ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

20 de janeiro de 2021 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Diretiva 2010/24/UE — Artigo 16.o — Cobrança dos créditos relativos a impostos, direitos e outras medidas — Assistência mútua — Pedido de medidas cautelares — Decisão judicial do Estado‑Membro requerente para a aplicação de medidas cautelares — Competência do órgão jurisdicional do Estado‑Membro requerido para apreciar e reavaliar a justificação dessas medidas — Princípios da confiança mútua e do reconhecimento mútuo»

No processo C‑420/19,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Riigikohus (Supremo Tribunal, Estónia), por Decisão de 29 de maio de 2019, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 29 de maio de 2019, no processo

Maksu‑ ja Tolliamet

contra

Heavyinstall OÜ,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: J.‑C. Bonichot, presidente de secção, R. Silva de Lapuerta (relatora), vice‑presidente do Tribunal de Justiça, L. Bay Larsen, C. Toader e N. Jääskinen, juízes,

advogado‑geral: G. Pitruzzella,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Heavyinstall OÜ, por S. Koivuaho, na qualidade de mandatária,

em representação do Governo estónio, por N. Grünberg, na qualidade de agente,

em representação do Governo húngaro, por M. Z. Fehér e R. Kissné Berta, na qualidade de agentes,

em representação do Governo sueco, por H. Eklinder, C. Meyer‑Seitz, H. Shev, J. Lundberg e A. Falk, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por W. Roels e E. Randvere, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 17 de setembro de 2020,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 16.o da Diretiva 2010/24/UE do Conselho, de 16 de março de 2010, relativa à assistência mútua em matéria de cobrança de créditos respeitantes a impostos, direitos e outras medidas (JO 2010, L 84, p. 1).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Maksu‑ ja Tolliamet (Autoridade Tributária e Aduaneira, Estónia) (a seguir «MTA») à Heavyinstall OÜ a respeito da adoção, na Estónia, de medidas cautelares solicitadas pela Autoridade Tributária finlandesa contra esta sociedade.

Quadro jurídico

Direito da União

3

Os considerandos 1, 4 e 6 da Diretiva 2010/24 enunciam:

«(1)

A assistência mútua entre Estados‑Membros em matéria de cobrança recíproca dos respetivos créditos e dos da União respeitantes a determinados impostos e outras medidas contribui para o bom funcionamento do mercado interno. Garante a neutralidade fiscal e tem permitido que os Estados‑Membros procedam à abolição de medidas de proteção discriminatórias destinadas a evitar a fraude e as perdas orçamentais.

[…]

(4)

Para melhor salvaguardar os interesses financeiros dos Estados‑Membros e a neutralidade do mercado interno, é necessário que o âmbito da assistência mútua à cobrança seja extensivo a créditos respeitantes a impostos e direitos ainda não abrangidos pela assistência mútua à cobrança, enquanto que, para fazer face ao aumento dos pedidos de assistência e obter melhores resultados, é necessário conferir maior eficácia à assistência à cobrança e facilitar a sua utilização prática. […]

[…]

(6)

As disposições consagradas pela presente diretiva não deverão prejudicar as competências dos Estados‑Membros em matéria de determinação das medidas de cobrança disponíveis na sua legislação interna. Contudo, é necessário garantir que o bom funcionamento do sistema de assistência mútua previsto na presente diretiva não seja comprometido nem pelas disparidades entre legislações nacionais nem pela falta de coordenação entre autoridades competentes.»

4

O artigo 14.o, n.os 1 e 2, desta diretiva prevê:

«1.   Os litígios relativos ao crédito, ao título executivo inicial no Estado‑Membro requerente ou ao título executivo uniforme no Estado‑Membro requerido e os litígios sobre a validade de uma notificação efetuada por uma autoridade competente do Estado‑Membro requerente são dirimidos pelas instâncias competentes do Estado‑Membro requerente. Se, durante o processo de cobrança, o crédito, o título executivo inicial no Estado‑Membro requerente ou o título executivo uniforme no Estado‑Membro requerido for impugnado por uma parte interessada, a autoridade requerida informa essa parte de que a ação deve ser por ela instaurada perante a instância competente do Estado‑Membro requerente, nos termos das disposições legislativas em vigor nesse Estado.

2.   Os litígios relativos às medidas de execução tomadas no Estado‑Membro requerido ou à validade de uma notificação efetuada por uma autoridade competente do Estado‑Membro requerido são dirimidos pela instância competente desse Estado‑Membro, nos termos das disposições legislativas e regulamentares que nele vigorem.»

5

Nos termos do artigo 16.o da referida diretiva:

«1.   A pedido da autoridade requerente, a autoridade requerida toma medidas cautelares, se autorizadas pelo seu direito nacional e nos termos das suas práticas administrativas, com vista a garantir a cobrança sempre que um crédito ou o título executivo no Estado‑Membro requerente seja objeto de impugnação no momento em que o pedido é efetuado ou sempre que o crédito não tenha ainda sido objeto de um título executivo no Estado‑Membro requerente, na medida em que sejam igualmente admitidas medidas cautelares, numa situação idêntica, pelo direito nacional e pelas práticas administrativas do Estado‑Membro requerente.

O documento relativo à aplicação de medidas cautelares no Estado‑Membro requerente e respeitante ao crédito para o qual é solicitada assistência mútua, se for caso disso, é anexado ao pedido de medidas cautelares no Estado‑Membro requerido. Esse documento não está sujeito a nenhum ato de reconhecimento, completamento ou substituição no Estado‑Membro requerido.

2.   O pedido de medidas cautelares pode ser acompanhado de outros documentos respeitantes ao crédito em causa, emitidos no Estado‑Membro requerente.»

6

O artigo 17.o da mesma diretiva dispõe:

«Para efeitos do artigo 16.o, aplica‑se mutatis mutandis o disposto no n.o 2 do artigo 10.o, nos n.os 1 e 2 do artigo 13.o, e nos artigos 14.o e 15.o»

7

O artigo 18.o da Diretiva 2010/24 prevê:

«1.   A autoridade requerida não é obrigada a conceder a assistência prevista nos artigos 10.o a 16.o se, tendo em conta a situação do devedor, a cobrança do crédito puder criar graves dificuldades de natureza económica ou social no Estado‑Membro requerido, desde que as disposições legislativas e regulamentares e as práticas administrativas em vigor nesse Estado‑Membro admitam esta exceção em relação aos créditos nacionais.

2.   A autoridade requerida não é obrigada a conceder a assistência prevista nos artigos 5.o e 7.o a 16.o se o pedido inicial de assistência ao abrigo do artigo 5.o, 7.o, 8.o, 10.o ou 16.o for apresentado em relação a créditos com mais de cinco anos, contados desde a data de vencimento do crédito no Estado‑Membro requerente até à data do pedido de assistência inicial.

No entanto, nos casos em que o crédito ou o título executivo inicial no Estado‑Membro requerente seja impugnado, considera‑se que o prazo de cinco anos começa a correr no momento em que é estabelecido no Estado‑Membro requerente que o crédito ou o título executivo deixa de poder ser impugnado.

Além disso, nos casos em que é concedido um adiamento do prazo de pagamento ou um plano de pagamento escalonado pelas autoridades competentes do Estado‑Membro requerente, considera‑se que o prazo de cinco anos começa a correr no momento em que termina o prazo total de pagamento.

Todavia, nesses casos a autoridade requerida não é obrigada a conceder a assistência em relação a créditos com mais de dez anos, contados desde a data de vencimento do crédito no Estado‑Membro requerente.

3.   Um Estado‑Membro não é obrigado a conceder assistência se o montante total dos créditos abrangidos pela presente diretiva para os quais seja solicitada assistência for inferior a 1500 [euros].

4.   A autoridade requerida informa a autoridade requerente dos motivos que obstam a que o pedido de assistência seja satisfeito.»

8

O Regulamento de Execução (UE) n.o 1189/2011 da Comissão, de 18 de novembro de 2011, que fixa as normas de execução relativamente a certas disposições da Diretiva 2010/24 (JO 2011, L 302, p. 16), conforme alterado pelo Regulamento de Execução (UE) 2017/1966 da Comissão, de 27 de outubro de 2017 (JO 2017, L 279, p. 38) (a seguir «Regulamento n.o 1189/2011»), estabelece, como resulta do seu artigo 1.o, as normas de execução, nomeadamente, do artigo 16.o, n.o 1, da Diretiva 2010/24.

9

Nos termos do artigo 15.o do Regulamento n.o 1189/2011:

«1.   Os pedidos de cobrança ou de adoção de medidas cautelares incluem uma declaração que certifique estarem reunidas as condições previstas pela Diretiva 2010/24/UE para iniciar o procedimento de assistência mútua.

2.   No caso de um pedido de medidas cautelares, esta declaração pode ser completada por uma declaração que especifique os motivos e as circunstâncias do pedido, estabelecida em conformidade com o modelo constante do anexo III.»

10

Em conformidade com os pontos 2.2 e 2.3 do modelo que figura no anexo III do Regulamento n.o 1189/2011, o pedido de medidas cautelares pode ser acompanhado de uma decisão administrativa que permita medidas cautelares ou de uma decisão judicial que confirme que as medidas cautelares são justificadas.

Direito estónio

11

O § 130, n.o 1, do Maksukorralduse seadus (Código Tributário, a seguir «MKS») prevê as medidas que a Autoridade Tributária pode tomar para proceder à cobrança coerciva dos créditos quando o devedor não cumpra a sua obrigação pecuniária no prazo previsto nesta lei.

12

O § 1361 do MKS, sob a epígrafe «Aplicação de medidas cautelares antes de se proceder à liquidação de um crédito ou de uma obrigação pecuniária», enuncia:

«(1)   Se, no âmbito do controlo da regularidade do pagamento dos impostos, houver motivos razoáveis para pressupor que, depois de liquidado o montante do crédito ou da obrigação pecuniária resultante da lei fiscal, a execução coerciva desse crédito ou dessa obrigação pode ser significativamente mais difícil, ou mesmo impossível, devido a comportamento adotado pelo contribuinte, o diretor da Autoridade Tributária ou o funcionário por este mandatado pode apresentar um pedido ao tribunal administrativo para que sejam autorizadas as medidas de execução previstas no § 130, n.o 1, da presente lei.»

Litígio no processo principal e questão prejudicial

13

Em 8 de fevereiro de 2018, o Keski‑Pohjanmaan käräjäoikeus (Tribunal de Primeira Instância de Keski‑Pohjanmaa, Finlândia) adotou uma decisão provisória relativa à penhora de certos bens pertencentes à Heavyinstall, a fim de garantir um crédito fiscal com um montante previsível de 320022 euros que a Autoridade Tributária finlandesa detinha sobre esta empresa (a seguir «decisão judicial de penhora finlandesa»).

14

Segundo desta decisão, existia o risco de que a Heavyinstall dissimulasse, destruísse ou transferisse os seus bens ou atuasse de uma forma que poderia impedir a cobrança do crédito da Autoridade Tributária finlandesa. Além disso, desde 2010 que o sócio da Heavyinstall enganava deliberadamente a referida autoridade, com o intuito de que esta sociedade não cumprisse as suas obrigações fiscais na Finlândia.

15

Em 13 de março de 2018, a Autoridade Tributária finlandesa, ao abrigo do artigo 16.o da Diretiva 2010/24, dirigiu à MTA um pedido de assistência relativo a medidas cautelares a adotar contra a Heavyinstall (a seguir «pedido de assistência»). Das informações de que o Tribunal de Justiça dispõe resulta que a decisão judicial de penhora finlandesa foi anexada a este pedido.

16

Para dar seguimento ao pedido de assistência, a MTA apresentou, em 29 de março de 2018, um pedido no Tallinna Halduskohus (Tribunal Administrativo de Taline, Estónia), com vista à penhora dos veículos da Heavyinstall, a saber, dois reboques no valor de 7500 euros e um camião no valor de 9500 euros, e das contas bancárias desta sociedade abertas em todas as instituições de crédito da Estónia, no montante de 297304 euros (a seguir «pedido de medidas cautelares»).

17

Por Despacho de 3 de abril de 2018, o Tallinna Halduskohus (Tribunal Administrativo de Taline) indeferiu o pedido de medidas cautelares, por considerar que não tinha sido feita prova de que fora respeitada a condição prevista no § 1361, n.o 1, do MKS. Em conformidade com esta disposição, a implementação de medidas cautelares exige que se deve poder considerar de forma fundamentada que, depois de o crédito ter sido liquidado, a execução coerciva deste pode ser significativamente mais difícil, ou mesmo impossível, devido a comportamentos do contribuinte.

18

A MTA interpôs recurso do referido despacho no Tallinna Ringkonnakohus (Tribunal de Recurso de Taline, Estónia), que negou provimento ao recurso por Despacho de 8 de maio de 2018.

19

Segundo esse órgão jurisdicional, resulta do artigo 16.o da Diretiva 2010/24 que o Estado‑Membro requerido pode apreciar a procedência e a proporcionalidade do pedido de implementação de medidas cautelares à luz da sua própria legislação e verificar se a adoção dessas medidas é conforme com esta legislação e com as suas práticas administrativas.

20

O Tallinna Ringkonnakohus (Tribunal de Recurso de Taline), baseando‑se nesta premissa, examinou se estavam reunidas as condições de aplicação do § 1361 do MKS e concluiu, à semelhança do órgão jurisdicional de primeira instância, que não. Além disso, segundo o Tallinna Ringkonnakohus (Tribunal de Recurso de Taline), a implementação das medidas cautelares pedida em relação à Heavyinstall é desproporcionada.

21

Por outro lado, a MTA foi informada pela Autoridade Tributária finlandesa de que, por Decisão de 21 de junho de 2020, o Keski‑Pohjanmaan käräjäoikeus (Tribunal de Primeira Instância de Keski‑Pohjanmaa, Finlândia) tinha confirmado a decisão judicial de penhora finlandesa.

22

A MTA interpôs recurso no órgão jurisdicional de reenvio, o Riigikohus (Supremo Tribunal, Estónia), através do qual pediu a esse órgão jurisdicional que anulasse o Despacho de 8 de maio de 2018 do Tallinna Ringkonnakohus (Tribunal de Recurso de Taline) e julgasse procedente o seu pedido de aplicação de medidas cautelares contra a Heavyinstall.

23

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, há que determinar, no processo principal, se os órgãos jurisdicionais estónios, quando se pronunciarem sobre o pedido de implementação de medidas cautelares, podem apreciar eles próprios as provas apresentadas e decidir, segundo a sua própria convicção, se estão reunidas as condições para a implementação dessas medidas, ou se, pelo contrário, os referidos órgãos jurisdicionais devem basear‑se na apreciação constante da decisão judicial de penhora finlandesa.

24

O Riigikohus (Supremo Tribunal) privilegia a interpretação do artigo 16.o da Diretiva 2010/24 feita pelos órgãos jurisdicionais de primeira instância e de recurso e segundo a qual, em substância, a decisão judicial de penhora finlandesa constitui apenas um elemento de prova que deve ser examinado quando da apreciação das condições fixadas no § 1361 do MKS. No entanto, o órgão jurisdicional de reenvio salienta igualmente que os princípios da colaboração, da confiança mútua e da efetividade do direito da União podem sugerir que se acolha a interpretação do artigo 16.o da Diretiva 2010/24 feita pela MTA no processo principal.

25

Foi nestas condições que o Riigikohus (Supremo Tribunal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Deve o artigo 16.o da Diretiva [2010/24] ser interpretado no sentido de que o tribunal do Estado‑Membro que recebeu o pedido de medidas cautelares, ao pronunciar‑se sobre esse pedido em conformidade com a sua legislação nacional (conforme permitido pelo artigo 16.o, n.o 1, ao tribunal requerido), está vinculado à apreciação do tribunal do Estado‑Membro de estabelecimento do requerente, no que respeita à necessidade e à possibilidade das medidas cautelares, caso tenha sido apresentado ao tribunal um documento que contém essa apreciação (artigo 16.o, [n.o 1], segundo parágrafo, último período, nos termos do qual no Estado‑Membro requerido […] não é necessário um ato destinado a reconhecer, completar ou substituir esse documento)?»

Quanto à questão prejudicial

26

Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 16.o da Diretiva 2010/24 deve ser interpretado no sentido de que os órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro requerido, que se pronunciem sobre um pedido de medidas cautelares, estão vinculados pela apreciação relativa ao cumprimento de facto e de direito das condições estabelecidas para a implementação das referidas medidas efetuada pelas autoridades do Estado‑Membro requerente, quando essa apreciação figure no documento previsto no n.o 1, segundo parágrafo, deste artigo 16.o, anexado a este pedido, ou se, pelo contrário, podem efetuar a sua própria apreciação, à luz do respetivo direito nacional.

27

A este respeito, importa recordar que, em conformidade com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, para efeitos da interpretação de uma disposição do direito da União, há que ter em conta não só os seus termos mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que essa disposição faz parte (Acórdão de 11 de junho de 2020, ratiopharm, C‑786/18, EU:C:2020:459, n.o 28).

28

No que diz respeito à interpretação literal do artigo 16.o da Diretiva 2010/24, primeiro, resulta da redação do seu n.o 1, primeiro parágrafo, que a autoridade requerida toma medidas cautelares, nomeadamente, «se autorizadas pelo seu direito nacional e em conformidade com as suas práticas administrativas» e na medida em que «sejam igualmente admitidas medidas cautelares, numa situação idêntica, pelo direito nacional e pelas práticas administrativas do Estado‑Membro requerente».

29

Assim, esta redação limita‑se a mencionar a necessidade de que essas medidas cautelares sejam, por um lado, autorizadas no Estado‑Membro requerido e, por outro, admitidas no Estado‑Membro requerente, sem fornecer mais precisões quanto ao alcance dos poderes dos órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro requerido no que se refere à apreciação das condições de implementação das referidas medidas cautelares.

30

Segundo, importa salientar que, de acordo com a redação do artigo 16.o, n.o 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2010/24, quando um documento elaborado relativo à aplicação de medidas cautelares no Estado‑Membro requerente for anexado ao pedido de assistência, «[e]sse documento não está sujeito a nenhum ato de reconhecimento, completamento ou substituição no Estado‑Membro requerido».

31

Assim, como salientou o advogado‑geral no n.o 36 das suas conclusões, a análise contida nesse documento de acompanhamento, que geralmente dirá respeito ao preenchimento das condições para a adoção de medidas cautelares à luz do direito nacional do Estado‑Membro requerente, não deve e não pode ser completada nem substituída no Estado‑Membro requerido, o que vai no sentido de uma interpretação segundo a qual esta análise vincula os órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro requerido.

32

No que diz respeito à interpretação do artigo 16.o da Diretiva 2010/24 à luz do contexto em que este se inscreve, há que salientar, em primeiro lugar, que, nos termos do artigo 17.o desta diretiva, o artigo 14.o desta aplica‑se, por analogia, para efeitos da aplicação do referido artigo 16.o

33

O artigo 14.o da Diretiva 2010/24 prevê uma repartição das competências entre as instâncias do Estado‑Membro requerente e as do Estado‑Membro requerido para conhecer dos litígios relativos, por um lado, ao crédito, ao título executivo inicial no Estado‑Membro requerente, ao título executivo uniforme no Estado‑Membro requerido ou à validade de uma notificação efetuada por uma autoridade competente do Estado‑Membro requerente e, por outro, às medidas de execução tomadas no Estado‑Membro requerido ou à validade de uma notificação efetuada por uma autoridade competente deste último. Esta repartição das competências é o corolário do facto de o crédito e os títulos executivos que permitem a execução da respetiva cobrança serem determinados ao abrigo do direito em vigor no Estado‑Membro requerente, ao passo que as medidas de execução são adotadas no Estado‑Membro requerido, em conformidade com as disposições de direito aplicáveis neste último (v., neste sentido, Acórdão de 14 de março de 2019, Metirato, C‑695/17, EU:C:2019:209, n.os 33 e 34).

34

Assim, por força do artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2010/24, qualquer impugnação do crédito e do título executivo inicial no Estado‑Membro requerente deve ser apresentada nas instâncias competentes deste Estado‑Membro e não nas do Estado requerido, cujo poder de fiscalização é expressamente limitado, no artigo 14.o, n.o 2, desta diretiva, aos atos deste último Estado‑Membro (v., neste sentido, Acórdão de 14 de março de 2019, Metirato, C‑695/17, EU:C:2019:209, n.o 35 e jurisprudência referida).

35

A transposição desta jurisprudência, respeitante ao artigo 14.o da referida diretiva, para os litígios relativos a medidas cautelares, referidas no seu artigo 16.o, vai igualmente no sentido de uma interpretação segundo a qual os órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro requerido não podem apreciar estas medidas à luz das condições materiais fixadas no seu direito nacional para a adoção de tais medidas, uma vez que as referidas medidas cautelares foram determinadas ao abrigo das normas de direito em vigor no Estado‑Membro requerente.

36

Por conseguinte, como salientou o advogado‑geral no n.o 45 das suas conclusões, a análise contextual do artigo 16.o da Diretiva 2010/24 leva a considerar que os órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro requerido são competentes para conhecerem da conformidade do processo de adoção das medidas cautelares à luz da legislação e das práticas administrativas deste Estado‑Membro, mas não para conhecerem da observância das condições materiais para a adoção das referidas medidas.

37

Em segundo lugar, importa recordar que o artigo 18.o da Diretiva 2010/24 enumera casos específicos nos quais o Estado‑Membro requerido pode recusar conceder a assistência mútua prevista nesta diretiva. Em conformidade com a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, estes casos, como exceções ao princípio da confiança mútua, devem ser interpretados de forma estrita (v., por analogia, Acórdão de 14 de novembro de 2013, Baláž, C‑60/12, EU:C:2013:733, n.o 29).

38

No mesmo sentido, o Tribunal de Justiça reconheceu que a autoridade requerida pode, a título excecional, decidir não conceder a sua assistência à autoridade requerente se se verificar que a execução do pedido de assistência pode violar a ordem pública do Estado‑Membro a que pertence a autoridade requerida (v., neste sentido, Acórdão de 26 de abril de 2018, Donnellan, C‑34/17, EU:C:2018:282, n.o 47).

39

Assim, resulta da análise do contexto em que o artigo 16.o da Diretiva 2010/24 se inscreve que só em casos específicos e delimitados, baseados numa derrogação expressamente prevista por esta diretiva ou na jurisprudência do Tribunal de Justiça, é que os órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro requerido podem recusar conceder a assistência para a adoção de medidas cautelares.

40

No que se refere à interpretação teleológica da Diretiva 2010/24, há que observar que esta última, embora se integre no domínio do mercado interno e não no do espaço de liberdade, segurança e justiça, assenta no princípio da confiança mútua. Com efeito, a aplicação do sistema de assistência mútua instituído pela Diretiva 2010/24 depende da existência de tal confiança entre as autoridades nacionais competentes (v., neste sentido, Acórdão de 26 de abril de 2018, Donnellan, C‑34/17, EU:C:2018:282, n.o 41).

41

A este respeito, há igualmente que recordar que tanto o princípio da confiança mútua entre os Estados‑Membros como o princípio do reconhecimento mútuo, o qual assenta no primeiro destes princípios, revestem, no direito da União, uma importância fundamental, dado que permitem a criação e a manutenção de um espaço sem fronteiras internas (v., neste sentido, Acórdão de 26 de abril de 2018, Donnellan, C‑34/17, EU:C:2018:282, n.o 40).

42

Além disso, por um lado, resulta do considerando 4 da Diretiva 2010/24 que, para fazer face ao aumento dos pedidos de assistência e obter melhores resultados, é necessário conferir maior eficácia à assistência à cobrança e facilitar a sua utilização prática.

43

Por outro lado, em conformidade com o considerando 6 desta diretiva, é necessário garantir que o bom funcionamento do sistema de assistência mútua previsto nesta diretiva não seja comprometido nem pelas disparidades entre legislações nacionais nem pela falta de coordenação entre autoridades competentes.

44

Ora, uma interpretação do artigo 16.o da Diretiva 2010/24 que permitisse que os órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro requerido efetuassem um novo exame das condições de implementação das medidas cautelares, à luz do seu direito nacional, nomeadamente quando a apreciação dessas condições figura no documento previsto no artigo 16.o, n.o 1, segundo parágrafo, desta diretiva, seria contrária ao princípio da confiança mútua, no qual se baseia a referida diretiva, bem como às exigências relacionadas com o bom funcionamento e com a eficácia do sistema de assistência mútua estabelecido pela referida diretiva.

45

Por outro lado, como salientou o advogado‑geral no n.o 55 das suas conclusões, esse novo exame também seria contrário tanto às exigências de celeridade que caracterizam o processo de adoção de medidas cautelares como às exigências que visam evitar, no âmbito do processo de assistência, apreciações contraditórias sobre as mesmas circunstâncias de facto por parte dos órgãos jurisdicionais dos dois Estados‑Membros em causa.

46

Assim, decorre de uma interpretação literal do artigo 16.o da Diretiva 2010/24, bem como do contexto em que esta disposição se inscreve e dos objetivos prosseguidos por esta diretiva, que os órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro requerido estão, em princípio, vinculados pela apreciação efetuada pelas autoridades do Estado‑Membro requerente sobre a observância das condições de implementação das medidas cautelares, nomeadamente quando essa apreciação figura no documento previsto no artigo 16.o, n.o 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2010/24, anexado ao pedido de assistência.

47

No caso em apreço, há que salientar que se pode considerar que a decisão judicial de penhora finlandesa é o documento visado pelo artigo 16.o, n.o 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2010/24. Com efeito, como resulta da secção 2.3 do anexo III do Regulamento de Execução n.o 1189/2011, que contém um modelo de declaração que especifica os motivos e as circunstâncias para a apresentação de um pedido de medidas cautelares, esse pedido, apresentado ao abrigo do artigo 16.o da Diretiva 2010/24, pode resultar de uma decisão judicial que confirma que as medidas cautelares são justificadas. O referido modelo prevê, além disso, que essa decisão judicial é anexada à referida declaração.

48

Por conseguinte, é com base na análise que figura neste documento e não ao abrigo da sua própria apreciação dos factos em causa e das condições de implementação, na aceção do § 1361 do MKS, das medidas cautelares que os órgãos jurisdicionais estónios se devem pronunciar sobre o pedido de assistência que lhes foi submetido.

49

Atendendo a todas as considerações precedentes, há que responder à questão submetida que o artigo 16.o da Diretiva 2010/24 deve ser interpretado no sentido de que os órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro requerido, que se pronunciam sobre um pedido de medidas cautelares, estão vinculados pela apreciação relativa ao cumprimento de facto e de direito das condições estabelecidas para a execução das referidas medidas efetuada pelas autoridades do Estado‑Membro requerente, nomeadamente quando essa apreciação figure no documento previsto no n.o 1, segundo parágrafo, deste artigo 16.o, anexado ao referido pedido.

Quanto às despesas

50

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

 

O artigo 16.o da Diretiva 2010/24/UE do Conselho, de 16 de março de 2010, relativa à assistência mútua em matéria de cobrança de créditos respeitantes a impostos, direitos e outras medidas, deve ser interpretado no sentido de que os órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro requerido, que se pronunciam sobre um pedido de medidas cautelares, estão vinculados pela apreciação relativa ao cumprimento de facto e de direito das condições estabelecidas para a execução das referidas medidas efetuada pelas autoridades do Estado‑Membro requerente, nomeadamente quando essa apreciação figure no documento previsto no n.o 1, segundo parágrafo, deste artigo 16.o, anexado ao referido pedido.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: estónio.