de 2000»), enuncia:

«Um estrangeiro só beneficia de um direito de permanência regular nos Países Baixos:

a)

se dispuser de uma autorização de residência de duração determinada, nos termos do artigo 14.o da presente lei;

[...]

f)

enquanto aguarda pela decisão sobre um pedido de emissão [de uma autorização de residência temporária (asilo)], quando seja conveniente, nos termos da presente lei ou de uma disposição adotada ao abrigo desta ou ainda de uma decisão judicial, não reconduzir o estrangeiro até à fronteira enquanto não for proferida decisão sobre o pedido;

[…]

h)

enquanto aguarda pela decisão sobre uma reclamação ou sobre um recurso quando seja conveniente, nos termos da presente lei ou de uma disposição adotada ao abrigo desta ou ainda de uma decisão judicial, não reconduzir o estrangeiro até à fronteira enquanto não for proferida decisão sobre a reclamação ou o recurso;

[...]

j)

se existirem obstáculos ao afastamento na aceção do artigo 64.o;

[...]»

17

O artigo 14.o, n.o 1, desta lei prevê:

«Compete ao ministro:

a)

deferir, indeferir ou indeferir liminarmente o pedido de obtenção de uma autorização de residência de duração limitada;

[...]

e)

conceder oficiosamente uma autorização de residência que tenha uma duração limitada ou prorrogar a respetiva validade.»

18

O artigo 64.o da referida lei tem a seguinte redação:

«O afastamento é adiado enquanto o estado de saúde do estrangeiro ou de um membro da sua família não permitir viajar.»

19

O artigo 3.6a da Vreemdelingenbesluit 2000 (Decreto relativo aos Estrangeiros de 2000), de 23 de novembro de 2000 (Stb. 2000, n.o 497), dispõe:

«1.   Em caso de indeferimento do primeiro pedido de concessão de uma autorização de residência de duração limitada a título de asilo, uma autorização de residência regular pode, no entanto, ser concedida oficiosamente por um período limitado:

a)

ao cidadão estrangeiro cujo afastamento seja contrário ao artigo 8.o da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais;

b)

no âmbito de uma restrição relacionada com motivos humanitários temporários, ao estrangeiro que seja vítima‑declarante, vítima ou testemunha‑declarante de tráfico de seres humanos, conforme previsto no artigo 3.48, n.o 1, alíneas a), b) ou c).

[...]

4.   A autorização de residência é concedida com base no primeiro fundamento aplicável previsto no n.o 1.

[...]»

20

Nos termos do ponto B8/6 da Vreemdelingencirculaire 2000 (Circular relativa aos Estrangeiros de 2000):

«[...]

A autorização de residência regular de duração limitada pode ser concedida oficiosamente de forma liminar se estiverem preenchidos os seguintes requisitos:

o estrangeiro tem menos de 15 anos à data do primeiro pedido de residência;

o estrangeiro prestou declarações credíveis sobre a sua identidade, a sua nacionalidade, os seus progenitores e outros membros da sua família;

resulta das declarações do estrangeiro que não existe nenhum membro da sua família nem outra pessoa que lhe possa proporcionar um acolhimento adequado e junto do qual seja possível o seu regresso;

no decurso do procedimento, o estrangeiro não entravou a investigação sobre as possibilidades de acolhimento no país de origem ou noutro país;

é notória, em geral, a falta de disponibilidade de um acolhimento adequado e presume‑se que esse acolhimento não estará disponível num futuro próximo, no país de origem ou noutro país ao qual o estrangeiro possa razoavelmente regressar. Nesta situação, pressupõe‑se que o Dienst Terugkeer en Vertrek (Serviço de Regresso e de Partida, Países Baixos) não estará em condições de encontrar uma forma de acolhimento adequada no prazo de três anos.

[...]»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

21

TQ, menor não acompanhado, entrou nos Países Baixos em data incerta e apresentou, em 30 de junho de 2017, um pedido de autorização de residência de duração limitada a título do direito de asilo, ao abrigo da Lei de 2000.

22

No âmbito deste pedido, TQ indicou que nasceu em 14 de fevereiro de 2002, na Guiné. Foi viver, desde tenra idade, para a Serra Leoa com a sua tia. Depois de esta ter falecido, TQ entrou em contacto com um homem proveniente da Nigéria, que o trouxe para a Europa. Em Amesterdão (Países Baixos), foi vítima de tráfico de seres humanos e de exploração sexual, situação da qual resultaram as perturbações psíquicas graves de que atualmente padece.

23

Por Decisão de 23 de março de 2018, o Secretário de Estado decidiu oficiosamente que TQ, então com 16 anos e um mês de idade, não podia beneficiar de uma autorização de residência de duração limitada. Esta decisão autorizou o adiamento provisório da recondução à fronteira de TQ, ao abrigo do artigo 64.o da Lei de 2000, por um período máximo de seis meses ou por um período inferior no caso de ser adotada decisão oficiosa, enquanto o Bureau Medische Advisering (Gabinete de Aconselhamento Médico, Países Baixos) não realizava o exame médico destinado a verificar se o estado de saúde de TQ permitia o afastamento deste.

24

Em 16 de abril de 2018, TQ interpôs recurso da referida decisão no Rechtbank Den Haag, zittingsplaats’s‑Hertogenbosch (Tribunal de Primeira Instância de Haia, lugar da audiência em s‑Hertogenbosch, Países Baixos).

25

Por outro lado, por Decisão de 18 de junho de 2018, o Secretário de Estado declarou que não fora autorizado, em relação a TQ, o adiamento da recondução à fronteira por razões médicas e impôs‑lhe uma obrigação de partida no prazo de quatro semanas. TQ apresentou uma reclamação desta decisão, que foi indeferida pelo Secretário de Estado por Decisão de 27 de maio de 2019.

26

No órgão jurisdicional de reenvio, TQ alegou que não sabe onde é que os seus pais residem e que também não os conseguiria reconhecer quando do seu regresso. Não conhece mais nenhum membro da sua família e nem sequer sabe se tais membros existem. Não pode regressar ao seu país de origem porque não foi aí que cresceu, não conhece lá ninguém e não fala a língua deste país. TQ declarou que considera que a família de acolhimento com a qual reside nos Países Baixos é a sua família.

27

O órgão jurisdicional de reenvio observa que o Serviço de Regresso e de Partida se reuniu regularmente com TQ a fim de o preparar para o regresso ao seu país de origem, o que conduziu a que as perturbações psiquiátricas de que o interessado padece aumentassem.

28

Segundo esse órgão jurisdicional, a Lei de 2000 prevê que, no âmbito do exame de um primeiro pedido de asilo, é apreciado a título oficioso se, no caso de o estrangeiro não ter direito ao estatuto de refugiado ou de não poder beneficiar de proteção subsidiária, lhe deve ser concedida uma autorização de residência de duração limitada. Esta lei dispõe igualmente que a decisão através da qual é indeferido um pedido de asilo equivale a decisão de regresso.

29

O órgão jurisdicional de reenvio acrescenta que, no caso dos menores não acompanhados com idade inferior a 15 anos no momento da apresentação do pedido de asilo, a Circular relativa aos Estrangeiros de 2000 prevê, antes de ser adotada uma decisão sobre este pedido, a obrigação de proceder a uma investigação relativa à existência de um acolhimento adequado no Estado de regresso. Se se verificar que esse acolhimento adequado não existe, é concedida ao menor não acompanhado com idade inferior a 15 anos uma autorização de residência comum.

30

Em contrapartida, quando o menor não acompanhado tiver pelo menos 15 anos de idade no momento da apresentação do seu pedido de asilo, a investigação referida no artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2008/115, destinada a garantir que o menor é entregue no Estado de regresso a um membro da sua família, a um tutor designado ou a uma estrutura de acolhimento adequada, não é realizada antes de ser adotada uma decisão de regresso.

31

O Secretário de Estado parece ficar a aguardar que tal requerente de asilo atinja os 18 anos de idade e seja assim maior em termos jurídicos, o que tem como consequência que a investigação deixa de ser exigida. Durante o período que medeia entre o seu pedido de asilo e o momento em que atinge a maioridade, a residência nos Países Baixos de um menor não acompanhado que tenha pelo menos 15 anos de idade é, por conseguinte, irregular, mas tolerada.

32

No caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio assinala que TQ não tem direito ao estatuto de refugiado nem pode beneficiar de proteção subsidiária. No que se refere à concessão de uma autorização de residência de duração limitada, esse órgão jurisdicional indica que TQ tinha 15 anos e quatro meses de idade quando apresentou o seu pedido de asilo. Uma vez que não lhe foi concedido um direito de residência de duração limitada, TQ tem a obrigação de abandonar o território dos Países Baixos, ainda que não tenha sido realizada nenhuma investigação destinada a garantir que, no Estado de regresso, existe um acolhimento adequado.

33

O órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto à conformidade com o direito da União da distinção operada pela regulamentação neerlandesa entre os menores não acompanhados com mais de 15 anos de idade e aqueles que tenham menos de 15 anos de idade. A este respeito, o referido órgão jurisdicional alude ao conceito de «interesse superior da criança», constante do artigo 5.o, alínea a), da Diretiva 2008/115 e do artigo 24.o da Carta.

34

Nestas condições, o Rechtbank Den Haag, zittingsplaats’s‑Hertogenbosch (Tribunal de Primeira Instância de Haia, lugar da audiência em s‑Hertogenbosch) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o artigo 10.o da Diretiva [2008/115], lido em conjugação com os artigos 4.° e 24.° da [Carta], o considerando 22 e o artigo 5.o, alínea a), da Diretiva [2008/115] e o artigo 15.o da Diretiva [2011/95], ser interpretado no sentido de que um Estado‑Membro, antes de impor uma obrigação de regresso a um menor não acompanhado, deve certificar‑se de que e averiguar se existe e está disponível no país de origem, pelo menos em princípio, um acolhimento adequado?

2)

Deve o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva [2008/115], em conjugação com o artigo 21.o da Carta, ser interpretado no sentido de que não permite que um Estado‑Membro distinga consoante a idade quando autoriza alguém a residir legalmente no seu território, se se concluir que um menor não acompanhado não pode ter o estatuto de refugiado ou beneficiar de proteção subsidiária?

3)

Deve o artigo 6.o, n.o 4, da Diretiva [2008/115] ser interpretado no sentido de que, se um menor não acompanhado não cumprir a obrigação de regresso, e o Estado‑Membro não realizar nem vier a tomar medidas para proceder ao afastamento, a obrigação de regresso deve ser suspensa e, portanto, a residência legal deve ser autorizada? Deve o artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva [2008/115] ser interpretado no sentido de que a prolação de uma decisão de regresso de um menor não acompanhado, sem que seja tomada qualquer medida adicional de afastamento até que o menor não acompanhado cumpra 18 anos de idade, viola tanto o princípio da lealdade como o princípio da cooperação leal […]?»

Tramitação processual no Tribunal de Justiça

35

O órgão jurisdicional de reenvio pediu que o processo fosse submetido à tramitação prejudicial urgente prevista no artigo 23.o‑A do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia.

36

Em 27 de junho de 2019, a Primeira Secção decidiu, ouvido o advogado‑geral, não deferir esse pedido.

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

37

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2008/115, lido em conjugação com o artigo 5.o, alínea a) e o artigo 10.o desta diretiva, bem como com o artigo 24.o, n.o 2, da Carta, deve ser interpretado no sentido de que, antes de adotar uma decisão de regresso relativamente a um menor não acompanhado, o Estado‑Membro em causa deve garantir que um acolhimento adequado está disponível para esse menor no Estado de regresso.

38

A título preliminar, há que salientar que a Diretiva 2008/115 não define o conceito de «menor». No entanto, o artigo 2.o, alínea d), da Diretiva 2013/33 define um menor como «um nacional de um país terceiro ou apátrida com menos de 18 anos de idade». Para efeitos de uma aplicação coerente e uniforme do direito da União em matéria de asilo e imigração, há que adotar a mesma definição no contexto da Diretiva 2008/115.

39

No presente caso, o processo principal diz respeito a um menor não acompanhado que o Estado‑Membro em causa considerou não poder ter direito ao estatuto de refugiado nem poder beneficiar da proteção subsidiária, e em relação ao qual decidiu não conceder um direito de residência de duração limitada.

40

Um nacional de um país terceiro que se encontre em semelhante situação está abrangido, nos termos do artigo 2.o, n.o 1, da Diretiva 2008/115, e sem prejuízo do disposto no n.o 2 deste artigo, pelo âmbito de aplicação desta diretiva. Está assim, em princípio, sujeito às normas e aos procedimentos comuns previstos nesta diretiva com vista ao seu afastamento enquanto a sua permanência não for, sendo caso disso, regularizada (v., neste sentido, Acórdão de 19 de março de 2019, Arib e o., C‑444/17, EU:C:2019:220, n.o 39).

41

A este respeito, há que recordar que, nos termos do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2008/115, sem prejuízo das exceções previstas nos n.os 2 a 5 do mesmo artigo, os Estados‑Membros devem emitir uma decisão de regresso relativamente a qualquer nacional de país terceiro que se encontre em situação irregular no seu território.

42

Por outro lado, esta diretiva contém regras específicas aplicáveis a certas categorias de pessoas, entre as quais os menores não acompanhados, que, conforme resulta do artigo 3.o, ponto 9, da Diretiva 2008/115, se inserem na categoria de «pessoas vulneráveis».

43

Neste sentido, o artigo 5.o, alínea a), da Diretiva 2008/115, lido em conjugação com o considerando 22 desta diretiva, enuncia que, na aplicação da referida diretiva, os Estados‑Membros devem ter em devida conta o «interesse superior da criança». Um menor não acompanhado não pode assim ser sistematicamente tratado como um adulto.

44

Do referido artigo 5.o, alínea a), resulta que, quando um Estado‑Membro pretende adotar uma decisão de regresso relativamente a um menor não acompanhado, ao abrigo da Diretiva 2008/115, deve, em todas as fases do procedimento, ter necessariamente em conta o interesse superior da criança.

45

Além disso, o artigo 24.o, n.o 2, da Carta prevê que todos os atos relativos às crianças, quer praticados por entidades públicas quer por instituições privadas, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança. Esta disposição, lida em conjugação com artigo 51.o, n.o 1, da Carta, afirma o caráter fundamental dos direitos da criança, incluindo no âmbito do regresso de nacionais de países terceiros que se encontrem em situação irregular num Estado‑Membro.

46

Como sublinhou o advogado‑geral no n.o 69 das suas conclusões, só uma apreciação geral e aprofundada da situação do menor não acompanhado em causa permite identificar o «interesse superior da criança» e adotar uma decisão conforme com as exigências da Diretiva 2008/115.

47

O Estado‑Membro em causa deve, por conseguinte, ter em devida conta vários elementos para efeitos da adoção ou não de uma decisão de regresso relativamente a um menor não acompanhado, nomeadamente, a idade, o sexo, a especial vulnerabilidade, o estado de saúde física e mental, a colocação numa família de acolhimento, o nível de escolarização e o contexto social desse menor.

48

Nesta perspetiva, o artigo 10.o, n.o 1, da Diretiva 2008/115 enuncia que, antes de ser adotada uma decisão de regresso aplicável a um menor não acompanhado, é concedida assistência pelos organismos adequados para além das autoridades que executam o regresso, tendo na devida conta o interesse superior da criança. O artigo 10.o, n.o 2, desta diretiva prevê que, antes de afastar um menor não acompanhado para fora do seu território, as autoridades do Estado‑Membro garantem que o menor é entregue no Estado de regresso a um membro da sua família, a um tutor designado ou a uma estrutura de acolhimento adequada.

49

Este artigo estabelece assim uma distinção entre as obrigações que impendem sobre o Estado‑Membro «antes de [ser adotada] uma decisão de regresso aplicável a um menor não acompanhado» ou «antes de afastar [esse] menor para fora do seu território».

50

Daqui, o Governo neerlandês deduz que o Estado‑Membro em causa pode adotar uma decisão de regresso relativamente a um menor não acompanhado sem ter, previamente, de garantir que este é entregue no Estado de regresso a um membro da sua família, a um tutor designado ou a uma estrutura de acolhimento adequada. A obrigação de proceder a tal investigação só existe na fase do afastamento do território do Estado‑Membro em causa.

51

No entanto, a existência de tal obrigação não dispensa o Estado‑Membro em causa de outras obrigações de verificação impostas pela Diretiva 2008/115. Em particular, conforme foi enunciado no n.o 44 do presente acórdão, o artigo 5.o, alínea a), da Diretiva 2008/115 impõe que o interesse superior da criança seja tomado em conta em todas as fases do procedimento.

52

Ora, o facto de o Estado‑Membro em causa adotar uma decisão de regresso sem ter previamente garantido que existe um acolhimento adequado para o menor não acompanhado em causa no Estado de regresso implica que esse menor, embora tenha sido objeto de uma decisão de regresso, não pode ser afastado quando não haja um acolhimento adequado no Estado de regresso, em aplicação do artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2008/115.

53

O menor não acompanhado em causa fica deste modo colocado numa situação de grande incerteza quanto ao seu estatuto jurídico e ao seu futuro, nomeadamente quanto à sua escolarização, à sua relação com uma família de acolhimento ou à possibilidade de permanecer no Estado‑Membro em causa.

54

Tal situação seria contrária à exigência de proteger o interesse superior da criança em todas as fases do procedimento, conforme prevista no artigo 5.o, alínea a), da Diretiva 2008/115 e no artigo 24.o, n.o 2, da Carta.

55

Resulta destas disposições que, antes de adotar uma decisão de regresso, o Estado‑Membro em causa deve proceder a uma investigação a fim de verificar, em concreto, que um acolhimento adequado está disponível para o menor não acompanhado em causa no Estado de regresso.

56

Não estando disponível semelhante acolhimento, o referido menor não pode ser objeto de uma decisão de regresso ao abrigo do artigo 6.o, n.o 1, desta diretiva.

57

A interpretação segundo a qual o Estado‑Membro em causa deve, antes de adotar uma decisão de regresso relativamente a um menor não acompanhado, garantir que existe um acolhimento adequado no Estado de regresso é corroborada pela jurisprudência do Tribunal de Justiça.

58

Com efeito, conforme o Tribunal de Justiça declarou, em aplicação do artigo 5.o da Diretiva 2008/115, com a epígrafe «Não repulsão, interesse superior da criança, vida familiar e estado de saúde», na aplicação da desta diretiva, os Estados‑Membros devem, por um lado, ter em devida conta o interesse superior da criança, a vida familiar e o estado de saúde do nacional em causa de um país terceiro, bem como, por outro, respeitar o princípio da não repulsão [Acórdãos de 11 de dezembro de 2014, Boudjlida, C‑249/13, EU:C:2014:2431, n.o 48, e de 8 de maio de 2018, K.A. e o. (Reagrupamento familiar na Bélgica), C‑82/16, EU:C:2018:308, n.o 102].

59

Daqui resulta que, quando a autoridade nacional competente pretenda adotar uma decisão de regresso, deve necessariamente respeitar as obrigações impostas pelo artigo 5.o da Diretiva 2008/115 e ouvir o interessado a esse respeito. Além disso, decorre desta jurisprudência que, quando o Estado‑Membro em causa pretenda adotar uma decisão de regresso relativamente a um menor não acompanhado, deve necessariamente ouvi‑lo sobre as condições em que pode ser acolhido no Estado de regresso.

60

Atendendo às considerações precedentes, há que responder à primeira questão que o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2008/115, lido em conjugação com o artigo 5.o, alínea a), desta diretiva e com o artigo 24.o da Carta, deve ser interpretado no sentido de que, antes de adotar uma decisão de regresso relativamente a um menor não acompanhado, o Estado‑Membro em causa deve efetuar uma apreciação geral e aprofundada da situação desse menor, tendo em devida conta o interesse superior da criança. Neste contexto, esse Estado‑Membro deve garantir que um acolhimento adequado está disponível para o menor não acompanhado em causa no Estado de regresso.

Quanto à segunda questão

61

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2008/115, lido em conjugação com o artigo 5.o, alínea a), desta diretiva e à luz do artigo 24.o, n.o 2, da Carta, deve ser interpretado no sentido de que um Estado‑Membro pode proceder a uma distinção entre os menores não acompanhados em função apenas do critério da sua idade para verificar a existência de um acolhimento adequado no Estado de regresso.

62

No caso vertente, o órgão jurisdicional de reenvio precisa que a regulamentação nacional procede a uma distinção entre os menores não acompanhados que tenham menos de 15 anos de idade e aqueles que tenham mais de 15 anos de idade. No que se refere a um menor com menos de 15 anos, as autoridades nacionais devem proceder a uma investigação relativa à existência de um acolhimento adequado no Estado de regresso antes de adotarem uma decisão de regresso. Em relação a um menor com mais de 15 anos, não é efetuada nenhuma investigação relativa à existência de um acolhimento adequado no Estado de regresso antes de ser adotada uma decisão de regresso. É assim imposta a esse menor uma obrigação de regresso, ainda que, na prática, não possa ser concretizada nenhuma recondução à fronteira pelo facto de não ter sido realizada uma investigação relativa à existência de tal acolhimento adequado.

63

Nas suas observações escritas, o Governo neerlandês alega que a escolha do limite de idade de 15 anos se explica pelo facto de ter sido considerado que um período de três anos é um máximo razoável para todos os procedimentos relativos a um menor não acompanhado, a saber, o pedido de residência e o procedimento de regresso. É concedida uma autorização de residência aos menores não acompanhados que, uma vez terminados todos os procedimentos, ainda sejam menores, ao contrário do que sucede com aqueles que no termo desses procedimentos tenham atingido a maioridade.

64

A este respeito, importa constatar que é certo que, conforme foi enunciado no n.o 47 do presente acórdão, a idade do menor não acompanhado em causa constitui um elemento que o Estado‑Membro em causa deve tomar em conta para determinar se o interesse superior da criança deve conduzir a que não seja adotada uma decisão de regresso contra esse menor.

65

Todavia, conforme enunciado no artigo 24.o, n.o 2, da Carta e conforme recordado no artigo 5.o, alínea a), da Diretiva 2008/115, os Estados‑Membros, na aplicação do artigo 6.o desta diretiva, devem ter em devida conta o interesse superior da criança, incluindo dos menores com mais de 15 anos de idade.

66

Por conseguinte, o critério da idade não pode ser o único elemento a ter em conta para verificar a existência de um acolhimento adequado no Estado de regresso. É conveniente que o Estado‑Membro em causa efetue uma apreciação casuística da situação de um menor não acompanhado, no âmbito de uma apreciação geral e aprofundada, e não uma avaliação automática apenas em função do critério da idade.

67

Neste sentido parece arbitrária, conforme sublinhou o advogado‑geral no n.o 81 das suas conclusões, uma prática administrativa nacional que se baseia numa simples presunção relacionada com a pretensa duração máxima de um processo de asilo para proceder a uma distinção em razão da idade entre os membros de um grupo de indivíduos, não obstante estes últimos se encontrarem todos numa situação de vulnerabilidade comparável em relação ao afastamento.

68

À luz do que precede, há que responder à segunda questão que o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2008/115, lido em conjugação com o artigo 5.o, alínea a), desta diretiva e à luz do artigo 24.o, n.o 2, da Carta, deve ser interpretado no sentido de que um Estado‑Membro não pode proceder a uma distinção entre os menores não acompanhados em função apenas do critério da sua idade para verificar a existência de um acolhimento adequado no Estado de regresso.

Quanto à terceira questão

69

Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 2008/115 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um Estado‑Membro, depois ter adotado uma decisão de regresso relativamente a um menor não acompanhado, se abstenha em seguida de proceder ao seu afastamento até que este cumpra 18 anos de idade.

70

Importa recordar que o objetivo prosseguido pela Diretiva 2008/115 consiste em definir uma política eficaz de afastamento e repatriamento, com pleno respeito pelos direitos fundamentais e pela dignidade das pessoas em causa (Acórdão de 14 de maio de 2020, Országos Idegenrendészeti Főigazgatóság Dél‑alföldi Regionális Igazgatóság, C‑924/19 PPU e C‑925/19 PPU, EU:C:2020:367, n.o 121 e jurisprudência referida).

71

Na hipótese de o Estado‑Membro em causa considerar que não há que conceder uma autorização de residência a um menor não acompanhado ao abrigo do artigo 6.o, n.o 4, da Diretiva 2008/115, este fica em situação irregular neste Estado‑Membro.

72

Nesta situação, o artigo 6.o, n.o 1, desta diretiva prevê que impende sobre os Estados‑Membros uma obrigação de adotarem uma decisão de regresso relativamente a qualquer nacional de um país terceiro que se encontre em situação irregular no seu território (Acórdão de 23 de abril de 2015, Zaizoune, C‑38/14, EU:C:2015:260, n.o 31).

73

Com efeito, tal como foi enunciado no n.o 41 do presente acórdão, depois de constatada a irregularidade da permanência, as autoridades nacionais competentes devem, ao abrigo deste artigo e sem prejuízo das exceções previstas nos seus n.os 2 a 5, adotar uma decisão de regresso (Acórdão de 23 de abril de 2015, Zaizoune, C‑38/14, EU:C:2015:260, n.o 32).

74

Conforme foi enunciado no n.o 60 do presente acórdão, tratando‑se de um menor não acompanhado, a adoção de tal decisão pressupõe que o Estado‑Membro em causa tenha garantido que um acolhimento adequado está disponível para esse menor não acompanhado no Estado de regresso.

75

Se este requisito estiver preenchido, o menor não acompanhado em causa deve ser afastado do território do Estado‑Membro em causa, sob reserva da evolução da sua situação.

76

Com efeito, resulta do artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2008/115 que, antes de afastar um menor não acompanhado para fora do seu território, as autoridades do Estado‑Membro garantem que o menor é entregue no Estado de regresso a um membro da sua família, a um tutor designado ou a uma estrutura de acolhimento adequada.

77

Por conseguinte, a obrigação decorrente do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2008/115, lido em conjugação com o artigo 5.o, alínea a), desta diretiva e o artigo 24.o, n.o 2, da Carta, que recai sobre o Estado‑Membro em causa, de garantir um acolhimento adequado antes de adotar uma decisão de regresso relativamente a um menor não acompanhado não dispensa este Estado‑Membro da obrigação de garantir, em conformidade com o artigo 10.o, n.o 2, da referida diretiva, antes de proceder ao afastamento de tal menor, que este é entregue no Estado de regresso a um membro da sua família, a um tutor designado ou a uma estrutura de acolhimento adequada. Neste contexto, o Estado‑Membro em causa deve ter em conta qualquer evolução da situação que ocorra depois de tal decisão de regresso ser adotada.

78

Na hipótese de um acolhimento adequado no Estado de regresso deixar de estar assegurado para o menor não acompanhado em causa durante a fase do seu afastamento, o Estado‑Membro em causa não poderá executar a decisão de regresso.

79

Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, quando uma decisão de regresso tiver sido adotada relativamente a um nacional de um país terceiro, mas a obrigação de regresso não tiver sido respeitada por este último, no prazo fixado para a partida voluntária ou quando não tenha sido fixado prazo para esse efeito, o artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 2008/115 impõe aos Estados‑Membros, com vista a assegurar a eficácia dos procedimentos de regresso, que adotem todas as medidas necessárias para proceder ao afastamento do interessado, a saber, nos termos do artigo 3.o, ponto 5, desta diretiva, à transferência física deste para fora do referido Estado‑Membro (Acórdão de 23 de abril de 2015, Zaizoune, C‑38/14, EU:C:2015:260, n.o 33).

80

Além disso, há que recordar que, conforme decorre tanto do dever de lealdade dos Estados‑Membros como das exigências de eficácia recordadas nomeadamente no considerando 4 da Diretiva 2008/115, a obrigação imposta pelo artigo 8.o desta diretiva aos Estados‑Membros de procederem, nas hipóteses enunciadas no n.o 1 deste artigo, ao afastamento do referido nacional deve ser executada o mais rapidamente possível (Acórdão de 23 de abril de 2015, Zaizoune, C‑38/14, EU:C:2015:260, n.o 34).

81

Assim, ao abrigo da referida diretiva, um Estado‑Membro não pode adotar uma decisão de regresso relativamente a um menor não acompanhado e não proceder em seguida ao seu afastamento até que este cumpra 18 anos de idade.

82

Por conseguinte, há que responder à terceira questão que o artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 2008/115 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um Estado‑Membro, depois de ter adotado uma decisão de regresso relativamente a um menor não acompanhado e de ter garantido, em conformidade com o artigo 10.o, n.o 2, desta diretiva, que este é entregue no Estado de regresso a um membro da sua família, a um tutor designado ou a uma estrutura de acolhimento adequada, se abstenha em seguida de proceder ao seu afastamento até que este cumpra 18 anos de idade.

Quanto às despesas

83

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

 

1)

O artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2008/115/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa a normas e procedimentos comuns nos Estados‑Membros para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular, lido em conjugação com o artigo 5.o, alínea a), desta diretiva e o artigo 24.o, n.o 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, deve ser interpretado no sentido de que, antes de adotar uma decisão de regresso relativamente a um menor não acompanhado, o Estado‑Membro em causa deve efetuar uma apreciação geral e aprofundada da situação desse menor, tendo em devida conta o interesse superior da criança. Neste contexto, esse Estado‑Membro deve garantir que um acolhimento adequado está disponível para o menor não acompanhado em causa no Estado de regresso.

 

2)

O artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2008/115, lido em conjugação com o artigo 5.o, alínea a), desta diretiva e à luz do artigo 24.o, n.o 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, deve ser interpretado no sentido de que um Estado‑Membro não pode proceder a uma distinção entre os menores não acompanhados em função apenas do critério da sua idade para verificar a existência de um acolhimento adequado no Estado de regresso.

 

3)

O artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 2008/115 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um Estado‑Membro, depois de ter adotado uma decisão de regresso relativamente a um menor não acompanhado e de ter garantido, em conformidade com o artigo 10.o, n.o 2, desta diretiva, que este é entregue no Estado de regresso a um membro da sua família, a um tutor designado ou a uma estrutura de acolhimento adequada, se abstenha em seguida de proceder ao seu afastamento até que este cumpra 18 anos de idade.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: neerlandês.