Processo C‑342/19 P

Fabio De Masi
e
Yanis Varoufakis

contra

Banco Central Europeu

Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 17 de dezembro de 2020

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Acesso aos documentos do Banco Central Europeu (BCE) — Decisão 2004/258/CE — Artigo 4.o, n.o 3 — Exceções — Documento recebido pelo BCE — Parecer de um prestador externo — Uso interno como parte integrante de debates e consultas preliminares — Recusa de acesso»

  1. Instituições da União Europeia — Direito de acesso do público aos documentos — Decisão 2004/258 do Banco Central Europeu — Exceções ao direito de acesso aos documentos — Dever de fundamentação — Alcance

    (Artigo 296.o, segundo parágrafo, TFUE; Decisão 2004/258 do Banco Central Europeu, conforme alterada pelas Decisões 2011/342 e 2015/529, artigo 4.o)

    (cf. n.os 49‑52)

  2. Instituições da União Europeia — Direito de acesso do público aos documentos — Decisão 2004/258 do Banco Central Europeu — Exceções ao direito de acesso aos documentos — Alcance — Recusa de acesso — Admissibilidade

    (Decisão 2004/258 do Banco Central Europeu, conforme alterada pelas Decisões 2011/342 e 2015/529, artigo 4.o, n.os 2, 3 e 5)

    (cf. n.os 60, 62, 64)

  3. Instituições da União Europeia — Direito de acesso do público aos documentos — Decisão 2004/258 do Banco Central Europeu — Exceções ao direito de acesso aos documentos — Proteção dos documentos para uso interno — Requisitos — Diferença relativamente ao Regulamento n.o 1049/2001

    [Regulamento (CE) n.o 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 4.o, n.o 3; Decisão 2004/258 do Banco Central Europeu, conforme alterada pelas Decisões 2011/342 e 2015/529, artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo]

    (cf. n.os 67‑71, 74, 75)

Resumo

Com a sua Decisão de 16 de outubro de 2017, o Banco Central Europeu (BCE) recusou aos recorrentes, Fabio de Masi e Yanis Varoufakis, o acesso ao documento intitulado «Respostas a questões respeitantes à interpretação do artigo 14.4. do Protocolo (n.o 4) relativo aos Estatutos do Sistema Europeu de Bancos Centrais e do Banco Central Europeu». O referido documento continha a resposta de um consultor externo a uma consulta jurídica que lhe tinha sido feita pelo BCE relativamente aos poderes do Conselho dos Governadores ao abrigo do referido artigo 14.4. O BCE recusou o acesso ao referido documento com fundamento, por um lado, na exceção relativa à proteção das consultas jurídicas, prevista no artigo 4.o, n.o 2, segundo travessão, da Decisão 2004/258 ( 1 ), e, por outro, na exceção relativa à proteção dos documentos para uso interno, prevista no artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, da mesma decisão.

O Tribunal Geral negou provimento ao recurso interposto pelos recorrentes da referida decisão do BCE ( 2 ). O Tribunal considerou que o BCE podia legitimamente basear a sua recusa de acesso ao documento em causa na exceção relativa à proteção dos documentos para uso interno prevista no artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, da Decisão 2004/258.

Chamado a conhecer do recurso interposto pelos recorrentes do acórdão do Tribunal Geral, o Tribunal de Justiça confirma a análise do Tribunal Geral relativa à aplicação daquela exceção no caso em apreço e nega provimento ao recurso.

Apreciação do Tribunal de Justiça

Antes de mais, o Tribunal de Justiça observa que, no processo em apreço, o Tribunal Geral não violou o seu dever de fundamentação. A este respeito, salienta que, embora o artigo 4.o, n.o 3, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 1049/2001 ( 3 ) exija que se demonstre que a divulgação do documento prejudica gravemente o processo decisório da instituição, tal demonstração não é exigida no âmbito da exceção prevista no artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, da Decisão 2004/258. Daqui conclui que o Tribunal Geral não estava de modo nenhum obrigado a verificar se o BCE tinha fornecido explicações quanto ao risco de um prejuízo grave para o seu processo decisório que o acesso ao documento em causa podia implicar. Precisa que a recusa de acesso a um documento ao abrigo da referida disposição da Decisão 2004/258 pressupõe unicamente a demonstração, por um lado, de que esse documento se destina designadamente a uso interno como parte integrante de debates e consultas preliminares no seio do BCE, e, por outro, de que não existe um interesse público superior que justifique a divulgação do mesmo documento.

Em seguida, o Tribunal de Justiça considera que o Tribunal Geral não desrespeitou o âmbito de aplicação do artigo 4.o, n.o 2, segundo travessão, e n.o 3, primeiro parágrafo, da Decisão 2004/258. Em primeiro lugar, a redação do referido artigo 4.o, n.o 2, segundo travessão, desta decisão não contém qualquer indicação suscetível de lhe conferir o caráter de uma lex specialis face ao artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, da mesma. Em segundo lugar, nada na redação do artigo 4.o da referida decisão exclui a possibilidade de uma mesma parte de um documento poder ser abrangida por várias das exceções aí referidas. Em terceiro lugar, é indiferente, para efeitos da aplicação da exceção prevista no artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, da Decisão 2004/258, que o documento em causa possa igualmente ser qualificado de «consult[a] jurídic[a]», na aceção do artigo 4.o, n.o 2, segundo travessão, desta decisão, uma vez que o legislador da União não subordinou a invocabilidade da exceção prevista nessa primeira disposição ao facto de o documento em causa não ser uma «consult[a] jurídic[a]» na aceção da segunda disposição.

Por último, o Tribunal de Justiça confirma a interpretação adotada pelo Tribunal Geral do artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, da Decisão 2004/258, sublinhando que esta disposição não pode ser interpretada no sentido de que reserva a proteção que estabelece unicamente aos documentos relativos a um processo decisório específico. Com efeito, esta disposição pressupõe unicamente que um documento seja utilizado como parte integrante de debates e consultas preliminares no BCE e tem por efeito abranger, de forma ampla, os documentos relacionados com processos internos do BCE. Além disso, o Tribunal de Justiça observa que o alcance desta disposição é diferente do do artigo 4.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1049/2001. Por um lado, o seu objeto de proteção não é idêntico e, por outro, embora a disposição supramencionada do Regulamento n.o 1049/2001 subordine a recusa de acesso a um documento ao facto de este último estar relacionado com uma matéria sobre a qual a instituição ainda não tenha decidido, o artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, da Decisão 2004/258 não contém essa especificação e concretamente prevê que o acesso ao documento pode ser recusado mesmo após ter sido tomada a decisão.


( 1 ) Decisão 2004/258/CE do Banco Central Europeu, de 4 de março de 2004, relativa ao acesso do público aos documentos do Banco Central Europeu (BCE/2004/3) (JO 2004, L 80, p. 42), conforme alterada pelas Decisões 2011/342/UE do Banco Central Europeu, de 9 de maio de 2011 (BCE/2011/6) (JO 2011, L 158, p. 37) e (UE) 2015/529 do Banco Central Europeu, de 21 de janeiro de 2015 (BCE/2015/1) (JO 2015, L 84, p. 64).

( 2 ) Acórdão de 12 de março de 2019, De Masi e Varoufakis/BCE (T‑798/17, EU:T:2019:154).

( 3 ) Regulamento (CE) n.o 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão (JO 2001, L 145, p. 43).