ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

3 de fevereiro de 2021 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Contratos públicos — Procedimento de adjudicação de contratos públicos — Diretiva 2014/24/UE — Artigo 2.o, n.o 1, ponto 4 — Entidade adjudicante — Organismos de direito público — Conceito — Federação desportiva nacional — Satisfação de necessidades de interesse geral — Controlo da gestão da federação por um organismo de direito público»

Nos processos apensos C‑155/19 e C‑156/19,

que têm por objeto dois pedidos de decisão prejudicial apresentados nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Itália), por Decisões de 17 de janeiro de 2019, que deram entrada no Tribunal de Justiça em 22 de fevereiro de 2019, nos processos

Federazione Italiana Giuoco Calcio (FIGC),

Consorzio Ge.Se.Av. S. c. arl

contra

De Vellis Servizi Globali Srl,

sendo intervenientes:

Consorzio Ge.Se.Av. S. c. arl,

Comitato Olimpico Nazionale Italiano (CONI),

Federazione Italiana Giuoco Calcio (FIGC),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: M. Vilaras, presidente de secção, N. Piçarra, D. Šváby (relator), S. Rodin e K. Jürimäe, juízes,

advogado‑geral: M. Campos Sánchez‑Bordona,

secretário: R. Schiano, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 1 de julho de 2020,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Federazione Italiana Giuoco Calcio (FIGC), por L. Medugno e L. Mazzarelli, avvocati,

em representação do Consorzio Ge.Se.Av. S. c. arl, por V. Di Martino, avvocato,

em representação da De Vellis Servizi Globali Srl, por D. Lipani, A. Catricalà, F. Sbrana e S. Grillo, avvocati,

em representação do Comitato Olimpico Nazionale Italiano (CONI), por S. Fidanzia e A. Gigliola, avvocati,

em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por D. Del Gaizo, avvocato dello Stato,

em representação da Comissão Europeia, por G. Gattinara, P. Ondrůšek e L. Haasbeek, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 1 de outubro de 2020,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 2.o, n.o 1, ponto 4, alíneas a) e c), da Diretiva 2014/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos públicos e que revoga a Diretiva 2004/18/CE (JO 2014, L 94, p. 65).

2

Estes pedidos foram apresentados no âmbito de dois litígios que opõem a Federazione Italiana Giuoco Calcio (Federação Italiana de Futebol, a seguir «FIGC») e o Consorzio Ge.Se.Av. S. c. arl (a seguir «Consorzio») à De Vellis Servizi Globali Srl a propósito da adjudicação de um contrato ao Consorzio.

Quadro jurídico

Direito da União

3

O artigo 2.o, n.o 1, ponto 4, da Diretiva 2014/24 dispõe:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

4.

“Organismos de direito público”, os organismos que apresentem todas as seguintes características:

a)

Foram criados para o fim específico de satisfazer necessidades de interesse geral, sem caráter industrial ou comercial;

b)

Têm personalidade jurídica; e

c)

São maioritariamente financiados pelo Estado, por autoridades regionais ou locais ou por outros organismos de direito público, ou a sua gestão está sujeita a controlo por parte dessas autoridades ou desses organismos, ou mais de metade dos membros nos seus órgãos de administração, direção ou fiscalização são designados pelo Estado, pelas autoridades regionais ou locais ou por outros organismos de direito público».

Direito italiano

Código dos Contratos Públicos

4

O artigo 3.o, n.o 1, alínea d), do decreto legislativo n. 50 — Codice dei contratti pubblici (Decreto Legislativo n.o 50, que aprova o Código dos Contratos Públicos), de 18 de abril de 2016 (suplemento ordinário da GURI n.o 91, de 19 de abril de 2016, a seguir «Código dos Contratos Públicos»), dispõe:

«Na aceção do presente código, entende‑se por:

[…]

d)

“organismos de direito público”, os organismos que, mesmo que revistam a forma jurídica de sociedade, cuja lista não taxativa consta do anexo IV:

1)

Tenham sido criados para o fim específico de satisfazer necessidades de interesse geral, sem caráter industrial ou comercial;

2)

Tenham personalidade jurídica; e

e

3)

Cuja atividade seja maioritariamente financiada pelo Estado, pelas autarquias locais ou regionais ou por outros organismos de direito público; ou cuja gestão esteja sujeita a controlo por parte destes últimos; ou em cujos órgãos de administração, direção ou fiscalização mais de metade dos membros sejam designados pelo Estado, pelas autarquias locais ou regionais ou por outros organismos de direito público.»

Decreto‑Lei n.o 220

5

O artigo 1.o do decreto‑legge n. 220 — Disposizioni urgenti in materia di giustizia sportiva (Decreto‑Lei n.o 220, que aprova Disposições Urgentes relativas à Justiça Desportiva), de 19 de agosto de 2003 (GURI n.o 192, de 20 de agosto de 2003), convertido em lei, após alterações, pelo artigo 1.o da legge n. 208 (Lei n.o 208), de 17 de outubro de 2003 (GURI n.o 243, de 18 de outubro de 2003), dispõe:

«1.   A República reconhece e favorece a autonomia do ordenamento desportivo nacional, como articulação do ordenamento desportivo internacional sob a jurisdição do Comité Olímpico Internacional.

2.   As relações entre o ordenamento desportivo e o ordenamento jurídico da República regem‑se com base no princípio da autonomia, exceto no que respeita aos casos de situações jurídicas subjetivas conexas com o ordenamento desportivo que sejam pertinentes para o ordenamento jurídico da República.»

Decreto Legislativo n.o 242

6

O artigo 1.o do decreto legislativo n. 242 — Riordino del Comitato olimpico nazionale italiano‑CONI, a norma dell’articolo 11 della legge 15 marzo 1997, n.o 59 (Decreto Legislativo n.o 242 relativo à reorganização do Comité Olímpico Nacional Italiano‑CONI, em conformidade com o artigo 11.o da Lei n.o 59 de 15 de março de 1997), de 23 de julho de 1999 (GURI n.o 176, de 29 de julho de 1999), na sua versão aplicável aos litígios nos processos principais (a seguir «Decreto Legislativo n.o 242»), tem a seguinte redação:

«1.   O [Comitato Olimpico Nazionale Italiano (Comité Olímpico Nacional Italiano), a seguir “CONI”] tem personalidade jurídica de direito público, com sede em Roma e está sujeito à supervisão do Ministero per i Beni e le Attività Culturali (ministro do Património e das Atividades Culturais, Itália).»

7

O artigo 2.o, n.o 1, do referido decreto legislativo enuncia:

«O CONI […] respeita os princípios do direito desportivo internacional, na linha das decisões e orientações emanadas do Comité Olímpico Internacional, a seguir designado por “COI”. Está encarregado da organização e do reforço do desporto nacional, e, em especial, da preparação dos atletas e da prestação dos meios adequados aos Jogos Olímpicos e a todas as outras manifestações desportivas nacionais ou internacionais. Ocupa‑se, igualmente, no âmbito do sistema desportivo […], da adoção de medidas destinadas a prevenir e a eliminar a utilização de substâncias que alterem o rendimento físico natural dos atletas nas atividades desportivas, bem como da promoção da difusão máxima da prática desportiva […] dentro dos limites do decreto del Presidente della Repubblica n. 616 (Decreto do Presidente da República n.o 616), de 24 de julho de 1977. […]»

8

O artigo 4.o, n.os 1 e 2, do mesmo decreto legislativo dispõe:

«1.   O Conselho Nacional é composto:

a)

pelo presidente do CONI, que o preside;

b)

pelos presidentes das federações desportivas nacionais;

c)

pelos membros italianos do COI;

d)

pelos atletas e técnicos do domínio desportivo que representam as federações desportivas nacionais e as federações desportivas associadas, desde que nunca tenham sido objeto de suspensão da atividade desportiva que sancione o recurso a substâncias que alteram os resultados físicos naturais durante as atividades desportivas;

[…]

2.   Os representantes das federações [desportivas nacionais], definidos no âmbito dos desportos olímpicos, devem representar a maioria dos eleitores no Conselho Nacional do CONI.»

9

O artigo 5.o do Decreto Legislativo n.o 242 prevê:

«1.   Em conformidade com as decisões e orientações do COI, o Conselho Nacional atua a favor da difusão do espírito olímpico e regulamenta e coordena a atividade desportiva nacional, harmonizando, nesta perspetiva, as ações empreendidas pelas federações desportivas nacionais e pelas federações desportivas associadas.

[…]

2.   O Conselho Nacional tem por missão:

a)

adotar o estatuto e outros atos normativos da sua competência, bem como as orientações relativas à interpretação e à aplicação das normas em vigor;

b)

definir os princípios fundamentais que devem ser respeitados pelos estatutos das federações desportivas nacionais, das federações desportivas associadas, das entidades de promoção do desporto e das associações e sociedades desportivas, com vista ao seu reconhecimento para fins desportivos;

c)

tomar decisões para reconhecer, para fins desportivos, as federações desportivas nacionais, as sociedades e associações desportivas, as entidades de promoção do desporto, os organismos de beneficência e outras federações desportivas associadas ao CONI e às federações, em conformidade com as exigências do Estatuto […];

[…]

e)

fixar critérios e condições reguladores do exercício dos controlos das federações desportivas nacionais, das federações desportivas associadas e das entidades de promoção desportiva reconhecidas;

[…]

e‑ter)

adotar, sob a proposta da Comissão Nacional, as decisões de colocar sob tutela as federações desportivas nacionais ou as federações desportivas associadas, em caso de irregularidades graves na gestão ou de graves violações do direito desportivo pelos órgãos dirigentes, ou em caso de verificação de impossibilidade de funcionamento destes últimos, ou quando não estejam garantidos o regular arranque e funcionamento das competições desportivas nacionais;

[…]»

10

Nos termos do artigo 6.o, n.o 1, desse decreto legislativo:

«A Comissão Nacional é composta:

a)

pelo presidente do CONI, que o preside;

b)

pelos membros italianos do COI;

c)

por dez representantes das federações desportivas nacionais e das federações desportivas associadas;

[…]»

11

O artigo 7.o do referido decreto legislativo tem a seguinte redação:

«1.   A Comissão Nacional exerce as funções de Direção‑Geral da Atividade Administrativa e de Gestão do CONI, definindo os seus objetivos e programas e verificando a conformidade dos resultados com as orientações dadas.

2.   A Comissão Nacional desempenha as seguintes funções:

[…]

e)

exerce, com base nos critérios e modalidades estabelecidos nos termos do artigo 5.o, n.o 2, alínea e), o poder de controlo sobre as federações desportivas nacionais, as federações desportivas associadas e as entidades reconhecidas de promoção desportiva no que respeita à organização regular das competições, à preparação olímpica, à atividade desportiva de alta competição e à utilização das ajudas financeiras referidas na alínea d) do presente número;

f)

propõe ao Conselho Nacional a colocação sob tutela das federações desportivas nacionais ou das federações desportivas associadas em caso de irregularidades graves detetadas na gestão ou de graves violações do direito desportivo pelos órgãos de direção ou em caso de impossibilidade de funcionamento verificada destes últimos ou no caso de as exigências regulamentares não serem respeitadas para garantir a abertura e o desenvolvimento em boas condições das competições desportivas nacionais;

[…]»

12

O artigo 15.o, n.os 1 a 6, do mesmo decreto legislativo dispõe:

«1.   As federações desportivas nacionais e as federações desportivas associadas exercem a sua atividade desportiva em conformidade com as decisões e orientações do COI, das federações internacionais e do CONI, tendo também em conta o caráter público de determinadas categorias de atividades referidas nos estatutos do CONI. Nessas participam sociedades e associações desportivas e, apenas nos casos previstos nos estatutos das federações desportivas nacionais e das federações desportivas associadas relativamente a esta atividade particular, também associados individuais.

2.   As federações desportivas nacionais e as federações desportivas associadas têm a natureza de associação dotada de personalidade jurídica de direito privado. Não têm fins lucrativos e estão sujeitas, na falta de disposições expressas no presente decreto, às disposições do Código Civil e às disposições adotadas para a sua aplicação.

3.   Os balanços das federações desportivas nacionais e das federações desportivas associadas são aprovados anualmente pelo órgão de administração federal e estão sujeitos à aprovação pela Comissão Nacional do CONI. No caso de parecer negativo pelos auditores da federação ou da federação associada ou no caso de falta de aprovação pela Comissão Nacional do CONI, a assembleia das sociedades e associações deve ser convocada para decidir sobre a aprovação do balanço.

4.   A assembleia que elege os órgãos de direção procede à aprovação dos programas orçamentais de orientação do órgão de administração, que estão sujeitos ao controlo pela assembleia no final de cada período de quatro anos e do mandato para os quais foram aprovados.

5.   As federações desportivas nacionais e as federações desportivas associadas são reconhecidas, para efeitos desportivos, pelo Conselho Nacional.

6.   O reconhecimento da personalidade jurídica coletiva de direito privado às novas federações desportivas nacionais e federações desportivas associadas é feito nos termos do decreto del Presidente della Repubblica n. 361 (Decreto do Presidente da República n.o 361), de 10 de fevereiro de 2000, após reconhecimento prévio, para efeitos desportivos, pelo Conselho Nacional.

[…]»

13

O artigo 16.o, n.o 1, do Decreto Legislativo n.o 242 dispõe:

«As federações desportivas nacionais e as federações desportivas associadas são regidas por disposições estatutárias e regulamentares com base no princípio da democracia interna, no princípio de participação de todos na atividade desportiva em condições de igualdade e nos termos do direito desportivo nacional e internacional.»

Estatutos do CONI

14

O artigo 1.o dos estatutos do CONI prevê:

«1.   O [CONI] é a confederação das federações desportivas nacionais […] e das federações desportivas associadas […]

2.   O CONI […] é a autoridade de disciplina, de regulação e de gestão das atividades desportivas, consideradas um elemento essencial da formação física e moral do indivíduo e parte integrante da educação e da cultura nacional. […]»

15

O artigo 6.o dos estatutos da CONI dispõe:

«1.   O Conselho Nacional, que é o órgão supremo de representação do desporto italiano, zela pela difusão da ideia olímpica, assegura a atividade necessária para a preparação olímpica, regulamenta e coordena a atividade desportiva nacional e harmoniza a ação das federações desportivas nacionais e das federações desportivas associadas.

[…]

4.   O Conselho Nacional:

[…]

b)

fixa os princípios fundamentais que devem respeitar para obter o reconhecimento para efeitos desportivos, os estatutos das federações desportivas nacionais, das federações desportivas associadas, das entidades de promoção do desporto, das associações reconhecidas de utilidade pública, das associações e sociedades desportivas, e aprova o código de justiça desportiva que deve ser respeitado por todas as federações desportivas nacionais;

c)

pronuncia‑se sobre as decisões de reconhecimento, para efeitos desportivos, das federações desportivas nacionais, das federações desportivas associadas, das entidades de promoção do desporto, das associações reconhecidas de utilidade pública, com base nos critérios fixados nos estatutos, tendo também em conta, para este fim, a representação e o caráter olímpico do desporto, o eventual reconhecimento pelo COI e a tradição desportiva da modalidade;

[…]

e)

define os critérios e as modalidades de exercício dos controlos do CONI sobre as federações desportivas nacionais, as federações desportivas associadas e, relativamente aos domínios desportivos, sobre as entidades reconhecidas de promoção desportiva;

e1)

fixa, para garantir a organização regular dos campeonatos desportivos, os critérios e as modalidades dos controlos pelas federações sobre as sociedades desportivas [associadas] e do controlo de substituição do CONI no caso de se verificar uma falha dos controlos pelas federações desportivas nacionais;

[…]

f1)

decide, mediante proposta da Comissão Nacional, da colocação sob tutela das federações desportivas nacionais e das federações desportivas associadas em caso de graves irregularidades na gestão ou de graves violações do direito desportivo pelos órgãos dirigentes, ou em caso de verificação de impossibilidade de funcionamento destes últimos, ou quando não estejam garantidos a criação e o desenvolvimento de competições desportivas nacionais em boas condições;

[…]»

16

O artigo 7.o, n.o 5, dos estatutos do CONI prevê:

«A Comissão Nacional:

[…]

e)

com base nos critérios e modalidades fixados pelo Conselho Nacional, controla as federações desportivas nacionais relativamente aos aspetos públicos, nomeadamente no respeitante à organização regular de competições, à preparação olímpica, à atividade desportiva de alta competição e à utilização das ajudas financeiras concedidas e fixa os critérios de atribuição das ajudas financeiras às federações;

[…]

f)

propõe ao Conselho Nacional a colocação sob tutela das federações desportivas nacionais e das federações desportivas associadas em caso de graves irregularidades na gestão ou de graves violações do direito desportivo pelos órgãos dirigentes, ou em caso de verificação de impossibilidade de funcionamento destes últimos, ou quando as federações desportivas nacionais não tenham adotado os procedimentos regulamentares ou a colocação sob tutela dos órgãos internos competentes para garantir a criação e o desenvolvimento de competições desportivas nacionais em boas condições;

[…]

g2)

aprova o orçamento e os programas de atividade associados, bem como o balanço anual das federações desportivas nacionais e das federações desportivas associadas;

[…]

h1)

nomeia os auditores que representam o CONI nas federações desportivas nacionais e nas federações desportivas associadas e nos comités regionais do CONI;

[…]

l)

aprova, para efeitos desportivos, os estatutos, os regulamentos de execução dos estatutos, os regulamentos de justiça desportiva e os regulamentos de antidopagem das federações desportivas nacionais e das federações desportivas associadas, apreciando a sua conformidade com a lei, com os estatutos do CONI, com os princípios fundamentais, com as orientações e critérios fixados pelo Conselho Nacional, remetendo‑os eventualmente, num prazo de 90 dias, às federações desportivas nacionais e às federações desportivas associadas para que sejam efetuadas as alterações necessárias;

[…]»

17

O artigo 20.o, n.o 4, dos estatutos do CONI tem a seguinte redação:

«As federações desportivas nacionais exercem a atividade desportiva e as atividades correspondentes de promoção em conformidade com as decisões e orientações do COI e do CONI, tendo em conta também a dimensão pública de certos aspetos desta atividade. No âmbito do direito desportivo, é reconhecida autonomia técnica, organizativa e de gestão às federações desportivas nacionais sob controlo do CONI.»

18

Nos termos do artigo 21.o dos estatutos do CONI:

«1.   O CONI reconhece as federações desportivas nacionais que preencham os requisitos de:

a)

realização de uma atividade desportiva, no território nacional e internacional, incluindo a participação em competições e a execução de programas de formação para os atletas e os técnicos;

b)

filiação numa federação internacional reconhecida pelo COI, quando esta exista, e de gestão da atividade em conformidade com a Carta Olímpica e com as regras da Federação Internacional a que pertencem;

c)

um regime estatutário e regulamentar inspirado no princípio da democracia interna e na participação das mulheres e dos homens na atividade desportiva em condições de igualdade e de igualdade de oportunidades, bem como no respeito das resoluções e orientações do COI e do CONI;

d)

processos eleitorais e composição dos órgãos de direção, em conformidade com o disposto no artigo 16.o, n.o 2, do [Decreto Legislativo n.o 242].

[…]

3.   Em caso de incumprimento por uma federação desportiva nacional reconhecida das condições referidas no n.o 1, supra, o Conselho Nacional do CONI deliberará sobre a revogação do reconhecimento concedido.»

19

O artigo 22.o dos estatutos do CONI dispõe:

«1.   Os estatutos das federações desportivas nacionais devem respeitar os princípios fundamentais estabelecidos pelo Conselho Nacional e visar, especialmente, obter um equilíbrio constante entre os direitos e deveres dos setores profissionais e amadores, incluindo entre as diversas categorias de um mesmo domínio desportivo.

2.   Os estatutos das federações desportivas nacionais definem as modalidades que regem o exercício da eleição ativa e passiva dos atletas e dos técnicos desportivos, em conformidade com as recomendações do COI e com os princípios fundamentais que emanam do Conselho Nacional do CONI.

[…]

4.   A assembleia de segundo nível, formada por representantes eleitos ao nível territorial, é autorizada nas federações desportivas nacionais com mais de 2000 associações e sociedades filiadas habilitadas a votar.

5.   A comissão nacional dispõe de 90 dias para aprovar, com fins desportivos, os estatutos das federações desportivas nacionais. Para o efeito, deve avaliar a sua conformidade com a lei, os estatutos do CONI e os princípios fundamentais estabelecidos pelo seu Conselho Nacional. Em caso de incumprimento e no prazo de 90 dias após a apresentação do estatuto ao Secretariado‑Geral, a Comissão Nacional remete esse documento para as federações em causa, indicando‑lhes os critérios a cumprir, para que as alterações que se impõem sejam efetuadas. Se esse prazo de 90 dias decorrer sem que tal devolução tenha sido efetuada, considera‑se que o estatuto federal foi aprovado. Se as federações desportivas nacionais não alterarem o seu estatuto no sentido indicado, a Comissão Nacional pode designar um comissário ad hoc e, nos casos mais graves, após advertência, revogar o reconhecimento.

5‑bis.   Os estatutos definem os poderes de supervisão e de controlo que podem ser exercidos pelas federações tendo em conta as articulações associativas da sua estrutura.

[…]»

20

O artigo 23.o dos estatutos do CONI prevê:

«1.   Em conformidade com o Decreto Legislativo n.o 242 com as alterações e adendas posteriores, além daquelas cujo caráter público esteja previsto de modo expresso pela lei, só têm caráter público as atividades das federações desportivas nacionais relativas à admissão e à inscrição de sociedades, associações desportivas e atletas federados, à revogação a qualquer título e à modificação das decisões de admissão ou de inscrição, ao controlo com vista ao regular desenrolar das competições e dos campeonatos desportivos profissionais, à utilização de contributos públicos e à prevenção e repressão do doping, bem como às atividades relativas à preparação olímpica e de alta competição, à formação dos técnicos e à utilização e à gestão das instalações desportivas públicas.

1‑bis.   No exercício das atividades de dimensão pública, a que se refere o primeiro parágrafo, as federações desportivas nacionais devem respeitar as orientações e os controlos efetuados pelo CONI e atuar de acordo com os princípios da imparcialidade e da transparência. A dimensão pública da atividade não altera o regime comum de direito privado dos atos particulares e das situações jurídicas subjetivas conexas.

1‑ter.   A Comissão Nacional define os critérios e os procedimentos que permitem assegurar que as decisões federativas respeitem os programas do CONI no que se refere à competitividade das seleções nacionais, à salvaguarda do património desportivo nacional e à sua identidade específica, e à necessidade de assegurar uma gestão interna eficaz.

2.   Baseando‑se nos critérios e nas modalidades estabelecidos pelo Conselho Nacional, a Comissão Nacional aprova os orçamentos das federações desportivas nacionais e determina as contribuições financeiras que lhes são atribuídas. A este respeito, pode definir setores particulares de atribuição, dando especial atenção à promoção do desporto nos jovens, à preparação para os Jogos Olímpicos e à atividade desportiva de alta competição.

3.   A Comissão Nacional supervisiona o correto funcionamento das federações desportivas nacionais. Em caso de irregularidades graves e comprovadas na gestão ou de violações graves do direito desportivo cometidas pelos órgãos dirigentes, de não ser assegurado o regular arranque e funcionamento das competições desportivas ou de se verificar a impossibilidade do seu funcionamento, propõe ao Conselho Nacional a nomeação de um comissário.»

Litígios no processo principal e questões prejudiciais

21

A De Vellis Servizi Globali foi convidada a participar num procedimento por negociação lançado pela FIGC para efeitos de adjudicação dos serviços de transporte do material necessário para o acompanhamento das equipas de futebol nacional e para o armazém da FIGC em Roma (Itália) por um período de três anos. Tendo o contrato sido adjudicado ao Consorzio no final desse procedimento, a De Vellis Servizi Globali impugnou no Tribunale amministrativo regionale per il Lazio (Tribunal Administrativo Regional do Lácio, Itália) a forma como decorreu esse procedimento, argumentando que a FIGC devia ser considerada um organismo de direito público na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea d), do Código dos Contratos Públicos e deveria, portanto, ter respeitado as regras de publicidade estabelecidas nesse código.

22

O Tribunale amministrativo regionale per il Lazio (Tribunal Administrativo Regional do Lácio) deu provimento ao recurso da De Vellis Servizi Globali e anulou a adjudicação do referido contrato ao Consorzio.

23

A FIGC e o Consorzio interpuseram recurso da sentença proferida por esse órgão jurisdicional para o Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Itália). Ambos contestam a premissa de que a FIGC deve ser classificada de «organismo de direito público» e, consequentemente, a competência do Tribunal Administrativo e o provimento dado ao recurso pelo Tribunale amministrativo regionale per il Lazio (Tribunal Administrativo Regional do Lácio).

24

O órgão jurisdicional de reenvio expõe que, para determinar se os tribunais administrativos italianos são competentes para julgar esse litígio e se a FIGC era obrigada a aplicar as normas relativas à adjudicação dos contratos públicos, é necessário determinar previamente se esta última pode ser qualificada de «organismo de direito público», na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea d), do Código dos Contratos Públicos, que transpõe o artigo 2.o, n.o 1, ponto 4, da Diretiva 2014/24.

25

Em especial, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, em primeiro lugar, sobre a questão de saber se a FIGC preenche a condição, enunciada no artigo 2.o, n.o 1, ponto 4, alínea a), da Diretiva 2014/24, segundo a qual se entende por «organismo de direito público» os organismos que foram criados para o fim específico de satisfazer necessidades de interesse geral, sem caráter industrial ou comercial.

26

A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio salienta, por um lado, que, enquanto federação desportiva nacional, a FIGC é uma entidade de direito privado com personalidade jurídica, que o Estado se limita a reconhecer segundo os esquemas processuais de reconhecimento das pessoas coletivas de direito privado e que o caráter público de algumas das suas atividades não altera o regime comum de direito privado a que está sujeita. Além disso, tendo em conta a sua capacidade de autofinanciamento e à luz do Acórdão de 15 de janeiro de 1998, Mannesmann Anlagenbau Áustria e o. (C‑44/96, EU:C:1998:4), as atividades diferentes das missões de caráter público que lhe são confiadas com base numa lista taxativa podem ser consideradas abrangidas pela sua capacidade geral ao abrigo do direito privado, independentemente da sua obrigação de prosseguir essas competências.

27

Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio explica que é igualmente possível considerar que essa qualificação formal ex lege não é determinante, visto que as federações desportivas nacionais submetidas aos poderes de supervisão do CONI estão obrigadas por lei a prosseguir as finalidades de interesse público que resultam exaustivamente do artigo 23.o dos estatutos do CONI, a respeitar as orientações e os controlos do CONI, a serem reconhecidos para fins desportivos por parte deste último e a respeitar os princípios da imparcialidade e da transparência. Nestas condições, pode‑se considerar que qualquer atividade acessória, como os serviços de transporte, reveste caráter funcional relativamente às competências de dimensão pública a ponto de fazer parte integrante dos mesmos.

28

Em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio, embora saliente que a FIGC não está abrangida pela primeira nem pela terceira partes da alternativa previstas no artigo 2.o, n.o 1, ponto 4, alínea c), da Diretiva 2014/24, interroga‑se sobre a questão de saber se essa federação preenche o requisito previsto na segunda parte desta alternativa, segundo o qual, para que uma entidade possa ser qualificada de organismo de direito público, a sua gestão deve estar sujeita ao controlo de uma autoridade pública como o CONI.

29

A esse respeito, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que o CONI, ele próprio sujeito à tutela do Ministro per i beni e le attività culturali (ministro do Património e das Atividades Culturais), dispõe, relativamente a federações desportivas nacionais como a FIGC, de diferentes poderes, como os poderes de reconhecimento para fins desportivos, de controlo e de direção das atividades de caráter público, bem como de aprovação dos balanços anuais e de colocação sob tutela.

30

No entanto, sublinha também que se pode considerar que a FIGC não está sob a influência dominante do CONI pelo facto de as federações desportivas nacionais participarem nos órgãos supremos do CONI e de os poderes do CONI a seu respeito não serem constitutivos da supervisão exercida habitualmente sobre os organismos de direito público, limitando‑se a aprovação dos balanços anuais nomeadamente à verificação da utilização das contribuições públicas.

31

Nestas condições, o Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais, redigidas em termos idênticos nos processos C‑155/19 e C‑156/19:

«1)

a)

Pode a [FIGC] ser qualificada de organismo de direito público, com base nas características da regulamentação interna relativa ao ordenamento desportivo, dado ter sido criada para satisfazer fins de interesse geral, sem caráter industrial ou comercial?

b)

Em especial, a [FIGC] cumpre o requisito teleológico de ser um organismo, embora não tenha sido formalmente constituída como Administração Pública e apesar da sua natureza associativa, devido à sua inserção num ordenamento de setor (desportivo) organizado segundo modelos de caráter público e de estar obrigada ao respeito dos princípios e regras definidos pelo [CONI] e pelos organismos desportivos internacionais, devido ao reconhecimento para fins desportivos da entidade pública nacional?

c)

Deste modo, cumpre esse requisito a Federação Desportiva como a [FIGC], dotada de capacidade de autofinanciamento, no que respeita a uma atividade que não tem relevância pública, como a que é objeto do processo principal, ou se, pelo contrário, deve sempre prevalecer a exigência de garantir a aplicação das normas em matéria de concursos públicos relativamente à adjudicação a terceiros, por esta entidade, de qualquer tipo de contrato?

2)

a)

Com base nas relações jurídicas entre o [CONI] e a [FIGC] […], o primeiro dispõe, em relação à segunda, de uma influência dominante à luz dos poderes legais de reconhecimento para fins desportivos da sociedade, de aprovação dos orçamentos anuais e de supervisão da gestão e o correto funcionamento dos órgãos, e de intervenção em tal entidade?

b)

Pelo contrário, não são suficientes estes poderes para que fique preenchido o requisito da influência pública dominante própria do organismo de direito público, devido à participação qualificada dos presidentes e dos representantes das Federações Desportivas nos organismos fundamentais do [CONI]?»

32

Por Decisão do Presidente do Tribunal de Justiça de 2 de abril de 2019, os processos C‑155/19 e C‑156/19 foram apensados para efeitos das fases escrita e oral e do acórdão.

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão prejudicial

33

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional nacional pretende saber, em substância, se o artigo 2.o, n.o 1, ponto 4, alínea a), da Diretiva 2014/24 deve ser interpretado no sentido de que se pode considerar que uma entidade com competências de caráter público taxativamente definidas pelo direito nacional foi criada para o fim específico de satisfazer necessidades de interesse geral que não sejam de natureza industrial ou comercial na aceção dessa disposição, apesar de não ter sido criada sob a forma de uma Administração Pública, mas como uma associação regulada pelo direito privado, e de algumas das suas atividades, para as quais goza de capacidade de autofinanciamento, não terem caráter público.

34

A este respeito, deve recordar‑se que, por força do artigo 2.o, n.o 1, ponto 4, alíneas a) a c), da Diretiva 2014/24, uma entidade deve ser qualificada de «organismo de direito público» quando, em primeiro lugar, tenha sido criada para o fim específico de satisfazer necessidades de interesse geral com caráter não industrial ou comercial, em segundo lugar, tenha personalidade jurídica e, em terceiro lugar, seja financiada maioritariamente pelo Estado, por autoridades regionais ou locais ou por outros organismos de direito público, ou a sua gestão esteja sujeita a controlo por parte dessas autoridades ou desses organismos, ou mais de metade dos membros nos seus órgãos de administração, direção ou fiscalização são designados pelo Estado, pelas autoridades regionais ou locais ou por outros organismos de direito público.

35

O Tribunal de Justiça já declarou que os três requisitos previstos no artigo 2.o, n.o 1, ponto 4, alíneas a) a c), da Diretiva 2014/24 são cumulativos, tendo os três critérios mencionados no terceiro requisito, por seu turno, caráter alternativo (v., neste sentido, Acórdãos de 12 de setembro de 2013, IVD, C‑526/11, EU:C:2013:543, n.o 20, e de 5 de outubro de 2017, LitSpecMet, C‑567/15, EU:C:2017:736, n.o 30 e jurisprudência aí referida).

36

No que diz respeito ao primeiro desses três requisitos, previsto no artigo 2.o, n.o 1, ponto 4, alínea a), da Diretiva 2014/24, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o legislador da União só pretendeu sujeitar às regras vinculativas dos contratos públicos as entidades criadas com o objetivo específico de satisfazer necessidades de interesse geral com caráter não industrial ou comercial e cuja atividade responda a essas necessidades (v., neste sentido, Acórdão de 5 de outubro de 2017, LitSpecMet, C‑567/15, EU:C:2017:736, n.o 35).

37

A este respeito, quer após a sua criação quer posteriormente, a entidade em causa deve assegurar efetivamente a satisfação de necessidades de interesse geral, devendo a tomada a cargo dessas necessidades poder ser verificada objetivamente (v., neste sentido, Acórdão de 12 de dezembro de 2002, Universale‑Bau e o., C‑470/99, EU:C:2002:746, n.o 63).

38

No caso, resulta das explicações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio que, em Itália, a atividade de interesse geral que constitui o desporto é exercida por cada uma das federações desportivas nacionais no âmbito de competências de dimensão pública expressamente atribuídas a essas federações pelo artigo 15.o, n.o 1, do Decreto Legislativo n.o 242 e taxativamente enumeradas no artigo 23.o, n.o 1, dos estatutos do CONI.

39

A este respeito, verifica‑se que várias das missões enumeradas no artigo 23.o, n.o 1, dos estatutos do CONI, como a fiscalização do desenvolvimento regular das competições e dos campeonatos, a prevenção e a sanção da dopagem ou ainda a preparação olímpica e de alta competição, são desprovidas de caráter industrial ou comercial, o que cabe, todavia, ao órgão jurisdicional de reenvio verificar. Nestas condições, uma vez que assegura efetivamente essas competências, uma federação desportiva nacional preenche o requisito previsto no artigo 2.o, n.o 1, ponto 4, alínea a), da Diretiva 2014/24.

40

Esta conclusão não pode ser posta em causa, em primeiro lugar, pelo facto de a FIGC ter a forma jurídica de uma associação de direito privado e de a sua criação não decorrer, por conseguinte, de um ato formal que institua uma Administração Pública.

41

Com efeito, por um lado, a redação do artigo 2.o, n.o 1, ponto 4, da Diretiva 2014/24 não contém nenhuma referência às modalidades de criação nem à forma jurídica da entidade. Por outro lado, importa recordar que o conceito de «organismo de direito público» deve ser objeto de uma interpretação funcional independentemente das modalidades formais da sua aplicação, pelo que esta necessidade se opõe a que seja feita uma distinção segundo a forma e o regime jurídico de que a entidade em causa depende por força do direito nacional ou segundo a forma jurídica das disposições que criam essa entidade (v., neste sentido, Acórdãos de 10 de novembro de 1998, BFI Holding, C‑360/96, EU:C:1998:525, n.o 62; de 15 de maio de 2003, Comissão/Espanha, C‑214/00, EU:C:2003:276, n.os 55 e 56; e de 12 de setembro de 2013, IVD, C‑526/11, EU:C:2013:543, n.o 21 e jurisprudência aí referida).

42

Em segundo lugar, é igualmente destituído de pertinência o facto de a FIGC prosseguir, a par das atividades de interesse geral taxativamente enumeradas no artigo 23.o, n.o 1, dos estatutos do CONI, outras atividades que constituem uma grande parte do conjunto das suas atividades e que são autofinanciadas.

43

Com efeito, o Tribunal de Justiça já declarou que é indiferente que, além dessa missão de satisfazer necessidades de interesse geral, uma entidade exerça outras atividades e que a satisfação das necessidades de interesse geral constituam apenas uma parte relativamente pequena das atividades efetivamente exercidas por essa entidade, uma vez que a referida entidade continua a encarregar‑se das necessidades que é especificamente obrigada a satisfazer (v., neste sentido, Acórdão de 10 de novembro de 1998, BFI Holding, C‑360/96, EU:C:1998:525, n.o 55).

44

Há que precisar que, nestas circunstâncias, o facto de uma federação desportiva nacional gozar de capacidade de autofinanciamento em relação, nomeadamente, às atividades desprovidas de caráter público que exerce não pode ter, como refere o advogado‑geral no n.o 56 das suas conclusões, nenhuma pertinência, uma vez que essa capacidade de autofinanciamento não é, com efeito, relevante para a atribuição de missões de interesse geral.

45

Além disso, o Acórdão de 15 de janeiro de 1998, Mannesmann Anlagenbau Austria e o. (C‑44/96, EU:C:1998:4), também não permite chegar a uma conclusão diferente.

46

Por um lado, as considerações que figuram nos n.os 20 a 35 desse acórdão ilustram precisamente a linha da jurisprudência recordada no n.o 43 do presente acórdão, que implica, em substância, que, para determinar se uma entidade pode ser considerada um organismo de direito público, é indiferente que essa entidade exerça outras atividades além das que visam responder às necessidades de interesse geral, ainda que estas últimas atividades sejam pouco importantes.

47

Por outro lado, as considerações que figuram nos n.os 38 a 41 do Acórdão de 15 de janeiro de 1998, Mannesmann Anlagenbau Austria e o. (C‑44/96, EU:C:1998:4), não são pertinentes para a decisão da causa principal, cujas características são diferentes da situação descrita nesse mesmo acórdão, ou seja, a situação de uma sociedade criada e detida maioritariamente por uma entidade adjudicante com vista a exercer atividades comerciais para as quais beneficia de uma transferência dos recursos financeiros decorrentes das atividades que essa entidade adjudicante exerce com vista a satisfazer necessidades de interesse geral sem caráter industrial ou comercial.

48

Tendo em conta estas considerações, há que responder à primeira questão que o artigo 2.o, n.o 1, ponto 4, alínea a), da Diretiva 2014/24 deve ser interpretado no sentido de que se pode considerar que uma entidade com competências de caráter público taxativamente definidas pelo direito nacional foi criada para o fim específico de satisfazer necessidades de interesse geral que não sejam de natureza industrial ou comercial na aceção dessa disposição, apesar de não ter sido criada sob a forma de uma Administração Pública, mas como uma associação regulada pelo direito privado, e de algumas das suas atividades, para as quais goza de capacidade de autofinanciamento, não terem caráter público.

Quanto à segunda questão

49

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se a segunda parte da alternativa prevista no artigo 2.o, n.o 1, ponto 4, alínea c), da Diretiva 2014/24 deve ser interpretada no sentido de que a gestão de uma federação desportiva nacional deve ser considerada sujeita ao controlo de uma autoridade pública, tendo em conta, por um lado, os poderes conferidos a essa autoridade relativamente a tal federação e, por outro, o facto de os órgãos essenciais dessa autoridade serem compostos maioritariamente por representantes de todas as federações desportivas nacionais.

50

A este respeito, deve recordar‑se que os critérios alternativos que constam do artigo 2.o, n.o 1, ponto 4, alínea c), da Diretiva 2014/24, conforme recordados no n.o 34 do presente acórdão, refletem, cada um, a estreita dependência de um organismo em relação ao Estado, das autoridades regionais ou locais ou de outros organismos de direito público e que, no que respeita, mais precisamente, ao critério relativo ao controlo da gestão, esse controlo assenta na verificação de um controlo ativo na gestão do organismo em causa suscetível de criar uma dependência desse organismo em relação aos poderes públicos, equivalente à que existe quando um dos outros dois critérios alternativos está preenchido, de modo a permitir aos poderes públicos influenciarem as decisões do referido organismo em matéria de contratos públicos (v., neste sentido, Acórdão de 27 de fevereiro de 2003, Adolf Truley, C‑373/00, EU:C:2003:110, n.os 68, 69 e 73 e jurisprudência aí referida).

51

Por conseguinte, em princípio, um controlo a posteriori não cumpre este critério, uma vez que não permite que os poderes públicos influenciem as decisões do organismo em causa nesta matéria (v., neste sentido, Acórdão de 12 de setembro de 2013, IVD, C‑526/11, EU:C:2013:543, n.o 29 e jurisprudência aí referida).

52

No caso, resulta da regulamentação nacional, particularmente das disposições conjugadas do artigo 1.o do Decreto‑Lei n.o 220, do artigo 2.o, n.o 1, e do artigo 5.o, n.o 1, do Decreto Legislativo n.o 242, bem como do artigo 1.o, n.o 2, e do artigo 6.o, n.o 1, dos estatutos do CONI, que este, enquanto autoridade de disciplina, de regulação e de gestão das atividades desportivas, tem principalmente por missão, no âmbito da autonomia do direito desportivo e no respeito dos princípios do direito internacional do desporto, organizar e reforçar o desporto nacional, em especial a preparação dos atletas e a disponibilização de meios adequados à preparação olímpica, a adoção de medidas antidopagem e a promoção da difusão máxima da prática desportiva. Para este efeito, o Conselho Nacional do CONI, enquanto órgão supremo de representação do desporto italiano, zela pela difusão da ideia olímpica, assegura a atividade necessária para a preparação olímpica, regulamenta e coordena a atividade desportiva nacional e harmoniza, entre outros, a ação das federações desportivas nacionais.

53

Parece assim que, ao exercer essencialmente uma função reguladora e coordenadora, o CONI constitui uma organização‑mãe que visa sobretudo dirigir às federações desportivas nacionais regras desportivas, éticas e estruturais comuns, de modo a enquadrar a prática desportiva de maneira harmonizada de acordo com as regras internacionais, especialmente no âmbito das competições e da preparação para os Jogos Olímpicos. A este respeito, deve também notar‑se que, por força do artigo 7.o, n.o 2, alínea e), do Decreto Legislativo n.o 242, o controlo do CONI sobre essas federações parece limitar‑se essencialmente às áreas da organização adequada de competições, à preparação olímpica, à atividade desportiva de alta competição e à utilização das ajudas financeiras, o que cabe ao órgão jurisdicional nacional verificar.

54

Em contrapartida, não resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que o CONI é responsável por regulamentar os detalhes da prática desportiva diária ou por interferir na gestão prática das federações desportivas nacionais e nas relações que estas mantêm, como o advogado‑geral refere em substância no n.o 29 das suas conclusões, com as estruturas básicas constituídas por clubes, associações e outras entidades públicas ou privadas e com qualquer indivíduo que deseje praticar desporto.

55

Esta definição do papel e da missão do CONI parece ser confirmada pelo artigo 20.o, n.o 4, dos estatutos do CONI, por força do qual as federações desportivas nacionais, embora obrigadas a exercer a atividade desportiva e as correspondentes atividades de promoção em conformidade com as decisões e instruções do COI e do CONI, gozam, sob o controlo deste último, de autonomia técnica, organizativa e de gestão no âmbito do direito desportivo. Verifica‑se, assim, que, com exceção dos domínios em que o CONI está habilitado a intervir e a exercer controlo, estas federações gozam de uma ampla autonomia quanto à sua própria gestão e à gestão dos diferentes aspetos da disciplina desportiva de que estão encarregados, limitando‑se a sua relação com o CONI, à primeira vista, a respeitar as orientações e as regras gerais estabelecidas por este último. O artigo 15.o, n.o 4, do Decreto Legislativo n.o 242 precisa, aliás, que é a assembleia da federação desportiva nacional em causa que procede à aprovação e ao controlo dos programas orçamentais de orientação do órgão de administração, o que tende, também aqui, a demonstrar que as referidas federações têm plena autonomia de gestão.

56

Numa tal configuração, que, dada a grande variedade de soluções adotadas nos diferentes Estados‑Membros, é própria do direito desportivo italiano, há que considerar que uma Administração Pública encarregada, no essencial, de aprovar regras em matéria desportiva, de verificar a sua boa aplicação e de intervir unicamente ao nível da organização das competições e da preparação olímpica sem regulamentar a organização e a prática quotidiana das diferentes disciplinas desportivas não pode ser considerada, à primeira vista, um órgão hierárquico capaz de controlar e dirigir a gestão das federações desportivas nacionais, muito menos quando estas federações gozam de autonomia de gestão.

57

A autonomia de gestão conferida às federações desportivas nacionais em Itália parece assim, a priori, militar contra um controlo ativo do CONI a ponto de este estar em condições de influenciar a gestão de uma federação desportiva nacional como a FIGC, nomeadamente em matéria de adjudicação de contratos públicos.

58

Contudo, tal presunção pode ser ilidida se se demonstrar que, de facto, os diferentes poderes de que o CONI está dotado perante a FIGC têm por efeito criar uma dependência desta federação relativamente ao CONI a ponto de este poder influenciar as decisões da referida federação em matéria de contratos públicos. A este respeito, o espírito de competição desportiva cuja organização e gestão concreta fazem parte das federações desportivas nacionais, como foi referido no n.o 55 do presente acórdão, impõe que não se apreenda esses diferentes poderes do CONI numa aceção demasiado técnica, mas que se dê uma interpretação mais material que formal.

59

Cabe, por conseguinte, ao órgão jurisdicional de reenvio examinar se os diferentes poderes de que o CONI está investido em relação à FIGC revelam, no seu todo, a existência de uma dependência associada a essa possibilidade de influência. Embora essa verificação incumba exclusivamente ao órgão jurisdicional de reenvio, o Tribunal de Justiça, decidindo a título prejudicial, pode, eventualmente, prestar esclarecimentos destinados a guiar o órgão jurisdicional nacional na sua decisão (v., neste sentido, Acórdão de 2 de maio de 2019, Fundación Consejo Regulador de la Denominación de Origen Protegida Queso Manchego, C‑614/17, EU:C:2019:344, n.o 37 e jurisprudência aí referida).

60

Em primeiro lugar, quanto ao poder do CONI de reconhecer as federações desportivas nacionais para fins desportivos, tal como resulta do artigo 5.o, n.o 2, alínea c), e do artigo 15.o, n.os 5 e 6, do Decreto Legislativo n.o 242, bem como do artigo 6.o, n.o 4, alíneas b) e c), dos estatutos do CONI, há que salientar, por um lado, que o CONI aplica, neste âmbito, uma regulamentação geral que, segundo as observações escritas do Governo italiano, é comum a qualquer entidade desportiva associativa que deseje obter personalidade jurídica ou que esteja dependente, mesmo em minoria, de contribuições públicas. Por outro lado, resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que o reconhecimento pelo CONI é apenas uma etapa prévia que diz respeito unicamente ao processo de reconhecimento para fins desportivos, sendo todas essas federações reconhecidas uniformemente segundo as modalidades e as condições estabelecidas pela regulamentação italiana em vigor, neste caso, o Decreto do Presidente da República n.o 361, de 10 de fevereiro de 2000.

61

Além disso, resulta das disposições conjugadas do artigo 6.o, n.o 4, alínea c), e do artigo 21.o, n.o 1, dos estatutos do CONI que, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, os critérios com base nos quais o reconhecimento é concedido de modo nenhum se referem a aspetos de gestão da federação em causa, antes dizem respeito às condições gerais que qualquer federação desportiva nacional em matéria de desporto e de organização deve preencher, bem como à observância de regras e princípios de base, como o princípio da democracia interna ou o princípio da igualdade dos sexos e oportunidades. Na mesma ordem de ideias, o reconhecimento de uma federação desportiva nacional só pode ser revogado pelo Conselho Nacional do CONI, por força do artigo 21.o, n.o 3, dos estatutos do CONI, no caso de a federação em causa deixar de preencher as condições previstas no artigo 21.o, n.o 1, desses estatutos.

62

É verdade que, como salientou o advogado‑geral no n.o 71 das suas conclusões, o processo de reconhecimento parece, por força das disposições conjugadas do artigo 5.o, n.o 2, alínea b), do Decreto Legislativo n.o 242 e do artigo 6.o, n.o 4, alínea b), dos estatutos do CONI, estar relacionado com o exame da conformidade dos estatutos da federação desportiva nacional em causa com os princípios fundamentais definidos pelo Conselho Nacional do CONI. No entanto, a expressão «princípios fundamentais», lida em conjugação com os princípios a que devem obedecer as disposições estatutárias e regulamentares dessas federações por força do artigo 16.o, n.o 1, do Decreto Legislativo n.o 242, bem como do artigo 21.o, n.o 1, alínea c), e do artigo 22.o, n.os 1 a 3, dos estatutos do CONI, parece atestar que o Conselho Nacional do CONI só pode definir regras de organização inspiradas no princípio da democracia interna que os estatutos das referidas federações devem respeitar, sem poder impor‑lhes regras de gestão pormenorizadas e detalhadas.

63

Uma vez que a intervenção do CONI se limita a estabelecer princípios fundamentais a fim de harmonizar a regulamentação geral a que todas as federações desportivas nacionais estão sujeitas e assegurar que essas federações estejam operacionais, na disciplina desportiva pela qual são responsáveis, ao nível nacional e internacional, ao prosseguir os objetivos estabelecidos pela lei e ao adotar disposições legais e regulamentares em conformidade com essa lei e o princípio da democracia interna, não parece, à primeira vista, que o reconhecimento prévio da FIGC apenas para fins desportivos permita, por si só, ao CONI exercer, subsequentemente, um controlo ativo sobre a gestão dessa federação de tal forma que possa influenciar as decisões desta última em matéria de contratos públicos.

64

Em segundo lugar, quanto ao poder do CONI, previsto no artigo 5.o, n.o 2, alínea a), e no artigo 15.o, n.o 1, do Decreto Legislativo n.o 242, bem como no artigo 20.o, n.o 4, e no artigo 23.o, n.os 1‑bis. e 1‑ter., dos estatutos do CONI, de adotar, relativamente às federações desportivas italianas, diretrizes, decisões, orientações e instruções relativas ao exercício da atividade desportiva que essas federações enquadram, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, como a FIGC, o CONI e o Governo italiano alegaram durante a audiência, se todas estas regras se destinam a impor às federações desportivas nacionais regras globais, amplas e abstratas ou orientações gerais relativas à organização desportiva na sua dimensão pública, para que, ao fazê‑lo, o CONI não intervenha ativamente na gestão destas federações a ponto de poder influenciar as suas decisões em matéria de contratos públicos, ou se, pelo contrário, o CONI está em condições de submeter as referidas federações a regras de gestão muito detalhadas e de lhes impor um perfil de gestão específico, nomeadamente em matéria de adjudicação de contratos (v., neste sentido, Acórdão de 1 de fevereiro de 2001, Comissão/França, C‑237/99, EU:C:2001:70, n.os 50 a 52 e 57).

65

Em terceiro lugar, quanto ao poder do CONI de aprovar para efeitos desportivos os estatutos das federações desportivas nacionais, importa salientar que, no exercício desse poder, tal como resulta do artigo 7.o, n.o 5, alínea l), e do artigo 22.o, n.o 5, dos estatutos do CONI, este só pode avaliar a conformidade dos estatutos dessas federações com a lei, com os seus próprios estatutos e com os princípios fundamentais por ele estabelecidos. Nestas condições, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se o CONI poderia ter imposto à FIGC, aquando da aprovação dos estatutos, alterações que tivessem restringido a sua autonomia de gestão ou, aquando da avaliação dos estatutos, revogado o reconhecimento da FIGC pelo facto de esta não ter aceitado alterações destinadas a restringir a sua autonomia de gestão ou ainda impor‑lhe um comportamento predeterminado em matéria de gestão.

66

Em quarto lugar, quanto ao poder do CONI de aprovar os balanços e os orçamentos anuais das federações desportivas nacionais, como consta do artigo 15.o, n.o 3, do Decreto Legislativo n.o 242, do artigo 7.o, n.o 5, alínea g2), e do artigo 23.o, n.o 2, dos estatutos do CONI, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se, a este respeito, o CONI se limita a proceder a um controlo puramente contabilístico dos balanços e do equilíbrio do orçamento, o que não indica a existência de um controlo ativo sobre a gestão dessas federações (v., neste sentido, Acórdão de 1 de fevereiro de 2001, Comissão/França, C‑237/99, EU:C:2001:70, n.o 53, e de 12 de setembro de 2013, IVD, C‑526/11, EU:C:2013:543, n.o 29), ou se essa verificação abrange igualmente a gestão corrente das referidas federações, nomeadamente sob os aspetos da exatidão dos números, da regularidade, da procura de economias, da rentabilidade e da racionalidade, o que demonstraria a existência de um controlo ativo sobre a gestão (v., neste sentido, Acórdão de 27 de fevereiro de 2003, Adolf Truley, C‑373/00, EU:C:2003:110, n.o 73).

67

No que respeita mais especificamente à aprovação dos balanços, o órgão jurisdicional de reenvio deve verificar se a única «sanção» ligada à não aprovação dos balanços pelo CONI consiste na não publicação desses balanços. Tais indícios demonstrariam a inexistência de poder de coerção do CONI relativamente às federações desportivas nacionais a esse respeito.

68

Quanto à aprovação do orçamento, caberá ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se, como resulta das explicações fornecidas pelo CONI na audiência, as federações desportivas nacionais decidem, in fine, sobre o seu orçamento sem que o CONI se possa opor à sua adoção e, assim, estar em condições de controlar a gestão dessas federações sobre esse ponto, o que mais uma vez indicaria a inexistência de um qualquer poder de coerção por parte do CONI.

69

Quanto ao poder do CONI, referido no artigo 23.o, n.o 2, dos seus estatutos, de determinar as contribuições financeiras destinadas às federações desportivas nacionais e definir setores particulares de atribuição dessas contribuições, incumbirá ao órgão jurisdicional de reenvio verificar a incidência desse poder na gestão concreta da FIGC, bem como na sua capacidade de conservar o domínio das suas decisões em matéria de adjudicação de contratos. Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio deverá ter em conta o facto de, por um lado, as contribuições públicas parecerem ser repartidas, por força dessa disposição, segundo categorias muito gerais no âmbito da dimensão pública da atividade desportiva, a saber, a promoção do desporto nos jovens, a preparação para os Jogos Olímpicos e a preparação para a atividade desportiva de alta competição, e, por outro, no caso particular da FIGC, como resulta da decisão de reenvio e das indicações fornecidas durante a audiência, o financiamento público dessa federação ser, de qualquer forma, minoritário, uma vez que essa federação goza de uma capacidade de autofinanciamento significativa.

70

Em quinto lugar, quanto ao poder de o CONI nomear, ao abrigo do artigo 7.o, n.o 5, alínea hl), dos seus estatutos, auditores que o representem nas federações desportivas nacionais, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se os auditores estão em condições de influenciar a política de gestão dessa federação, nomeadamente em matéria de contratos públicos, tendo em conta que, como resulta das observações escritas da FIGC e do CONI, esses auditores não têm direito de veto nem detêm nenhum poder de representação ou de gestão.

71

Em sexto lugar, quanto ao poder do CONI, previsto no artigo 5.o, n.o 2, alínea e), do Decreto Legislativo n.o 242, bem como no artigo 6.o, n.o 4, alíneas e) e e1), no artigo 7.o, n.o 5, alínea e), e no artigo 23.o, n.o 3, dos seus estatutos, de controlar o exercício das atividades de caráter público confiadas às federações desportivas nacionais, bem como, mais genericamente, ao bom funcionamento dessas federações, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar o alcance desses controlos sobre a autonomia de gestão das referidas federações e sobre a sua capacidade de adjudicação. Em especial, o órgão jurisdicional de reenvio deverá verificar se, como referido no n.o 53 do presente acórdão, o controlo do bom funcionamento das federações desportivas nacionais se limita essencialmente aos domínios da organização regular das competições, da preparação olímpica, da atividade desportiva de alta competição e da utilização das ajudas financeiras ou se o CONI procede a um controlo mais ativo sobre a gestão dessas federações.

72

No que respeita, mais particularmente, ao poder de o CONI colocar sob tutela as federações desportivas nacionais em caso de irregularidade grave de gestão, de graves violações do direito desportivo, de impossibilidade de funcionamento dessas federações ou de problemas de regularidade das competições desportivas, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio, a fim de excluir a existência de um controlo ativo sobre a gestão dessas federações, determinar, como a FIGC, o CONI e o Governo italiano alegaram tanto nas suas observações escritas como na audiência, se estes casos de intervenção do CONI, tal como resultam dos artigos 5.o, n.o 2, alínea e‑ter), e do artigo 7.o, n.o 2, alínea f), do Decreto Legislativo n.o 242, bem como do artigo 6.o, n.o 4, alínea f1), do artigo 7.o, n.o 5, alínea f), e do artigo 23.o, n.o 3, dos estatutos do CONI, se enquadram no âmbito do simples controlo da regularidade e não na política de gestão das federações desportivas nacionais e se, independentemente do caráter excecional da colocação sob tutela, o exercício deste poder não implica um controlo permanente sobre a gestão destas federações (v., neste sentido, Acórdão de 1 de fevereiro de 2001, Comissão/França, C‑237/99, EU:C:2001:70, n.os 55 e 56).

73

Há que precisar, como refere o advogado‑geral, em substância, no n.o 66 das suas conclusões, que, para avaliar a existência de um controlo ativo do CONI sobre a gestão da FIGC e de uma possibilidade de influência do CONI nas decisões deste último em matéria de contratos públicos, a análise dos diferentes poderes do CONI deve ser objeto de uma apreciação global, precisando‑se que, regra geral, é um conjunto de indícios que será suscetível de revelar essa existência (v., neste sentido, Acórdão de 1 de fevereiro de 2001, Comissão/França, C‑237/99, EU:C:2001:70, n.o 59).

74

Quanto à circunstância, salientada pelo órgão jurisdicional de reenvio, de, no caso de se concluir que o CONI controla a gestão das federações desportivas nacionais como a FIGC na aceção da segunda parte da alternativa prevista no artigo 2.o, n.o 1, ponto 4, alínea c), da Diretiva 2014/24, essas federações exercerem, em virtude da sua participação maioritária nos principais órgãos colegiais deliberativos do CONI, por força dos artigos 4.o e 6.o do Decreto Legislativo n.o 242, uma influência sobre a atividade do CONI que contrabalança esse controlo, deve sublinhar‑se que esta circunstância só seria pertinente se se pudesse determinar que cada uma das federações desportivas nacionais, consideradas isoladamente, está em condições de exercer uma influência significativa sobre o controlo de gestão exercido pelo CONI, com a consequência de esse controlo ser neutralizado e de uma tal federação desportiva nacional recuperar assim o controlo sobre a sua gestão, não obstante a influência de outras federações desportivas nacionais em situação análoga.

75

Tendo em conta todas estas considerações, há que responder à segunda questão que a segunda parte da alternativa referida no artigo 2.o, n.o 1, ponto 4, alínea c), da Diretiva 2014/24 deve ser interpretada no sentido de que, no caso de uma federação desportiva nacional gozar, por força do direito nacional, de autonomia de gestão, a gestão dessa federação só pode ser considerada sujeita ao controlo de uma autoridade pública se resultar de uma análise global dos poderes de que essa autoridade dispõe contra a referida federação que existe um controlo de gestão ativo que, de facto, põe em causa essa autonomia a ponto de permitir que a referida autoridade influencie as decisões da mesma federação em matéria de contratos públicos. A circunstância de as diferentes federações desportivas nacionais exercerem uma influência sobre a atividade da autoridade pública em causa em virtude da sua participação maioritária nos seus principais órgãos colegiais deliberativos só é pertinente se se puder determinar que cada uma dessas federações, considerada isoladamente, está em condições de exercer uma influência significativa sobre o controlo público exercido por essa autoridade a seu respeito, com a consequência de esse controlo ser neutralizado e de tal federação desportiva nacional recuperar assim o controlo sobre a sua gestão, não obstante a influência de outras federações desportivas nacionais numa situação análoga.

Quanto às despesas

76

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

 

1)

O artigo 2.o, n.o 1, ponto 4, alínea a), da Diretiva 2014/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos públicos e que revoga a Diretiva 2004/18/CE, deve ser interpretado no sentido de que se pode considerar que uma entidade com competências de caráter público taxativamente definidas pelo direito nacional foi criada para o fim específico de satisfazer necessidades de interesse geral que não sejam de natureza industrial ou comercial na aceção dessa disposição, apesar de não ter sido criada sob a forma de uma Administração Pública, mas como uma associação regulada pelo direito privado, e de algumas das suas atividades, para as quais goza de capacidade de autofinanciamento, não terem caráter público.

 

2)

A segunda parte da alternativa referida no artigo 2.o, n.o 1, ponto 4, alínea c), da Diretiva 2014/24 deve ser interpretada no sentido de que, no caso de uma federação desportiva nacional gozar, por força do direito nacional, de autonomia de gestão, a gestão dessa federação só pode ser considerada sujeita ao controlo de uma autoridade pública se resultar de uma análise global dos poderes de que essa autoridade dispõe contra a referida federação que existe um controlo de gestão ativo que, de facto, põe em causa essa autonomia a ponto de permitir que a referida autoridade influencie as decisões da mesma federação em matéria de contratos públicos. A circunstância de as diferentes federações desportivas nacionais exercerem uma influência sobre a atividade da autoridade pública em causa em virtude da sua participação maioritária nos seus principais órgãos colegiais deliberativos só é pertinente se se puder determinar que cada uma dessas federações, considerada isoladamente, está em condições de exercer uma influência significativa sobre o controlo público exercido por essa autoridade a seu respeito, com a consequência de esse controlo ser neutralizado e de tal federação desportiva nacional recuperar assim o controlo sobre a sua gestão, não obstante a influência de outras federações desportivas nacionais numa situação análoga.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: italiano.