ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

13 de janeiro de 2022 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Política social — Diretiva1999/70/CE — Acordo‑Quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo — Artigos 4.o e 5.o — Contratos de trabalho a termo no setor público — Professores de religião católica — Conceito de “razões objetivas” que justificam a renovação desses contratos — Necessidade permanente de pessoal de substituição»

No processo C‑282/19,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Tribunale di Napoli (Tribunal de Primeira Instância de Nápoles, Itália), por Decisão de 13 de fevereiro de 2019, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 3 de abril de 2019, no processo

YT,

ZU,

AW,

BY,

CX,

DZ,

EA,

FB,

GC,

IE,

JF,

KG,

LH,

MI,

NY,

PL,

HD,

OK

contra

Ministero dell’Istruzione, dell’Università e della Ricerca — MIUR,

Ufficio scolastico Regionale per la Campania,

sendo interveniente:

Federazione Gilda‑Unams,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: A. Arabadjiev, presidente da Primeira Secção, exercendo funções de presidente da Segunda Secção, I. Ziemele, T. von Danwitz, P. G. Xuereb e A. Kumin (relator), juízes,

advogado‑geral: E. Tanchev,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação de YT, ZU, AW, BY, CX, DZ, EA, FB, GC, IE, JF, KG, LH, MI, NY e PL, por S. Tramontano, avvocato,

em representação de HD, por F. Sorrentino, avvocata,

em representação de OK, por V. De Michele, avvocato,

em representação da Federazione GILDA‑UNAMS, por T. de Grandis, avvocato,

em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por L. Fiandaca e de P. Gentili, avvocati dello Stato,

em representação da Comissão Europeia, por G. Gattinara, M. van Beek e C. Valero, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 18 de março de 2021,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 4.o e 5.o do Acordo‑Quadro relativo a contratos de trabalho a termo, celebrado em 18 de março de 1999 (a seguir «Acordo‑Quadro»), que figura em anexo à Diretiva 1999/70/CE do Conselho, de 28 de junho de 1999, respeitante ao acordo‑quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo (JO 1999, L 175, p. 43), do artigo 1.o do artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional (JO 2000, L 303, p. 16), bem como do artigo 21.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe YT, ZU, AW, BY, CX, DZ, EA, FB, GC, IE, JF, KG, LH, MI, NY, PL, HD e OK (a seguir «recorrentes no processo principal»), que ensinam religião católica em estabelecimentos de ensino público, ao Ministero dell’Istruzione dell’Università e della Ricerca — MIUR (Ministério da Educação, das Universidades e da Investigação — MIUR, Itália) e ao Ufficio Scolastico Regionale per la Campania (Gabinete Regional da Educação da Campania, Itália) relativamente ao seu pedido de conversão dos seus contratos de trabalho a termo em contratos de trabalho sem termo.

Quadro jurídico

Direito da União

Diretiva 1999/70

3

Nos termos do considerando 14 da Diretiva 1999/70

«As partes signatárias pretenderam celebrar um acordo‑quadro relativo a contratos de trabalho a termo enunciando os princípios gerais e as prescrições mínimas em matéria de contratos e relações de trabalho a termo. Manifestaram a sua vontade de melhorar a qualidade do trabalho com contrato a termo, garantindo a aplicação do princípio da não discriminação, e de estabelecer um quadro para impedir os abusos decorrentes da utilização de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo».

Acordo‑Quadro

4

O segundo parágrafo do preâmbulo do Acordo‑Quadro enuncia que as suas partes signatárias «reconhecem que os contratos de trabalho sem termo são e continuarão a ser a forma mais comum no que diz respeito à relação laboral entre empregadores e trabalhadores [e que] os contratos de trabalho a termo respondem, em certas circunstâncias, às necessidades tanto dos empregadores como dos trabalhadores».

5

Os pontos 6 a 8 e 10 das considerações gerais do Acordo‑Quadro têm a seguinte redação:

«6.

Considerando que os contratos de trabalho de duração indeterminada constituem a forma comum da relação laboral, contribuindo para a qualidade de vida dos trabalhadores e a melhoria do seu desempenho;

7.

Considerando que a utilização de contratos a termo com base em razões objetivas constitui uma forma de evitar abusos;

8.

Considerando que os contratos a termo constituem uma característica do emprego em certos setores, ocupações e atividades, podendo ser da conveniência tanto dos empregadores como dos trabalhadores;

[…]

10.

Considerando que o presente acordo remete para os Estados‑Membros e para os parceiros sociais a definição das modalidades de aplicação dos seus princípios gerais, requisitos e disposições mínimas a fim de ser considerada a situação em cada Estado‑Membro e as circunstâncias de setores e ocupações concretos, incluindo as atividades de caráter sazonal;»

6

Nos termos do artigo 1.o do Acordo‑Quadro:

«O objetivo do presente acordo‑quadro consiste em:

a)

Melhorar a qualidade do trabalho sujeito a contrato a termo garantindo a aplicação do princípio da não discriminação;

b)

Estabelecer um quadro para evitar os abusos decorrentes da utilização de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo.»

7

O artigo 2.o do Acordo‑Quadro, sob a epígrafe «Âmbito de aplicação», prevê no seu n.o 1:

«O presente acordo é aplicável aos trabalhadores contratados a termo ou partes numa relação laboral, nos termos definidos pela lei, convenções coletivas ou práticas vigentes em cada Estado‑Membro.»

8

O artigo 3.o do Acordo‑Quadro, sob a epígrafe «Definições», dispõe:

«1.

Para efeitos do presente acordo, entende‑se por “trabalhador contratado a termo” o trabalhador titular de um contrato de trabalho ou de uma relação laboral concluído diretamente entre um empregador e um trabalhador cuja finalidade seja determinada por condições objetivas, tais como a definição de uma data concreta, de uma tarefa específica ou de um certo acontecimento.

[…]»

9

O artigo 4.o do Acordo‑Quadro, sob a epígrafe «Princípio da não discriminação», prevê no seu n.o 1:

«No que diz respeito às condições de emprego, não poderão os trabalhadores contratados a termo receber tratamento menos favorável do que os trabalhadores permanentes numa situação comparável pelo simples motivo de os primeiros terem um contrato ou uma relação laboral a termo, salvo se razões objetivas justificarem um tratamento diferente.»

10

O artigo 5.o do Acordo‑Quadro, sob a epígrafe «Disposições para evitar os abusos» enuncia:

«1.

Para evitar os abusos decorrentes da conclusão de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo e sempre que não existam medidas legais equivalentes para a sua prevenção, os Estados‑Membros, após consulta dos parceiros sociais e de acordo com a lei, acordos coletivos ou práticas nacionais, e/ou os parceiros sociais deverão introduzir, de forma a que se tenham em conta as necessidades de setores e/ou categorias de trabalhadores específicos, uma ou várias das seguintes medidas:

a)

Razões objetivas que justifiquem a renovação dos supramencionados contratos ou relações laborais;

b)

Duração máxima total dos sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo;

c)

Número máximo de renovações dos contratos ou relações laborais a termo.

2.

Os Estados‑Membros, após consulta dos parceiros sociais, e/ou os parceiros sociais, deverão, sempre que tal seja necessário, definirem que condições os contratos de trabalho ou relações de trabalho a termo deverão ser considerados:

a)

Como sucessivos;

b)

Como celebrados sem termo.»

11

O artigo 8.o do mesmo Acordo‑Quadro, sob a epígrafe «Disposições de aplicação», tem a seguinte redação:

«1.

Os Estados‑Membros e/ou os parceiros sociais poderão manter ou estabelecer disposições mais favoráveis aos trabalhadores do que as previstas no presente [acordo‑quadro].

[…]»

Diretiva 2000/78

12

O considerando 24 da Diretiva 2000/78 enuncia:

«A União Europeia, na sua Declaração n.o 11, relativa ao estatuto das Igrejas e das organizações não confessionais, anexa à Ata Final do Tratado de Amesterdão, reconhece explicitamente que respeita e não afeta o estatuto de que gozam, ao abrigo do direito nacional, as Igrejas e associações ou comunidades religiosas nos Estados‑Membros, e que respeita igualmente o estatuto das organizações filosóficas e não confessionais. Nesta perspetiva, os Estados‑Membros podem manter ou prever disposições específicas sobre os requisitos profissionais essenciais, legítimos e justificados, suscetíveis de serem exigidos para o exercício de uma atividade profissional nos respetivos territórios.»

13

O artigo 1.o desta diretiva dispõe que esta tem por objeto estabelecer um quadro geral para lutar contra a discriminação em razão, nomeadamente, da religião ou das convicções, no que se refere ao emprego e à atividade profissional, com vista a pôr em prática nos Estados‑Membros o princípio da igualdade de tratamento.

14

O artigo 2.o, n.os 1 e 2, da referida diretiva prevê:

«1.   Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por “princípio da igualdade de tratamento” a ausência de qualquer discriminação, direta ou indireta, por qualquer dos motivos referidos no artigo 1.o

2.   Para efeitos do n.o 1:

a)

Considera‑se que existe discriminação direta sempre que, por qualquer dos motivos referidos no artigo 1.o, uma pessoa seja objeto de um tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou possa vir a ser dado a outra pessoa em situação comparável;

b)

Considera‑se que existe discriminação indireta sempre que uma disposição, critério ou prática aparentemente neutra seja suscetível de colocar numa situação de desvantagem pessoas com uma determinada religião ou convicções, com uma determinada deficiência, pessoas de uma determinada classe etária ou pessoas com uma determinada orientação sexual, comparativamente com outras pessoas, a não ser que:

i)

essa disposição, critério ou prática sejam objetivamente justificados por um objetivo legítimo e que os meios utilizados para o alcançar sejam adequados e necessários, […]

[…]»

Direito italiano

15

O artigo 3.o, n.os 4, 7, 8 e 9, da Legge n.o 186 — Norme sullo stato giuridico degli insegnanti di religione cattolica degli istituti e delle scuole di ogni ordine e grado (Lei n.o 18 — Normas relativas ao estatuto jurídico dos professores de religião católica dos estabelecimentos e escolas de qualquer tipo e nível), de 18 de julho de 2003 (GURI n.o 170, de 24 de julho de 2003), dispõe:

«4.   Cada candidato ao concurso deve possuir um certificado de idoneidade […] emitido pelo ordinário diocesano territorialmente competente e só pode concorrer para os lugares disponíveis no território da diocese

[…]

7.   As comissões estabelecem a lista das pessoas aprovadas no concurso, tendo em conta, além do resultado das provas, exclusivamente os títulos […] O diretor regional aprova a lista e envia ao ordinário diocesano territorialmente competente os nomes das pessoas que se encontram numa posição útil para ocupar os lugares das dotações orgânicas […] O diretor regional inscreve na lista as pessoas aprovadas no concurso para comunicar ao ordinário diocesano os nomes necessários para preencher os lugares eventualmente vagos nas dotações orgânicas durante o período de validade do concurso.

8.   O recrutamento mediante contrato de trabalho sem termo é decidido pelo diretor regional, em concertação com o ordinário diocesano territorialmente competente […]

9.   Aos motivos de resolução da relação de trabalho previstos pelas disposições em vigor acresce a revogação do certificado de idoneidade pelo ordinário diocesano territorialmente competente, que se tornou executória em direito canónico […]»

16

O artigo 36.o do decreto legislativo n.o 165 — Norme generali sull’ordinamento del lavoro alle dipendenze delle amministrazioni pubbliche (Decreto Legislativo n.o 165 — Regras gerais relativas à organização do trabalho nas administrações públicas), de 30 de março de 2001 (Suplemento ordinário ao GURI n.o 106, de 9 de maio de 2000), na sua versão aplicável ao processo principal (a seguir «Decreto Legislativo n.o 165/2001»), dispunha:

«1.   Para as exigências relacionadas com as suas necessidades correntes, as administrações públicas recrutam exclusivamente através de contratos de trabalho sem termo […].

2.   A fim de responder a exigências de caráter exclusivamente temporário ou excecional, as administrações públicas podem recorrer a formas contratuais flexíveis para o recrutamento e o emprego do pessoal previstas no Código Civil e nas leis relativas às relações de trabalho assalariado na empresa, no respeito do processo de recrutamento em vigor.

[…]

5.   Em qualquer caso, a violação de disposições imperativas em matéria de recrutamento ou de emprego de trabalhadores pelas administrações públicas não pode conduzir ao estabelecimento de contratos de trabalho sem termo com as referidas administrações públicas, sem prejuízo da responsabilidade e das sanções em que estas podem incorrer. O trabalhador em causa tem direito à reparação do prejuízo resultante da prestação de trabalho efetuada em violação de disposições imperativas.»

17

O artigo 5.o, n.os 2 e 4‑A, do decreto legislativo n.o 368 — Attuazione della direttiva 1999/70/CE relativa all’accordo quadro sul lavoro a tempo determinato concluso dall’UNICE, dal CEEP e dal CES (Decreto Legislativo n.o 368 — Transposição da Diretiva 1999/70/CE respeitante ao acordo‑quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo), de 6 de setembro de 2001 (GURI n.o 235, de 9 de outubro de 2001, a seguir «Decreto Legislativo n.o 368/2001») dispunha:

«2.   Se a relação de trabalho prosseguir para além do trigésimo dia, em caso de contrato de duração inferior a seis meses e quando tiver decorrido o prazo total previsto no n.o 4‑A, ou para além de cinquenta dias nos outros casos, o contrato é considerado sem termo a partir do fim dos referidos termos.

[…]

4‑A.   […] quando, em consequência de uma sucessão de contratos a termo para o exercício de funções equivalentes, a relação laboral entre o mesmo empregador e o mesmo trabalhador ultrapasse, no total, trinta e seis meses, incluindo prorrogações e renovações, independentemente dos períodos de interrupção decorridos entre um contrato e outro, a relação laboral é considerada sem termo em aplicação do n.o 2 […].»

18

O artigo 10.o, n.o 4‑A, do Decreto Legislativo n.o 368/2001 dispunha:

«[…] são […] excluídos da aplicação do presente decreto os contratos a termo celebrados para prover à substituição do pessoal docente e do pessoal administrativo, técnico e auxiliar, tendo em conta a necessidade de garantir a continuidade do serviço escolar e educativo, incluindo em caso de ausência temporária do pessoal docente e do pessoal administrativo, técnico e auxiliar com uma relação laboral sem termo ou a termo. […]»

19

O decreto legislativo n.o 81 — Disciplina organica dei contratti di lavoro e revisione della normativa in tema di mansioni, a norma dell’articolo 1, comma 7, della legge 10 dicembre 2014, n.o 183 (Decreto Legislativo n.o 81, relativo ao regime orgânico dos contratos de trabalho e à revisão da legislação relativa às funções, nos termos do artigo 1.o, n.o 7, da Lei n.o 183, de 10 de dezembro de 2014), de 15 de junho de 2015 (suplemento ordinário ao GURI n.o 144, de 24 de junho de 2015) (a seguir «Decreto Legislativo n.o 81/2015»), que revogou e substituiu o Decreto Legislativo n.o 368/2001, reproduz, em substância, no seu artigo 19.o, o artigo 5.o, n.o 4‑A, deste último decreto legislativo. Este artigo 19.o tinha a seguinte redação:

«1.   O contrato de trabalho não pode ser celebrado por um período superior a 36 meses.

2.   Sem prejuízo das diferentes disposições constantes das convenções coletivas, […] a duração das relações laborais a termo entre o mesmo empregador e o mesmo trabalhador, resultantes de uma sucessão de contratos celebrados para o cumprimento de tarefas do mesmo nível e da mesma categoria jurídica, e sem ter em conta os períodos de interrupção entre um contrato de trabalho e o seguinte, não pode exceder 36 meses. […] Quando o limite de 36 meses for ultrapassado, na sequência de um contrato único ou de uma sucessão de contratos, o contrato é convertido num contrato sem termo.»

20

O artigo 29.o, n.o 2, alínea c), do Decreto Legislativo n.o 81/2015 reproduz, em substância, o artigo 10.o, n.o 4‑A, do Decreto Legislativo n.o 368/2001, na medida em que dispõe que estão igualmente excluídos do âmbito de aplicação do capítulo III do Decreto Legislativo n.o 81/2015, relativo ao trabalho a termo, os contratos a termo celebrados com professores e agentes administrativos, técnicos e auxiliares a fim de prover lugares de substituição.

21

O artigo 309.o do decreto legislativo n.o 297 — Approvazione del testo unico delle disposizioni legislative vigenti in materia di istruzione, relative alle scuole di ogni ordine e grado (Decreto Legislativo n.o 297 — Aprovação do texto único das disposições legislativas aplicáveis em matéria de ensino e relativas às escolas de qualquer tipo e nível), de 16 de abril de 1994 (suplemento ordinário ao GURI n.o 115, de 19 de maio de 1994, a seguir «Decreto Legislativo n.o 297/1994»), dispõe:

«1.   Nas escolas públicas não universitárias de qualquer tipo e nível, o ensino da religião católica é regido pelo acordo celebrado entre a República Italiana e a Santa Sé e o respetivo protocolo adicional […] e pelos acordos previstos no ponto 5, alínea b), do referido protocolo adicional.

2.   Para o ensino da religião católica, o diretor do estabelecimento procede a colocações anuais, em concertação com o ordinário diocesano, segundo as disposições recordadas no n.o 1.»

22

O artigo 399.o deste decreto legislativo dispõe que a integração no quadro do pessoal docente do ensino pré‑escolar, básico e secundário, incluindo liceus artísticos e institutos de arte, é efetuada, em relação a metade dos lugares anuais a prover, por concurso documental e prestação de provas e, para a outra metade, recorrendo às listas de aptidão permanentes previstas no artigo 401.o Se a lista de aptidão de um concurso documental e por prestação de provas estiver esgotada e ainda existirem lugares a prover ao abrigo desse concurso, estes últimos devem ser acrescentados aos lugares atribuídos na lista de aptidão permanente correspondente. Estes lugares serão reintegrados no processo de concurso seguinte.

23

O artigo 1.o, n.o 95, da Legge n.o 107 — Riforma del sistema nazionale di istruzione e formazione e delega per il riordino delle disposizioni legislative vigenti (Lei n.o 107 — Reforma do sistema nacional de instrução e formação e delegação para a reformulação das disposições legislativas em vigor), de 13 de julho de 2015 (GURI n.o 162, de 15 de julho de 2015, a seguir «Lei n.o 107/2015»), dispõe que, para o ano letivo de 2015/2016, o MIUR é autorizado a implementar um plano extraordinário de recrutamento de professores por tempo indeterminado para os estabelecimentos de ensino público de todos os tipos e níveis, com vista a prover todos os lugares comuns e de apoio aos efetivos «de direito» que ainda estejam vagos e livres no fim das operações de integração no quadro efetuadas para esse mesmo ano escolar nos termos do artigo 399.o do Decreto Legislativo n.o 297/1994, no termo das quais as listas de aptidão dos concursos documentais e por prestação de provas publicadas antes de 2012 são suprimidas.

24

O artigo 40.o, n.os 1 e 5, da Convenção coletiva nacional para o setor do «ensino», de 29 de novembro de 2007, completada pela Convenção coletiva nacional do trabalho, de 19 de abril de 2018 (suplemento ordinário n.o 274 ao GURI n.o 292, de 17 de dezembro de 2007) (a seguir «CCNL»), dispõe:

«1.   As disposições do artigo 25.o, n.os 2, 3 e 4, aplicam‑se ao pessoal abrangido pelo presente artigo.

[…]

5.   Os professores da religião católica são recrutados de acordo com o regime previsto no artigo 309.o do Decreto Legislativo n.o 297/1994, mediante contrato de colocação anual, que é considerado confirmado se as condições e os requisitos estabelecidos pelas disposições jurídicas em vigor se mantiverem.»

25

O artigo 25.o, n.o 3, da CCNL prevê:

«As relações individuais de trabalho a termo ou sem termo do corpo docente e educativo dos institutos e escolas públicas de qualquer tipo e nível são instituídas e regidas por contratos individuais, no respeito das disposições da lei, da regulamentação da União e da convenção coletiva nacional em vigor.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

26

Os recorrentes no processo principal são professores de religião católica que foram recrutados pelo MIUR e que estão empregados em estabelecimentos de ensino público desde há vários anos através de sucessivos contratos a termo.

27

Por entenderem que esta sucessão de contratos a termo é ilegal e terem constatado que não puderam beneficiar do mecanismo de integração no quadro previsto no artigo 399.o do Decreto Legislativo n.o 297/1994, os recorrentes no processo principal consideram que são vítimas de discriminação em relação aos professores de outras matérias. Por conseguinte, intentaram uma ação no órgão jurisdicional de reenvio a fim obter, ao abrigo do artigo 5.o, n.os 2 e 4‑A, do Decreto Legislativo n.o 368/2001, a conversão dos seus contratos atuais em contratos sem termo ou, a título subsidiário, a reparação dos danos sofridos devido à celebração de sucessivos contratos a termo.

28

A Federazione GILDA‑UNAMS (Federação GILDA‑UNAMS), associação profissional e sindical de professores, que interveio no processo principal na qualidade de organização sindical signatária da CCNL, sustenta, nomeadamente, que os professores de religião católica são vítimas de discriminação devido à impossibilidade de ver a sua relação laboral a termo convertida numa relação de trabalho sem termo, quando dispõem do mesmo certificado de idoneidade para ensinar que os outros professores.

29

O órgão jurisdicional de reenvio considera que nenhum dos pedidos dos recorrentes no processo principal pode ser acolhido à luz do direito italiano.

30

A este respeito, precisa, antes de mais, que, na data em que os recorrentes no processo principal intentaram a ação, os respetivos contratos de trabalho tinham todos uma duração acumulada superior a 36 meses. Ora, embora, neste caso, em princípio, o Decreto Legislativo n.o 368/2001 preveja a conversão dos sucessivos contratos a termo em contratos sem termo, o artigo 36.o, n.o 5, do Decreto Legislativo n.o 165/2001 exclui expressamente, no setor da função pública, essa conversão.

31

Salienta em seguida que, embora a sucessão contínua de contratos de trabalho a termo para além de 36 meses possa igualmente, nos termos do artigo 36.o, n.o 5, do Decreto Legislativo n.o 165/2001, ser punida através da reparação dos danos sofridos pelo trabalhador devido a essa sucessão de contratos, o artigo 10.o, n.o 4‑A, do Decreto Legislativo n.o 368/2001 exclui essa possibilidade no setor do ensino, como o artigo 29.o, n.o 2, do Decreto Legislativo n.o 81/2015 confirmou posteriormente.

32

Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio sublinha que os demandantes no processo principal não puderam beneficiar da integração no quadro nem ao abrigo do artigo 399.o do Decreto Legislativo n.o 297/1994 nem ao abrigo da Lei n.o 107/2015, que deu lugar a uma regularização geral do pessoal docente precário ao autorizar a celebração de contratos sem termo.

33

Resulta destes elementos que o direito italiano não prevê nenhuma medida para prevenir a utilização abusiva de sucessivos contratos de trabalho a termo, na aceção do artigo 5.o do Acordo‑Quadro, para os professores de religião católica que ensinam em estabelecimentos de ensino público. Por conseguinte, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a questão de saber se o direito italiano é conforme com o direito da União.

34

A este respeito, indica que, segundo jurisprudência constante da Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação, Itália), o artigo 10.o, n.o 4‑A, do Decreto Legislativo n.o 368/2001, que é uma lex specialis, exclui, no setor do ensino, a conversão dos contratos a termo celebrados para prover as substituições em contratos sem termo.

35

O órgão jurisdicional de reenvio precisa igualmente que, segundo a Corte costituzionale (Tribunal Constitucional, Itália), que procedeu à fiscalização da constitucionalidade do artigo 10.o, n.o 4‑A, do Decreto Legislativo n.o 368/2001 e do artigo 36.o, n.o 5, do Decreto Legislativo n.o 165/2001, é impossível, no setor da função pública, converter uma relação laboral a termo numa relação laboral sem termo.

36

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, essa jurisprudência é contrária à que decorre do Acórdão de 25 de outubro de 2018, Sciotto (C‑331/17, EU:C:2018:859), no qual o Tribunal de Justiça concluiu que o artigo 5.o do Acordo‑Quadro devia ser interpretado no sentido de que se opunha a uma legislação nacional por força da qual não são aplicáveis ao setor de atividade das fundações lírico sinfónicas as regras de direito comum que regem as relações laborais e que visam punir o recurso abusivo aos sucessivos contratos a termo através da conversão automática dos contratos a termo em contratos sem termo quando a relação laboral se prolonga para além de uma determinada data, quando não exista nenhuma outra medida efetiva na ordem jurídica interna que puna os abusos constatados nesse setor.

37

Por último, o órgão jurisdicional de reenvio recorda que o ensino da religião católica só é possível se o ordinário diocesano tiver emitido ao professor um «certificado de idoneidade» (a seguir «certificado de idoneidade») e este não ter sido revogado. A revogação do certificado de idoneidade constitui, portanto, um motivo válido de despedimento, o que demonstra igualmente o caráter precário da relação laboral de um professor de religião católica.

38

Foi nestas condições que o Tribunale di Napoli (Tribunal de Primeira Instância de Nápoles, Itália) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

A diferença de tratamento reservada apenas aos professores de religião católica como os demandantes [no processo principal] constitui uma discriminação em razão da religião, na aceção no artigo 21.o da Carta […] e da Diretiva [2000/78], ou o facto de a idoneidade […] reconhecida ao trabalhador poder ser revogada constitui um motivo justificativo adequado para que só os professores de religião católica como os demandantes [no processo principal] sejam tratados de forma diferente relativamente aos outros docentes, não beneficiando de qualquer medida preventiva prevista no artigo 5.o do Acordo‑Quadro?

2)

Caso se considere que existe uma discriminação direta, na aceção do artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva [2000/78], em razão da religião (artigo 1.o), bem como na aceção da Carta […], quais os instrumentos que o órgão jurisdicional de reenvio pode utilizar para eliminar as respetivas consequências, tendo em conta que todos os professores, com exceção de professores de religião católica, foram abrangidos pelo plano extraordinário de recrutamento previsto na Lei n.o 107/15, obtendo a integração no quadro e, consequentemente, um contrato sem termo, e, por conseguinte, deve o órgão jurisdicional de reenvio […] considerar que foi constituída uma relação laboral sem termo com a administração demandada [no processo principal]?

3)

Deve o artigo 5.o do Acordo‑Quadro […] ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional como a que […] está em causa, por força da qual as normas de direito comum que regem as relações laborais e que se destinam a punir o recurso abusivo a [sucessivos] contratos a termo […], através da conversão automática dos contratos a termo em contratos sem termo quando a relação laboral se tenha prolongado para além de uma determinada data, não são aplicáveis ao setor [do ensino] no que respeita especificamente aos professores de religião católica, o que permite uma sucessão de contratos de trabalho a termo por tempo indefinido? Em especial, pode constituir uma “razão objetiva”, na aceção do artigo 5.o, n.o 1, alínea a), do Acordo‑Quadro, a necessidade de concertação com o ordinário diocesano ou, pelo contrário, deve considerar‑se que existe uma discriminação proibida, na aceção do artigo 21.o da [Carta]?

4)

Em caso de resposta afirmativa à terceira questão, o artigo 21.o da [Carta] o artigo 4.o do Acordo‑Quadro […] e/ou o artigo 1.o da Diretiva 2000/78/CE permitem a não aplicação das normas que impedem a conversão automática de um contrato de trabalho a termo num contrato sem termo quando a relação laboral se tenha prolongado para além de uma determinada data?»

Quanto à competência do Tribunal de Justiça

39

O Governo italiano, invocando o artigo 17.o, n.o 1, TFUE, considera que o Tribunal de Justiça não é competente para responder às questões prejudiciais que lhe são submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio pelo facto de estas questões visarem as relações entre a ordem jurídica da República Italiana e a ordem jurídica confessional, no caso em apreço a ordem jurídica da Igreja Católica, uma vez que estas relações são exclusivamente abrangidas pelo direito interno.

40

O artigo 17.o, n.o 1, TFUE impõe uma obrigação de respeito do estatuto de que beneficiam, por força do direito nacional, nomeadamente as igrejas, que se traduz numa não ingerência nas matérias estritamente religiosas e que foi consagrado pelo TEDH no seu Acórdão de 15 de maio de 2012, Fernández Martínez c. Espanha (CE:ECHR:2012:0515JUD‑005603007).

41

No caso em apreço, a relação laboral entre o estabelecimento escolar em causa e os professores de religião católica é regulada pelo Acordo que altera a Concordata, celebrado em 18 de fevereiro de 1984 entre a República Italiana e a Santa Sé (a seguir «Concordata»), bem como pelo seu protocolo adicional. Nos termos do ponto 5 deste protocolo, o ensino da religião católica é ministrado por professores com idoneidade reconhecida pela autoridade eclesiástica e nomeados, com o acordo desta, pela autoridade escolar.

42

Nos termos do cânone 804, n.o 2, do Código de Direito Canónico, o ordinário diocesano deve zelar por que os professores designados para o ensino de religião nas escolas, mesmo as não católicas, se distingam pela exatidão da doutrina, pelo testemunho de uma vida cristã e pela sua competência pedagógica. É, portanto, pacífico que existe uma ligação entre, por um lado, o certificado de idoneidade, e, por outro, o recrutamento e a perenidade da relação laboral do professor de religião católica.

43

Daqui resulta que a existência de uma discriminação, na aceção da Diretiva 2000/78, em relação aos professores de religião católica dos estabelecimentos de ensino público não pode ser constatada sem acarretar um incumprimento da obrigação de não ingerência consagrada expressamente no artigo 17.o TFUE.

44

Neste contexto, o Governo italiano sublinha o caráter facultativo do ensino da religião católica, como resulta, nomeadamente, do artigo 9.o, n.o 2, da Concordata, confirmado, de resto, pela Corte costituzionale (Tribunal Constitucional). Este caráter facultativo tem necessariamente repercussões no regime aplicável à relação laboral dos professores de religião católica. A «procura» desse ensino é, nomeadamente, imprevisível e extremamente volátil no tempo, mesmo a curto prazo, uma vez que depende integralmente da escolha dos alunos e/ou dos seus pais de frequentarem ou não o referido ensino. O Governo italiano conclui daí que a relação laboral dos professores de religião católica deve ser particularmente flexível e levar a que cerca de 30 % dos professores de religião católica celebrem contratos a termo.

45

Por outro lado, o Governo italiano recorda que o artigo 351.o TFUE prevê que as disposições dos Tratados não prejudicam os direitos e obrigações decorrentes de convenções celebradas antes de 1 de janeiro de 1958 entre um ou mais Estados‑Membros, por um lado, e um ou mais Estados terceiros, por outro. Ora, o Acordo de 1984 procedeu à revisão da Concordata de 1929, cujo artigo 36.o já previa que o ensino da religião católica devia ser confiado a pessoas que tivessem obtido a aprovação da autoridade eclesiástica ou, em todo o caso, que dispusessem de um certificado de idoneidade emitido pelo ordinário diocesano, sendo uma revogação desse certificado suficiente para privar o professor da sua idoneidade para ensinar.

46

A este propósito, importa recordar, em primeiro lugar, que, conformidade com o artigo 17.o, n.o 1, TFUE, a União respeita e não interfere no estatuto de que gozam, ao abrigo do direito nacional, as igrejas e associações ou comunidades religiosas nos Estados‑Membros.

47

Contudo, como o Tribunal de Justiça declarou, essa disposição não tem por consequência que uma diferença de tratamento contida numa legislação nacional que prevê a concessão a certos trabalhadores de um feriado destinado a permitir a celebração de uma festividade religiosa esteja excluída do âmbito de aplicação da Diretiva 2000/78 e que a conformidade dessa diferença de tratamento com esta diretiva escape a uma fiscalização jurisdicional efetiva (Acórdão de 22 de janeiro de 2019, Cresco Investigation, C‑193/17, EU:C:2019:43, n.o 31).

48

Do mesmo modo, a referida disposição não pode implicar que uma eventual diferença de tratamento contida na legislação nacional que prevê sanções em caso de abusos na utilização de sucessivos contratos a termo nos estabelecimentos de ensino público entre os professores de religião católica desses estabelecimentos e os outros docentes fique excluída do âmbito de aplicação tanto desta diretiva como do Acordo‑Quadro.

49

Com efeito, por um lado, a redação do artigo 17.o TFUE corresponde, em substância, à da Declaração n.o 11, relativa ao estatuto das Igrejas e das organizações não confessionais, anexa à ata final do Tratado de Amesterdão. Ora, o facto de esta ata ser expressamente referida no considerando 24 da Diretiva 2000/78 demonstra que o legislador da União teve necessariamente em conta a referida declaração aquando da adoção desta diretiva (Acórdão de 22 de janeiro de 2019, Cresco Investigation, C‑193/17, EU:C:2019:43, n.o 32 e jurisprudência aí referida).

50

Por outro lado, o artigo 17.o TFUE exprime, de facto, a neutralidade da União no que respeita à organização pelos Estados‑Membros das suas relações com as igrejas e as associações ou comunidades religiosas (v., neste sentido, Acórdãos de 17 de abril de 2018, Egenberger, C‑414/16, EU:C:2018:257, n.o 58, e de 22 de janeiro de 2019, Cresco Investigation, C‑193/17, EU:C:2019:43, n.o 33).

51

Contudo, as disposições nacionais em causa no processo principal não visam organizar as relações entre um Estado‑Membro e as igrejas, no caso em apreço, a Igreja Católica, mas dizem respeito às condições de trabalho dos professores de religião católica em estabelecimentos públicos (v., por analogia, Acórdão de 22 de janeiro de 2019, Cresco Investigation, C‑193/17, EU:C:2019:43, n.o 33).

52

É certo que, como alega a República Italiana, existe uma relação entre, por um lado, o certificado de idoneidade emitido aos professores de religião católica, e, por outro, o recrutamento e a perenidade da relação laboral desses professores. Todavia, não só a emissão e a revogação desse certificado e as consequências que daí podem resultar apresentam uma ligação com o recrutamento e a perenidade da relação laboral dos referidos professores, como além disso a competência do ordinário diocesano não é posta em causa pelas disposições visadas pelas questões prejudiciais e subsistirá quer os demandantes no processo principal cheguem ou não a obter a conversão do seu contrato a termo em contrato sem termo. Além disso, a aplicação do Acordo‑Quadro aos factos no processo principal não implica uma decisão sobre o caráter facultativo do ensino da religião católica.

53

Conclui‑se que, no processo principal, não está em causa o «estatuto» de que beneficiam, por força do direito italiano, as igrejas referidas no artigo 17.o, n.o 1, TFUE, como, no caso em apreço, a Igreja Católica.

54

A competência do Tribunal de Justiça no presente processo também não pode ser posta em causa pelo artigo 351.o, n.o 1, TFUE, nos termos do qual «[o]s direitos e obrigações decorrentes de convenções concluídas antes de 1 de janeiro de 1958 ou, em relação aos Estados aderentes, antes da data da sua adesão, entre um ou mais Estados‑Membros, por um lado, e um ou mais Estados terceiros, por outro, não são afetados pelas disposições dos Tratados».

55

A este respeito, importa recordar que esta disposição visa permitir aos Estados‑Membros respeitar os direitos conferidos aos Estados terceiros, em conformidade com o direito internacional, por essas convenções anteriores [Parecer 2/15 (Acordo de Comércio Livre com Singapura), de 16 de maio de 2017, EU:C:2017:376, n.o 254 e jurisprudência aí referida].

56

Ora, como salientou o advogado‑geral no n.o 43 das suas conclusões, a referida disposição não é pertinente para o processo principal na medida em que as convenções celebradas com a Santa Sé ou com ela relacionadas dizem respeito à competência dos ordinários diocesanos para emitir e revogar certificados de idoneidade para o ensino da religião católica, competência que não é posta em causa, como resulta do n.o 52 do presente acórdão, pelas disposições visadas nas questões prejudiciais, em especial o artigo 5.o do Acordo‑Quadro.

57

Nestas condições, deve considerar‑se que o Tribunal de Justiça é competente para se pronunciar sobre o pedido de decisão prejudicial.

Quanto às questões prejudiciais

58

Com as suas questões, que importa examinar conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, por um lado, se a proibição de discriminação em razão da religião, na aceção da Diretiva 2000/78 e do artigo 21.o da Carta, bem como o artigo 5.o do Acordo‑Quadro devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional que exclui os professores de religião católica dos estabelecimentos de ensino público da aplicação das regras destinadas a punir o recurso abusivo a sucessivos contratos a termo, e, por outro, se esse artigo do Acordo‑Quadro deve ser interpretado no sentido de que a necessidade de um certificado de idoneidade emitido por uma autoridade eclesiástica com vista a permitir a esses professores ensinar a religião católica constitui uma «razão objetiva» na aceção do ponto 1, alínea a), desse mesmo artigo.

59

Antes de mais, cabe recordar que, em conformidade com o artigo 1.o da Diretiva 2000/78 e como resulta tanto do seu título e preâmbulo como do seu conteúdo e finalidade, esta diretiva tem por objeto estabelecer um quadro geral para lutar contra a discriminação em razão, nomeadamente, da religião no que se refere ao emprego e à atividade profissional, com vista a pôr em prática, nos Estados‑Membros, o princípio da igualdade de tratamento, oferecendo a qualquer pessoa uma proteção eficaz contra a discriminação baseada, nomeadamente, nesse motivo (v., neste sentido, Acórdão de 26 de janeiro de 2021, Szpital Kliniczny im. dra J. Babińskiego Samodzielny Publiczny Zakład Opieki Zdrowotnej w Krakowie, C‑16/19, EU:C:2021:64, n.o 32).

60

A referida diretiva concretiza assim, no domínio por ela abrangido, o princípio geral da não discriminação atualmente consagrado no artigo 21.o da Carta (Acórdão de 26 de janeiro de 2021, Szpital Kliniczny im. dra J. Babińskiego Samodzielny Publiczny Zakład Opieki Zdrowotnej w Krakowie, C‑16/19, EU:C:2021:64, n.o 33).

61

Daqui resulta que, quando lhe é submetida uma questão prejudicial que tem por objeto a interpretação do princípio geral da não discriminação em razão da religião, conforme consagrado no artigo 21.o da Carta e nas disposições da Diretiva 2000/78 pelas quais esse artigo 21.o é aplicado e que contribuem para a prossecução dos objetivos do referido artigo 21.o, no âmbito de um litígio que opõe um particular a uma Administração Pública, o Tribunal de Justiça examina a questão unicamente à luz desta diretiva (v., neste sentido, Acórdão de 13 de novembro de 2014, Vital Pérez, C‑416/13, EU:C:2014:2371, n.o 25 e jurisprudência aí referida).

62

Nos termos do artigo 2.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78, entende‑se por «princípio da igualdade de tratamento» a ausência de qualquer discriminação, direta ou indireta, por qualquer dos motivos referidos no artigo 1.o desta diretiva. O artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da referida diretiva precisa que existe discriminação direta sempre que, por qualquer dos motivos referidos no artigo 1.o da mesma diretiva, entre os quais figura a religião, uma pessoa seja objeto de um tratamento menos favorável do que aquele que é dado a outra pessoa em situação comparável. Segundo o seu artigo 2.o, n.o 2, alínea b), existe discriminação indireta sempre que uma disposição, critério ou prática aparentemente neutra seja suscetível de colocar numa situação de desvantagem pessoas de uma determinada religião comparativamente com outras pessoas.

63

Por outro lado, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, na medida em que o TEDH, nomeadamente no seu Acórdão de 15 de maio de 2012, Fernández Martínez c. Espanha (CE:ECHR:2012:0515JUD005603007), e, consequentemente, a Carta atribuem uma aceção ampla ao conceito de «religião», dado que incluem neste conceito a liberdade das pessoas de manifestarem a sua religião, deve considerar‑se que o legislador da União pretendeu manter a mesma abordagem quando da adoção da Diretiva 2000/78, pelo que há que interpretar o conceito de «religião» que figura no artigo 1.o dessa diretiva no sentido de que abrange quer o forum internum, isto é, o facto de se ter convicções, quer o forum externum, ou seja, a manifestação em público da fé religiosa (Acórdão de 14 de março de 2017, G4S Secure Solutions, C‑157/15, EU:C:2017:203, n.o 28).

64

Ora, no caso em apreço, resulta do pedido de decisão prejudicial que a legislação nacional em causa no processo principal priva os professores de religião católica dos estabelecimentos de ensino público como os demandantes no processo principal da possibilidade de converterem o seu contrato de trabalho a termo num contrato de trabalho sem termo e/ou de obterem uma reparação pelo prejuízo sofrido devido à sucessão de contratos a termo, não em razão da sua religião mas, à semelhança dos outros professores desses estabelecimentos, pelo facto de estarem abrangidos pelo setor do ensino público. Além disso, embora, contrariamente a estes últimos, não tenham beneficiado dos procedimentos aplicáveis ao abrigo do artigo 399.o do Decreto Legislativo n.o 297/1994 nem do plano extraordinário de recrutamento previsto na Lei n.o 107/2015, não foi por esse motivo, mas sim devido à duração anual das suas missões, que não permitia a sua inscrição nas listas permanentes de idoneidade, quando essa inscrição era necessária para a integração no quadro que ocorreu a esse título. Por último, essa duração não tem nenhuma relação com a emissão de um certificado de idoneidade e a profissão de fé necessárias ao ensino da religião católica, nem com a possibilidade de revogar esse certificado, uma vez que esses elementos dizem igualmente respeito aos professores de religião católica recrutados por tempo indeterminado.

65

Assim, admitindo que os professores de religião católica dos estabelecimentos de ensino público se encontram numa situação comparável à dos docentes de outras matérias nesses mesmos estabelecimentos, titulares de um contrato a termo e que beneficiaram do referido artigo 399.o ou do referido plano, essa diferença de tratamento não se baseia na religião, mas diz respeito apenas ao regime aplicável à relação laboral.

66

Por último, o órgão jurisdicional de reenvio não se questionou sobre a eventual existência de uma discriminação indireta, na aceção do artigo 2.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 2000/78, e o pedido de decisão prejudicial não contém elementos que permitam considerar que o critério aparentemente neutro que comporta a legislação em causa no processo principal conduz, de facto, a uma desvantagem particular para as pessoas que aderem a uma determinada religião.

67

Em contrapartida, como salientou a Comissão, o prejuízo invocado pelos demandantes no processo principal, que resulta exclusivamente da impossibilidade de invocar os instrumentos de proteção previstos no direito nacional para punir a utilização abusiva de contratos a termo, é objeto de uma regulamentação específica da União, a saber, a prevista pelo Acordo‑Quadro.

68

Nestas condições, para dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio com vista à resolução do litígio que lhe foi submetido, há que reformular as questões prejudiciais exclusivamente à luz das disposições pertinentes do Acordo‑Quadro e considerar que, com as suas questões, o referido órgão jurisdicional pergunta, em substância, se o artigo 5.o do Acordo‑Quadro deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que exclui os professores de religião católica da aplicação das regras que visam punir o recurso abusivo a sucessivos contratos de trabalho a termo, e se a necessidade de um certificado de idoneidade emitido por uma autoridade eclesiástica constitui uma «razão objetiva» na aceção do artigo 5.o, n.o 1, alínea a), do Acordo‑Quadro. No caso de a legislação nacional não prever nenhuma medida suscetível de prevenir, na aceção do artigo 5.o, n.o 1, do Acordo‑Quadro, ou punir os abusos decorrentes da conclusão de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo, o referido órgão jurisdicional interroga‑se sobre a questão de saber se o artigo 4.o do Acordo‑Quadro permite não aplicar as regras que impedem a conversão automática de um contrato a termo num contrato sem termo, quando a relação laboral se prolonga para além de uma determinada data.

69

A título preliminar, importa recordar que resulta da própria redação do artigo 2.o, n.o 1, do Acordo‑Quadro que o seu âmbito de aplicação é concebido de modo amplo, uma vez que abrange, de maneira geral, os «trabalhadores contratados a termo ou partes numa relação laboral, nos termos definidos pela lei, convenções coletivas ou práticas vigentes em cada Estado‑Membro». Além disso, a definição do conceito de «trabalhador contratado a termo» na aceção do artigo 3.o, n.o 1, do Acordo‑Quadro abrange todos os trabalhadores, sem fazer distinção consoante a natureza pública ou privada do empregador a que estão vinculados (Despacho de 21 de setembro de 2016, Popescu, C‑614/15, EU:C:2016:726, n.o 33).

70

Na medida em que o Acordo‑Quadro não exclui nenhum setor específico do seu âmbito de aplicação, é igualmente aplicável ao pessoal recrutado no setor do ensino ministrado em estabelecimentos públicos (v., neste sentido, Acórdão de 26 de novembro de 2014, Mascolo e o., C‑22/13, C‑61/13, C‑63/13 e C‑418/13, EU:C:2014:2401, n.o 69).

71

Daqui resulta que trabalhadores como os demandantes no processo principal, empregados pelo MIUR e cujos contratos de trabalho são celebrados a termo, estão abrangidos pelo âmbito de aplicação do Acordo‑Quadro.

72

No que respeita ao artigo 4.o do Acordo‑Quadro, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, dado que o princípio da não discriminação foi aplicado e concretizado pelo Acordo‑Quadro unicamente no que respeita às diferenças de tratamento entre os trabalhadores contratados a termo e os trabalhadores contratados por tempo indeterminado que se encontram numa situação comparável, as eventuais diferenças de tratamento entre certas categorias de pessoal a termo não são abrangidas pelo princípio da não discriminação consagrado pelo referido Acordo‑Quadro (v., neste sentido, Acórdão de 21 de novembro de 2018, Viejobueno Ibáñez, C‑245/17, EU:C:2018:934).

73

Em especial, o artigo 4.o do Acordo‑Quadro destina‑se a aplicar o referido princípio aos trabalhadores contratados a termo, com vista a impedir que uma relação laboral desta natureza seja utilizada por um empregador para privar estes trabalhadores de direitos que são reconhecidos aos trabalhadores com contratos sem termo (Acórdão de 17 de março de 2021, Consulmarketing, C‑652/19, EU:C:2021:208, n.o 49 e jurisprudência aí referida).

74

Ora, o facto de certos trabalhadores contratados a termo, como os demandantes no processo principal, não poderem beneficiar de uma conversão do seu contrato de trabalho num contrato sem termo, quando outros trabalhadores do ensino público que lecionam outras matérias e se encontram numa situação comparável podiam, constitui precisamente uma diferença de tratamento entre duas categorias de trabalhadores contratados a termo.

75

Daqui resulta que, nessa situação, o órgão jurisdicional de reenvio não pode, com base no artigo 4.o do Acordo Quadro, deixar de aplicar as regras nacionais que impedem, no caso dos professores de religião católica dos estabelecimentos de ensino público, a conversão automática de um contrato a termo num contrato sem termo quando a relação laboral se tenha prolongado para além de uma determinada data, uma vez que esta situação não é abrangida por esse artigo.

76

No que respeita ao artigo 5.o do Acordo‑Quadro, importa recordar que esta disposição procura implementar um dos objetivos desse acordo‑quadro, a saber, regular o recurso sucessivo aos contratos ou relações laborais a termo, considerado fonte potencial de abusos em detrimento dos trabalhadores, ao prever um certo número de normas de proteção mínima destinadas a evitar a precarização da situação dos trabalhadores assalariados (Acórdão de 3 de junho de 2021, Istituto Madrileño de Investigación y Desarrollo Rural, Agrario y Alimentario, C‑726/19, EU:C:2021:439, n.o 26 e jurisprudência aí referida).

77

Com efeito, como resulta do segundo parágrafo do preâmbulo do Acordo‑Quadro e dos n.os 6 a 8 das considerações gerais do referido acordo‑quadro, o benefício da estabilidade do emprego é concebido como um elemento da maior importância para a proteção dos trabalhadores, ao passo que só em certas circunstâncias os contratos de trabalho a termo são suscetíveis de responder às necessidades tanto dos empregadores como dos trabalhadores [v., neste sentido, Acórdão de 3 de junho de 2021, Ministero dell’Istruzione, dell’Università e della Ricerca — MIUR e o. (Investigadores Universitários), C‑326/19, EU:C:2021:438, n.o 65 e jurisprudência aí referida].

78

Por conseguinte, o artigo 5.o, n.o 1, do Acordo‑Quadro impõe aos Estados‑Membros, com o fim de prevenir os abusos resultantes da utilização de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo, a adoção efetiva e vinculativa de uma ou várias das medidas que enumera, quando o seu direito interno não preveja medidas legislativas equivalentes. As medidas assim enumeradas no n.o 1, alíneas a) a c), deste artigo dizem, as três, respetivamente, respeito a razões objetivas que justificam a renovação de tais contratos ou de tais relações laborais, à duração máxima total desses sucessivos contratos ou dessas sucessivas relações laborais, bem como ao número máximo das respetivas renovações (Acórdão de 24 de junho de 2021, Obras y Servicios Públicos e Aciona Agua, C‑550/19, EU:C:2021:514, n.o 45 e jurisprudência aí referida).

79

A este respeito, os Estados‑Membros dispõem de uma margem de apreciação, uma vez que podem recorrer a uma ou a várias das medidas enunciadas no artigo 5.o, n.o 1, alíneas a) a c), do Acordo‑Quadro ou ainda a medidas legais existentes equivalentes. Deste modo, o artigo 5.o, n.o 1, do Acordo‑Quadro atribui aos Estados‑Membros um objetivo geral, que consiste na prevenção de tais abusos, embora lhes permita escolher os meios de alcançar esse objetivo, desde que não ponham em causa o objetivo ou o efeito útil deste Acordo‑Quadro (Acórdão de 24 de junho de 2021, Obras y Servicios Públicos e Aciona Agua, C‑550/19, EU:C:2021:514, n.o 46 e jurisprudência aí referida).

80

Conforme resulta do artigo 5.o, n.o 1, do Acordo‑Quadro e em conformidade com o terceiro parágrafo do preâmbulo e com os pontos 8 e 10 das suas considerações gerais, é no âmbito da aplicação do Acordo‑Quadro que os Estados‑Membros têm a faculdade, desde que isso seja objetivamente justificado, de ter em conta as necessidades particulares dos setores de atividades específicas e/ou das categorias de trabalhadores em causa (Acórdão de 25 de outubro de 2018, Sciotto, C‑331/17, EU:C:2018:859, n.o 35 e jurisprudência aí referida).

81

Por outro lado, o artigo 5.o do Acordo‑Quadro não enuncia sanções específicas para a hipótese de se constatar que houve abusos. Neste caso, cabe às autoridades nacionais adotar medidas que devem revestir um caráter não apenas proporcionado mas também suficientemente eficaz e dissuasivo para garantir a plena eficácia das normas adotadas em aplicação deste Acordo‑Quadro (v., neste sentido, Acórdão de 24 de junho de 2021, Obras y Servicios Públicos e Aciona Agua, C‑550/19, EU:C:2021:514, n.o 47 e jurisprudência aí referida).

82

Assim, o artigo 5.o do Acordo‑Quadro não estabelece uma obrigação geral para os Estados‑Membros de prever a conversão dos contratos de trabalho a termo em contratos sem termo. Com efeito, o artigo 5.o, n.o 2, do Acordo‑Quadro deixa, em princípio, aos Estados‑Membros a incumbência de determinar as condições em que os contratos ou as relações laborais a termo são considerados celebrados sem termo. Daqui resulta que o Acordo‑Quadro não estabelece as condições em que se pode fazer uso dos contratos sem termo (Acórdão de 3 de junho de 2021, Instituto Madrileño de Investigación y Desarrollo Rural, Agrario y Alimentario, C‑726/19, EU:C:2021:439, n.o 49 e jurisprudência aí referida).

83

Todavia, para que essa legislação nacional possa ser considerada conforme ao Acordo‑Quadro, a ordem jurídica interna do Estado‑Membro em causa deve conter uma outra medida efetiva para evitar e, sendo caso disso, punir a conclusão abusiva de sucessivos contratos de trabalho a termo (Acórdão de 24 de junho de 2021, Obras y Servicios Públicos e Aciona Agua, C‑550/19, EU:C:2021:514, n.o 48 e jurisprudência aí referida).

84

Daqui resulta que, quando tenha havido um recurso abusivo a sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo, deve poder ser aplicada uma medida que apresente garantias efetivas e equivalentes de proteção dos trabalhadores para punir devidamente esse abuso e eliminar as consequências da violação do direito da União. Com efeito, nos próprios termos do artigo 2.o, primeiro parágrafo, da Diretiva 1999/70, os Estados‑Membros devem «tomar qualquer disposição necessária para, em qualquer momento, poderem garantir os resultados impostos [por esta] diretiva» (Acórdão de 24 de junho de 2021, Obras y Servicios Públicos e Aciona Agua, C‑550/19, EU:C:2021:514, n.o 49 e jurisprudência aí referida).

85

Por conseguinte, há que considerar que, no caso em apreço, se se verificar que não existe, na legislação nacional em causa no processo principal, nenhuma outra medida efetiva destinada a prevenir e punir os abusos eventualmente verificados relativamente ao pessoal do setor do ensino público da religião católica, tal situação seria suscetível de prejudicar o objetivo e o efeito útil do artigo 5.o do Acordo‑Quadro.

86

A este respeito, cabe recordar que não compete ao Tribunal de Justiça pronunciar‑se sobre a interpretação de disposições de direito interno, incumbindo essa missão aos órgãos jurisdicionais nacionais competentes, os quais devem determinar se as disposições da regulamentação nacional aplicável preenchem as exigências previstas no artigo 5.o do Acordo‑Quadro (Acórdão de 24 de junho de 2021, Obras y Servicios Públicos e Aciona Agua, C‑550/19, EU:C:2021:514, n.o 50 e jurisprudência aí referida).

87

Cabe, pois, no presente caso, ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar em que medida as condições de aplicação e a implementação efetiva das disposições pertinentes do direito interno constituem uma medida adequada para prevenir e, se for caso disso, punir a conclusão abusiva de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo (Acórdão de 24 de junho de 2021, Obras y Servicios Públicos e Aciona Agua, C‑550/19, EU:C:2021:514, n.o 51 e jurisprudência aí referida).

88

Contudo, o Tribunal de Justiça, decidindo a título prejudicial, pode prestar esclarecimentos que permitam orientar os referidos órgãos jurisdicionais na sua apreciação (Acórdão de 19 de março de 2020, Sánchez Ruiz e o., C‑103/18 e C‑429/18, EU:C:2020:219, n.o 91 e jurisprudência aí referida).

89

Resulta da decisão de reenvio, por um lado, que a legislação nacional em causa no processo principal permite o recrutamento, no setor do ensino público da religião católica, de um grande número de docentes através de sucessivos contratos de trabalho a termo, sem prever nenhum dos limites previstos no artigo 5.o, n.o 1, alíneas b) e c), do Acordo‑Quadro quanto à duração máxima total desses contratos ou ao número de renovações dos mesmos e, por outro, que os contratos de trabalho a termo celebrados no referido setor estão expressamente excluídos do âmbito de aplicação das disposições nacionais que permitem no que se refere a esses contratos celebrados sucessivamente para além de uma determinada duração a sua conversão em contrato de trabalho sem termo, bem como, se for caso disso, a reparação dos danos sofridos devido por causa dessa sucessão de contratos.

90

Além disso, segundo as indicações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, os demandantes no processo principal também não são destinatários dos processos aplicáveis ao abrigo do artigo 399.o do Decreto Legislativo n.o 297/1994 nem do plano de recrutamento extraordinário de docentes por tempo indeterminado pelo MIUR, os quais foram equiparados pelo Tribunal de Justiça a uma forma de conversão de contratos de trabalho a termo em contrato sem termo (Acórdão de 8 de maio de 2019, Rossato e Conservatorio di Musica F.A. Bonporti, C‑494/17, EU:C:2019:387, n.os 32 a 36).

91

Nestas circunstâncias, há que verificar se o recurso, no setor do ensino público da religião católica, a sucessivos contratos de trabalho a termo pode ser justificado pela existência, no direito nacional, de razões objetivas, na aceção do artigo 5.o, n.o 1, alínea a), do Acordo‑Quadro, e, mais especificamente, se a emissão do certificado de idoneidade pelo ordinário diocesano para permitir ao professor de religião católica ensinar esta matéria pode constituir uma tal razão objetiva.

92

Com efeito, há que salientar que, como indica o ponto 7 das considerações gerais do Acordo‑Quadro, as respetivas as partes signatárias consideraram que a utilização de contratos a termo com base em «razões objetivas» é um meio evitar abusos (Acórdão de 3 de junho de 2021, Instituto Madrileño de Investigación y Desarrollo Rural, Agrario y Alimentario, C‑726/19, EU:C:2021:439, n.o 55 e jurisprudência aí referida).

93

No que se refere ao conceito de «razões objetivas», na aceção do artigo 5.o, n.o 1, alínea a), do Acordo‑Quadro, este deve ser interpretado no sentido de que visa circunstâncias precisas e concretas que caracterizam uma determinada atividade e são, por conseguinte, suscetíveis de justificar nesse contexto específico a conclusão de sucessivos contratos a termo. Essas circunstâncias podem resultar nomeadamente da natureza particular das tarefas para cuja realização esses contratos foram celebrados e das características inerentes a essas tarefas ou, se for caso disso, da prossecução de um objetivo legítimo de política social de um Estado‑Membro (Acórdão de 24 de junho de 2021, Obras y Servicios Públicos e Aciona Agua, C‑550/19, EU:C:2021:514, n.o 59 e jurisprudência aí referida).

94

Em contrapartida, uma disposição nacional que se limite a autorizar, de maneira geral e abstrata, através de uma norma legislativa ou regulamentar, o recurso a sucessivos contratos de trabalho a termo não é conforme com as exigências especificadas no número anterior. Com efeito, tal disposição puramente formal, não permite identificar critérios objetivos e transparentes para verificar se a renovação desses contratos responde efetivamente a uma verdadeira necessidade, é suscetível de alcançar o objetivo prosseguido e é necessária para este efeito. Tal disposição comporta assim um risco real de que se recorra abusivamente a este tipo de contratos e não é, por conseguinte, compatível com o objetivo nem com o efeito útil do Acordo‑Quadro (Acórdão de 24 de junho de 2021, Obras y Servicios Públicos e Aciona Agua, C‑550/19, EU:C:2021:514, n.os 60 e 61 e jurisprudência aí referida).

95

O Governo italiano invoca vários argumentos destinados a demonstrar que, no caso em apreço, existem circunstâncias precisas e concretas suscetíveis de justificar o recurso a sucessivos contratos de trabalho a termo para os professores da religião católica dos estabelecimentos públicos, resultando estas circunstâncias principalmente da relação entre a República Italiana e a Santa Sé, bem como da flexibilidade organizacional exigida para o ensino da religião católica.

96

No que se refere ao primeiro aspeto, o Governo italiano sublinha, antes de mais, que o ensino da religião católica nas escolas públicas é uma característica específica do sistema educativo italiano. A relação de confiança especial que deve existir entre o professor desta matéria e o ordinário diocesano implica que o candidato ao ensino da religião católica seja necessariamente avaliado pelo próprio Bispo a fim de impedir que o ensino seja contrário às prescrições do acordo celebrado entre a República Italiana e a Santa Sé, dando ao Bispo diocesano a possibilidade de apreciar, ano após ano, a idoneidade de cada professor.

97

Este governo apoia‑se, em seguida, no facto de um professor de religião católica só poder ensinar esta matéria após a emissão do certificado de idoneidade pelo ordinário diocesano, o qual avalia se o professor em causa cumpre as condições previstas pelo direito canónico e se esse certificado pode ser mantido. A este respeito, o Governo italiano precisa que a «razão objetiva» na aceção do artigo 5.o, n.o 1, alínea a), do Acordo‑Quadro não decorre da eventual revogação desse certificado, mas sim da necessidade de respeitar a concordata e de proporcionar um ensino da religião católica que seja conforme aos seus princípios, nomeadamente para satisfazer as expectativas dos alunos e dos seus pais.

98

Além disso, ao contribuir em conformidade com a concordata, com total autonomia, nomeadamente para a determinação dos perfis dos professores, para o reconhecimento da sua idoneidade e para a sua nomeação, a Igreja Católica assume as responsabilidades ligadas aos aspetos confessionais de um ensino em relação ao qual o Estado continua aberto e disponível sem, todavia, nele participar. Este reconhece o valor da cultura religiosa e tem em conta o facto de os princípios do catolicismo fazerem parte do património histórico italiano, mantendo ao mesmo tempo a distância própria de um Estado laico pluralista que não se identifica com nenhuma confissão religiosa.

99

No que respeita ao segundo aspeto, o Governo italiano indica que o elevado número de contratos a termo no setor do ensino da religião católica garante a flexibilidade resultante do caráter facultativo deste ensino, o que permite adaptar o número necessário de professores através da simples não renovação de um certo número de contratos anuais em vez da rescisão de contratos sem termo. Esta abordagem, que permite, portanto, responder de modo adequado à flutuação do pedido de ensino da religião católica devido ao referido caráter facultativo, é corroborada pela Corte costituzionale (Tribunal Constitucional) e constitui, além disso, uma expressão da preservação dos interesses financeiros e organizacionais do Estado.

100

No que diz respeito, em primeiro lugar, ao argumento relativo à relação de confiança especial que deve existir entre o professor de religião católica e o bispo diocesano, basta observar que essa relação diz respeito tanto aos professores que celebraram um contrato sem termo como aos que dispõem de um contrato a termo, pelo que este argumento não pode ser invocado para justificar o recurso abusivo aos contratos a termo.

101

No que respeita, em segundo lugar, à preservação da cultura religiosa e do património histórico italiano, importa salientar que, embora se possa considerar que este objetivo é digno de proteção constitucional, o Governo italiano não expõe, contudo, em que medida a prossecução do referido objetivo justifica que 30 % dos professores de religião católica sejam contratados através de contratos a termo (v., neste sentido, Acórdão de 25 de outubro de 2018, Sciotto, C‑331/17, EU:C:2018:859, n.o 45).

102

Neste contexto, importa todavia observar, em terceiro lugar, que não está excluído que o setor do ensino público da religião católica exija uma adequação constante entre o número de trabalhadores que aí trabalham e o número de utilizadores potenciais, como sublinha o Governo italiano, o que implica, para o empregador, necessidades provisórias em matéria de contratação. Assim, a contratação temporária de um trabalhador para satisfazer necessidades provisórias e específicas do empregador em termos de pessoal pode, em princípio, constituir uma «razão objetiva», na aceção do artigo 5.o, n.o 1, alínea a), do Acordo‑Quadro (Acórdão de 25 de outubro de 2018, Sciotto, C‑331/17, EU:C:2018:859, n.o 47).

103

A este respeito, o serviço escolar deve ser organizado de modo a assegurar uma adequação constante entre o número de docentes e o número de alunos. Ora, não se pode negar que essa adequação depende de vários fatores, sendo verdade que alguns deles podem, em certa medida, ser dificilmente controláveis ou previsíveis, como, designadamente, os fluxos migratórios externos e internos ou as escolhas de percursos por parte dos alunos (v., neste sentido, Acórdão de 26 de novembro de 2014, Mascolo e o., C‑22/13, C‑61/13 a C‑63/13 e C‑418/13, EU:C:2014:2401, n.o 94).

104

Tais fatores comprovam, no setor do ensino em causa no processo principal uma necessidade especial de flexibilidade que, em conformidade com o que foi referido no n.o 102 do presente acórdão, é suscetível, nesse setor específico, de justificar objetivamente, à luz do artigo 5.o, n.o 1, alínea a), do Acordo‑Quadro, o recurso a sucessivos contratos de trabalho a termo para responder de modo adequado à procura escolar e evitar expor o Estado, enquanto empregador desse setor, ao risco de ter de integrar nos quadros um número de docentes significativamente superior ao efetivamente necessário para cumprir as suas obrigações na matéria (Acórdão de 26 de novembro de 2014, Mascolo e o., C‑22/13, C‑61/13 a C‑63/13 e C‑418/13, EU:C:2014:2401, n.o 95).

105

Em contrapartida, não se pode admitir que os contratos de trabalho a termo possam ser renovados para efeitos de execução, de modo permanente e duradouro, de tarefas que fazem parte da atividade normal do setor do ensino. Conforme o Tribunal de Justiça já declarou reiteradamente, a renovação de contratos ou de relações laborais a termo para cobrir necessidades que, de facto, não revestem um caráter provisório mas sim um caráter permanente e duradouro não se justifica na aceção do artigo 5.o, n.o 1, alínea a), do Acordo‑Quadro, na medida em que essa utilização dos contratos ou das relações laborais a termo vai diretamente contra a premissa na qual este Acordo‑Quadro se baseia, a saber, que os contratos de trabalho por tempo indeterminado constituem a forma comum das relações laborais, embora os contratos a termo constituam uma característica do emprego em certos setores ou para determinadas ocupações e atividades (Acórdão de 24 de junho de 2021, Obras y Servicios Públicos e Aciona Agua, C‑550/19, EU:C:2021:514, n.o 62 e aí jurisprudência aí referida).

106

A observância do disposto no artigo 5.o, n.o 1, alínea a), do Acordo‑Quadro exige assim que se verifique concretamente que a renovação de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo visa cobrir necessidades provisórias e que uma disposição nacional como a que está em causa no processo principal não é utilizada, de facto, para satisfazer necessidades permanentes e duradouras do empregador em matéria de pessoal (Acórdão de 24 de junho de 2021, Obras y Servicios Públicos e Aciona Agua, C‑550/19, EU:C:2021:514, n.o 63 e jurisprudência aí referida).

107

Para este efeito, há que examinar, em cada caso, todas as circunstâncias da situação, tomando em consideração, nomeadamente, quantos contratos sucessivos foram celebrados com a mesma pessoa ou para a realização de um mesmo trabalho, para excluir que contratos ou relações laborais a termo, ainda que celebrados ostensivamente para cobrir uma necessidade de pessoal de substituição, sejam utilizados de maneira abusiva pelos empregadores (Acórdão de 24 de junho de 2021, Obras y Servicios Públicos e Aciona Agua, C‑550/19, EU:C:2021:514, n.o 64 e jurisprudência aí referida).

108

A existência de uma «razão objetiva» na aceção do artigo 5.o, n.o 1, alínea a), do Acordo‑Quadro exclui, portanto, em princípio, a existência de um abuso, salvo se um exame global das circunstâncias que rodeiam a renovação dos contratos ou das relações laborais a termo em causa revelar que as prestações requeridas do trabalhador não correspondem a uma simples necessidade provisória (Acórdão de 26 de novembro de 2014, Mascolo e o., C‑22/13, C‑61/13 a C‑63/13 e C‑418/13, EU:C:2014:2401, n.o 103).

109

Consequentemente, o simples facto de a legislação nacional em causa no processo principal poder ser justificada por uma «razão objetiva», na aceção dessa disposição, não basta para torná‑la conforme com esta, caso se afigure que a aplicação concreta dessa regulamentação leva, de facto, a um recurso abusivo a sucessivos contratos de trabalho a termo (Acórdão de 26 de novembro de 2014, Mascolo e o., C‑22/13, C‑61/13 a C‑63/13 e C‑418/13, EU:C:2014:2401, n.o 104).

110

Ora, por um lado, a legislação nacional em causa no processo principal não faz depender de nenhuma condição dessa natureza a derrogação que introduz às regras de direito comum aplicáveis aos contratos de trabalho e que visam punir o recurso abusivo a sucessivos contratos a termo. Por outro lado, a celebração dos sucessivos contratos de trabalho em causa no processo principal não parece responder a simples necessidades provisórias do empregador, mas parece antes ser abrangida pelas necessidades da gestão corrente deste. Além disso, os diferentes contratos de trabalho a termo mediante os quais os demandantes no processo principal foram contratados deram lugar à realização de tarefas semelhantes ou mesmo idênticas durante vários anos, pelo que se pode considerar que esta relação laboral pode ser entendida no sentido de que satisfez uma necessidade que não era provisória, mas, pelo contrário, duradoura, o que, todavia, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

111

No que se refere, em quarto lugar, ao argumento relativo aos interesses financeiros do Estado, importa recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que, embora considerações orçamentais possam estar na base das opções de política social de um Estado‑Membro e influenciar a natureza ou o alcance das medidas que este pretenda adotar, não constituem todavia, em si mesmas, um objetivo prosseguido por essa política e, portanto, não podem justificar a inexistência de medidas preventivas do recurso abusivo a sucessivos contratos de trabalho na aceção do artigo 5.o, n.o 1, do Acordo‑Quadro (Acórdão de 25 de outubro de 2018, Sciotto, C‑331/17, EU:C:2018:859, n.o 55).

112

No que diz respeito, em quinto lugar, à questão de saber se a necessidade da emissão do certificado de idoneidade de que devem dispor os professores de religião católica para lecionar esta matéria pode constituir uma «razão objetiva» na aceção do artigo 5.o, n.o 1, alínea a), do Acordo‑Quadro, há que observar que resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que esse certificado é emitido uma única vez, no momento em que a autoridade escolar apresenta a sua lista de candidatos, e independentemente da duração da missão confiada ao professor de religião católica. A emissão do referido certificado a todos os professores de religião católica, independentemente de terem celebrado um contrato sem termo ou um contrato a termo constitui, portanto, como já foi referido no n.o 64 do presente acórdão, um aspeto independente da duração das missões confiadas aos professores de religião católica.

113

Do mesmo modo, a revogação do certificado de idoneidade constitui uma causa de resolução da relação laboral tanto para os professores de religião católica do quadro como para aqueles que, como os recorrentes no processo principal, apenas são titulares de um contrato a termo, e não constitui, portanto, uma «razão objetiva» na aceção do artigo 5.o, n.o 1, alínea a), do Acordo‑Quadro.

114

Por último, na medida em que a emissão do certificado de idoneidade não tem nenhuma relação com a adoção de medidas que se reconhece prosseguirem objetivos legítimos de política social como, por exemplo, as que visam a proteção da gravidez, da maternidade ou da conciliação entre a vida profissional e a vida familiar, não se pode considerar que serve para prosseguir um objetivo de política social, uma vez que o conceito de «razão objetiva» que figura no artigo 5.o, n.o 1, alínea a), do Acordo‑Quadro engloba, como resulta da jurisprudência recordada no n.o 93 do presente acórdão, a prossecução de tal objetivo (v., neste sentido, Acórdão de 26 de novembro de 2014, Mascolo e o., C‑22/13, C‑61/13 a C‑63/13 e C‑418/13, EU:C:2014:2401, n.os 92 e 93 e jurisprudência aí referida).

115

Daqui resulta que o certificado de idoneidade não constitui uma «razão objetiva», na aceção do artigo 5.o, n.o 1, alínea a), do Acordo‑Quadro.

116

Por conseguinte, sempre que não existam «medidas legais equivalentes [para prevenir os abusos]» na aceção do artigo 5.o, n.o 1, do Acordo‑Quadro, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal no setor do ensino público da religião católica não é suscetível de prevenir ou punir os abusos decorrentes da conclusão de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo.

117

A este respeito, compete às autoridades judiciais do Estado‑Membro em causa assegurar o respeito do artigo 5.o, n.o 1, do Acordo‑Quadro, garantindo que os trabalhadores que tenham sofrido um abuso resultante da conclusão de sucessivos contratos de trabalho a termo não sejam dissuadidos, na esperança de continuar a ser contratados no setor público, de invocar junto das autoridades nacionais, incluindo as autoridades judiciais, os direitos que decorrem da implementação pela legislação nacional de todas as medidas preventivas previstas no artigo 5.o, n.o 1, do Acordo‑Quadro (v., neste sentido, Acórdão de 25 de outubro de 2018, Sciotto, C‑331/17, EU:C:2018:859, n.o 68 e jurisprudência aí referida).

118

Em especial, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio chamado a decidir, dar às disposições pertinentes de direito interno, em toda a medida do possível e quando tenha ocorrido uma conclusão abusiva de sucessivos contratos de trabalho a termo, uma interpretação e uma aplicação capazes de punir devidamente esse abuso e de eliminar as consequências da violação do direito da União [Acórdão de 11 de fevereiro de 2021, M. V. e o. (Contratos de trabalho a termo sucessivos no setor público), C‑760/18, EU:C:2021:113, n.o 69 e jurisprudência aí referida].

119

No caso em apreço, uma vez que a legislação nacional em causa no processo principal contém regras aplicáveis aos contratos de trabalho de direito comum que visam punir o recurso abusivo a sucessivos contratos a termo, prevendo a conversão automática dos contratos a termo em contratos sem termo quando a relação laboral se prolongar para além de uma determinada data, a aplicação dessas regras no processo principal poderia constituir uma medida preventiva desse abuso, na aceção do artigo 5.o do Acordo‑Quadro.

120

Neste contexto, importa, contudo, recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que o artigo 5.o, n.o 1, do Acordo‑Quadro não é incondicional e suficientemente preciso para poder ser invocado por um particular perante um juiz nacional. Assim, essa disposição do direito da União, desprovida de efeito direto, não pode ser invocada, enquanto tal, no âmbito de um litígio abrangido pelo direito da União, para afastar a aplicação de uma disposição de direito nacional que lhe seja contrária. Por conseguinte, um órgão jurisdicional nacional não é obrigado a não aplicar uma disposição do direito nacional contrária a este artigo (Acórdão de 24 de junho de 2021, Obras y Servicios Públicos e Aciona Agua, C‑550/19, EU:C:2021:514, n.o 75 e jurisprudência aí referida).

121

Feita esta precisão, importa, contudo, recordar que, quando aplicam o direito interno, os órgãos jurisdicionais nacionais devem interpretá‑lo, na medida do possível, à luz do texto e da finalidade da diretiva em causa a fim de alcançar o resultado por ela prosseguido e, assim, dar cumprimento ao artigo 288.o, terceiro parágrafo, TFUE (Acórdão de 24 de junho de 2021, Obras y Servicios Públicos e Aciona Agua, C‑550/19, EU:C:2021:514, n.o 76 e jurisprudência aí referida).

122

A exigência de uma interpretação conforme do direito nacional é, com efeito, inerente ao sistema do Tratado FUE, na medida em que permite aos órgãos jurisdicionais nacionais assegurar, no âmbito das suas competências, a plena eficácia do direito da União quando decidem dos litígios que lhes são submetidos [Acórdão de 11 de fevereiro de 2021, M.V. e o. (Contratos de trabalho a termo sucessivos no setor público), C‑760/18, EU:C:2021:113, n.o 66 e jurisprudência aí referida].

123

É certo que a obrigação que incumbe ao juiz nacional de atender ao conteúdo de uma diretiva quando interpreta e aplica as regras pertinentes do direito interno é limitada pelos princípios gerais de direito, nomeadamente os da segurança jurídica e da não retroatividade, e não pode servir de fundamento a uma interpretação contra legem do direito nacional (Acórdão de 24 de junho de 2021, Obras y Servicios Públicos e Aciona Agua, C‑550/19, EU:C:2021:514, n.o 77 e jurisprudência aí referida).

124

No entanto, o princípio da interpretação conforme exige que os órgãos jurisdicionais nacionais façam tudo o que se enquadrar na sua competência, tomando em consideração todo o direito interno e aplicando métodos de interpretação por este reconhecidos, para garantir a plena efetividade da diretiva em causa e alcançar uma solução que seja conforme com a finalidade prosseguida por essa diretiva (Acórdão de 24 de junho de 2021, Obras y Servicios Públicos e Aciona Agua, C‑550/19, EU:C:2021:514, n.o 78 e jurisprudência aí referida). Assim, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se essa interpretação conforme das disposições nacionais é possível.

125

Tendo em conta todas as considerações anteriores, há que responder às questões submetidas que o artigo 5.o do Acordo‑Quadro deve ser interpretado no sentido de que, por um lado, se opõe a uma legislação nacional que exclui os professores de religião católica dos estabelecimentos de ensino público da aplicação das regras que visam punir o recurso abusivo a sucessivos contratos a termo, quando não exista nenhuma outra medida efetiva na ordem jurídica interna que puna o referido recurso abusivo, e, por outro, a necessidade de um certificado de idoneidade emitido por uma autoridade eclesiástica com vista a permitir a esses professores ensinar a religião católica não constitui uma «razão objetiva» na aceção do artigo 5.o, n.o 1 do Acordo‑Quadro, na medida em que esse certificado é emitido uma única vez e não antes de cada ano escolar que dá lugar à celebração de um contrato de trabalho a termo.

Quanto às despesas

126

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

 

O artigo 5.o, n.o 1, do Acordo‑Quadro relativo a contratos de trabalho a termo, celebrado em 18 de março de 1999, que figura em anexo à Diretiva 1999/70/CE do Conselho, de 28 de junho de 1999, respeitante ao acordo‑quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo, deve ser interpretado no sentido de que, por um lado, se opõe a uma legislação nacional que exclui os professores de religião católica dos estabelecimentos de ensino público da aplicação das regras que visam punir o recurso abusivo a sucessivos contratos a termo, quando não exista nenhuma outra medida efetiva na ordem jurídica interna que puna o referido recurso abusivo, e, por outro, a necessidade de um certificado de idoneidade emitido por uma autoridade eclesiástica com vista a permitir a esses professores ensinar a religião católica não constitui uma «razão objetiva» na aceção do artigo 5.o, n.o 1 deste Acordo‑Quadro, na medida em que esse certificado é emitido uma única vez e não antes de cada ano escolar que dá lugar à celebração de um contrato de trabalho a termo.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: italiano.