ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

25 de novembro de 2021 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Cooperação administrativa no domínio da fiscalidade — Diretiva 2011/16/UE — Artigo 1.o, n.o 1, artigo 5.o e artigo 20.o, n.o 2 — Pedido de informações — Decisão de injunção para comunicar informações — Recusa em dar seguimento à injunção — Sanção — Natureza “previsivelmente relevante” das informações solicitadas — Falta de identificação nominativa e individual dos contribuintes em causa — Conceito de “identidade da pessoa objeto de inspeção ou investigação” — Fundamentação do pedido de informações — Alcance — Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Artigo 47.o — Direito a um recurso jurisdicional efetivo contra a decisão de injunção para comunicar informações — Artigo 52.o, n.o 1 — Restrição — Respeito pelo conteúdo essencial do direito»

No processo C‑437/19,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela Cour administrative (Supremo Tribunal Administrativo, Luxemburgo), por Decisão de 23 de maio de 2019, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 31 de maio de 2019, no processo

État luxembourgeois

contra

L,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: A. Prechal, presidente da Segunda Secção, exercendo funções de presidente da Terceira Secção, J. Passer, F. Biltgen, L. S. Rossi (relatora) e N. Wahl, juízes,

advogado‑geral: J. Kokott,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação da L, por F. Trevisan e P. Mellina, avocats,

em representação do Governo luxemburguês, por C. Schiltz, T. Uri e A. Germeaux, na qualidade de agentes,

em representação da Irlanda, por M. Browne, G. Hodge, J. Quaney e A. Joyce, na qualidade de agentes, assistidos por S. Horan, BL,

em representação do Governo helénico, por K. Georgiadis, M. Tassopoulou e Z. Chatzipavlou, na qualidade de agentes,

em representação do Governo espanhol, por S. Jiménez García, na qualidade de agente,

em representação do Governo francês, inicialmente por A.‑L. Desjonquères e C. Mosser, e em seguida por A.‑L. Desjonquères, na qualidade de agentes,

em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por G. Galluzzo, avvocato dello Stato,

em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

em representação do Governo finlandês, por M. Pere, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, inicialmente por W. Roels e N. Gossement, e em seguida por W. Roels, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 3 de junho de 2021,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), bem como do artigo 1.o, n.o 1, do artigo 5.o e do artigo 20.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2011/16/UE do Conselho, de 15 de fevereiro de 2011, relativa à cooperação administrativa no domínio da fiscalidade e que revoga a Diretiva 77/799/CEE (JO 2011, L 64, p. 1).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe o État luxembourgeois (Estado luxemburguês) à L, sociedade de direito luxemburguês, a respeito da legalidade de uma sanção pecuniária que lhe foi aplicada por ter recusado comunicar certas informações na sequência de um pedido de troca de informações entre Estados‑Membros em matéria fiscal.

Quadro jurídico

Direito da União

3

Os considerandos 1, 2 e 6 a 9 da Diretiva 2011/16 enunciam:

«(1)

Na era da globalização, é cada vez mais necessária a assistência mútua entre Estados‑Membros no domínio da fiscalidade. A mobilidade dos contribuintes, o número de operações transfronteiriças e a internacionalização dos instrumentos financeiros conhecem uma evolução considerável, dificultando o correto estabelecimento pelos Estados‑Membros dos impostos devidos. Estas dificuldades crescentes afetam o funcionamento dos sistemas fiscais e acarretam um fenómeno de dupla tributação, que incita à fraude e à evasão fiscais, […]

(2)

Assim, um Estado‑Membro não pode gerir o seu sistema de tributação interno, nomeadamente no que respeita à fiscalidade direta, sem dispor de informações provenientes de outros Estados‑Membros. A fim de obviar aos efeitos negativos deste fenómeno, é indispensável desenvolver uma nova cooperação administrativa entre as administrações fiscais dos Estados‑Membros. É necessário dispor de instrumentos que permitam instaurar a confiança entre Estados‑Membros, mediante o estabelecimento de regras, obrigações e direitos idênticos para todos os Estados‑Membros.

[…]

(6)

[…] Para esse efeito, considera‑se que esta nova diretiva constitui o instrumento adequado a uma cooperação administrativa eficaz.

(7)

A presente diretiva baseia‑se nos resultados da Diretiva 77/799/CEE [do Conselho, de 19 de dezembro de 1977, relativa à assistência mútua das autoridades competentes dos Estados‑Membros no domínio dos impostos diretos e dos impostos sobre os prémios de seguro (JO 1977, L 336, p. 15; EE 09 F1 p. 94)], mas estabelece regras mais claras e mais precisas para reger a cooperação administrativa entre Estados‑Membros sempre que tal seja necessário, de modo a instituir, especialmente no que diz respeito à troca de informações, uma cooperação administrativa mais ampla entre Estados‑Membros. A existência de regras mais claras deverá nomeadamente permitir abranger todas as pessoas singulares e coletivas na União, tendo em conta a gama cada vez mais vasta de estruturas jurídicas, que inclui não só as estruturas tradicionais como os trusts, as fundações e os fundos de investimento, mas também novos instrumentos que possam vir a ser instituídos pelos contribuintes nos Estados‑Membros.

(8)

[…] Convirá[…] prever mais contactos diretos entre serviços, a fim de conferir maior eficácia e rapidez à cooperação. […]

(9)

Os Estados‑Membros deverão trocar informações sobre casos concretos sempre que tal lhes seja solicitado por outro Estado‑Membro e deverão proceder aos inquéritos necessários à obtenção de tais informações. A norma da “relevância previsível” destina‑se a permitir a troca de informações em matéria fiscal em toda a medida do possível e, simultaneamente, a clarificar que os Estados‑Membros não podem efetuar investigações aleatórias nem pedir informações de utilidade duvidosa relativamente à situação tributária de determinado contribuinte. Embora o artigo 20.o da presente diretiva contenha requisitos de procedimento, é necessário interpretar essas disposições de forma flexível, por forma a não comprometer a eficácia da troca de informações.»

4

O artigo 1.o da Diretiva 2011/16, sob a epígrafe «Objeto», dispõe, no seu n.o 1:

«A presente diretiva estabelece as regras e os procedimentos ao abrigo dos quais os Estados‑Membros devem cooperar entre si tendo em vista a troca de informações previsivelmente relevantes para a administração e a execução da legislação interna dos Estados‑Membros respeitante aos impostos a que se refere o artigo 2.o»

5

O artigo 3.o desta diretiva, sob a epígrafe «Definições», enuncia:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

11. “Pessoa”:

a)

Uma pessoa singular;

b)

Uma pessoa coletiva;

c)

Sempre que a legislação em vigor o preveja, uma associação de pessoas à qual tenha sido reconhecida capacidade para a prática de atos jurídicos, mas que não possua o estatuto de pessoa coletiva; ou

d)

Qualquer outra estrutura jurídica, seja qual for a sua natureza ou forma, dotada ou não de personalidade jurídica, cujos ativos de que seja proprietária ou gestora e rendimentos deles derivados estejam sujeitos a qualquer um dos impostos abrangidos pela presente diretiva;

[…]»

6

O artigo 5.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Procedimento de troca de informações a pedido», prevê:

«A pedido da autoridade requerente, a autoridade requerida comunica à autoridade requerente todas as informações a que se refere o n.o 1 do artigo 1.o de que disponha ou que obtenha na sequência de inquéritos administrativos.»

7

O artigo 20.o da mesma diretiva, sob a epígrafe «Formulários normalizados e informatizados», tem a seguinte redação:

«1.   Os pedidos de informações e de inquéritos administrativos ao abrigo do artigo 5.o, bem como as respetivas respostas, os avisos de receção, os pedidos de informações complementares de caráter geral e as declarações de incapacidade ou de recusa ao abrigo do artigo 7.o são, na medida do possível, transmitidos através de um formulário normalizado adotado pela Comissão nos termos do n.o 2 do artigo 26.o

Os formulários normalizados podem ser acompanhados de relatórios, declarações e quaisquer outros documentos, ou de cópias autenticadas ou extratos dos mesmos.

2.   O formulário normalizado a que se refere o n.o 1 inclui pelo menos as seguintes informações a prestar pela autoridade requerente:

a)

A identidade da pessoa objeto de inspeção ou investigação;

b)

O fim fiscal a que se destina o pedido de informações.

A autoridade requerente pode, tanto quanto deles tenha conhecimento e de acordo com a evolução da situação internacional, fornecer o nome e o endereço de qualquer pessoa que se suponha estar na posse das informações solicitadas e bem assim qualquer elemento suscetível de facilitar a recolha de informações pela autoridade requerida.

[…]»

Direito luxemburguês

Lei de 29 de março de 2013

8

O artigo 6.o da loi du 29 mars 2013 portant transposition de la directive 2011/16 et portant 1) modification de la loi générale des impôts, 2) abrogation de la loi modifiée du 15 mars 1979 concernant l’assistance administrative internationale en matière d’impôts directs [Lei de 29 de março de 2013, que Transpõe a Diretiva 2011/16 e que 1) Altera a Lei Geral dos Impostos, 2) Revoga a Lei de 15 de março de 1979 alterada, relativa à Assistência Administrativa Internacional em Matéria de Impostos Diretos] (Mémorial A 2013, p. 756), prevê:

«A pedido da autoridade requerente, a autoridade requerida luxemburguesa comunica‑lhe as informações previsivelmente relevantes para a administração e a aplicação da legislação interna do Estado‑Membro requerente relativa aos impostos […], de que disponha ou que obtenha na sequência de inquéritos administrativos.»

Lei de 25 de novembro de 2014

9

A loi du 25 novembre 2014 prévoyant la procédure applicable à l’échange de renseignements sur demande en matière fiscale et modifiant la loi du 31 mars 2010 portant approbation des conventions fiscales et prévoyant la procédure y applicable en matière d’échange de renseignements sur demande (Lei de 25 de novembro de 2014, que Prevê o Procedimento Aplicável à Troca de Informações a Pedido em Matéria Fiscal e Altera a Lei de 31 de março de 2010, que Aprova as Convenções Fiscais e Prevê o Procedimento aí Aplicável em Matéria de Troca de Informações a Pedido) (Mémorial A 2014, p. 4170, a seguir «Lei de 25 de novembro de 2014») é aplicável, nomeadamente, aos pedidos de troca de informações referidos no artigo 6.o da Lei de 29 de março de 2013, mencionada no número anterior.

10

Nos termos do artigo 2.o da Lei de 25 de novembro de 2014:

«(1)   As Administrações Fiscais podem requerer ao respetivo detentor todo o tipo de informações solicitadas para efeitos da aplicação da troca de informações, conforme prevista nas convenções e nas leis.

(2)   O detentor das informações tem a obrigação de prestar as informações solicitadas, na sua totalidade, de forma precisa e sem alteração, no prazo de um mês a contar da notificação da decisão de injunção para prestação das informações solicitadas. Esta obrigação compreende a transmissão, sem alteração, dos documentos sobre os quais as informações se baseiam.

[…]»

11

O artigo 3.o desta lei, na versão sua aplicável ao litígio no processo principal, previa:

«(1)   A Administração Fiscal competente deve verificar a regularidade formal do pedido de troca de informações. Considera‑se formalmente regular o pedido de troca de informações que contenha a indicação da base jurídica e da autoridade requerente competente, bem como as restantes indicações previstas nas convenções e nas leis.

[…]

(3)   Se a Administração Fiscal competente não dispuser das informações solicitadas, o diretor da Administração Fiscal competente ou o seu representante deve notificar, por carta registada dirigida ao detentor das informações, a sua decisão de injunção com vista ao fornecimento das informações solicitadas. […]

[…]»

12

O artigo 5.o, n.o 1, da referida lei dispõe:

«Se as informações solicitadas não forem transmitidas no prazo de um mês a contar da notificação da decisão de injunção com vista ao fornecimento das informações solicitadas, é aplicável ao detentor das informações uma coima fiscal até 250000 euros. O montante da coima é fixado pelo diretor da Administração Fiscal competente ou pelo seu representante.»

13

O artigo 6.o da mesma lei, na sua versão aplicável ao litígio no processo principal, tinha a seguinte redação:

«(1)   Não é admissível recurso do pedido de troca de informações nem da decisão de injunção mencionados no artigo 3.o, n.os 1 e 3.

(2)   O detentor das informações pode interpor recurso das decisões mencionadas no artigo 5.o para o Tribunal Administrativo. O recurso deve ser interposto no prazo de um mês a contar da notificação da decisão ao detentor das informações solicitadas. O recurso tem efeito suspensivo. […]»

Lei de 1 de março de 2019

14

A loi du 1er mars 2019 portant modification de la loi du 25 novembre 2014 prévoyant la procédure applicable à l’échange de renseignements sur demande en matière fiscale (Lei de 1 de março de 2019, que Altera a Lei de 25 de novembro de 2014, que Prevê o Procedimento Aplicável à Troca de Informações a Pedido em Matéria Fiscal) (Mémorial A 2019, p. 112, a seguir «Lei de 1 de março de 2019») entrou em vigor em 9 de março de 2019.

15

O artigo 6.o da Lei de 25 de novembro de 2014, conforme alterada pela Lei de 1 de março de 2019, prevê, nos seus n.os 1 e 2:

«(1)   O detentor das informações pode interpor recurso de anulação da decisão de injunção referida no artigo 3.o, n.o 3, para o Tribunal Administrativo. […]

(2)   O recurso da decisão de injunção referida no artigo 3.o, n.o 3, e da decisão referida no artigo 5.o deve ser interposto no prazo de um mês a contar da notificação da decisão ao detentor das informações solicitadas. O recurso tem efeito suspensivo. […]»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

16

Em 27 de abril de 2017, a Administração Fiscal francesa dirigiu à Administração Fiscal luxemburguesa, com fundamento, nomeadamente, na Diretiva 2011/16, um pedido de informações (a seguir «pedido de informações de 27 de abril de 2017»).

17

O pedido indicava F, uma sociedade civil imobiliária de direito francês, como pessoa coletiva visada no Estado requerente e L, uma sociedade de direito luxemburguês, como, simultaneamente, sociedade‑mãe indireta de F e pessoa coletiva visada no Estado requerido. Quanto ao fim fiscal do referido pedido, o mesmo esclarecia que F detinha um bem imóvel em França e L detinha também, diretamente, outro bem imóvel em França. A este respeito, o mesmo pedido explicava que, em aplicação da legislação francesa, as pessoas singulares que detêm, direta ou indiretamente, bens imóveis situados em França devem declará‑los e que a Administração Fiscal francesa pretendia conhecer os acionistas e os beneficiários efetivos da L.

18

Em 28 de fevereiro de 2018, o diretor da administration des contributions directes (Administração das Contribuições Diretas, Luxemburgo) deu seguimento ao pedido de informações de 27 de abril de 2017, dirigindo a L uma decisão de injunção para comunicar, o mais tardar até 5 de abril de 2018, informações relativas ao período compreendido entre 1 de janeiro de 2012 e 31 de dezembro de 2016, abrangendo várias informações, a saber, os nomes e endereços dos acionistas, bem como dos beneficiários efetivos, diretos e indiretos, independentemente das estruturas interpostas, da L, a distribuição do capital social dessa sociedade e uma cópia dos registos dos títulos da sociedade (a seguir «Decisão de injunção de 28 de fevereiro de 2018»). Essa decisão referia que, em conformidade com o artigo 6.o da Lei de 25 de novembro de 2014, na sua versão aplicável ao litígio no processo principal, era irrecorrível.

19

Em 5 de abril de 2018, a L interpôs recurso hierárquico formal da referida decisão. Por Decisão de 4 de junho de 2018, o diretor da Administração das Contribuições Diretas julgou o recurso inadmissível. A L interpôs recurso de anulação desta última decisão, o qual está atualmente pendente no tribunal administratif (Tribunal Administrativo, Luxemburgo).

20

Em 6 de agosto de 2018, o diretor da Administração das Contribuições Diretas dirigiu à L uma decisão em que declarava que não tinha dado seguimento à Decisão de injunção de 28 de fevereiro de 2018 e, portanto, lhe aplicava uma coima fiscal, em conformidade com o artigo 5.o da Lei de 25 de novembro de 2014 (a seguir «Decisão sancionatória de 6 de agosto de 2018»).

21

Por petição apresentada na Secretaria do tribunal administratif (Tribunal Administrativo) em 5 de setembro de 2018, a L interpôs um recurso destinado a obter, a título principal, a reforma dessa decisão e, a título subsidiário, a sua anulação.

22

Por Sentença de 18 de dezembro de 2018, o tribunal administratif (Tribunal Administrativo) anulou a referida decisão, com o fundamento de que existia uma contradição entre, por um lado, a identidade do contribuinte referida na Decisão de injunção de 28 de fevereiro de 2018 e, por outro, as explicações prestadas no pedido de informações de 27 de abril de 2017, quanto ao fim para o qual essas informações eram solicitadas, pelo que subsistiam dúvidas quanto à identidade do contribuinte visado nesse pedido. Com efeito, segundo o tribunal administratif (Tribunal Administrativo), estas explicações levavam a concluir que a investigação conduzida pela Administração Fiscal francesa não visava a F, apesar de mencionada no pedido de informações de 27 de abril de 2017 como pessoa objeto dessa investigação, mas sim os beneficiários económicos, pessoas singulares, da L, que, em aplicação da legislação francesa, estão sujeitos à obrigação de declaração da posse de bens imóveis situados em França. Esta incerteza quanto à identidade do contribuinte visado nesse pedido implicava ter de considerar‑se as informações solicitadas manifestamente desprovidas de relevância previsível.

23

Por petição apresentada na Secretaria da Cour administrative (Supremo Tribunal Administrativo, Luxemburgo) em 21 de dezembro de 2018, o Estado luxemburguês interpôs recurso dessa sentença.

24

Na decisão de reenvio, a Cour administrative (Supremo Tribunal Administrativo) considera, em primeiro lugar, no que respeita à relevância previsível das informações solicitadas, que, contrariamente ao que afirmou o tribunal administratif (Tribunal Administrativo), não existe contradição entre a identidade do contribuinte referida na Decisão de injunção de 28 de fevereiro de 2018 e o fim fiscal prosseguido pelo pedido de informações de 27 de abril de 2017.

25

Com efeito, decorre do conteúdo global desse pedido que a F e a L são as pessoas coletivas visadas na investigação fiscal conduzida no Estado requerente, como sociedades detentoras dos bens imóveis situados em França. Tendo em conta a obrigação declarativa que recai sobre os acionistas e os beneficiários económicos pessoas singulares dessas sociedades por força da legislação francesa, a Cour administrative (Supremo Tribunal Administrativo) considera que essa investigação pode validamente estender‑se à determinação da identidade dessas pessoas singulares, sendo certo que os acionistas e os beneficiários económicos da L são igualmente, atendendo à estrutura societária em causa, os beneficiários económicos da F. Daqui resulta que as informações solicitadas não são, neste aspeto, manifestamente desprovidas de relevância previsível.

26

Todavia, a Cour administrative (Supremo Tribunal Administrativo) observa que o pedido de informações de 27 de abril de 2017 não identifica, nominativa e individualmente, os acionistas e os beneficiários efetivos da L, mas visa essas pessoas como grupo de pessoas que são objeto de designação global a partir de critérios comuns delimitados pela autoridade requerente.

27

Ora, em conformidade com as disposições da Diretiva 2011/16, conforme interpretadas pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 16 de maio de 2017, Berlioz Investment Fund (C‑682/15, EU:C:2017:373), a indicação da identidade do contribuinte objeto de investigação no Estado requerente é um elemento que deve obrigatoriamente constar do pedido de informações para justificar a relevância previsível das informações solicitadas, que, por sua vez, constitui uma condição de legalidade do pedido.

28

Segundo a Cour administrative (Supremo Tribunal Administrativo), embora esta diretiva não especifique de outra forma o conteúdo da obrigação de identificação do contribuinte visado na investigação no Estado requerente, não basta que a identidade do contribuinte seja determinável para respeitar a exigência de identificação imposta pela referida diretiva. Com efeito, no sentido comum, a identificação de uma pessoa pressupõe a indicação de elementos suficientes para permitir a sua individualização.

29

Assim, na aceção da mesma diretiva, o conceito de «identidade» do contribuinte deve ser interpretado no sentido de que o próprio pedido de informações já deve conter indicações suficientes que permitam identificar individualmente o(s) contribuinte(s) visado(s) na investigação no Estado requerente e que não basta que o pedido se limite a fornecer elementos comuns que permitam determinar um grupo, mais ou menos extenso, de pessoas não identificadas no intuito de obter precisamente as informações necessárias para as identificar.

30

É certo que resulta do Acórdão de 16 de maio de 2017, Berlioz Investment Fund (C‑682/15, EU:C:2017:373), que, para interpretar este conceito de «identidade», há igualmente que tomar em consideração o artigo 26.o do Modelo de Convenção Fiscal da Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Económicos (OCDE) sobre o Rendimento e o Património, bem como os comentários ao mesmo artigo. Ora, na versão resultante de uma atualização efetuada após a adoção da Diretiva 2011/16, esses comentários permitem considerar que um pedido de informações sobre um grupo de contribuintes não identificados individualmente pode, não obstante, cumprir a condição da relevância previsível quando se trate de uma investigação orientada para um grupo limitado, centrada na fiscalização do cumprimento de uma obrigação legal específica, e não de uma simples investigação de supervisão fiscal geral.

31

No entanto, mesmo admitindo que as sucessivas alterações introduzidas nos referidos comentários sejam aplicáveis e relevantes para a interpretação desta diretiva, dado que refletem uma evolução na interpretação da norma geral da relevância previsível das informações solicitadas, a Cour administrative (Supremo Tribunal Administrativo) tem dúvidas sobre a questão de saber se essa evolução pode ter por efeito que se ignore a exigência de identificação individual do contribuinte visado na investigação, imposta pela referida diretiva.

32

Em segundo lugar, no que respeita ao exercício do direito de recurso que assiste à pessoa detentora de informações contra uma decisão de injunção para comunicar informações contra si adotada, a Cour administrative (Supremo Tribunal Administrativo) salienta que, no caso em apreço, na falta de vias de recurso diretas contra essa decisão, a L interpôs recurso da Decisão sancionatória de 6 de agosto de 2018 para impugnar, a título incidental, a legalidade da Decisão de injunção de 28 de fevereiro de 2018.

33

A este respeito, a Cour administrative (Supremo Tribunal Administrativo) sublinha que o artigo 6.o, n.o 2, da Lei de 25 de novembro de 2014 atribui a esse recurso um efeito suspensivo da execução da Decisão sancionatória de 6 de agosto de 2018, até à adoção de uma decisão judicial que se pronuncie definitivamente sobre o referido recurso. No entanto, observa que, na sequência do eventual reconhecimento definitivo da legalidade da Decisão de injunção de 28 de fevereiro de 2018 e da Decisão sancionatória de 6 de agosto de 2018, decidido o referido recurso, a L é obrigada, simultaneamente, a prestar as informações solicitadas e a pagar a sanção pecuniária.

34

Ora, a Cour administrative (Supremo Tribunal Administrativo) constata que, nessa situação, a pessoa detentora de informações teria tido conhecimento das informações mínimas relativas, nomeadamente, ao fim fiscal do pedido de informações na origem da decisão de injunção para comunicar as informações, referidas no artigo 20.o, n.o 2, da Diretiva 2011/16, somente no âmbito do seu recurso da decisão sancionatória por incumprimento da injunção. Por conseguinte, em momento algum teria disposto de um prazo útil para decidir, com pleno conhecimento dessas informações mínimas, dar ou não cumprimento à decisão de injunção para comunicar informações.

35

Assim, coloca‑se a questão de saber se o direito a um recurso efetivo consagrado no artigo 47.o da Carta implica, na sequência de um eventual reconhecimento definitivo da legalidade da decisão de injunção para comunicar informações e da decisão sancionatória por incumprimento da injunção, que deva ser concedido à pessoa detentora de informações um determinado prazo para poder dar seguimento à decisão de injunção para comunicar informações e que a sanção só se torna exigível em virtude da inadimplência da pessoa.

36

Nestas circunstâncias, a Cour administrative (Supremo Tribunal Administrativo) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o artigo 20.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2011/16 ser interpretado no sentido de que um pedido de troca de informações, apresentado por uma autoridade de um Estado‑Membro requerente que define os contribuintes visados pelo pedido de troca de informações a partir unicamente da sua qualidade de acionista e de beneficiário económico de uma pessoa coletiva, sem que esses contribuintes tenham sido previamente objeto de identificação nominativa e individual por parte da autoridade requerente, é conforme com as exigências de identificação estabelecidas por esta disposição?

2)

Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, devem o artigo 1.o, n.o 1, e o artigo 5.o da mesma diretiva ser interpretados no sentido de que o cumprimento da norma da relevância previsível implica que a autoridade do Estado‑Membro requerente, para provar que não houve pesca de informações apesar da falta de identificação individual dos contribuintes visados, possa demonstrar, com base em explicações claras e suficientes, que conduz um inquérito apontado para um grupo limitado de pessoas e não um simples inquérito de supervisão fiscal geral, e que esse inquérito é justificado por suspeitas fundadas de desrespeito de uma obrigação legal precisa?

3)

Deve o artigo 47.o da [Carta] ser interpretado no sentido de que, quando

um administrado, ao qual é aplicado, pela autoridade competente do Estado‑Membro requerido, uma sanção administrativa pecuniária por desrespeito de uma decisão administrativa que o obriga a fornecer informações no âmbito de um intercâmbio entre [A]dministrações [F]iscais nacionais ao abrigo da Diretiva 2011/16, e que é ela própria insuscetível de um recurso contencioso segundo o direito interno do Estado‑Membro requerido, tenha impugnado a legalidade dessa decisão, a título incidental, no âmbito de um recurso interposto contra a sanção pecuniária, e

esse administrado só tenha tomado conhecimento das informações mínimas enunciadas no artigo 20.o, n.o 2, da Diretiva 2011/16 durante o processo judicial instaurado no seguimento do recurso contencioso que interpôs da referida sanção,

deve ser‑lhe concedido, na sequência do reconhecimento definitivo, a título incidental, da validade da decisão de injunção e da decisão de fixação da coima contra ele proferidas, um prazo suspensivo para pagamento da coima a fim de poder, após ter tomado conhecimento dos elementos relativos à relevância previsível definitivamente confirmada pelo juiz competente, dar seguimento à decisão de injunção?»

Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

37

Por Decisão do presidente do Tribunal de Justiça de 15 de janeiro de 2020, foi suspensa a instância no presente processo, em aplicação do artigo 55.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, até à prolação do acórdão nos processos apensos C‑245/19 e C‑246/19, État luxembourgeois (Direito à ação contra um pedido de informação em matéria fiscal).

38

O Acórdão de 6 de outubro de 2020, État luxembourgeois (Direito à ação contra um pedido de informação em matéria fiscal) (C‑245/19 e C‑246/19, EU:C:2020:795), foi notificado ao órgão jurisdicional de reenvio no presente processo para se verificar se esse órgão jurisdicional pretendia manter o seu pedido de decisão prejudicial. Por carta de 16 de novembro de 2020, entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 17 de novembro de 2020, o referido órgão jurisdicional informou o Tribunal de Justiça de que pretendia manter esse pedido. Por Decisão do presidente do Tribunal de Justiça de 19 de novembro de 2020, foi decido retomar a instância no presente processo em conformidade.

39

Em 2 de fevereiro de 2021, as partes no processo principal e os outros interessados referidos no artigo 23.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia foram convidados a responder por escrito a certas perguntas, em aplicação do artigo 61.o, n.o 1, do Regulamento de Processo. A recorrida no processo principal, o Governo luxemburguês, a Irlanda, os Governos grego, espanhol, francês, italiano, polaco e finlandês, bem como a Comissão, responderam a essas perguntas.

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira e segunda questões

40

Com a primeira e segunda questões, que devem ser examinadas em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 1.o, n.o 1, o artigo 5.o e o artigo 20.o, n.o 2, da Diretiva 2011/16 devem ser interpretados no sentido de que se deve considerar que um pedido de informações tem por objeto informações que não se afiguram manifestamente desprovidas de relevância previsível quando as pessoas objeto de uma inspeção ou de uma investigação na aceção desta última disposição não estão, nominativa e individualmente, identificadas nesse pedido, mas a autoridade requerente demonstra, com base em explicações claras e suficientes, que conduz uma investigação orientada para um grupo limitado de pessoas, justificada por suspeitas fundadas de incumprimento de uma obrigação legal específica.

41

Para responder a estas questões, importa, em primeiro lugar, recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que resulta do artigo 1.o, n.o 1, e do artigo 5.o da Diretiva 2011/16 que a relevância previsível das informações solicitadas por um Estado‑Membro a outro Estado‑Membro constitui uma condição que o pedido de informações deve preencher para gerar a obrigação de o Estado‑Membro requerido lhe dar seguimento e, ao mesmo tempo, uma condição de legalidade da decisão de injunção para comunicar informações dirigida por esse Estado‑Membro a uma pessoa detentora dessas informações e da medida sancionatória aplicada a essa pessoa por inobservância dessa decisão (v., neste sentido, Acórdão de 16 de maio de 2017, Berlioz Investment Fund, C‑682/15, EU:C:2017:373, n.o 74).

42

A este respeito, resulta dos termos do considerando 9 da Diretiva 2011/16 que o objetivo desta condição da relevância previsível das informações solicitadas é o de permitir à autoridade requerente solicitar e obter todas as informações que possa razoavelmente considerar relevantes para efeitos da sua investigação, sem contudo a autorizar a extravasar manifestamente o âmbito desta nem impor encargos excessivos à autoridade requerida [v., neste sentido, Acórdãos de 16 de maio de 2017, Berlioz Investment Fund, C‑682/15, EU:C:2017:373, n.o 68, e de 6 de outubro de 2020, État luxembourgeois (Direito à ação contra um pedido de informação em matéria fiscal), C‑245/19 e C‑246/19, EU:C:2020:795, n.o 110].

43

Tendo em conta o mecanismo de cooperação entre autoridades fiscais instituído pela Diretiva 2011/16, que, como decorre dos considerandos 2, 6 e 8 desta diretiva, assenta em regras que visam estabelecer uma relação de confiança entre os Estados‑Membros, permitindo uma cooperação eficaz e rápida, a autoridade requerida deve, em princípio, confiar na autoridade requerente e presumir que o pedido de informações que lhe é submetido é, simultaneamente, conforme com o direito nacional da autoridade requerente e necessário à investigação. Em todo o caso, a autoridade requerida não pode substituir a apreciação da autoridade requerente da utilidade eventual das informações solicitadas pela sua própria apreciação (v., neste sentido, Acórdão de 16 de maio de 2017, Berlioz Investment Fund, C‑682/15, EU:C:2017:373, n.o 77).

44

Embora a autoridade requerente, que é quem dirige a investigação na origem do pedido de informações, tenha assim margem de apreciação na avaliação, de acordo com as circunstâncias do caso, da relevância previsível das informações solicitadas, não pode, no entanto, solicitar à autoridade requerida informações sem nenhuma relevância para essa investigação [v., neste sentido, Acórdão de 6 de outubro de 2020, État luxembourgeois (Direito à ação contra um pedido de informação em matéria fiscal), C‑245/19 e C‑246/19, EU:C:2020:795, n.o 112 e jurisprudência referida].

45

Assim, as informações solicitadas para efeitos de uma investigação «aleatória», como a referida no considerando 9 da Diretiva 2011/16, não podem, em caso algum, ser consideradas «previsivelmente relevantes», na aceção do artigo 1.o, n.o 1, desta diretiva [v., neste sentido, Acórdão de 6 de outubro de 2020, État luxembourgeois (Direito à ação contra um pedido de informação em matéria fiscal), C‑245/19 e C‑246/19, EU:C:2020:795, n.os 113 e 114].

46

Consequentemente, a autoridade requerida deve verificar se a fundamentação do pedido de informações que lhe foi dirigido pela autoridade requerente é suficiente para demonstrar que as informações em questão não se afiguram desprovidas de relevância previsível, tendo em conta a identidade do contribuinte visado na investigação na origem desse pedido, as necessidades dessa investigação e, caso seja necessário obter as informações em causa junto da pessoa que as detém, a identidade dessa pessoa [Acórdão de 6 de outubro de 2020, État luxembourgeois (Direito à ação contra um pedido de informação em matéria fiscal), C‑245/19 e C‑246/19, EU:C:2020:795, n.o 115 e jurisprudência referida].

47

A este respeito, decorre do considerando 9 da Diretiva 2011/16 que, entre os elementos pertinentes para efeitos dessa verificação que a autoridade requerente deve efetuar figuram, nomeadamente, os mencionados no artigo 20.o, n.o 2, alíneas a) e b), desta diretiva, a saber, a identidade da pessoa objeto de inspeção ou investigação e o fim fiscal a que se destina o pedido de informações (v., neste sentido, Acórdão de 16 de maio de 2017, Berlioz Investment Fund,C‑682/15, EU:C:2017:373, n.o 79).

48

Nestas condições, há assim que considerar que resulta da leitura conjugada do artigo 1.o, n.o 1, do artigo 5.o e do artigo 20.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2011/16, conforme interpretados pela jurisprudência do Tribunal de Justiça recordada nos n.os 41 a 47 do presente acórdão, que a indicação da «identidade da pessoa objeto de inspeção ou investigação», na aceção desta última disposição, constitui um dos elementos que a fundamentação do pedido de informações deve necessariamente conter para que a autoridade requerida possa verificar que as informações solicitadas não se afiguram desprovidas de relevância previsível e, assim, gerar a obrigação do Estado‑Membro requerido de dar seguimento ao pedido.

49

Em segundo lugar, há que salientar que o artigo 20.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2011/16 não remete para os direitos nacionais no que respeita ao significado a dar ao conceito de «identidade da pessoa objeto de inspeção ou investigação».

50

Assim, este conceito deve ser considerado um conceito autónomo do direito da União, que deve ser interpretado uniformemente no território desta última, tendo em conta não só os termos desta disposição mas também o contexto em que se insere e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte [v., neste sentido, Acórdão de 22 de junho de 2021, Venezuela/Conselho (Afetação de um Estado terceiro), C‑872/19 P, EU:C:2021:507, n.o 42 e jurisprudência referida].

51

No que respeita, antes de mais, à redação do artigo 20.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2011/16, importa salientar que o termo «identidade» designa, no sentido comum, todos os dados que permitem individualizar uma pessoa, sem que se resuma à identificação individual desta pelo seu nome, como considerou, em substância, a advogada‑geral nos n.os 46 e 47 das suas conclusões.

52

No que respeita, em seguida, ao contexto em que a referida disposição se insere, importa, por um lado, sublinhar que o artigo 3.o, ponto 11, desta diretiva define o termo «pessoa» de forma ampla, visando não só as pessoas singulares mas também as pessoas coletivas, as associações de pessoas às quais tenha sido reconhecida capacidade para a prática de atos jurídicos, ou ainda qualquer outra construção jurídica, seja qual for a sua natureza ou forma, dotada ou não de personalidade jurídica.

53

Por conseguinte, esta definição inclui igualmente um conjunto de pessoas coletivas cuja identidade não pode ser determinada com base em dados pessoais como os relacionados com o estado civil de uma pessoa singular. Para efeitos da verificação do elemento relativo à identidade da pessoa objeto de inspeção ou investigação na aceção da jurisprudência referida nos n.os 46 e 47 do presente acórdão, essas pessoas devem, portanto, poder ser identificadas através de um conjunto de características distintivas de ordem factual e jurídica.

54

Por outro lado, importa recordar que, em conformidade com o considerando 9 da Diretiva 2011/16, uma vez que a norma da «relevância previsível» das informações solicitadas se destina a permitir a troca de informações em matéria fiscal em toda a medida do possível, é necessário interpretar os requisitos de procedimento enunciados no artigo 20.o desta diretiva de forma flexível, por forma a não comprometer a eficácia da troca de informações.

55

Por conseguinte, a exigência, imposta no artigo 20.o, n.o 2, alínea a), da referida diretiva, de fornecer, no pedido de informações, elementos de fundamentação relativos à identidade da pessoa objeto de inspeção ou investigação deve, também ela, ser interpretada de forma flexível, no sentido de não exigir necessariamente uma identificação individual e nominativa dessas pessoas.

56

Quanto, por último, às finalidades da Diretiva 2011/16, o Tribunal de Justiça já declarou que o objetivo de combate à fraude e à evasão fiscais internacionais prosseguido por esta diretiva se traduz nomeadamente, nos artigos 5.o a 7.o da mesma, na instituição de um procedimento de troca de informações a pedido que permite às autoridades nacionais competentes cooperarem eficaz e rapidamente entre si com o objetivo de obter informações no contexto de investigações realizadas contra este ou aquele contribuinte [v., neste sentido, Acórdão de 6 de outubro de 2020, État luxembourgeois (Direito à ação contra um pedido de informação em matéria fiscal), C‑245/19 e C‑246/19, EU:C:2020:795, n.os 86, 89 e jurisprudência referida].

57

Para o efeito, no considerando 7, a referida diretiva enuncia que se baseia nos resultados da Diretiva 77/799, mas estabelece regras mais claras e mais precisas para reger a cooperação administrativa entre Estados‑Membros sempre que tal seja necessário, de modo a instituir uma cooperação mais ampla (v., neste sentido, Acórdão de 16 de maio de 2017, Berlioz Investment Fund, C‑682/15, EU:C:2017:373, n.o 47). Em especial, resulta deste considerando que essas regras deverão, nomeadamente, permitir abranger todas as pessoas singulares e coletivas na União, tendo em conta a gama cada vez mais vasta de estruturas jurídicas que possam vir a ser instituídos pelos contribuintes nos Estados‑Membros.

58

Ora, como salientou, em substância, a advogada‑geral no n.o 52 das suas conclusões, atendendo à crescente complexidade das montagens financeiras e jurídicas existentes, a interpretação do conceito de «identidade da pessoa objeto de inspeção ou investigação» que leve a proibir os pedidos de informações que não visam pessoas nominativa e individualmente identificadas pela autoridade requerente pode privar o instrumento de cooperação constituído pelo pedido de informações do seu efeito útil e é, assim, contrária ao objetivo de luta contra a fraude e a evasão fiscais internacionais prosseguido por este instrumento.

59

Com efeito, tal interpretação resulta em proibir os pedidos de informações, como o que está em causa no processo principal, que tenham por objeto, no âmbito de uma investigação fiscal cujo âmbito de aplicação já é determinado pela autoridade requerente, individualizar, através de um conjunto comum de qualidades ou de características que os distinguem, os membros de um grupo limitado de pessoas suspeitas da violação ou da omissão alegadas.

60

Ora, importa recordar, a este respeito, que o pedido de informações, bem como a decisão de injunção para comunicar informações, surgem na fase preliminar dessa inspeção ou dessa investigação, cujo objetivo é recolher informações em relação às quais a autoridade requerente não tem, supostamente, um conhecimento preciso e completo [Acórdão de 6 de outubro de 2020, État luxembourgeois (Direito à ação contra um pedido de informação em matéria fiscal), C‑245/19 e C‑246/19, EU:C:2020:795, n.o 121].

61

Por conseguinte, decorre da interpretação literal, contextual e teleológica do conceito de «identidade da pessoa objeto de inspeção ou investigação», na aceção do artigo 20.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2011/16, que este conceito abrange não só o nome e os outros dados pessoais mas também um conjunto de qualidades ou de características distintivas que permitam identificar a ou as pessoas objeto da inspeção ou da investigação.

62

Daqui resulta que a indicação da «identidade da pessoa objeto de inspeção ou investigação», na aceção desta disposição, enquanto elemento que a fundamentação do pedido de informações tem necessariamente de conter para permitir à autoridade requerida constatar que as informações solicitadas não se afiguram desprovidas de relevância previsível, na aceção do n.o 48 do presente acórdão, é suscetível de visar não só as pessoas nominativa e individualmente identificadas pela autoridade requerente mas também um grupo limitado de pessoas identificáveis a partir de um conjunto de qualidades ou de características comuns que as distinguem.

63

Todavia, importa recordar que resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça referida nos n.os 44 e 45 do presente acórdão que a autoridade requerente, embora disponha de uma margem de apreciação para avaliar a relevância previsível das informações solicitadas, não pode, no entanto, pedir à autoridade requerida informações para efeitos de uma «investigação aleatória», como a referida no considerando 9 da Diretiva 2011/16, não podendo essas informações ser consideradas «previsivelmente relevantes» na aceção do artigo 1.o, n.o 1, desta diretiva.

64

Assim, tratando‑se de um pedido de informações que não vise pessoas identificadas nominativa e individualmente, importa especificar, em terceiro lugar, os elementos que a autoridade requerente deve fornecer à autoridade requerida para lhe permitir constatar que as informações não são solicitadas para efeitos de tal «investigação aleatória» e, portanto, não se afiguram desprovidas de relevância previsível, na aceção da jurisprudência referida no n.o 46 do presente acórdão. Com efeito, como salientou a advogada‑geral, em substância, no n.o 54 das suas conclusões, o risco de uma «investigação aleatória» é especialmente elevado quando o pedido de informações diz respeito a um grupo de contribuintes não identificados nominativa e individualmente.

65

A este respeito, importa, antes de mais, recordar que resulta da jurisprudência referida no n.o 47 do presente acórdão que os elementos de fundamentação relativos à «identidade da pessoa objeto de inspeção ou investigação», na aceção do artigo 20.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2011/16, acrescem aos relativos ao fim fiscal a que se destina o pedido, na aceção do artigo 20.o, n.o 2, alínea b), desta diretiva.

66

Em seguida, resulta da leitura conjugada do considerando 9 e do artigo 20.o da Diretiva 2011/16, conforme interpretados pela jurisprudência do Tribunal de Justiça referida nos n.os 42 a 45 do presente acórdão, que a autoridade requerente não pode pedir informações que extravasem manifestamente o âmbito da investigação fiscal por ela conduzida nem impor um encargo excessivo à autoridade requerida.

67

Nestas condições, cumpre considerar, como salientou, em substância, a advogada‑geral nos n.os 58 a 62 das suas conclusões, que a autoridade requerente é obrigada a, primeiro, fornecer uma descrição tão detalhada e completa quanto possível do grupo de contribuintes objeto de inspeção ou investigação, precisando o conjunto de qualidades ou características comuns distintivas das pessoas que dele fazem parte para permitir à autoridade requerida proceder à sua identificação; segundo, explicar as obrigações fiscais específicas que impendem sobre essas pessoas; e, terceiro, expor as razões pelas quais essas pessoas são suspeitas das omissões ou violações objeto da inspeção ou da investigação.

68

No caso em apreço, como salientou a advogada‑geral no n.o 64 das suas conclusões, a fundamentação do pedido de informações em causa no processo principal, conforme resulta da exposição dos factos que figura na decisão de reenvio, resumida no n.o 17 do presente acórdão, parece satisfazer as exigências expostas no número anterior do presente acórdão, o que, todavia, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, no âmbito da apreciação global do conteúdo desse pedido.

69

Por último, cumpre acrescentar que esta interpretação das disposições da Diretiva 2011/16 corresponde à do conceito de «relevância previsível» das informações solicitadas, utilizado no artigo 26.o, n.o 1, do Modelo de Convenção Fiscal da OCDE sobre o Rendimento e o Património, conforme resulta dos comentários a este artigo adotados pelo Conselho da OCDE em 17 de julho de 2012.

70

Com efeito, o Tribunal de Justiça já observou que o conceito de «relevância previsível» das informações solicitadas, enunciado nomeadamente no considerando 9 da Diretiva 2011/16, reflete o conceito utilizado no artigo 26.o, n.o 1, deste modelo de convenção (v., neste sentido, Acórdão de 16 de maio de 2017, Berlioz Investment Fund, C‑682/15, EU:C:2017:373, n.o 67).

71

A este respeito, importa salientar que os pontos 5.1 e 5.2 dos comentários relativos ao artigo 26.o do referido modelo de convenção fiscal indicam que «um pedido de informações não consubstancia uma investigação aleatória inadmissível apenas por não conter o nome ou a morada do contribuinte contra o qual se dirigem as suas investigações», desde que o Estado requerente inclua nesse pedido «informações suplementares que permitam a identificação do contribuinte». Além disso, estes pontos esclarecem que a condição de relevância previsível das informações solicitadas também pode ser preenchida em «casos relativos a vários contribuintes (quer sejam identificados pelo seu nome ou por outro meio)».

72

Tendo em conta todas as considerações anteriores, há que responder à primeira e segunda questões que o artigo 1.o, n.o 1, o artigo 5.o e o artigo 20.o, n.o 2, da Diretiva 2011/16 devem ser interpretados no sentido de que se deve considerar que um pedido de informações tem por objeto informações que não se afiguram manifestamente desprovidas de relevância previsível quando as pessoas objeto de uma inspeção ou de uma investigação na aceção desta última disposição não estão, nominativa e individualmente, identificadas nesse pedido, mas a autoridade requerente demonstra, com base em explicações claras e suficientes, que conduz uma investigação orientada para um grupo limitado de pessoas, justificada por suspeitas fundadas de incumprimento de uma obrigação legal específica.

Quanto à terceira questão

Quanto à competência do Tribunal de Justiça

73

O Governo luxemburguês contesta implicitamente a competência do Tribunal de Justiça para conhecer da terceira questão. Este Governo alega, em substância, que esta questão tem por objeto aspetos de ordem puramente interna, relacionados com a aplicação das regras processuais nacionais no tempo e que, por conseguinte, não apresentam um elemento de conexão com o direito da União. Ora, uma vez que o artigo 47.o da Carta só é aplicável aos litígios nacionais que apresentem um elemento de conexão suficiente com o direito da União, a referida questão não é da competência do Tribunal de Justiça.

74

A este respeito, cabe salientar que, ao especificar as modalidades procedimentais da troca de informações a pedido instituída pela Diretiva 2011/16, nomeadamente as modalidades de execução e de fiscalização da legalidade da decisão de injunção para comunicar informações e da decisão sancionatória por incumprimento dessa injunção, adotadas para garantir o bom funcionamento desse procedimento, a Lei de 25 de novembro de 2014 constitui a aplicação desta diretiva e, portanto, integra o âmbito de aplicação do direito da União [v., neste sentido, Acórdãos de 16 de maio de 2017, Berlioz Investment Fund, C‑682/15, EU:C:2017:373, n.os 34 a 41, e de 6 de outubro de 2020, État luxembourgeois (Direito à ação contra um pedido de informação em matéria fiscal), C‑245/19 e C‑246/19, EU:C:2020:795, n.os 45 e 46].

75

Daqui resulta que o artigo 47.o da Carta é aplicável, em conformidade com o artigo 51.o, n.o 1, da mesma [v., neste sentido, Acórdãos de 16 de maio de 2017, Berlioz Investment Fund, C‑682/15, EU:C:2017:373, n.os 42 e 50, e de 6 de outubro de 2020, État luxembourgeois (Direito à ação contra um pedido de informação em matéria fiscal), C‑245/19 e C‑246/19, EU:C:2020:795, n.o 46], e que o Tribunal de Justiça é competente para conhecer da terceira questão.

Quanto à admissibilidade

76

O Governo luxemburguês tem igualmente dúvidas quanto à admissibilidade da terceira questão. Por um lado, considera que se é verdade que, por força do artigo 6.o, n.o 1, da Lei de 25 de novembro de 2014, na sua versão aplicável ao litígio no processo principal, a pessoa detentora de informações apenas dispunha do direito de recorrer da decisão sancionatória por incumprimento da decisão de injunção para comunicar informações, a Lei de 1 de março de 2019 instituiu um recurso de anulação desta última decisão.

77

Ora, uma vez que a Lei de 1 de março de 2019 prevê regras procedimentais, é aplicável às situações em curso a partir da data da sua entrada em vigor. Por conseguinte, visto que esta lei é aplicável ao litígio no processo principal, a terceira questão não é pertinente para a solução deste litígio, uma vez que, por força da referida lei, à pessoa detentora de informações passa a assistir o direito de interpor recurso de anulação da decisão de injunção para comunicar informações a fim de impugnar diretamente a sua legalidade.

78

Por outro lado, este Governo alega que, no caso em apreço, a sociedade detentora de informações dispunha, mesmo sob a égide da Lei de 25 de novembro de 2014, na sua versão aplicável ao litígio no processo principal, do direito de recurso efetivo, que lhe permitia impugnar diretamente a legalidade da Decisão de injunção de 28 de fevereiro de 2018.

79

Com efeito, como resulta do n.o 19 do presente acórdão, esta sociedade interpôs, paralelamente ao recurso da Decisão sancionatória de 6 de agosto de 2018, um recurso de anulação da decisão do diretor da Administração das Contribuições Diretas que declarou inadmissível o recurso hierárquico formal que tinha interposto da Decisão de injunção de 28 de fevereiro de 2018. Esse recurso de anulação, em relação ao qual é pacífico que não teve efeito suspensivo desta última decisão, está atualmente pendente no tribunal administratif (Tribunal Administrativo), que decidiu suspender a instância até à resposta do Tribunal de Justiça às questões prejudiciais submetidas no presente processo.

80

A este respeito, cabe recordar que decorre de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que, no âmbito da cooperação entre este e os órgãos jurisdicionais nacionais instituída pelo artigo 267.o TFUE, o juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão judicial a tomar, tem competência exclusiva para apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça. Consequentemente, desde que as questões submetidas sejam relativas à interpretação do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se (Acórdão de 18 de maio de 2021, Asociaţia Forumul Judecătorilor Din România e o., C‑83/19, C‑127/19, C‑195/19, C‑291/19, C‑355/19 e C‑397/19, EU:C:2021:393, n.o 115 e jurisprudência referida).

81

Daqui se conclui que as questões relativas ao direito da União gozam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional se for manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas (Acórdão de 18 de maio de 2021, Asociaţia Forumul Judecătorilor Din România e o., C‑83/19, C‑127/19, C‑195/19, C‑291/19, C‑355/19 e C‑397/19, EU:C:2021:393, n.o 116 e jurisprudência referida).

82

Em especial, como decorre dos próprios termos do artigo 267.o TFUE, a decisão prejudicial solicitada deve ser «necessária ao julgamento da causa» pelo órgão jurisdicional de reenvio. Assim, o processo de reenvio prejudicial pressupõe, nomeadamente, que esteja efetivamente pendente um litígio nos órgãos jurisdicionais nacionais, no âmbito do qual estes são chamados a proferir uma decisão suscetível de ter em consideração o acórdão proferido a título prejudicial (Acórdão de 18 de maio de 2021, Asociaţia Forumul Judecătorilor Din România e o., C‑83/19, C‑127/19, C‑195/19, C‑291/19, C‑355/19 e C‑397/19, EU:C:2021:393, n.o 117 e jurisprudência referida).

83

No caso em apreço, no que respeita, por um lado, à via de recurso direta contra as decisões de injunção para comunicar informações instituída pela Lei de 1 de março de 2019, há que constatar que, como salienta o órgão jurisdicional de reenvio na sua resposta sobre a manutenção do presente pedido de decisão prejudicial, esta lei não é aplicável ao litígio no processo principal. Com efeito, este litígio é anterior à entrada em vigor desta lei e tem origem num recurso interposto, não de uma decisão de injunção para comunicar informações, mas de uma decisão sancionatória posterior por incumprimento dessa injunção.

84

No que respeita, por outro lado, ao recurso de anulação mencionado no n.o 79 do presente acórdão, basta salientar que, como indica o próprio Governo luxemburguês na sua resposta às questões para resposta escrita do Tribunal de Justiça, este recurso de anulação, admitindo‑o admissível, ficaria, em todo o caso, desprovido de objeto na sequência do eventual reconhecimento definitivo, a título incidental, da legalidade da Decisão de injunção de 28 de fevereiro de 2018 e da Decisão sancionatória de 6 de agosto de 2018 no desfecho do litígio no processo principal.

85

Nestas condições, a resposta à terceira questão continua a ser pertinente e necessária para a resolução do litígio submetido ao órgão jurisdicional de reenvio, na aceção da jurisprudência recordada nos n.os 80 a 82 do presente acórdão, pelo que esta questão é admissível.

Quanto ao mérito

86

Com a terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 47.o da Carta deve ser interpretado no sentido de que a uma pessoa que detém informações:

a quem foi aplicada uma sanção administrativa pecuniária por incumprimento de uma decisão de injunção para comunicar informações no âmbito de uma troca de informações entre Administrações Fiscais nacionais ao abrigo da Diretiva 2011/16, ela própria insuscetível de recurso contencioso nos termos do direito interno do Estado‑Membro requerido, e

que impugnou a legalidade dessa decisão, a título incidental, no âmbito de um recurso contencioso da decisão sancionatória por incumprimento dessa injunção, tendo assim obtido conhecimento das informações mínimas referidas no artigo 20.o, n.o 2, desta diretiva durante o processo judicial relativo a esse recurso,

deve, na sequência do reconhecimento definitivo da legalidade das referidas decisões proferidas a seu respeito, ser concedido um prazo suspensivo para o pagamento da sanção, a fim de poder dar seguimento, depois de assim ter obtido conhecimento dos elementos referentes à relevância previsível das informações solicitadas definitivamente confirmada pelo juiz competente, à decisão de injunção para comunicar essas informações.

87

Para responder a esta questão, importa, em primeiro lugar, salientar que resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que a proteção das pessoas, singulares ou coletivas, contra intervenções arbitrárias ou desproporcionadas do poder público na sua esfera de atividade privada constitui um princípio geral do direito da União. Ora, essa proteção pode ser invocada por uma pessoa coletiva, enquanto direito garantido pelo direito da União, na aceção do artigo 47.o, primeiro parágrafo, da Carta, para contestar judicialmente um ato lesivo, como seja uma decisão de injunção para comunicar informações ou uma decisão sancionatória por incumprimento dessa injunção [Acórdão de 6 de outubro de 2020, État luxembourgeois (Direito à ação contra um pedido de informação em matéria fiscal), C‑245/19 e C‑246/19, EU:C:2020:795, n.os 57, 58 e jurisprudência referida].

88

Daqui resulta que à pessoa coletiva à qual a autoridade nacional competente dirigiu tais decisões, como a recorrida no processo principal, deve ser reconhecido o benefício do direito a um recurso efetivo garantido pelo artigo 47.o da Carta perante essas decisões, cujo exercício os Estados‑Membros só podem restringir se forem cumpridas as condições previstas no artigo 52.o, n.o 1, da Carta [v., neste sentido, Acórdão de 6 de outubro de 2020, État luxembourgeois (Direito à ação contra um pedido de informação em matéria fiscal), C‑245/19 e C‑246/19, EU:C:2020:795, n.os 59, 60 e 64].

89

Em segundo lugar, importa recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que o juiz nacional chamado a pronunciar‑se num recurso contra a sanção pecuniária administrativa aplicada ao administrado por inobservância da decisão de injunção para comunicar informações deve poder examinar a respetiva legalidade para obedecer às exigências do artigo 47.o da Carta. Por conseguinte, um administrado a quem tenha sido aplicada uma sanção pecuniária por inobservância de uma decisão que lhe ordena que preste informações no âmbito de uma troca de informações entre Administrações Fiscais nacionais ao abrigo da Diretiva 2011/16 pode impugnar a legalidade dessa decisão (Acórdão de 16 de maio de 2017, Berlioz Investment Fund, C‑682/15, EU:C:2017:373, n.os 56 e 59).

90

Neste contexto, por um lado, o Tribunal de Justiça considerou que a efetividade da fiscalização jurisdicional garantida pelo artigo 47.o da Carta exige que a fundamentação dada pela autoridade requerente permita que o juiz nacional exerça a fiscalização da legalidade do pedido de informações. Atendendo à margem de apreciação de que a autoridade requerente dispõe na aceção da jurisprudência recordada nos n.os 42 e 44 do presente acórdão, os limites aplicáveis ao controlo da autoridade requerida, enunciados nos n.os 43 e 46 do presente acórdão, impõem‑se da mesma forma à fiscalização do juiz. Consequentemente, o juiz deve verificar apenas se a decisão de injunção para comunicar informações se baseia num pedido suficientemente fundamentado da autoridade requerente incidindo sobre informações que não se mostram, manifestamente, desprovidas de relevância previsível, tendo em conta os elementos referidos no artigo 20.o, n.o 2, da Diretiva 2011/16, respeitantes à identidade da pessoa objeto de inspeção ou investigação e ao fim fiscal a que se destina o pedido de informações (v., neste sentido, Acórdão de 16 de maio de 2017, Berlioz Investment Fund, C‑682/15, EU:C:2017:373, n.os 84 a 86).

91

Por outro lado, o Tribunal de Justiça esclareceu que se é certo que, para o juiz do Estado‑Membro requerido poder exercer a sua fiscalização jurisdicional, importa que possa ter acesso ao pedido de informações transmitido pelo Estado‑Membro requerente ao Estado‑Membro requerido, não é necessário que o administrado visado, para poder defender a sua causa de forma equitativa quanto à condição da relevância previsível das informações solicitadas, tenha acesso a todo o pedido de informações. Para este efeito, basta que tenha acesso, no âmbito do seu recurso jurisdicional da decisão de injunção para comunicar informações e da decisão sancionatória por inobservância dessa injunção, às informações mínimas previstas no artigo 20.o, n.o 2, da Diretiva 2011/16, a saber, a identidade da pessoa objeto de inspeção ou investigação e o fim fiscal a que se destina o pedido de informações (v., neste sentido, Acórdão de 16 de maio de 2017, Berlioz Investment Fund, C‑682/15, EU:C:2017:373, n.os 92, 99 e 100).

92

No entanto, cabe sublinhar a este respeito que a efetividade da fiscalização jurisdicional garantida pelo artigo 47.o da Carta exige que o destinatário de uma decisão tomada a seu respeito por uma autoridade administrativa possa conhecer os fundamentos nos quais se baseia, quer através da leitura da própria decisão, quer através de uma comunicação desses fundamentos feita a seu pedido, sem prejuízo do poder do juiz competente de exigir da autoridade em causa que os comunique, para lhe permitir defender os seus direitos nas melhores condições possíveis e decidir com pleno conhecimento de causa se é útil recorrer ao juiz competente, bem como para dar a este último condições para exercer plenamente a fiscalização da legalidade da decisão nacional em causa (Acórdão de 24 de novembro de 2020, Minister van Buitenlandse Zaken, C‑225/19 e C‑226/19, EU:C:2020:951, n.o 43 e jurisprudência referida).

93

Assim, a decisão de injunção para comunicar informações deve não só basear‑se num pedido de informações válido perante a jurisprudência recordada nos n.os 41 a 47 do presente acórdão mas também ser devidamente fundamentada, para permitir ao destinatário dessa decisão compreender o seu alcance e decidir opor‑se, ou não, judicialmente à mesma.

94

Além disso, o Tribunal de Justiça também recordou que decorre de jurisprudência constante que o conteúdo essencial do direito à ação consagrado no artigo 47.o da Carta inclui, entre outros elementos, o de o titular desse direito poder aceder a um tribunal competente que assegure o respeito pelos direitos que o direito da União lhe garante e, para o efeito, examine todas as questões de facto e de direito pertinentes para resolver o litígio que é chamado a decidir, sem estar obrigado a violar uma regra ou uma obrigação jurídica e expor‑se à sanção associada a essa infração [v., neste sentido, Acórdão de 6 de outubro de 2020, État luxembourgeois (Direito à ação contra um pedido de informação em matéria fiscal), C‑245/19 e C‑246/19, EU:C:2020:795, n.o 66].

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Ora, o Tribunal de Justiça já declarou, tendo em conta a mesma legislação nacional que a aplicável no litígio no processo principal, que, em conformidade com essa legislação, só se a pessoa destinatária de uma decisão de injunção para comunicar informações não cumprir essa decisão, por um lado, e se lhe tiver posteriormente sido aplicada uma sanção por essa razão, por outro, é que tem a possibilidade de contestar, a título subordinado, essa decisão, no âmbito do recurso que pode interpor dessa sanção [Acórdão de 6 de outubro de 2020, État luxembourgeois (Direito à ação contra um pedido de informação em matéria fiscal), C‑245/19 e C‑246/19, EU:C:2020:795, n.o 67].

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Desta forma, perante uma decisão de injunção para comunicar informações que seja arbitrária ou desproporcionada, essa pessoa não pode ter acesso a um tribunal, a não ser que infrinja essa decisão ao recusar‑se a cumprir a injunção nela contida e se exponha, assim, à sanção associada ao incumprimento da mesma. Consequentemente, não se pode considerar que essa pessoa goze de uma tutela jurisdicional efetiva [Acórdão de 6 de outubro de 2020, État luxembourgeois (Direito à ação contra um pedido de informação em matéria fiscal), C‑245/19 e C‑246/19, EU:C:2020:795, n.o 68].

97

Por conseguinte, o Tribunal de Justiça declarou que a referida legislação nacional, porquanto exclui a possibilidade de a pessoa detentora de informações a quem a autoridade nacional competente dirija uma decisão de injunção para comunicar essas informações interpor recurso direto dessa decisão, não respeita o conteúdo essencial do direito à ação garantido pelo artigo 47.o da Carta e, portanto, que o seu artigo 52.o, n.o 1, se opõe a essa legislação [Acórdão de 6 de outubro de 2020, État luxembourgeois (Direito à ação contra um pedido de informação em matéria fiscal), C‑245/19 e C‑246/19, EU:C:2020:795, n.o 69].

98

Nestas condições, a fim de garantir a efetividade do conteúdo essencial desse direito em circunstâncias como as do processo principal, deve ser concedida ao destinatário da decisão de injunção para comunicar informações, na eventualidade de ser confirmada a legalidade dessa decisão pelo juiz competente, a possibilidade de dar cumprimento à referida decisão no prazo inicialmente previsto para o efeito pelo direito nacional, sem que isso implique a manutenção da sanção em que teve de incorrer para exercer o seu direito a um recurso efetivo. Só se o destinatário não der seguimento à mesma decisão dentro desse prazo é que a sanção aplicada se tornará legitimamente exigível.

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Tendo em conta todas as considerações anteriores, há que responder à terceira questão que o artigo 47.o da Carta deve ser interpretado no sentido de que a uma pessoa que detém informações:

a quem foi aplicada uma sanção administrativa pecuniária por incumprimento de uma decisão de injunção para comunicar informações no âmbito de uma troca de informações entre Administrações Fiscais nacionais ao abrigo da Diretiva 2011/16, ela própria insuscetível de recurso contencioso nos termos do direito interno do Estado‑Membro requerido, e

que impugnou a legalidade dessa decisão, a título incidental, no âmbito de um recurso contencioso da decisão sancionatória por incumprimento dessa injunção, tendo assim obtido conhecimento das informações mínimas referidas no artigo 20.o, n.o 2, desta diretiva durante o processo judicial relativo a esse recurso,

deve, na sequência do reconhecimento definitivo da legalidade das referidas decisões proferidas a seu respeito, ser dada a possibilidade de dar cumprimento à decisão de injunção para comunicar essas informações no prazo inicialmente previsto para o efeito pelo direito nacional, sem que isso implique a manutenção da sanção em que teve de incorrer para exercer o seu direito a um recurso efetivo. Só se essa pessoa não der seguimento a esta decisão dentro desse prazo é que a sanção aplicada se tornará legitimamente exigível.

Quanto às despesas

100

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

 

1)

O artigo 1.o, n.o 1, o artigo 5.o e o artigo 20.o, n.o 2, da Diretiva 2011/16/UE do Conselho, de 15 de fevereiro de 2011, relativa à cooperação administrativa no domínio da fiscalidade e que revoga a Diretiva 77/799/CEE, devem ser interpretados no sentido de que se deve considerar que um pedido de informações tem por objeto informações que não se afiguram manifestamente desprovidas de relevância previsível quando as pessoas objeto de uma inspeção ou de uma investigação na aceção desta última disposição não estão, nominativa e individualmente, identificadas nesse pedido, mas a autoridade requerente demonstra, com base em explicações claras e suficientes, que conduz uma investigação orientada para um grupo limitado de pessoas, justificada por suspeitas fundadas de incumprimento de uma obrigação legal específica.

 

2)

O artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia deve ser interpretado no sentido de que a uma pessoa que detém informações:

a quem foi aplicada uma sanção administrativa pecuniária por incumprimento de uma decisão de injunção para comunicar informações no âmbito de uma troca de informações entre Administrações Fiscais nacionais ao abrigo da Diretiva 2011/16, ela própria insuscetível de recurso contencioso nos termos do direito interno do Estado‑Membro requerido, e

que impugnou a legalidade dessa decisão, a título incidental, no âmbito de um recurso contencioso da decisão sancionatória por incumprimento dessa injunção, tendo assim obtido conhecimento das informações mínimas referidas no artigo 20.o, n.o 2, desta diretiva durante o processo judicial relativo a esse recurso,

deve, na sequência do reconhecimento definitivo da legalidade das referidas decisões proferidas a seu respeito, ser dada a possibilidade de dar cumprimento à decisão de injunção para comunicar essas informações no prazo inicialmente previsto para o efeito pelo direito nacional, sem que isso implique a manutenção da sanção em que teve de incorrer para exercer o seu direito a um recurso efetivo. Só se essa pessoa não der seguimento a esta decisão dentro desse prazo é que a sanção aplicada se tornará legitimamente exigível.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: francês.