ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

25 de novembro de 2020 ( *1 )

[Texto retificado por Despacho de 20 de janeiro de 2021]

«Reenvio prejudicial — Proteção dos consumidores — Cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores — Diretiva 93/13/CEE — Consequências da declaração do caráter abusivo de uma cláusula — Substituição da cláusula abusiva — Modalidade de cálculo da taxa de juro variável — Admissibilidade — Encaminhamento das partes para negociações»

No processo C‑269/19,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela Curtea de Apel Cluj (Tribunal de Recurso de Cluj, Roménia), por Decisão de 27 de fevereiro de 2019, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 29 de março de 2019, no processo

Banca B. SA

contra

A.A.A.,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: J.‑C. Bonichot, presidente de secção, L. Bay Larsen, C. Toader, M. Safjan e N. Jääskinen (relator), juízes,

advogado‑geral: G. Pitruzzella,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos e na sequência do convite feito às partes no processo principal e aos interessados referidos no artigo 23.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia para responderem por escrito às questões colocadas pelo Tribunal de Justiça,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Banca B. SA, por R. Trăilescu, I.‑C. Şerban, D. Cristea e E. Tudose, avocați,

em representação de A.A.A., por C. Neamţ, avocată,

[Conforme retificado por Despacho de 20 de janeiro de 2021] em representação do Governo romeno, inicialmente por C.‑R. Cantăr, E. Gane, O.‑C. Ichim e L. Liţu e, em seguida, por E. Gane, O.‑C. Ichim e L. Liţu, na qualidade de agentes,

em representação do Governo do Reino Unido, por Z. Lavery e S. Brandon, na qualidade de agentes, assistidos por A. Howard, barrister,

[Conforme retificado por Despacho de 20 de janeiro de 2021] em representação da Comissão Europeia, por C. Gheorghiu e N. Ruiz García, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores (JO 1993, L 95, p. 29).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Banca B. SA, uma instituição bancária, a A.A.A. a respeito do caráter alegadamente abusivo e da nulidade absoluta de várias cláusulas constantes de um contrato de crédito relativo à concessão de um empréstimo pessoal contraído por A.A.A. junto dessa instituição.

Quadro jurídico

Direito da União

3

Resulta do vigésimo quarto considerando da Diretiva 93/13 que as autoridades judiciárias e órgãos administrativos dos Estados‑Membros devem dispor de meios adequados e eficazes para pôr termo à aplicação das cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores.

4

O artigo 3.o, n.o 1, desta diretiva dispõe:

«Uma cláusula contratual que não tenha sido objeto de negociação individual é considerada abusiva quando, a despeito da exigência de boa‑fé, der origem a um desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor, entre os direitos e obrigações das partes decorrentes do contrato.»

5

Nos termos do artigo 6.o, n.o 1, da referida diretiva:

«Os Estados‑Membros estipularão que, nas condições fixadas pelos respetivos direitos nacionais, as cláusulas abusivas constantes de um contrato celebrado com um consumidor por um profissional não vinculem o consumidor e que o contrato continue a vincular as partes nos mesmos termos, se puder subsistir sem as cláusulas abusivas.»

6

O artigo 7.o, n.o 1, da mesma diretiva prevê:

«Os Estados‑Membros providenciarão para que, no interesse dos consumidores e dos profissionais concorrentes, existam meios adequados e eficazes para pôr termo à utilização das cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores por um profissional.»

Direito romeno

7

A Legea nr. 193/2000 privind clauzele abuzive din contractele încheiate între profesioniști și consumatori (Lei n.o 193/2000 relativa às Cláusulas Abusivas nos Contratos Celebrados entre Profissionais e Consumidores, a seguir «Lei n.o 193/2000»), transpõe a Diretiva 93/13 para o direito romeno.

8

Em conformidade com as disposições do artigo 6.o da Lei n.o 193/2000, as cláusulas abusivas incluídas no contrato e declaradas como tal, quer pessoalmente, quer por intermédio de organismos legalmente habilitados, não produzem efeitos em relação ao consumidor, e o contrato continuará a vigorar, com o acordo deste último, apenas se isso ainda for ainda possível após a supressão das referidas cláusulas.

9

Nos termos do artigo 7.o da referida lei, na medida em que o contrato já não possa produzir os seus efeitos após a supressão das cláusulas consideradas abusivas, o consumidor tem o direito de exigir a resolução do contrato e pode, se for caso disso, reclamar uma indemnização por perdas e danos.

10

O artigo 93 do Ordonanța Guvernului nr. 21/1992 privind protecția consumatorilor (Decreto legislativo n.o 21/1992, relativo à Proteção dos Consumidores), introduzido pelo artigo II, ponto 9, do Ordonanța de urgență a Guvernului nr. 174/2008 (Decreto Legislativo Urgente n.o 174/2008), prevê que, no âmbito dos contratos celebrados com os consumidores, os prestadores de serviços financeiros são obrigados a respeitar as seguintes regras financeiras, que constam assim da alínea g):

«são aplicáveis aos contratos de crédito com taxa variável as seguintes regras:

1.   a variação da taxa de juro deve ser independente da vontade do prestador de serviços financeiros e reportar‑se a flutuações de índices de referência verificáveis, mencionados no contrato, ou a alterações legislativas que impõem essa variação;

2.   a taxa de juro pode variar em função da taxa de referência do prestador de serviços financeiros, desde que esta seja única para todos os produtos financeiros destinados às pessoas singulares propostos pelo operador económico em questão e que não seja aumentada para além de um determinado nível estabelecido contratualmente.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

11

Em 5 de junho de 2007, A.A.A. celebrou um contrato de crédito relativo à concessão de um empréstimo pessoal com a Banca B. Este contrato estava garantido por uma primeira hipoteca, no montante de 182222 euros, dos quais 179000 euros correspondiam ao empréstimo pessoal denominado «Maxicredit» de taxa fixa durante um ano e 3222 euros correspondiam à comissão de concessão desse empréstimo, por um período de 300 meses.

12

Resulta da decisão de reenvio que eram aplicáveis ao referido contrato as seguintes cláusulas contratuais:

o artigo 5.o do contrato de mútuo em causa estipulava uma taxa de juro anual de 7,4 % para o primeiro ano do empréstimo, e depois uma taxa de juro atual correspondente à taxa de referência variável afixada nas instalações da instituição bancária acrescida de 1,5 pontos percentuais;

em conformidade com o artigo 2.6. das condições gerais de concessão do empréstimo anexas a esse contrato, durante o período do empréstimo, a taxa de juro atual podia variar em função da evolução do «serviço único da dívida do cliente» para com esta instituição;

nos termos do artigo 2.10., alínea a), dessas condições gerais, durante o período do empréstimo, a instituição bancária podia alterar os juros sem o consentimento do mutuário, em função do custo do financiamento do empréstimo, sendo a nova taxa de juro aplicável ao saldo do empréstimo a partir da data da sua alteração. A alteração da taxa de juro variável obrigava a recalcular os juros devidos;

em conformidade com o artigo 2.10, alínea b), das referidas condições gerais, para os empréstimos com taxa de juro variável determinada em função de um índice de referência, a LIBOR ou a Euribor, a taxa de juro podia ser alterada em função da evolução deste índice;

nos termos do artigo 2.11. das mesmas condições gerais, a nova taxa de juro revista semestralmente era afixada nas instalações da instituição bancária a partir da data de aplicação da alteração e a taxa de juro daí resultante era aplicada ao saldo do empréstimo existente à data da alteração;

no caso das linhas de crédito, o mutuário tomava conhecimento da alteração da taxa de juro anual e do calendário de reembolso atualizado por carta registada com aviso de receção ou por extrato de conta entregue gratuitamente ao mutuário nos balcões da instituição bancária;

se, na sequência da alteração da taxa de juro por essa instituição, o mutuário não reembolsasse o saldo do empréstimo e os respetivos juros no prazo de 10 dias a contar da data da tomada de conhecimento, considerava‑se que tinha aceitado a nova taxa de juro.

13

Em 9 de junho de 2017, A.A.A. intentou uma ação contra a Banca B. no Tribunalul Specializat Cluj (Tribunal Especializado de Cluj, Roménia), pedindo que este declarasse o caráter abusivo e, como tal, a nulidade absoluta das cláusulas do contrato de mútuo em causa relativas à taxa de juro variável e anulasse, consequentemente, o calendário estabelecido em aplicação dessas cláusulas. Pediu igualmente que este órgão jurisdicional ordenasse ao demandado que alterasse as referidas cláusulas e o condenasse a reembolsar o excedente resultante da declaração do seu caráter abusivo. A.A.A. alegou perante o referido órgão jurisdicional, nomeadamente, que as cláusulas em causa permitiam à Banca B. alterar arbitrariamente o montante dessa taxa, prejudicando assim os seus interesses legítimos enquanto consumidor.

14

Por Sentença de 23 de janeiro de 2018, esse órgão jurisdicional julgou parcialmente procedente a ação de A.A.A. Declarou, designadamente, a nulidade absoluta parcial da cláusula constante do artigo 5.o do contrato de mútuo em causa, no que respeita ao mecanismo de determinação da taxa de juro variável, nos termos da qual a taxa de juro atual corresponde à taxa de referência variável afixada nas instalações da instituição bancária, bem como do artigo 2.6, do artigo 2.10, alínea a), e do artigo 2.11, artigos referidos no n.o 12 do presente acórdão. A nulidade absoluta da cláusula constante do artigo 2.10, alínea b), do referido contrato foi declarada na medida em que a instituição bancária apenas tinha a possibilidade, e não a obrigação, de rever a taxa de juro variável em função dos índices de referência previstos no contrato, a saber, a LIBOR ou a Euribor.

15

Além disso, a Banca B. foi instada a clarificar o conteúdo da cláusula relativa aos juros do contrato de mútuo em causa, definindo, segundo as indicações do referido órgão jurisdicional, os elementos constitutivos e o montante desses juros. Por um lado, a margem prevista no artigo 5.o do contrato devia ser fixada em 1,5 pontos percentuais acrescidos do índice Euribor a 6 meses. Por outro lado, o modo de alteração da taxa de juro devia depender exclusivamente dos índices de referência Euribor a 6 meses com uma margem fixa da instituição bancária, que só podia ser alterada por acordo escrito das partes, de modo que a alteração da taxa de juro dependia das variações do índice Euribor a 6 meses.

16

Segundo o Tribunalul Specializat Cluj (Tribunal Especializado de Cluj), a supressão da cláusula que confere à instituição bancária o direito exclusivo de controlar o mecanismo de ajustamento da taxa de juro variável, sem a determinação das consequências dessa declaração, implica, na prática, alterar o contrato, no sentido de que a taxa de juro seria fixada ao nível que era aplicável durante o primeiro ano do empréstimo. Tal situação é particularmente favorável ao profissional e torna inútil qualquer negociação sobre este ponto entre as partes no contrato. Além disso, esse órgão jurisdicional salientou que o estabelecimento de uma taxa de juro fixa constitui uma alteração do contrato contrária ao acordo das partes, que acordaram uma taxa de juro variável, bem como às disposições do artigo 969.o do Código Civil que consagram o respeito dos compromissos contratuais (pacta sunt servanda).

17

Por outro lado, não existindo, no momento da celebração do contrato de mútuo em causa, uma disposição nacional que regulasse a determinação da taxa de juro nos contratos de mútuo com garantia hipotecária, o Tribunalul Specializat Cluj (Tribunal Especializado de Cluj) aplicou por analogia as disposições legislativas referidas no n.o 10 do presente acórdão relativas às modalidades de determinação da taxa de juro, as quais não eram aplicáveis ratione temporis no presente processo.

18

Em 15 de outubro de 2018, a Banca B. interpôs recurso dessa sentença para o órgão jurisdicional de reenvio, a Curtea de Apel Cluj (Tribunal de Recurso de Cluj, Roménia).

19

Neste órgão jurisdicional, a Banca B. alega, em substância, que o órgão jurisdicional de primeira instância alterou o modo de cálculo da taxa de juro em causa para todo o período do mútuo, desrespeitando a vontade das partes no momento da celebração do contrato de mútuo em causa. Ao decidir deste modo, excedeu as atribuições do poder judicial e violou a jurisprudência recente do Tribunal de Justiça. A Banca B. alega igualmente que o órgão jurisdicional de primeira instância baseou erradamente a sua decisão em disposições que não estavam em vigor no momento da celebração desse contrato.

20

O órgão jurisdicional de reenvio refere que os órgãos jurisdicionais romenos interpretaram e aplicaram de forma divergente o artigo 6.o da Lei n.o 193/2000, que transpõe para o direito romeno o artigo 6.o da Diretiva 93/13, no que respeita, nomeadamente, à determinação das consequências da declaração do caráter abusivo das cláusulas que definem o mecanismo de fixação da taxa de juro variável com base em critérios não transparentes.

21

Uma vez que um contrato de mútuo celebrado por um consumidor com um profissional não pode juridicamente subsistir quando este último perde o seu direito a receber juros, uma parte dos órgãos jurisdicionais considera que cabe às partes no contrato negociar de boa‑fé, de forma real e efetiva, a cláusula relativa ao modo de fixação da taxa de juro, de modo que o contrato celebrado pelas partes possa continuar a existir. Outros órgãos jurisdicionais ordenaram a aplicação, no termo do período durante o qual estava prevista uma taxa de juro fixa, de uma taxa de juro composta pela margem fixa estipulada no contrato de mútuo, a contar do segundo ano do empréstimo, acrescida de um índice objetivo, transparente e verificável, como a Euribor. Existe igualmente uma linha jurisprudencial segundo a qual os juros são constituídos, a partir do segundo ano, exclusivamente pela margem fixa estipulada no contrato, que se mantém. Por último, alguns órgãos jurisdicionais consideram que a cláusula relativa ao modo de cálculo da taxa de juro aplicável para o primeiro ano deve continuar a aplicar‑se.

22

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a determinação das consequências a retirar da declaração do caráter abusivo de uma cláusula que define o mecanismo de fixação da taxa de juro variável é essencial para a resolução do litígio nele pendente. Por um lado, esta determinação impõe‑se para estabelecer a taxa de juro aplicável à relação jurídica das partes no contrato para o futuro. Por outro lado, é necessário para que esse órgão jurisdicional se possa pronunciar sobre o pedido de A.A.A. no sentido de a Banca B. ser condenada a restituir o montante recebido em excesso a título de juros. Mais especificamente, há que determinar se o pagamento em excesso corresponde à diferença entre os juros efetivamente pagos por esse consumidor e os juros calculados com base numa margem fixada em 1,5 pontos percentuais acrescida do índice Euribor a 6 meses após o primeiro ano do mútuo, à diferença entre os juros efetivamente pagos por este e os juros calculados com base na percentagem fixa estabelecida para o primeiro ano do mútuo ou à diferença entre os juros efetivamente pagos e a taxa de juro fixada pelo juiz à luz dos elementos de facto do contrato de mútuo.

23

Nestas condições, a Curtea de Apel Cluj (Tribunal de Recurso de Cluj) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva [93/13] ser interpretado no sentido de que, na sequência da [declaração] do caráter abusivo de uma cláusula que define o mecanismo para determinar a taxa de juro variável segundo a fórmula “margem fixa e juros de referência aplicados por um banco com base em critérios não transparentes”, num contrato de crédito com taxa de juro fixa limitada ao primeiro ano e taxa variável para os anos seguintes, conforme a fórmula mencionada, o órgão jurisdicional nacional pode adaptar o contrato estabelecendo um método de cálculo do juro variável com base em [índices] de referência transparentes (LIBOR ou Euribor) e na margem fixa do banco, à luz dos elementos de facto do contrato de crédito, para garantir uma melhor proteção do consumidor?

2)

Em caso de resposta negativa a esta questão, deve o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva [93/13] ser interpretado no sentido de que, na sequência da [declaração] do caráter abusivo de uma cláusula como a anteriormente referida, o órgão jurisdicional nacional pode aplicar, por via judicial, uma taxa de juro fixa referenciada à margem fixa prevista para o segundo ano de execução do contrato ou à taxa de juro fixa do primeiro ano?

3)

Em caso de resposta negativa a esta questão, devem o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva [93/13] e o princípio da efetividade ser interpretados no sentido de que, na sequência da [declaração] do caráter abusivo de uma cláusula como a anteriormente referida, se opõem a que o órgão jurisdicional nacional [inste as] partes [a realizarem] negociações com o objetivo de fixarem uma nova taxa de juro, sem [enquadrar essas negociações]?

4)

Em caso de resposta negativa a esta questão, quais são as soluções possíveis para garantir a proteção dos consumidores em conformidade com as disposições do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva [93/13]?»

Quanto às questões prejudiciais

24

A título preliminar, há que recordar que, segundo jurisprudência constante, no âmbito do processo de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça instituído pelo artigo 267.o TFUE, cabe a este dar ao juiz nacional uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido. Nesta ótica, incumbe ao Tribunal de Justiça, se necessário, reformular as questões que lhe são submetidas (Acórdãos de 7 de agosto de 2018, Smith, C‑122/17, EU:C:2018:631, n.o 34, e de 3 de março de 2020, Gómez del Moral Guasch, C‑125/18, EU:C:2020:138, n.o 27).

25

A este respeito, importa precisar que, no presente processo, o Tribunal de Justiça não é questionado sobre os critérios de apreciação relativos ao caráter abusivo das cláusulas que regem o mecanismo de fixação do modo de cálculo da taxa de juro variável do contrato de mútuo em causa. Em contrapartida, as questões submetidas no presente processo incidem unicamente sobre as consequências da declaração do caráter abusivo dessas cláusulas contratuais.

26

Assim, para dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio, há que considerar que, com estas questões, que devem ser analisadas em conjunto, esse órgão jurisdicional pergunta, em substância, se o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 deve ser interpretado no sentido de que, na sequência da declaração do caráter abusivo das cláusulas que definem o mecanismo de fixação da taxa de juro variável num contrato de mútuo como o que está em causa no processo principal e quando esse contrato não possa subsistir após a supressão das cláusulas abusivas em causa e não exista nenhuma disposição de direito nacional de caráter supletivo suscetível de se substituir às referidas cláusulas, essa disposição se opõe a que o juiz nacional fixe um novo modo de cálculo dessa taxa de juro ou inste as partes a negociarem com vista a fixar um novo modo de cálculo dessa taxa, sem enquadrar essas negociações.

27

Para responder a esta questão, importa recordar, previamente, os fundamentos da proteção dos consumidores no domínio das cláusulas contratuais de caráter abusivo decorrentes da Diretiva 93/13, conforme interpretada pelo Tribunal de Justiça.

28

O sistema de proteção instituído pela Diretiva 93/13 assenta na ideia de que o consumidor se encontra numa situação de inferioridade relativamente ao profissional no que respeita tanto ao poder de negociação como ao nível de informação, situação que o leva a aderir às condições redigidas previamente pelo profissional, sem poder influenciar o seu conteúdo. Tendo em conta essa situação de inferioridade, esta diretiva obriga os Estados‑Membros a preverem um mecanismo que garanta que qualquer cláusula contratual que não tenha sido negociada individualmente possa ser fiscalizada para apreciar o seu caráter eventualmente abusivo (Acórdão de 3 de outubro de 2019, Dziubak, C‑260/18, EU:C:2019:819, n.o 37 e jurisprudência referida).

29

A este respeito, incumbe ao juiz nacional, por força do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13, abster‑se de aplicar as cláusulas abusivas a fim de que não produzam efeitos vinculativos para o consumidor, salvo se o consumidor a isso se opuser (v., neste sentido, Acórdãos de 3 de março de 2020, Gómez del Moral Guasch, C‑125/18, EU:C:2020:138, n.o 58 e jurisprudência referida). No entanto, esse contrato deve subsistir, em princípio, sem nenhuma outra alteração a não ser a resultante da supressão das cláusulas abusivas, na medida em que, em conformidade com as regras do direito interno, a subsistência do contrato seja juridicamente possível (v., designadamente, Acórdão de 5 de junho de 2019, GT, C‑38/17, EU:C:2019:461, n.o 42 e jurisprudência referida).

30

Por conseguinte, quando o juiz nacional declara a nulidade de uma cláusula abusiva num contrato celebrado entre um profissional e um consumidor, esse juiz não pode completar o contrato alterando o conteúdo dessa cláusula (v., neste sentido, Acórdão de 3 de março de 2020, Gómez del Moral Guasch, C‑125/18, EU:C:2020:138, n.o 59 e jurisprudência referida).

31

Com efeito, o Tribunal de Justiça considerou que, se fosse possível ao juiz nacional alterar o conteúdo das cláusulas abusivas desse contrato, essa faculdade poderia frustrar a realização do objetivo a longo prazo referido no artigo 7.o da Diretiva 93/13. Essa faculdade contribuiria para eliminar o efeito dissuasivo exercido sobre os profissionais pela não aplicação pura e simples de tais cláusulas abusivas ao consumidor, na medida em que estes profissionais continuariam tentados a utilizar essas cláusulas, sabendo que, mesmo que estas viessem a ser invalidadas, o contrato poderia, contudo, ser completado, quanto ao necessário, pelo juiz nacional, garantindo desse modo o interesse dos referidos profissionais (Acórdãos de 14 de junho de 2012, Banco Español de Crédito, C‑618/10, EU:C:2012:349, n.o 69; de 30 de abril de 2014, Kásler e Káslerné Rábai, C‑26/13, EU:C:2014:282, n.o 79; de 26 de março de 2019, Abanca Corporación Bancaria e Bankia, C‑70/17 e C‑179/17, EU:C:2019:250, n.o 54; e de 3 de março de 2020, Gómez del Moral Guasch, C‑125/18, EU:C:2020:138, n.o 60).

32

Em contrapartida, quando um contrato celebrado entre um profissional e um consumidor não pode subsistir após a supressão de uma cláusula abusiva, o Tribunal de Justiça admitiu que o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 não se opõe a que o juiz nacional, em aplicação de princípios do direito dos contratos, suprima a cláusula abusiva substituindo‑a por uma disposição de direito nacional supletiva em situações em que a invalidação da cláusula abusiva obrigue o tribunal a anular o contrato no seu todo, expondo assim o consumidor a consequências particularmente prejudiciais, de modo que este seria penalizado por isso (v., nomeadamente, Acórdãos de 30 de abril de 2014, Kásler e Káslerné Rábai, C‑26/13, EU:C:2014:282, n.os 80 a 83; de 26 de março de 2019, Abanca Corporación Bancaria e Bankia, C‑70/17 e C‑179/17, EU:C:2019:250, n.o 56; de 3 de outubro de 2019, Dziubak, C‑260/18, EU:C:2019:819, n.o 48; e de 3 de março de 2020, Gómez del Moral Guasch, C‑125/18, EU:C:2020:138, n.o 61).

33

Tal substituição é plenamente justificada à luz da finalidade da Diretiva 93/13. Com efeito, ela é conforme com o objetivo do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13, uma vez que esta disposição pretende substituir o equilíbrio formal que o contrato estabelece entre os direitos e as obrigações dos contratantes por um equilíbrio real suscetível de restabelecer a igualdade entre estes, e não anular todos os contratos que contenham cláusulas abusivas (v., nomeadamente, Acórdãos de 30 de abril de 2014, Kásler e Káslerné Rábai, C‑26/13, EU:C:2014:282, n.os 81 e 82 e jurisprudência referida; de 26 de março de 2019, Abanca Corporación Bancaria e Bankia, C‑70/17 e C‑179/17, EU:C:2019:250, n.o 57; e de 3 de março de 2020, Gómez del Moral Guasch, C‑125/18, EU:C:2020:138, n.o 62).

34

Se, numa situação como a descrita no n.o 32 do presente acórdão, o juiz nacional não pudesse substituir uma cláusula abusiva por uma disposição do direito nacional com caráter supletivo e estivesse obrigado a anular o contrato no seu todo, o consumidor poderia ser exposto a consequências particularmente prejudiciais, de modo que o caráter dissuasivo resultante da anulação do contrato correria o risco de ficar comprometido. Com efeito, relativamente a um contrato de mútuo, tal anulação teria, em princípio, por consequência tornar imediatamente exigível o montante do empréstimo remanescente em dívida, numa medida suscetível de exceder as capacidades financeiras do consumidor, e, por esse facto, tenderia a penalizar mais este último do que o mutuante, que, por consequência, não seria dissuadido de inserir tais cláusulas nos contratos que propõe (v., nomeadamente, Acórdãos de 30 de abril de 2014, Kásler e Káslerné Rábai, C‑26/13, EU:C:2014:282, n.os 83 e 84; de 26 de março de 2019, Abanca Corporación Bancaria e Bankia, C‑70/17 e C‑179/17, EU:C:2019:250, n.o 58; e de 3 de março de 2020, Gómez del Moral Guasch, C‑125/18, EU:C:2020:138, n.o 63).

35

Por outro lado, o Tribunal de Justiça declarou igualmente que o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 se opõe a que sejam colmatadas as lacunas de um contrato, provocadas pela supressão das cláusulas abusivas que nele figuram, unicamente com base em disposições nacionais de caráter geral, que não foram objeto de uma avaliação específica do legislador com vista a estabelecer um equilíbrio entre todos os direitos e obrigações das partes contratantes e que, por esse facto, não beneficiam da presunção de inexistência de caráter abusivo, que preveem que os efeitos expressos num ato jurídico são completados, nomeadamente, pelos efeitos que decorrem do princípio da equidade ou dos usos, que não são disposições supletivas nem disposições aplicáveis em caso de acordo entre as partes no contrato (Acórdão de 3 de outubro de 2019, Dziubak, C‑260/18, EU:C:2019:819, n.os 61 e 62).

36

No caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio interroga o Tribunal de Justiça sobre os poderes que o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 confere ao juiz nacional na hipótese de o contrato não poder subsistir sem as cláusulas abusivas, mas em que o juiz nacional não pode substituí‑las por uma disposição de direito nacional de caráter supletivo.

37

Embora a redação do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 não forneça nenhuma indicação a este respeito, deve sublinhar‑se que a finalidade da Diretiva 93/13 é conceder um elevado nível de proteção aos consumidores. Em particular, o legislador da União indicou expressamente, no artigo 7.o da Diretiva 93/13, lido à luz do vigésimo quarto considerando desta, que as autoridades, designadamente judiciárias, devem dispor dos meios adequados e eficazes para pôr termo à aplicação das cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores.

38

Nesta perspetiva, conforme resulta da jurisprudência referida nos n.os 31 a 34 do presente acórdão, as consequências a retirar da declaração do caráter abusivo de uma cláusula contida num contrato celebrado entre um profissional e um consumidor devem permitir a realização de dois objetivos. Por um lado, o juiz deve velar para que possa ser restabelecida a igualdade entre as partes no contrato que a aplicação de uma cláusula abusiva em relação ao consumidor tenha posto em perigo. Por outro lado, há que garantir que o profissional seja dissuadido de inserir tais cláusulas nos contratos que propõe aos consumidores.

39

Ora, a Diretiva 93/13 não visa preconizar soluções uniformes no que respeita às consequências a retirar da declaração do caráter abusivo de uma cláusula contratual. Assim, na medida em que, em aplicação do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13, as cláusulas abusivas não podem vincular os consumidores, esses objetivos puderam ser realizados, consoante o caso e o quadro jurídico nacional, pela simples não aplicação, em relação ao consumidor, da cláusula abusiva em causa ou, quando o contrato não tenha podido subsistir sem essa cláusula, pela substituição desta por disposições de direito nacional de caráter supletivo.

40

Estas consequências da declaração do caráter abusivo de uma cláusula contratual não têm, no entanto, caráter exaustivo.

41

Assim, quando o juiz nacional considera que o contrato de mútuo em causa não pode, em conformidade com o direito dos contratos, subsistir juridicamente após a supressão das cláusulas abusivas em causa e quando não existe nenhuma disposição de direito nacional de caráter supletivo ou uma disposição aplicável em caso de acordo das partes no contrato suscetível de se substituir às referidas cláusulas, há que considerar que, na medida em que o consumidor não exprimiu o seu desejo de manter as cláusulas abusivas e em que a anulação do contrato exporia esse consumidor a consequências particularmente prejudiciais, o nível elevado de proteção do consumidor, que deve ser assegurado em conformidade com a Diretiva 93/13, exige que, para restaurar o equilíbrio real entre os direitos e as obrigações recíprocas das partes contratantes, o juiz nacional adote, tendo em conta a globalidade do seu direito interno, todas as medidas necessárias para proteger o consumidor das consequências particularmente prejudiciais que a anulação do contrato de mútuo em causa poderia provocar, nomeadamente devido à exigibilidade imediata do crédito do profissional relativamente a este.

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A este respeito, há que precisar que, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, nada obsta, nomeadamente, a que o juiz nacional convide as partes a negociar com vista a fixar as modalidades de cálculo da taxa de juro, desde que determine o enquadramento dessas negociações e que estas visem estabelecer entre os direitos e as obrigações das partes contratantes um equilíbrio real que tenha nomeadamente em conta o objetivo da proteção do consumidor subjacente à Diretiva 93/13.

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Com efeito, como o Tribunal de Justiça já recordou, esse juiz é obrigado a aplicar, na medida do possível, o seu direito interno de forma que sejam retiradas todas as consequências que, segundo o direito nacional, decorrem da declaração do caráter abusivo dessa cláusula a fim de atingir o resultado fixado pelo artigo 6.o, n.o 1, desta diretiva, a saber, que o consumidor não esteja vinculado por uma cláusula abusiva (v., neste sentido, Acórdão de 30 de maio de 2013, Jőrös, C‑397/11, EU:C:2013:340, n.os 52 e 53). O mesmo acontece quando se trata de determinar, na sequência da declaração do caráter abusivo de uma cláusula, as consequências que se devem retirar dessa declaração para assegurar, em conformidade com a finalidade desta diretiva, um elevado nível de proteção do consumidor.

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Todavia, importa precisar que os poderes do juiz não podem estender‑se além do estritamente necessário para restabelecer o equilíbrio contratual entre as partes no contrato e, assim, proteger o consumidor das consequências particularmente prejudiciais que a anulação do contrato de mútuo em causa poderia provocar. Com efeito, se fosse permitido ao juiz alterar ou moderar livremente o conteúdo das cláusulas abusivas, esse poder seria suscetível de comprometer a realização de todos os objetivos referidos no n.o 38 do presente acórdão.

45

Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder às questões submetidas que o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 deve ser interpretado no sentido de que, na sequência da declaração do caráter abusivo das cláusulas que definem o mecanismo de fixação da taxa de juro variável num contrato de mútuo como o que está em causa no processo principal e quando esse contrato não possa subsistir após a supressão das cláusulas abusivas em causa, a anulação do referido contrato tivesse consequências particularmente prejudiciais para o consumidor e não exista nenhuma disposição de direito nacional de caráter supletivo, o juiz nacional deve adotar, tendo em conta a globalidade do seu direito interno, todas as medidas necessárias para proteger o consumidor das consequências particularmente prejudiciais que a anulação do referido contrato poderia provocar. Em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, nada obsta, nomeadamente, a que o juiz nacional convide as partes a negociar com vista a fixar as modalidades de cálculo da taxa de juro, desde que determine o enquadramento dessas negociações e que estas visem estabelecer entre os direitos e as obrigações das partes contratantes um equilíbrio real que tenha nomeadamente em conta o objetivo de proteção do consumidor subjacente à Diretiva 93/13.

Quanto às despesas

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Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

 

O artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, deve ser interpretado no sentido de que, na sequência da declaração do caráter abusivo das cláusulas que definem o mecanismo de fixação da taxa de juro variável num contrato de mútuo como o que está em causa no processo principal e quando esse contrato não possa subsistir após a supressão das cláusulas abusivas em causa, a anulação do referido contrato tivesse consequências particularmente prejudiciais para o consumidor e não exista nenhuma disposição de direito nacional de caráter supletivo, o juiz nacional deve adotar, tendo em conta a globalidade do seu direito interno, todas as medidas necessárias para proteger o consumidor das consequências particularmente prejudiciais que a anulação do referido contrato poderia provocar. Em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, nada obsta, nomeadamente, a que o juiz nacional convide as partes a negociar com vista a fixar as modalidades de cálculo da taxa de juro, desde que determine o enquadramento dessas negociações e que estas visem estabelecer entre os direitos e as obrigações das partes contratantes um equilíbrio real que tenha nomeadamente em conta o objetivo de proteção do consumidor subjacente à Diretiva 93/13.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: romeno.