ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

10 de setembro de 2020 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Contratos públicos de serviços — Diretiva 2014/24/UE — Artigo 2.o, n.o 1, ponto 5 — Conceito de “contrato público” — Conceito de “contrato a título oneroso” — Proposta de um proponente com o preço de zero euros — Exclusão da proposta — Artigo 69.o — Proposta anormalmente baixa»

No processo C‑367/19,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela Državna revizijska komisija za revizijo postopkov oddaje javnih naročil (Comissão Nacional de Revisão dos Procedimentos de Contratação Pública, Eslovénia), por Decisão de 30 de abril de 2019, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 8 de maio de 2019, no processo

Tax‑Fin‑Lex d.o.o.

contra

Ministrstvo za notranje zadeve,

sendo interveniente:

LEXPERA d.o.o.,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: M. Vilaras (relator), presidente de secção, S. Rodin, D. Šváby, K. Jürimäe e N. Piçarra, juízes,

advogado‑geral: M. Bobek,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Tax‑Fin‑Lex d.o.o., por Z. Tavčar, diretora,

em representação do Ministrstvo za notranje zadeve, por M. Bregar Hasanagić e M. Urek, na qualidade de agentes,

em representação do Governo austríaco, por M. Fruhmann, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por L. Haasbeek, B. Rous Demiri e P. Ondrůšek, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 28 de maio de 2020,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 2.o, n.o 1, ponto 5, da Diretiva 2014/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos públicos e que revoga a Diretiva 2004/18/CE (JO 2014, L 94, p. 65), conforme alterada pelo Regulamento Delegado (UE) 2017/2365 da Comissão, de 18 de dezembro de 2017 (JO 2017, L 337, p. 19) (a seguir «Diretiva 2014/24»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Tax‑Fin‑Lex d.o.o., sociedade com sede na Eslovénia, ao Ministrstvo za notranje zadeve (Ministério do Interior, Eslovénia) (a seguir «Ministério»), a propósito da exclusão por este último da proposta apresentada por esta sociedade no âmbito de um procedimento de contratação pública.

Quadro jurídico

Direito da União

3

O considerando 2 da Diretiva 2014/24 enuncia:

«A contratação pública […] [constitui] um dos instrumentos de mercado a utilizar para alcançar um crescimento inteligente, sustentável e inclusivo, assegurando simultaneamente a utilização mais eficiente dos fundos públicos. Para o efeito, as regras de contratação pública […] deverão ser revistas e modernizadas a fim de aumentar a eficiência da despesa pública […]».

4

Sob o título I da Diretiva 2014/24, intitulado «Âmbito de aplicação, definições e princípios gerais», o seu artigo 1.o, n.os 1 e 2, dispõe:

«1.   A presente diretiva estabelece as regras aplicáveis aos procedimentos de contratação adotados por autoridades adjudicantes relativamente a contratos públicos e a concursos de conceção cujo valor estimado não seja inferior aos limiares definidos no artigo 4.o

2.   Na aceção da presente diretiva, entende‑se por “contratação pública” a aquisição, mediante contrato público, de obras, fornecimentos ou serviços por uma ou mais autoridades adjudicantes a operadores económicos selecionados pelas mesmas, independentemente de as obras, os fornecimentos ou os serviços se destinarem ou não a uma finalidade de interesse público.»

5

Nos termos do artigo 2.o, n.o 1, ponto 5, da Diretiva 2014/24:

«1.   Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

5)

“Contratos públicos”, contratos a título oneroso, celebrados por escrito entre um ou mais operadores económicos e uma ou mais autoridades adjudicantes, que tenham por objeto a execução de obras, o fornecimento de produtos ou a prestação de serviços».

6

O artigo 4.o dessa diretiva, sob a epígrafe «Montantes limiares», dispõe:

«A presente diretiva aplica‑se aos contratos cujo valor estimado, sem imposto sobre o valor acrescentado (IVA), seja igual ou superior aos seguintes limiares:

[…]

b)

144000 [euros] para os contratos públicos de fornecimento e de serviços adjudicados por autoridades governamentais centrais e concursos para trabalhos de conceção organizados por essas autoridades;

[…]»

7

O artigo 18.o da Diretiva 2014/24, sob a epígrafe «Princípios da contratação», prevê, no seu n.o 1:

«As autoridades adjudicantes tratam os operadores económicos de acordo com os princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação e atuam de forma transparente e proporcionada.

Os concursos não podem ser organizados no intuito de não serem abrangidos pelo âmbito de aplicação da presente diretiva ou de reduzir artificialmente a concorrência. Considera‑se que a concorrência foi artificialmente reduzida caso o concurso tenha sido organizado no intuito de favorecer ou desfavorecer indevidamente determinados operadores económicos.»

8

O título II da Diretiva 2014/24, relativo às regras aplicáveis aos contratos públicos, contém um capítulo III que diz respeito à condução do procedimento, cuja secção 3 é intitulada «Seleção dos participantes e adjudicação dos contratos». O artigo 69.o dessa diretiva, consagrado às «[p]ropostas anormalmente baixas», que consta dessa secção 3, dispõe:

«1.   As autoridades adjudicantes exigem que os operadores económicos expliquem os preços ou custos indicados na proposta, sempre que estes se revelem anormalmente baixos para as obras, fornecimentos ou serviços a prestar.

2.   As explicações mencionadas no n.o 1 referem‑se, designadamente:

a)

Aos dados económicos do processo de fabrico, dos serviços prestados ou do método de construção;

b)

Às soluções técnicas escolhidas ou a quaisquer condições excecionalmente favoráveis de que o proponente disponha para o fornecimento dos produtos ou para a prestação dos serviços ou para a execução das obras;

c)

À originalidade das obras, fornecimentos ou serviços propostos pelo proponente;

[…]

f)

À possibilidade de obtenção de um auxílio estatal pelo proponente.

3.   A autoridade adjudicante avalia as informações prestadas consultando o proponente. Só pode excluir a proposta no caso de os meios de prova fornecidos não permitirem explicar satisfatoriamente os baixos preços ou custos propostos, tendo em conta os elementos a que se refere o n.o 2.

[…]»

Direito esloveno

9

O artigo 2.o da Zakon o javnem naročanju (Lei relativa aos Contratos Públicos), de 30 de maio de 2015 (Uradni list RS, n.o 91/2015), na sua versão aplicável aos factos do litígio no processo principal (a seguir «ZJN»), dispõe, no seu n.o 1:

«Os conceitos utilizados na presente lei têm o significado seguinte:

1.   “Contrato público”, contrato escrito, celebrado a título oneroso entre um ou mais operadores económicos e uma ou mais autoridades adjudicantes, que tenha por objeto a execução de obras, o fornecimento de produtos ou a prestação de serviços.

[…]»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

10

Em 7 de junho de 2018, o Ministério publicou um anúncio de concurso, dividido em dois lotes, para a contratação pública relativa ao acesso a um sistema informático jurídico por um período de 24 meses. O valor estimado do contrato, como determinado pelo Ministério, ascendia a 39959,01 euros.

11

O Ministério apenas recebeu duas propostas para o primeiro lote no prazo previsto, uma das quais da requerente no processo principal, a Tax‑Fin‑Lex, que propôs um preço de zero euros.

12

Por decisão de 11 de janeiro de 2019, a Tax‑Fin‑Lex foi informada, por um lado, da exclusão da sua proposta, com o fundamento de que o preço final da sua proposta é de zero euros, o que, no entender do Ministério, é contrário às regras relativas aos contratos públicos e, por outro, da adjudicação do contrato público para o primeiro lote ao segundo proponente.

13

Em 17 de janeiro de 2019, a Tax‑Fin‑Lex apresentou no Ministério um pedido de revisão da decisão deste, relativa à exclusão da sua proposta. Tendo indeferido esse pedido em 5 de fevereiro de 2019, o Ministério remeteu o processo, em 11 de fevereiro de 2019, para o órgão jurisdicional de reenvio, dando, assim, início ao processo perante este.

14

O órgão jurisdicional de reenvio observa, a título preliminar que, embora a Diretiva 2014/24 não regule diretamente a situação do processo principal, o legislador esloveno decidiu, ao transpor as disposições da referida diretiva para o direito nacional, que a expressão «contrato público» designava tanto os contratos de valor superior ao limiar definido na referida diretiva como aqueles cujo valor é inferior a esse limiar. O Tribunal de Justiça é, portanto, competente para responder às questões submetidas.

15

Quanto ao mérito, o órgão jurisdicional de reenvio sublinha que a decisão do Ministério de excluir a proposta da Tax‑Fin‑Lex se baseava num único fundamento, relacionado com o montante da proposta apresentada. A este respeito, pergunta, em primeiro lugar, se um contrato pode ser qualificado de «contrato a título oneroso», na aceção do artigo 2.o, n.o 1, ponto 5, da Diretiva 2014/24, quando a autoridade adjudicante não está obrigada a fornecer uma contrapartida ao seu cocontratante, mas este último, ao abrigo desse contrato, obtém acesso a um novo mercado ou a novos utilizadores e, por conseguinte, referências, o que pode representar, para si, uma vantagem económica futura. Pretende, assim, saber se o simples facto de a obtenção do contrato público apresentar, em si mesma, um valor económico para o operador económico, mesmo que não seja possível exprimir esse valor de forma monetária aquando da adjudicação ou da celebração do contrato, basta para caracterizar o contrato que tem por objeto esse mercado de contrato a título oneroso, na aceção dessa disposição.

16

Em segundo lugar, admitindo que não exista, nessa hipótese, um «contrato a título oneroso», na aceção do artigo 2.o, n.o 1, ponto 5, da Diretiva 2014/24, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se essa disposição pode constituir uma base legal autónoma para justificar a exclusão de uma proposta na qual o preço é fixado em zero euros.

17

Expõe que, ao aceitar essa proposta, o contrato celebrado poderia não ser considerado um contrato de execução de um contrato público. Por conseguinte, a autoridade adjudicante teria dado início a um procedimento de contratação pública cujo resultado final não era a obtenção de semelhante contrato público, mas, por exemplo, uma doação.

18

Todavia, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que o artigo 2.o, n.o 1, ponto 5, da Diretiva 2014/24 define o conceito de «contrato público» para determinar os casos aos quais esta se aplica sem regular o procedimento de contratação pública. Expõe que, ao dar início, no processo principal, a semelhante procedimento, a autoridade adjudicante entendia que teria de fornecer uma contrapartida para a obtenção dos serviços objeto desse contrato. O comportamento dos proponentes e o conteúdo das respetivas propostas não podem ter incidência na apreciação anterior da autoridade adjudicante. Após o início do procedimento de contratação pública e o recebimento das propostas, a autoridade adjudicante está obrigada a tomá‑las em consideração e a examiná‑las apenas à luz dos requisitos previamente definidos. Além disso, as autoridades adjudicantes não organizam procedimentos de contratação com o objetivo de celebrar um contrato a título oneroso, mas com vista a obter bens ou serviços. Ora, no caso em apreço, mesmo aceitando a proposta pelo preço de zero euros, a autoridade adjudicante ainda obteria as prestações de serviços em vista das quais o contrato público foi objeto de concurso.

19

À luz do conjunto destas considerações, a Državna revizijska komisija za revizijo postopkov oddaje javnih naročil (Comissão Nacional de Revisão dos Procedimentos de Contratação Pública, Eslovénia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Existe “onerosidade da relação contratual”, enquanto elemento de um contrato público na aceção do artigo 2.o, n.o 1, ponto 5, da Diretiva 2014/24, quando a entidade adjudicante não está obrigada a uma contrapartida, mas, através da execução do contrato público, o operador económico obtém acesso a um novo mercado e referências?

2)

Pode ou deve o artigo 2.o, n.o 1, ponto 5, da Diretiva 2014/24 ser interpretado no sentido de que constitui um fundamento para rejeitar uma proposta com o preço de zero euros?»

Quanto às questões prejudiciais

20

A título preliminar, há que constatar que o montante do contrato em causa no processo principal é inferior ao limiar de 144000 euros, previsto no artigo 4.o, ponto b), da Diretiva 2014/24, de modo que esse contrato não está abrangido pelo âmbito de aplicação dessa diretiva. Todavia, como indica o órgão jurisdicional de reenvio, ao transpor as disposições da referida diretiva para o direito nacional, o legislador esloveno retomou, no artigo 2.o, n.o 1, da ZJN, a definição do termo «contrato público» que figura no artigo 2.o, n.o 1, ponto 5, da mesma diretiva, de modo que essa definição é aplicável a qualquer contrato público regulado pela ZJN, independentemente do seu montante.

21

Ora, segundo jurisprudência constante, justifica‑se uma interpretação, pelo Tribunal de Justiça, de disposições do direito da União em situações que não estejam abrangidas pelo âmbito de aplicação dessas disposições, quando estas se tornaram direta e incondicionalmente aplicáveis a tais situações por força do direito nacional, a fim de assegurar um tratamento idêntico a essas situações e às abrangidas pelo âmbito de aplicação das referidas disposições (v., neste sentido, Acórdãos de 18 de outubro de 1990, Dzodzi, C‑297/88 e C‑197/89, EU:C:1990:360, n.os 36, 37 e 41, e de 24 de outubro de 2019, Belgische Staat, C‑469/18 e C‑470/18, EU:C:2019:895, n.o 23).

22

Há, pois, que dar resposta às questões submetidas.

23

Há que considerar que, com as suas questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 2.o, n.o 1, ponto 5, da Diretiva 2014/24 deve ser interpretado no sentido de que constitui uma base legal de exclusão da proposta de um proponente no âmbito de um procedimento de contratação pública com o único fundamento de que, uma vez que o preço proposto era de zero euros, a autoridade adjudicante não forneceria nenhuma contrapartida financeira, mesmo que o proponente obtivesse apenas, através da execução desse contrato, acesso a um novo mercado e referências que poderia utilizar no âmbito de concursos posteriores.

24

A este respeito, importa recordar que o artigo 2.o, n.o 1, ponto 5, da Diretiva 2014/24 define os «contratos públicos» como «contratos a título oneroso, celebrados por escrito entre um ou mais operadores económicos e uma ou mais autoridades adjudicantes, que tenham por objeto a execução de obras, o fornecimento de produtos ou a prestação de serviços».

25

Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, resulta da aceção jurídica habitual dos termos «a título oneroso» que estes designam um contrato através do qual cada uma das partes se compromete a realizar uma prestação em contrapartida de outra (v., neste sentido, Acórdão de 18 de outubro de 2018, IBA Molecular Italy, C‑606/17, EU:C:2018:843, n.o 28). A natureza sinalagmática do contrato é, pois, uma característica essencial de um contrato público (v., neste sentido, Acórdãos de 21 de dezembro de 2016, Remondis, C‑51/15, EU:C:2016:985, n.o 43; de 28 de maio de 2020, Informatikgesellschaft für Software‑Entwicklung, C‑796/18, EU:C:2020:395, n.o 40; e de 18 de junho de 2020, Porin kaupunki, C‑328/19, EU:C:2020:483, n.o 47).

26

Como salientou o advogado‑geral no n.o 47 das suas conclusões, ainda que essa contrapartida não tenha necessariamente de consistir no pagamento de uma quantia em dinheiro, de modo que a prestação pode ser retribuída através de outras formas de contrapartida, como o reembolso dos custos suportados para fornecer o serviço acordado (v., nomeadamente, Acórdãos de 19 de dezembro de 2012, Ordine degli Ingegneri della Provincia di Lecce e o., C‑159/11, EU:C:2012:817, n.o 29; de 13 de junho de 2013, Piepenbrock, C‑386/11, EU:C:2013:385, n.o 31; e de 18 de outubro de 2018, IBA Molecular Italy, C‑606/17, EU:C:2018:843, n.o 29), não deixa de ser verdade que o caráter sinalagmático do contrato público se traduz obrigatoriamente na criação de obrigações juridicamente vinculativas para cada uma das partes no contrato, cuja execução deve poder ser judicialmente exigível (v., neste sentido, Acórdão de 25 de março de 2010, Helmut Müller, C‑451/08, EU:C:2010:168, n.os 60 a 62).

27

Daqui decorre que um contrato através do qual uma autoridade adjudicante não está juridicamente obrigada a fornecer nenhuma prestação em contrapartida da que o seu cocontratante se comprometeu a realizar não está abrangida pelo conceito de «contrato a título oneroso», na aceção do artigo 2.o, n.o 1, ponto 5, da Diretiva 2014/24.

28

A circunstância, evocada pelo órgão jurisdicional de reenvio e inerente a qualquer procedimento de contratação pública, de que a obtenção desse contrato pode ter um valor económico para o proponente, na medida em que lhe daria acesso a um novo mercado ou lhe permitiria obter referências, é demasiado aleatória e não pode, por conseguinte, como salientou, em substância, o advogado‑geral nos n.os 63 a 66 das suas conclusões, ser suficiente para qualificar esse contrato de «contrato a título oneroso».

29

Todavia, deve constatar‑se que o artigo 2.o, n.o 1, ponto 5, da Diretiva 2014/24 se limita a definir o conceito de «[c]ontratos públicos» para efeitos de determinação da aplicabilidade dessa diretiva. Com efeito, como resulta do seu artigo 1.o, n.o 1, a referida diretiva só se aplica aos «contratos públicos», na aceção do artigo 2.o, n.o 1, ponto 5, desta, cujo valor estimado não seja inferior aos limiares definidos no artigo 4.o desta última.

30

Daqui decorre que o artigo 2.o, n.o 1, ponto 5, da Diretiva 2014/24 não pode constituir uma base jurídica suscetível de fundamentar a exclusão de uma proposta com o preço de zero euros. Por conseguinte, esta disposição não permite afastar automaticamente uma proposta apresentada no âmbito de um contrato público, como seja uma proposta com o preço de zero euros, através da qual um operador propõe fornecer à autoridade adjudicante as obras, os fornecimentos ou os serviços que esta pretende adquirir, sem pedir contrapartida.

31

Nestas condições, dado que uma proposta com o preço de zero euros pode ser qualificada de proposta anormalmente baixa, na aceção do artigo 69.o da Diretiva 2014/24, quando uma autoridade adjudicante é confrontada com semelhante proposta, deve seguir o procedimento previsto nessa disposição, pedindo ao proponente explicações quanto ao montante da proposta. Resulta, com efeito, da lógica subjacente ao artigo 69.o da Diretiva 2014/24 que uma proposta não pode ser automaticamente excluída com o único fundamento de que o preço proposto é de zero euros.

32

Assim, resulta do n.o 1 desse artigo que, sempre que uma proposta se revele anormalmente baixa, as autoridades adjudicantes exigem que o proponente explique os preços ou custos indicados na mesma, podendo essas explicações referir‑se, designadamente, aos elementos previstos no n.o 2 do referido artigo. As referidas explicações contribuem, assim, para a avaliação da fiabilidade da proposta e permitem demonstrar que, embora o proponente proponha um preço de zero euros, a proposta em causa não afetará a execução correta do contrato.

33

Com efeito, em conformidade com o n.o 3 desse mesmo artigo, a autoridade adjudicante deve avaliar as informações prestadas consultando o proponente e só pode excluir semelhante proposta no caso de os meios de prova fornecidos não permitirem explicar satisfatoriamente os baixos preços ou custos propostos.

34

A avaliação dessas informações deve, além disso, ser efetuada no respeito dos princípios da igualdade e da não discriminação entre os proponentes, bem como de transparência e de proporcionalidade, os quais se impõem à autoridade adjudicante, em conformidade com o artigo 18.o, n.o 1, da Diretiva 2014/24.

35

Por conseguinte, é no contexto de uma eventual aplicação do artigo 69.o da Diretiva 2014/24 que há que apreciar o argumento de um proponente que tenha apresentado uma proposta com o preço de zero euros, segundo o qual o preço indicado na sua proposta se explica pelo facto de pretender obter acesso a um novo mercado ou a referências, se essa proposta for aceite.

36

Tendo em conta o conjunto das considerações precedentes, há que responder às questões submetidas que o artigo 2.o, n.o 1, ponto 5, da Diretiva 2014/24 deve ser interpretado no sentido de que não constitui uma base legal para a exclusão da proposta de um proponente no âmbito de um procedimento de contratação pública, com o único fundamento de que o preço indicado na proposta é de zero euros.

Quanto às despesas

37

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

 

O artigo 2.o, n.o 1, ponto 5, da Diretiva 2014/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos públicos e que revoga a Diretiva 2004/18/CE, conforme alterada pelo Regulamento Delegado (UE) 2017/2365 da Comissão, de 18 de dezembro de 2017, deve ser interpretado no sentido de que não constitui uma base legal para a exclusão da proposta de um proponente no âmbito de um procedimento de contratação pública, com o único fundamento de que o preço indicado na proposta é de zero euros.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: esloveno.