ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

3 de dezembro de 2020 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Livre prestação de serviços — Restrições — Legislação nacional que proíbe a exploração de jogos a dinheiro em determinados locais — Aplicabilidade do artigo 56.o TFUE — Existência de um elemento transfronteiriço»

No processo C‑311/19,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Nejvyšší správní soud (Supremo Tribunal Administrativo, República Checa), por Decisão de 21 de março de 2019, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 16 de abril de 2019, no processo

BONVER WIN, a.s.

contra

Ministerstvo financí ČR,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: M. Vilaras, presidente de secção, N. Piçarra, D. Šváby, S. Rodin (relator) e K. Jürimäe, juízes,

advogado‑geral: M. Szpunar,

secretário: M. Longar, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 12 de março de 2020,

considerando as observações apresentadas:

em representação do Governo checo, por M. Smolek, O. Serdula, J. Vláčil e T. Machovičová, na qualidade de agentes,

em representação do Governo húngaro, por M. Z. Fehér, G. Koós e Zs. Wagner, na qualidade de agentes,

em representação do Governo neerlandês, por J. M. Hoogveld e M. K. Bulterman, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por L. Armati, P. Němečková e K. Walkerová, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 3 de setembro de 2020,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 56.o TFUE.

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a BONVER WIN a.s. ao Ministerstvo financí ČR (Ministério das Finanças da República Checa) a respeito da legalidade de uma decisão que revoga a autorização de que beneficiava essa sociedade para explorar jogos de apostas no território da cidade de Děčín (República Checa).

Quadro jurídico

3

O artigo 50.o, n.o 4, da zákon č. 202/1990 Sb., o loteriích a jiných podobných hrách (Lei n.o 202/1990, Relativa às Lotarias e outros Jogos Semelhantes), de 17 de maio de 1990, dispõe:

«Por decreto de aplicação geral, um município pode restringir a exploração de jogos de apostas […], de lotarias e outros jogos semelhantes […] aos horários e aos locais enumerados nesse decreto, determinar os horários e os locais em que é proibida a exploração de lotarias e outros jogos semelhantes ou proibir totalmente a sua exploração em todo o território do município.»

4

O artigo 1.o, n.o 1, do obecně závazná vyhláška města Děčín č. 3/2013, o regulaci provozování sázkových her, loterií a jiných podobných her (Decreto de Aplicação Geral n.o 3/2013 da Cidade de Děčín, Relativo à Regulamentação da Exploração de Jogos de Apostas, Lotarias e outros Jogos Semelhantes; a seguir «Decreto de Aplicação Geral n.o 3/2013»), adotado pelo Conselho da cidade de Děčín com base no artigo 50.o, n.o 4, da Lei n.o 202/1990, Relativa às Lotarias e outros Jogos Semelhantes, tem a seguinte redação:

«Em todo o território da cidade de Děčín, com exclusão dos casinos situados nos locais enumerados no anexo 1 do presente decreto, é proibida a exploração:

a)

Dos jogos de apostas referidos no artigo 2.o, alíneas i), l), m) e n), da Lei Relativa às Lotarias;

b)

Das lotarias e outros jogos semelhantes referidos no artigo 2.o, alínea j), da Lei Relativa às Lotarias;

c)

Das lotarias e outros jogos semelhantes referidos no artigo 50.o, n.o 3, da Lei Relativa às Lotarias.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

5

A BONVER WIN é uma sociedade comercial, estabelecida na República Checa, que explora jogos de apostas.

6

Por Decisão de 22 de outubro de 2013, o Ministério das Finanças, em conformidade com o Decreto de Aplicação Geral n.o 3/2013, revogou a autorização de que a BONVER WIN beneficiava até então para a exploração de jogos de apostas num estabelecimento situado no território da cidade de Děčín, com o fundamento de que o local de exploração não figurava entre os enumerados no anexo 1 desse decreto.

7

A BONVER WIN deduziu reclamação contra essa decisão, que foi indeferida pelo ministro das Finanças, em 22 de julho de 2014.

8

A BONVER WIN intentou então uma ação no Městský soud v Praze (Tribunal de Praga, República Checa), que a julgou improcedente. Esse órgão jurisdicional salientou, no que respeita ao argumento relativo à incompatibilidade da legislação nacional com o direito da União, que este último não se aplica à situação da BONVER WIN, dado que esta sociedade não exerceu o seu direito de livre prestação de serviços.

9

A BONVER WIN interpôs recurso de cassação no órgão jurisdicional de reenvio, alegando que o Městský soud v Praze (Tribunal de Praga) tinha cometido um erro ao concluir pela inaplicabilidade do direito da União ao processo principal. Sustenta que o facto, corroborado por uma declaração prestada por uma testemunha, de que uma parte da clientela do seu estabelecimento em Děčín, cidade situada a cerca de 25 km da fronteira alemã, era composta por cidadãos de outros Estados‑Membros torna aplicável o artigo 56.o TFUE.

10

O órgão jurisdicional de reenvio, que assinala a existência de uma divergência na sua jurisprudência a respeito da aplicabilidade das disposições do Tratado FUE relativas à livre prestação de serviços a situações comparáveis à que está em causa no processo principal, sublinha que uma legislação como a que está em causa no processo principal pode estar na origem de uma restrição à liberdade dos destinatários dos serviços. Esse órgão jurisdicional observa, por um lado, como decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça, que os serviços fornecidos por um prestador estabelecido num Estado‑Membro, sem se deslocar, a um destinatário estabelecido noutro Estado‑Membro constituem uma prestação de serviços transfronteiriça e que esses destinatários podem, também, ser turistas ou pessoas que se deslocam no contexto de uma viagem de estudo.

11

Por outro lado, considera que uma legislação desta natureza, indistintamente aplicável aos cidadãos nacionais e aos cidadãos de outros Estados‑Membros, regra geral, só é suscetível de ser abrangida pelas disposições relativas às liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado FUE na medida em que se aplique a situações que tenham um nexo com as trocas comerciais entre os Estados‑Membros.

12

Todavia, o órgão jurisdicional de reenvio considera que, embora o Tribunal de Justiça tenha clarificado a aplicabilidade do artigo 56.o TFUE a situações em que um prestador oferece os seus serviços por telefone ou Internet, bem como às relativas aos grupos de turistas que constituem destinatários de serviços, não determinou claramente se este artigo é aplicável apenas pelo facto de um grupo de cidadãos de outro Estado‑Membro da União Europeia poder utilizar ou utilizar, num dado Estado, um serviço prestado principalmente a cidadãos nacionais. A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas de que uma visita ocasional de um único cidadão de outro Estado‑Membro da União a um estabelecimento que presta certos serviços implique automaticamente a aplicabilidade do artigo 56.o TFUE a qualquer legislação nacional que regulamente em termos gerais aquele setor de serviços nacional.

13

Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, por um lado, se não há que estabelecer no domínio da livre prestação de serviços, à semelhança do que existe no domínio da livre circulação de mercadorias, uma regra de minimis, baseada na existência de uma conexão suficiente entre a legislação em causa e a livre prestação de serviços. Se tal regra fosse estabelecida, a legislação indistintamente aplicável a todos os prestadores que exercem a sua atividade no território do Estado‑Membro em causa, com pouca incidência nas trocas comerciais entre os Estados‑Membros, não seria abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 56.o TFUE. Por outro lado, esse órgão jurisdicional pergunta se há que transpor, no âmbito da livre prestação de serviços, os ensinamentos do Acórdão de 24 de novembro de 1993, Keck e Mithouard (C‑267/91 e C‑268/91, EU:C:1993:905), e excluir do âmbito de aplicação do artigo 56.o TFUE as medidas indistintamente aplicáveis, que afetam da mesma forma, de direito e de facto, todos os prestadores de serviços que exercem a sua atividade no território nacional.

14

Nestas condições, o Nejvyšší správní soud (Supremo Tribunal Administrativo) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Os artigos 56.o e seguintes [TFUE] são aplicáveis a uma legislação nacional (um decreto municipal de aplicação geral) que proíbe numa parte de um município um determinado serviço unicamente porque alguns clientes do prestador de serviços afetado por essa legislação podem ser ou são originários de outro Estado‑Membro da União Europeia?

Em caso de resposta afirmativa, para efeitos da aplicação do artigo 56.o [TFUE], basta invocar a eventual presença de clientes de outro Estado‑Membro, ou é o prestador de serviços obrigado a provar a realidade do fornecimento de serviços a clientes originários de outros Estados‑Membros?

2)

Para responder à primeira questão submetida, tem alguma relevância o facto de:

a)

A restrição potencial à livre prestação de serviços ser significativamente limitada tanto no plano geográfico como no plano material (aplicabilidade eventual de uma exceção de minimis[?]

b)

Não se afigurar claramente se a legislação nacional regulamenta de forma diferente, de direito ou de facto, a situação dos operadores que fornecem serviços principalmente a cidadãos de outros Estados‑Membros da União Europeia, por um lado, e a dos operadores que se centram na clientela nacional, por outro?»

Quanto às questões prejudiciais

15

Com as suas questões prejudiciais, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se e, sendo caso disso, em que condições, o artigo 56.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que é aplicável à situação de uma sociedade, estabelecida num Estado‑Membro, que perdeu a sua autorização para explorar jogos de fortuna ou azar na sequência da entrada em vigor, nesse Estado‑Membro, de uma legislação que determina os locais em que é permitido organizar esses jogos, indistintamente aplicável a todos os prestadores que exercem a sua atividade no território desse Estado‑Membro, independentemente de esses prestadores fornecerem serviços aos cidadãos nacionais ou aos cidadãos de outros Estados‑Membros, quando essa sociedade alega que uma parte da sua clientela provém de um Estado‑Membro diferente do Estado‑Membro do seu estabelecimento.

16

Para responder a estas questões, há que recordar que legislações nacionais como as que estão em causa no processo principal, que são indistintamente aplicáveis aos nacionais de diferentes Estados‑Membros, regra geral, só são suscetíveis de ser abrangidas pelas disposições relativas às liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado FUE na medida em que se apliquem a situações que tenham um nexo com as trocas comerciais entre os Estados‑Membros (Acórdão de 11 de junho de 2015, Berlington Hungary e o., C‑98/14, EU:C:2015:386, n.o 24, e Despacho de 4 de junho de 2019, Pólus Vegas, C‑665/18, não publicado, EU:C:2019:477, n.o 17).

17

Com efeito, as disposições do Tratado FUE em matéria de livre prestação de serviços não são aplicáveis a uma situação em que todos os elementos se circunscrevem ao território de um único Estado‑Membro (v., neste sentido, Acórdão de 15 de novembro de 2016, Ullens de Schooten, C‑268/15, EU:C:2016:874, n.o 47 e jurisprudência referida).

18

Contudo, cabe recordar que o artigo 56.o TFUE exige a eliminação de qualquer restrição à livre prestação de serviços, ainda que indistintamente aplicada aos prestadores nacionais e aos de outros Estados‑Membros, quando seja suscetível de impedir, entravar ou tornar menos atrativas as atividades do prestador estabelecido noutro Estado‑Membro, onde preste legalmente serviços análogos. Por outro lado, a liberdade de prestação de serviços beneficia tanto o prestador como o destinatário dos serviços (Acórdão de 8 de setembro de 2009, Liga Portuguesa de Futebol Profissional e Bwin International,C‑42/07, EU:C:2009:519, n.o 51 e jurisprudência referida). Inclui a liberdade de os destinatários dos serviços se deslocarem a outro Estado‑Membro para aí beneficiarem de um serviço, sem serem afetados por restrições, devendo os turistas ser considerados destinatários de serviços (v., neste sentido, Acórdãos de 31 de janeiro de 1984, Luisi e Carbone, 286/82 e 26/83, EU:C:1984:35, n.o 16; de 2 de fevereiro de 1989, Cowan, 186/87, EU:C:1989:47, n.o 15; e de 2 de abril de 2020, Ruska Federacija, C‑897/19 PPU, EU:C:2020:262, n.o 52).

19

A este respeito, por um lado, o Tribunal de Justiça já declarou que os serviços que um prestador estabelecido num Estado‑Membro fornece, sem se deslocar, a um destinatário estabelecido noutro Estado‑Membro constituem uma prestação de serviços transfronteiriça, na aceção do artigo 56.o TFUE (Acórdão de 11 de junho de 2015, Berlington Hungary e o., C‑98/14, EU:C:2015:386, n.o 26 e jurisprudência referida).

20

Por outro lado, é irrelevante que a restrição em relação a um prestador de serviços seja imposta pelo Estado‑Membro de origem. Com efeito, decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a livre prestação de serviços diz respeito não apenas às restrições impostas pelo Estado de acolhimento mas também às impostas pelo Estado de origem (v., neste sentido, Acórdão de 10 de maio de 1995, Alpine Investments, C‑384/93, EU:C:1995:126, n.o 30).

21

Importa salientar que, como foi sublinhado pelo advogado‑geral no n.o 50 das suas conclusões, o Tratado considera da mesma forma as restrições impostas aos prestadores de serviços e as impostas aos destinatários de serviços. Por conseguinte, uma vez que a situação entra no âmbito de aplicação do artigo 56.o TFUE, tanto o destinatário como o prestador do serviço podem invocar o referido artigo.

22

Assim, o Tribunal de Justiça já declarou que o direito à livre prestação de serviços pode ser invocado por uma empresa contra o Estado onde esta está estabelecida, desde que os serviços sejam prestados a destinatários estabelecidos noutro Estado‑Membro (v., neste sentido, Acórdão de 10 de maio de 1995, Alpine Investments, C‑384/93, EU:C:1995:126, n.o 30 e jurisprudência referida).

23

Contudo, cabe recordar que o Tribunal de Justiça, chamado a pronunciar‑se por um órgão jurisdicional nacional no contexto de uma situação em que todos os elementos se circunscrevem ao território de um único Estado‑Membro, não pode, se não houver mais nenhuma indicação desse órgão jurisdicional além do facto de a legislação em causa ser indistintamente aplicável aos nacionais do Estado‑Membro em questão e aos nacionais de outros Estados‑Membros, considerar que o pedido de interpretação prejudicial de disposições do Tratado FUE relativas às liberdades fundamentais lhe é necessário para a solução do litígio nele pendente. Com efeito, os elementos concretos que permitem estabelecer um nexo entre o objeto ou as circunstâncias de um litígio, em que todos os elementos se circunscrevem ao território do Estado‑Membro em causa, e o artigo 56.o TFUE devem resultar da decisão de reenvio (Acórdão de 15 de novembro de 2016, Ullens de Schooten, C‑268/15, EU:C:2016:874, n.o 54, e Despacho de 4 de junho de 2019, Pólus Vegas, C‑665/18, não publicado, EU:C:2019:477, n.o 21).

24

Resulta também da jurisprudência do Tribunal de Justiça que não se pode presumir a existência de uma situação transfronteiriça só porque os cidadãos da União provenientes de outros Estados‑Membros podem usufruir das possibilidades de serviços assim oferecidas (v., neste sentido, Despacho de 4 de junho de 2019, Pólus Vegas, C‑665/18, não publicado, EU:C:2019:477, n.o 24).

25

No caso em apreço, conclui‑se que uma simples alegação de um prestador de serviços de que uma parte da sua clientela provém de um Estado‑Membro diferente do Estado‑Membro do seu estabelecimento não basta para estabelecer a existência de uma situação transfronteiriça, suscetível de ser abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 56.o TFUE. Para submeter ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial relativo à situação desse prestador, o órgão jurisdicional nacional deve demonstrar a procedência dessa alegação na decisão de reenvio.

26

Quanto à eventual pertinência do número de clientes provenientes de outro Estado‑Membro, há que rejeitar, como foi proposto pelo advogado‑geral no n.o 82 das suas conclusões, a ideia de que deve ser introduzida uma regra de minimis no domínio da livre prestação de serviços.

27

Assim, importa salientar que circunstâncias como o número de clientes estrangeiros que utilizaram os serviços, o volume de serviços prestados ou o alcance limitado da potencial restrição à livre prestação de serviços, no plano geográfico ou no plano material, não têm incidência na aplicabilidade do artigo 56.o TFUE.

28

Em especial, resulta de jurisprudência constante que a liberdade prevista nesse artigo pode ser invocada tanto em situações caracterizadas pela existência de um único destinatário de serviços (v., neste sentido, Acórdão de 2 de fevereiro de 1989, Cowan, 186/87, EU:C:1989:47, n.os 15 e 20) como nas situações em que existe um número indefinido de destinatários de serviços que utilizam um número indefinido de serviços fornecidos por um prestador estabelecido noutro Estado‑Membro (v., neste sentido, Acórdãos de 10 de maio de 1995, Alpine Investments, C‑384/93, EU:C:1995:126, n.o 22, e de 6 de novembro de 2003, Gambelli e o., C‑243/01, EU:C:2003:597, n.os 54 e 55).

29

Como salientou, em substância, o advogado‑geral no n.o 80 das suas conclusões, fazer depender a aplicabilidade do artigo 56.o TFUE de um critério quantitativo poria em perigo a aplicação uniforme desse artigo na União, pelo que esse critério não pode ser acolhido.

30

Além disso, não pode ser aceite o ponto de vista do órgão jurisdicional de reenvio segundo o qual uma medida de aplicação geral que proíbe, salvo exceções nela determinadas, a exploração de jogos de fortuna ou azar no território de um município de um Estado‑Membro, que afeta, de direito ou de facto, da mesma forma, todos os prestadores estabelecidos no território desse Estado‑Membro, independentemente de esses prestadores fornecerem serviços aos cidadãos nacionais ou aos cidadãos dos outros Estados‑Membros, escapa ao âmbito de aplicação material do artigo 56.o TFUE.

31

Com efeito, o Tribunal de Justiça já declarou que uma legislação nacional que restringe o direito de exploração de jogos de fortuna ou azar ou de jogos a dinheiro a determinados locais é suscetível de constituir um entrave à livre prestação de serviços abrangida pelo artigo 56.o TFUE (v., neste sentido, Acórdão de 11 de setembro de 2003, Anomar e o., C‑6/01, EU:C:2003:446, n.os 65 e 66).

32

No caso em apreço, resulta do pedido de decisão prejudicial que a cidade de Děčín, situada a cerca de 25 km da fronteira alemã, é um local bastante frequentado pelos nacionais alemães e que a BONVER WIN, no âmbito do processo nacional, apresentou provas para demonstrar que uma parte da sua clientela era composta por pessoas provenientes de outros Estados‑Membros, pelo que não se pode sustentar que a existência de uma clientela estrangeira é puramente hipotética.

33

Por conseguinte, sob reserva da verificação, pelo órgão jurisdicional de reenvio, das provas apresentadas pela BONVER WIN, resulta de todas as considerações precedentes que o artigo 56.o TFUE se aplica a uma situação como a que está em causa no processo principal.

34

Esta constatação não prejudica, porém, a eventual compatibilidade da legislação nacional em causa no processo principal com o referido artigo. O Tribunal de Justiça não foi chamado a pronunciar‑se sobre a questão de saber se este artigo se opõe a uma legislação dessa natureza nem dispõe de informações pertinentes que permitam fornecer ao órgão jurisdicional de reenvio indicações úteis a este respeito.

35

Atendendo às considerações expostas, há que responder às questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio que o artigo 56.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que é aplicável à situação de uma sociedade, estabelecida num Estado‑Membro, que perdeu a sua autorização para explorar jogos de fortuna ou azar na sequência da entrada em vigor, nesse Estado‑Membro, de uma legislação que determina os locais em que é permitido organizar esses jogos, indistintamente aplicável a todos os prestadores que exercem a sua atividade no território desse Estado‑Membro, independentemente de esses prestadores fornecerem serviços aos cidadãos nacionais ou aos cidadãos de outros Estados‑Membros, quando uma parte da sua clientela provém de um Estado‑Membro diferente do Estado‑Membro do seu estabelecimento.

Quanto às despesas

36

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

 

O artigo 56.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia deve ser interpretado no sentido de que é aplicável à situação de uma sociedade, estabelecida num Estado‑Membro, que perdeu a sua autorização para explorar jogos de fortuna ou azar na sequência da entrada em vigor, nesse Estado‑Membro, de uma legislação que determina os locais em que é permitido organizar esses jogos, indistintamente aplicável a todos os prestadores que exercem a sua atividade no território desse Estado‑Membro, independentemente de esses prestadores fornecerem serviços aos cidadãos nacionais ou aos cidadãos de outros Estados‑Membros, quando uma parte da sua clientela provém de um Estado‑Membro diferente do Estado‑Membro do seu estabelecimento.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: checo.