ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção)

27 de fevereiro de 2020 ( *1 )

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — FEOGA, FEAGA e Feader — Despesas excluídas do financiamento da União Europeia — Despesas efetuadas pela República da Lituânia — Apoio à reforma antecipada — Regulamento (CE) n.o 1257/1999 — Artigo 33.o‑M, n.o 1 — Desvirtuação dos elementos de prova»

No processo C‑79/19 P,

que tem por objeto um recurso de um acórdão do Tribunal Geral, nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 1 de fevereiro de 2019,

República de Lituânia, representada inicialmente por R. Krasuckaitė e, em seguida, por K. Dieninis, na qualidade de agentes,

recorrente,

sendo a outra parte no processo:

Comissão Europeia, representada por J. Jokubauskaitė e J. Aquilina, na qualidade de agentes,

recorrida em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção),

composto por: S. Rodin, presidente de secção, D. Šváby (relator) e N. Piçarra, juízes,

advogado‑geral: G. Pitruzzella,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

Com o presente recurso, a República da Lituânia pede a anulação do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 22 de novembro de 2018, Lituânia/Comissão (T‑508/15, não publicado, a seguir acórdão recorrido, EU:T:2018:828), pelo qual este negou provimento ao seu recurso de anulação da Decisão (UE) 2015/1119 da Comissão, de 22 de junho de 2015, que exclui do financiamento da União Europeia determinadas despesas efetuadas pelos Estados‑Membros a título do Fundo Europeu Agrícola de Garantia (FEAGA) e do Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (Feader) (JO 2015, L 182, p. 39), na medida em que impôs à República da Lituânia uma correção financeira fixa de 5 %, excluindo assim o montante de 1938300,08 euros do financiamento pago a título da medida «Reforma antecipada» durante o período de 16 de outubro de 2010 a 15 de outubro de 2013 (a seguir «decisão controvertida»).

Quadro jurídico

Direito da União

Regulamento n.o 1257/1999

2

O artigo 10.o do Regulamento (CE) n.o 1257/1999 do Conselho, de 17 de maio de 1999, relativo ao apoio do Fundo Europeu de Orientação e de Garantia Agrícola (FEOGA) ao desenvolvimento rural e que altera e revoga determinados regulamentos (JO 1999, L 160, p. 80), conforme alterado pelo Ato relativo às condições de adesão da República Checa, da República da Estónia, da República de Chipre, da República da Letónia, da República da Lituânia, da República da Hungria, da República de Malta, da República da Lituânia, da República da Eslovénia e da República Eslovaca e às adaptações dos Tratados em que se funda a União Europeia (JO 2003, L 236, p. 33) (a seguir «Regulamento n.o 1257/1999»), figurava no capítulo IV, intitulado «Reforma antecipada», do título II, com a epígrafe «Medidas de desenvolvimento rural», do referido regulamento. Este artigo previa, no seu n.o 1:

«O apoio à reforma antecipada na agricultura contribuirá para os seguintes objetivos:

proporcionar um rendimento aos agricultores idosos que decidam cessar as suas atividades agrícolas,

favorecer a substituição desses agricultores idosos por agricultores que possam, sempre que necessário, melhorar a viabilidade económica das restantes explorações,

reafetar terras agrícolas a utilizações não agrícolas quando a sua afetação a fins agrícolas não seja possível em condições satisfatórias de viabilidade económica.»

3

O artigo 11.o, n.o 1, do referido regulamento estabelecia:

«O cedente de uma exploração agrícola deve:

cessar definitivamente qualquer atividade agrícola comercial, podendo, no entanto, continuar a praticar a agricultura para fins não comerciais e conservar a utilização dos edifícios onde continue a habitar,

ter uma idade não inferior a 55 anos, sem ter atingido a idade normal da reforma no momento da cessão,

ter exercido a atividade agrícola nos 10 anos anteriores à cessão.»

4

O artigo 33.o‑B, n.o 1, segundo parágrafo, do mesmo regulamento definia «explorações agrícolas de semissubsistência» como «as explorações agrícolas que produzam sobretudo para consumo próprio, mas que também comercializem uma parte da produção».

5

Decorre do artigo 33.o‑L do Regulamento n.o 1257/1999 que as disposições que figuram no subcapítulo III, sob o título «Derrogações», do capítulo IX‑A, intitulado «Medidas específicas para os novos Estados‑Membros», que figura no título II, com a epígrafe «Medidas de desenvolvimento rural», desse regulamento precisavam os casos em que, nomeadamente, a República da Lituânia estava autorizada a derrogar os critérios de elegibilidade estabelecidos para as medidas definidas nos capítulos I, IV, V e VII do referido regulamento.

6

O artigo 33.o‑M, n.o 1, do mesmo regulamento estava redigido da seguinte forma:

«Em derrogação [do] segundo travessão do n.o 1 do artigo 11.o, os agricultores da Lituânia aos quais tenha sido atribuída uma quota leiteira poderão beneficiar de um regime de reforma antecipada desde que tenham menos de 70 anos de idade no momento da cessão.

O montante do apoio ficará sujeito aos montantes máximos constantes do anexo ao presente regulamento e será calculado em função do volume da quota leiteira e da atividade agrícola total na exploração.

As quotas leiteiras atribuídas a um cedente reverterão a favor da reserva nacional de quotas leiteiras sem pagamento compensatório suplementar.»

Regulamento n.o 1698/2005

7

O Regulamento (CE) n.o 1698/2005 do Conselho, de 20 de setembro de 2005, relativo ao apoio ao desenvolvimento rural pelo Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (Feader) (JO 2005, L 277, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 1463/2006 do Conselho, de 19 de junho de 2006 (JO 2006, L 277, p. 1) (a seguir «Regulamento n.o 1698/2005»), previa, no seu artigo 20.o:

«O apoio relativo à competitividade dos setores agrícola e florestal diz respeito a:

a)

Medidas destinadas a aumentar os conhecimentos e a melhorar o potencial humano através de:

[…]

iii)

reforma antecipada de agricultores e trabalhadores agrícolas;

[…]

d)

Medidas transitórias para a […] Lituânia […] referentes a:

i)

apoio a explorações agrícolas de semissubsistência em vias de reestruturação;

[…]»

8

O artigo 23.o, n.os 1 e 2, do Regulamento n.o 1698/2005 tinha a seguinte redação:

«1.   O apoio previsto na subalínea iii) da alínea a) do artigo 20.o é concedido a:

a)

Agricultores que decidam cessar a sua atividade agrícola para fins de transferência da exploração para outros agricultores;

b)

Trabalhadores agrícolas que decidam cessar definitivamente todas as suas atividades agrícolas na sequência da transferência da exploração.

2.   O cedente:

a)

Ter pelo menos 55 anos, mas não ter ainda atingido a idade normal da reforma no momento da transferência, ou ser, no máximo, 10 anos mais novo do que a idade normal da reforma no Estado‑Membro em questão no momento da transferência;

b)

Cessar definitivamente toda a atividade agrícola com fins comerciais;

c)

Ter exercido a atividade agrícola nos 10 anos anteriores à transferência.»

9

O artigo 34.o, n.o 1, deste regulamento dispunha:

«O apoio previsto na subalínea i) da alínea d) do artigo 20.o para as explorações agrícolas que produzam principalmente para seu próprio consumo e comercializem também uma percentagem da sua produção (“explorações agrícolas de semissubsistência”) é concedido aos agricultores que apresentem um plano empresarial.»

10

O segundo parágrafo do artigo 94.o do referido regulamento previa que este último se aplicava ao apoio comunitário relativo ao período de programação com início em 1 de janeiro de 2007.

Regulamento n.o 1306/2013

11

O artigo 52.o, n.o 2, do Regulamento (UE) n.o 1306/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de dezembro de 2013, relativo ao financiamento, à gestão e ao acompanhamento da Política Agrícola Comum e que revoga os Regulamentos (CEE) n.o 352/78, (CE) n.o 165/94, (CE) n.o 2799/98, (CE) n.o 814/2000, (CE) n.o 1290/2005 e (CE) n.o 485/2008 do Conselho (JO 2013, L 347, p. 549, a seguir «Regulamento n.o 1306/2013»), prevê o seguinte:

«A Comissão avalia os montantes a excluir tendo em conta a importância da não conformidade constatada. A Comissão toma em devida conta a natureza da infração, bem como o prejuízo financeiro para a União. Baseia a exclusão na identificação de montantes gastos indevidamente e, caso esses montantes não possam ser identificados mediante um esforço proporcionado, pode aplicar correções extrapoladas ou fixas. Só são aplicadas correções fixas se, devido à natureza do caso, ou porque o Estado‑Membro não prestou as necessárias informações à Comissão, não for possível identificar de forma mais precisa, mediante um esforço proporcionado, o prejuízo financeiro causado à União.»

Decisões de aprovação dos planos de desenvolvimento rural

12

Pelas Decisões C(2004) 2949 final, de 3 de agosto de 2004, e C(2007) 5076 final, de 19 de outubro de 2007, a Comissão Europeia aprovou os Planos de Desenvolvimento Rural (a seguir «PDR») para 2004‑2006 e 2007‑2013, respetivamente, que previam a implementação da ação «reforma antecipada» no contexto de uma atividade agrícola comercial.

Antecedentes do litígio

13

Os antecedentes do litígio foram expostos pelo Tribunal Geral nos n.os 23 a 44 do acórdão recorrido e podem, para efeitos do presente processo, ser resumidos da seguinte forma.

14

A Comissão realizou uma auditoria na Lituânia, de 20 a 24 de abril de 2009, acerca do apuramento da conformidade da medida «Reforma antecipada no contexto da atividade agrícola comercial», de acordo com o Regulamento n.o 1257/1999, relativamente ao PDR 2004‑2006, e com o Regulamento n.o 1698/2005, relativamente ao PDR 2007‑2013.

15

Em conformidade com o artigo 11.o do Regulamento (CE) n.o 885/2006 da Comissão, de 21 de junho de 2006, que estabelece as regras de execução do Regulamento (CE) n.o 1290/2005 do Conselho no respeitante à acreditação dos organismos pagadores e de outros organismos e ao apuramento das contas do FEAGA e do FEADER (JO 2006, L 171, p. 90, a seguir «Regulamento n.o 885/2006»), a Comissão transmitiu a sua posição final às autoridades lituanas, por carta de 9 de outubro de 2012, no final do procedimento. Nessa carta, após citar o parecer do órgão de conciliação e as conclusões que figuram no seu relatório final de 27 de janeiro de 2012, a Comissão manteve a sua posição relativamente à interpretação do conceito de «exercício de uma atividade agrícola comercial» por um agricultor antes de poder beneficiar da medida de reforma antecipada. Mais especificamente, após ter tomado nota da definição de explorações agrícolas de semissubsistência na Lituânia, estabelecida no âmbito da medida «Agricultura de semissubsistência», a Comissão concluiu que uma atividade agrícola comercial definida ex post pela República da Lituânia podia levar a que explorações agrícolas que não preenchiam as condições mínimas para serem explorações de semissubsistência fossem consideradas constitutivas dessas atividades. A este respeito, a Comissão citou o exemplo de uma exploração com duas vacas que as autoridades lituanas consideraram constitutiva de uma atividade agrícola comercial, quando uma exploração dessa natureza não reunia as condições mínimas para ser considerada uma exploração de semissubsistência. A Comissão concluiu que as verificações ex post efetuadas pelas autoridades lituanas não eram adequadas para demonstrar que o risco financeiro era inferior à correção financeira proposta. Por conseguinte, concluiu que, visto as autoridades lituanas não terem transposto integralmente as exigências da legislação da União, devia ser aplicada uma correção financeira fixa.

16

Com a Decisão de Execução 2013/123/UE da Comissão, de 26 de fevereiro de 2013, que exclui do financiamento da União Europeia determinadas despesas efetuadas pelos Estados‑Membros a título do Fundo Europeu de Orientação e de Garantia Agrícola (FEOGA), secção «Garantia», do Fundo Europeu Agrícola de Garantia (FEAGA) e do Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER) (JO 2013, L 67, p. 20, a seguir «Decisão 2013/123»), essa instituição aplicou à República da Lituânia uma correção financeira de 5 %, no montante total de 3033008,85 euros, relativamente aos fundos pagos a título da medida «Reforma antecipada» durante o período da infração, concretamente, de 8 de julho de 2007 a 15 de outubro de 2010.

17

Num relatório de síntese, a Comissão resumiu os fundamentos da correção financeira fixa efetuada na sequência das verificações por ela realizadas no contexto do procedimento de apuramento da conformidade. A Comissão referiu, nomeadamente, que as autoridades lituanas não tinham demonstrado que a definição de «atividade agrícola comercial», estabelecida no controlo ex post, fosse conforme com a definição de explorações de semissubsistência e que, por conseguinte, um controlo ex post por parte das autoridades lituanas era inadequado para demonstrar que o risco financeiro era inferior à correção fixa aplicada.

18

A República da Lituânia não contestou a Decisão de Execução 2013/123, que estabelece essa correção financeira fixa.

19

Em 27 de junho de 2014, os serviços da Comissão enviaram uma comunicação oficial à República da Lituânia nos termos do artigo 11.o, n.o 2, terceiro parágrafo, e do artigo 16.o, n.o 1, do Regulamento n.o 885/2006, relativa aos fundos pagos a título da medida «Reforma antecipada no contexto de uma atividade agrícola comercial» durante o período de 16 de outubro de 2010 a 15 de outubro de 2013.

20

A Comissão indicou que se tratava de uma comunicação oficial adicional, relativa à auditoria que tinha dado lugar à Decisão de Execução 2013/123, que anunciava que uma nova correção financeira respeitante a esse período devia ser imposta à República da Lituânia, pelas mesmas razões que as mencionadas no relatório de síntese dessa auditoria.

21

A este respeito, a Comissão fez referência a vários documentos elaborados no quadro da adoção da Decisão de Execução 2013/123, incluindo a sua posição final de 9 de outubro de 2012. Acrescentou ainda, em anexo, o relatório de síntese sobre esta decisão, segundo o qual as autoridades lituanas não tinham demonstrado que a definição de «atividade agrícola comercial», estabelecida no controlo ex post, fosse conforme com a definição de explorações de semissubsistência e, por conseguinte, que um controlo ex post por parte das autoridades lituanas era inadequado para demonstrar que o risco financeiro era inferior à correção fixa proposta. Os serviços da Comissão concluíram que, devido a estas deficiências, devia ser aplicada uma nova correção fixa de 5 %.

22

Em 17 de julho de 2014, o Ministério da Agricultura lituano manifestou por escrito o seu desacordo em relação à correção proposta pelos serviços da Comissão e pediu que o litígio fosse submetido ao órgão de conciliação. Nessa carta, o Ministério da Agricultura lituano sublinhava o caráter desproporcionado da nova correção proposta, uma vez que o prejuízo suscetível de ser causado à União, relativo ao período de 16 de outubro de 2010 a 15 de outubro de 2013, ascendia apenas a 16788,34 euros. Recordou, igualmente, o teor do controlo ex post dos pedidos que era efetuado pelas autoridades lituanas e os critérios com base nos quais esse controlo é levado a cabo. Além disso, sustentou que a obrigação de aplicar critérios quantitativos, tais como a dimensão da exploração agrícola em causa ou o montante dos rendimentos recebidos, era ilegal. A este respeito, descreveu a situação concreta da Lituânia e as possíveis consequências negativas que uma aproximação do conceito de «atividade agrícola comercial» com o de «explorações agrícolas de semissubsistência» poderia causar.

23

Em 17 de dezembro de 2014, o órgão de conciliação indicou que não era possível chegar a uma conciliação pois estava em causa uma correção financeira em curso, uma vez que a correção financeira inicial tinha sido estabelecida pela Decisão de Execução 2013/123, que não fora impugnada.

24

Em 10 de março de 2015, a Comissão informou as autoridades lituanas de que, na falta de uma alteração substancial das causas que tinham permitido impor a correção financeira inicial, e tendo em conta que as autoridades lituanas não haviam adotado qualquer medida corretiva, se justificava aplicar a mesma correção financeira fixa de 5 % às despesas efetuadas a título da medida «Reforma antecipada».

25

Em 22 de junho de 2015, a Comissão adotou a decisão controvertida. Nessa decisão, a Comissão impôs à República da Lituânia, nos termos do artigo 52.o do Regulamento n.o 1306/2013, uma correção financeira de 5 %, no total de 1938300,08 euros, relativamente aos fundos pagos a título da medida «Reforma antecipada» durante o período de 16 de outubro de 2010 a 15 de outubro de 2013, com o fundamento de que a República da Lituânia não tinha efetuado um controlo adequado do cumprimento da obrigação que impunha que os agricultores exercessem atividades agrícolas comerciais antes de poderem beneficiar do apoio à reforma antecipada.

Tramitação processual no Tribunal Geral e acórdão recorrido

26

Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 2 de setembro de 2015, a República da Lituânia interpôs recurso de anulação da decisão controvertida com base num único fundamento, relativo à violação do artigo 52.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1306/2013, lido em conjugação com o princípio da proporcionalidade. Este fundamento era composto por duas partes, relativas, respetivamente, ao facto de a correção fixa aplicada pela decisão controvertida não ter em conta a natureza da infração e do prejuízo financeiro causado à União e, por outro lado, ao caráter desproporcionado dessa correção financeira fixa.

27

No acórdão recorrido, o Tribunal Geral julgou improcedente esse fundamento e, consequentemente, negou provimento ao recurso.

Pedidos das partes

28

A República da Lituânia pede que o Tribunal de Justiça se digne:

anular o acórdão recorrido e a decisão controvertida e

condenar a Comissão nas despesas do processo no Tribunal Geral e no âmbito do recurso para o Tribunal de Justiça;

29

A Comissão pede que o Tribunal de Justiça negue provimento ao presente recurso e condene a República da Lituânia no pagamento das despesas.

Quanto ao presente recurso

30

A República da Lituânia suscita dois fundamentos de recurso. No âmbito do seu primeiro fundamento, este Estado‑Membro alega que o Tribunal Geral interpretou e aplicou erradamente o artigo 33.o‑M, n.o 1, do Regulamento n.o 1257/1999 ao considerar que a posse de uma quota leiteira não constituía uma prova manifesta da participação de um agricultor lituano numa atividade agrícola comercial. No âmbito do seu segundo fundamento, alega que o Tribunal Geral desvirtuou elementos de prova ao decidir, nos n.os 74 a 79 do acórdão recorrido, que o Governo lituano não tinha demonstrado que a posse de uma quota leiteira significava que o agricultor em causa exercia uma atividade agrícola comercial.

Quanto ao primeiro fundamento

Argumentos das partes

31

O primeiro fundamento divide‑se em duas partes.

32

Na primeira parte do seu primeiro fundamento, a República da Lituânia alega, em substância, que o Tribunal Geral interpretou e aplicou erradamente o artigo 33.o‑M, n.o 1, do Regulamento n.o 1257/1999, nos n.os 72, 82 e 83 do acórdão recorrido. Mais precisamente, critica o Tribunal Geral por não ter interpretado esta disposição no sentido de que a atribuição de uma quota leiteira a um agricultor lituano constitui um critério significativo para efeitos da elegibilidade desse agricultor para o regime de reforma antecipada.

33

Segundo a República da Lituânia, esta interpretação decorre da própria letra do artigo 33.o‑M, n.o 1, do Regulamento n.o 1257/1999, na medida em que esta disposição prevê que os agricultores da Lituânia aos quais tenha sido atribuída uma quota leiteira podem beneficiar do regime de reforma antecipada, que as quotas leiteiras do agricultor cedente revertem a favor da reserva nacional e que o montante do apoio é calculado em função do volume da quota leiteira.

34

Além disso, a República da Lituânia argumenta que a derrogação prevista no artigo 33.o‑M, n.o 1, do Regulamento n.o 1257/1999 é o resultado do facto de se ter tomado expressamente em consideração a situação do setor leiteiro na Lituânia. Portanto, a utilização do conceito de «quota leiteira» nesta disposição não é, de todo, anódina.

35

Na segunda parte do seu primeiro fundamento, a República da Lituânia acusa, em substância, o Tribunal Geral de ter aplicado erradamente a sua própria jurisprudência ao considerar, nos n.os 72, 78 e 84 do acórdão recorrido, que a mera posse de uma quota leiteira ou o simples registo de um animal destinado ao abate na base de dados em causa não era suficiente para provar a existência de uma atividade agrícola comercial por parte do agricultor. Em particular, a República da Lituânia refere‑se ao Acórdão de 25 de fevereiro de 2015, Polónia/Comissão (T‑257/13, não comunicado, EU:T:2015:111), segundo o qual os critérios relativos à produção apenas eram necessários para determinar se o agricultor recebia um rendimento real e não se destinavam a impor um limiar mínimo de dinamismo económico da exploração agrícola abaixo do qual essa exploração não seria considerada constitutiva de uma atividade agrícola comercial.

36

Por conseguinte, a República da Lituânia alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao considerar que a posse de uma única vaca que permitisse a venda de 2 ou 3 litros de leite por dia ou de uma exploração constituída por uma única vaca que fosse posteriormente entregue para abate tinha caráter negligenciável e, portanto, não podia gerar rendimentos reais. Ao fazê‑lo, o Tribunal Geral estabeleceu um limiar mínimo abaixo do qual uma exploração agrícola não pode ser considerada constitutiva de uma atividade agrícola comercial.

37

A Comissão alega que este primeiro fundamento deve ser rejeitado na íntegra.

Apreciação do Tribunal de Justiça

38

Quanto à primeira parte do primeiro fundamento, de acordo com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, para efeitos da interpretação de uma disposição do direito da União, importa ter em conta não só os seus termos mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte.

39

Como especifica o artigo 10.o do Regulamento n.o 1257/1999, este último visa, nomeadamente, apoiar a reforma antecipada no setor agrícola a fim de, entre outros, proporcionar um rendimento aos agricultores idosos que decidam cessar a atividade agrícola e melhorar a viabilidade económica das explorações agrícolas, promovendo a substituição desses agricultores idosos.

40

Para poder beneficiar deste regime de apoio à reforma antecipada, o agricultor deve preencher três requisitos, enumerados no artigo 11.o, n.o 1, desse regulamento, a saber, cessar definitivamente qualquer atividade agrícola comercial, ter uma idade não inferior a 55 anos, sem ter atingido a idade normal da reforma no momento da cessão da sua atividade agrícola, e ter exercido essa atividade agrícola nos 10 anos anteriores à referida cessão.

41

O artigo 33.o‑M, n.o 1, do Regulamento n.o 1257/1999 prevê uma derrogação aplicável à República da Lituânia no que respeita ao referido regime de apoio à reforma antecipada. Assim, nos termos desta disposição, «[e]m derrogação [do] segundo travessão do n.o 1 do artigo 11.o [deste regulamento], os agricultores da Lituânia aos quais tenha sido atribuída uma quota leiteira poderão beneficiar de um regime de reforma antecipada desde que tenham menos de 70 anos de idade no momento da cessão».

42

A redação do artigo 33.o‑M, n.o 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 1257/1999 não deixa, portanto, dúvidas de que a derrogação nele prevista apenas diz respeito à idade dos agricultores lituanos em causa. Por um lado, indica claramente que esta disposição prevê uma derrogação ao «segundo travessão» do artigo 11.o, n.o 1, deste regulamento, a saber, aquele que diz respeito ao requisito da idade. Por outro lado, a expressão «desde que», que figura, nomeadamente, nas versões francesa, espanhola, italiana, portuguesa e inglesa do artigo 33.o‑M, n.o 1, primeiro parágrafo, do referido regulamento, é imediatamente seguida da menção à idade desses agricultores.

43

Por conseguinte, contrariamente ao que sustenta, em substância, a República da Lituânia, o artigo 33.o‑M, n.o 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 1257/1999 não derroga o requisito enunciado no artigo 11.o, n.o 1, desse regulamento, relativo ao exercício de uma atividade agrícola comercial, por fazer da posse de uma quota leiteira um critério determinante quanto a esse exercício. A menção relativa a essa quota visa apenas, na realidade, identificar os agricultores lituanos suscetíveis de beneficiar da derrogação baseada na idade que a referida disposição prevê.

44

Assim, esta derrogação não pode dispensar os agricultores lituanos que desejem beneficiar do apoio à reforma antecipada de fazer prova de que preenchem os outros requisitos enumerados no artigo 11.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1257/1999 e, nomeadamente, de que exerciam uma atividade agrícola comercial.

45

Esta consideração não pode ser posta em causa pelo facto de a derrogação prevista no artigo 33.o‑M, n.o 1, desse regulamento ser, como indica a República da Lituânia, o resultado de se ter tomado expressamente em consideração a situação do setor leiteiro na Lituânia. Com efeito, tal como foi concluído no n.o 43 do presente acórdão, a menção relativa à posse de uma quota leiteira destina‑se apenas a identificar os agricultores lituanos suscetíveis de beneficiar da derrogação ao requisito da idade para efeitos do regime de apoio à reforma antecipada. De facto, apenas os agricultores lituanos aos quais tenha sido concedida uma quota leiteira podem beneficiar desta derrogação relativa à idade.

46

Por conseguinte, ao declarar, por um lado, no n.o 72 do acórdão recorrido, que o simples facto de lhe ter sido concedida uma quota leiteira não permite concluir que o agricultor exerce uma atividade agrícola comercial e, por outro, no n.o 83 desse acórdão, que o artigo 33.o‑M, n.o 1, do Regulamento n.o 1257/1999 prevê apenas uma derrogação no que respeita à idade que os agricultores lituanos devem ter atingido para poder beneficiar do regime de apoio à reforma antecipada e que essa derrogação não dispensa esses agricultores da obrigação de respeitarem os outros requisitos para poderem beneficiar desse regime, o Tribunal Geral não cometeu nenhum erro de direito.

47

Consequentemente, a primeira parte do primeiro fundamento deve ser julgada improcedente.

48

Quanto à segunda parte do primeiro fundamento, na qual a República da Lituânia sustenta que o Tribunal Geral, contrariamente à sua própria jurisprudência e à do Tribunal de Justiça, estabeleceu um limiar mínimo abaixo do qual se presume que um agricultor não exerce uma atividade agrícola comercial, cabe referir que a mesma se baseia numa interpretação errada e incompleta do acórdão recorrido.

49

Com efeito, contrariamente ao que afirma a recorrente, o Tribunal Geral fez uma análise correta da situação à luz das disposições do Regulamento n.o 1257/1999 e da jurisprudência pertinente.

50

Assim, resulta dos n.os 52 a 56 do acórdão recorrido que, em primeiro lugar, o Tribunal Geral se limitou a recordar que, no âmbito de um processo de apuramento da conformidade suscetível de conduzir a uma correção fixa, a Comissão dispõe de um amplo poder de apreciação e que, para justificar a sua recusa em imputar determinadas despesas no orçamento da União, deve apresentar um elemento de prova da dúvida séria e razoável que tem quanto às despesas efetuadas pelo Estado‑Membro em causa. Cabe, então, a este último demonstrar que estão reunidos os requisitos para beneficiar do financiamento recusado pela Comissão.

51

Em segundo lugar, o Tribunal Geral recordou, nos n.os 65 a 67 desse acórdão, que, para poder beneficiar do regime de reforma antecipada, o agricultor em causa deve ter exercido uma atividade agrícola comercial. A este respeito, o Tribunal Geral precisou, no n.o 68 do referido acórdão, que exercer uma atividade que se limita a satisfazer as suas próprias necessidades e as da sua família não pode ser equiparado ao exercício de uma atividade geradora de rendimentos que corresponda à qualificação de «exploração agrícola comercial». Precisou, igualmente, no n.o 69 desse mesmo acórdão, que os critérios relacionados com a produção apenas são necessários para determinar se o agricultor em causa recebia um rendimento real e não se destinam a impor um limiar mínimo de dinamismo económico da exploração agrícola abaixo do qual o agricultor não poderia ter beneficiado do apoio à reforma antecipada, apesar de exercer a sua atividade com fins comerciais.

52

Contudo, no presente caso, tal como o Tribunal Geral recordou nos n.os 70 e 72 do acórdão recorrido, a dúvida da Comissão respeitava ao facto de a mera circunstância de um agricultor lituano estar registado na base de dados dos agricultores a quem tinham sido atribuídas quotas leiteiras ser um critério pertinente para se considerar que esse agricultor exercia uma atividade agrícola comercial, quando bastava ter uma vaca e vender 2 ou 3 litros de leite por dia para se estar registado nessa base de dados e ser, por esse simples motivo, elegível para o apoio à reforma antecipada.

53

Cabia, portanto, à República da Lituânia demonstrar que as conclusões da Comissão eram inexatas e que mesmo essas pequenas explorações que estavam registadas na base de dados das quotas leiteiras geravam rendimentos reais e não negligenciáveis, satisfazendo assim o critério do exercício de uma atividade agrícola comercial na aceção do artigo 11.o, n.o 1, terceiro travessão, do Regulamento n.o 1257/1999, sem que se devesse ter em conta, a esse respeito, a medida do dinamismo económico da exploração agrícola em causa.

54

Ora, após ter apreciado, nos n.os 73 a 77 desse acórdão, todos os elementos de provas apresentados pela República da Lituânia, o Tribunal Geral concluiu, no n.o 78 desse mesmo acórdão, que esta última não tinha conseguido eliminar a dúvida séria e razoável da Comissão quanto à eventual concessão do benefício do apoio à reforma antecipada a agricultores lituanos que, embora registados na base de dados relativa às quotas leiteiras, possuíam apenas uma vaca e, portanto, em relação aos quais não se podia considerar que recebiam um rendimento no âmbito de uma atividade agrícola com fins comerciais.

55

Decorre das considerações anteriores que, contrariamente ao que a recorrente sustenta, o Tribunal Geral não impôs de modo algum um limiar mínimo abaixo do qual se presumisse a inexistência de atividade agrícola comercial, a saber, no caso vertente, a produção de leite a partir de uma única vaca.

56

Por conseguinte, o Tribunal Geral teve razão em concluir, no n.o 89 do acórdão recorrido, que a Comissão podia ter tido dúvidas quanto à pertinência do registo dos agricultores lituanos em bases de dados relativas ao setor agrícola, tais como a base de dados dos agricultores a quem foram atribuídas quotas leiteiras, como critério para determinar se o agricultor em causa tinha exercido uma atividade agrícola comercial antes de poder beneficiar do apoio à reforma antecipada.

57

Nestas condições, a segunda parte do primeiro fundamento deve ser julgada improcedente.

58

Atendendo ao exposto, o primeiro fundamento deve ser julgado improcedente.

Quanto ao segundo fundamento

Argumentos das partes

59

Com o seu segundo fundamento, a República da Lituânia alega, em substância, que, nos n.os 74 a 79 do acórdão recorrido, o Tribunal de Justiça desvirtuou os elementos de prova ao considerar que este Estado‑Membro não tinha demonstrado que a posse de uma quota leiteira provava a existência de uma atividade agrícola comercial.

60

O segundo fundamento divide‑se em duas partes.

61

Na primeira parte do seu segundo fundamento, a República da Lituânia afirma, em substância, que, no n.o 74 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral deveria ter deduzido dos elementos de prova que ela apresentou que a medida de reforma antecipada estava ligada ao regime de quotas leiteiras, o que fazia com que o registo de um agricultor lituano na base de dados dessas quotas fosse um critério significativo para efeitos da concessão do apoio à reforma antecipada. A este respeito, a República da Lituânia assinala que, no Tribunal Geral, havia invocado uma auditoria efetuada pela Comissão, em abril de 2005, relativa à aplicação nacional das medidas de apoio no setor dos produtos lácteos, e o Relatório especial n.o 4/2008 do Tribunal de Contas da União Europeia, relativo à aplicação das quotas leiteiras nos Estados‑Membros que aderiram à União em 1 de maio de 2004.

62

Segundo a República da Lituânia, esses documentos constituíam um indicador da participação no mercado e, portanto, podiam demonstrar que um agricultor lituano que tivesse obtido uma quota leiteira exercia em atividade agrícola comercial. A este respeito, pouco importa que não tenha sido efetuado nenhum controlo à base de dados das quotas leiteiras aquando da auditoria realizada, de 20 a 24 de abril de 2009, no âmbito da medida de reforma antecipada, uma vez que a Comissão tinha conhecimento do sistema de quotas leiteiras desde 2004.

63

A República da Lituânia considera igualmente que o Tribunal Geral errou ao considerar, no n.o 74 do acórdão recorrido, que o regime de quotas leiteiras não estava ligado às medidas de desenvolvimento rural, como a medida de reforma antecipada. Com efeito, resulta claramente do artigo 33.o‑M, n.o 1, do Regulamento n.o 1257/1999 que os montantes de apoio à reforma antecipada são calculados tendo em conta o volume da quota leiteira atribuída à exploração, confirmando assim o caráter decisivo do critério relativo à quota leiteira para efeitos da obtenção desse apoio.

64

Na segunda parte do seu segundo fundamento, a República da Lituânia acusa o Tribunal Geral de não ter tido em conta, nos n.os 75 a 79 do acórdão recorrido, elementos de prova que lhe foram apresentados que justificavam que a atribuição de quotas leiteiras aos agricultores lituanos demonstrava que estes comercializavam leite e criavam um número adequado de animais.

65

A este respeito, alega, desde logo, que essas provas figuravam no ponto 38, n.o 1, da sua petição em primeira instância, bem como nos pontos 21 e 33 da sua réplica em primeira instância.

66

Seguidamente, a República da Lituânia alega que o Tribunal Geral não teve em conta as suas respostas às questões colocadas por este último no âmbito das medidas de organização do processo, apesar de essas respostas mencionarem nove critérios que demonstravam que os agricultores em causa tinham recebido rendimentos a título da sua produção e que, portanto, tinham exercido uma atividade agrícola comercial.

67

A República da Lituânia alega ainda que, ao contrário do que o Tribunal Geral afirma nos n.os 76 a 78 do acórdão recorrido, respondeu claramente à questão de saber se a simples presença do agricultor na base de dados das quotas leiteiras significava que se presumia que exercia uma atividade agrícola comercial. A este respeito, afirma que indicou expressamente, na resposta que formulou perante o Tribunal Geral, que «[ela] tinha sustentado sempre, ao longo de todo o processo de cooperação com a Comissão, a posição de que a existência de uma inscrição nas bases de dados constitui um fundamento suficiente para confirmar a realidade do exercício de uma atividade agrícola comercial. […]»

68

Finalmente, considera que, ao invés do que o Tribunal Geral afirma no n.o 79 do acórdão recorrido, outros argumentos sustentavam a sua posição quanto à relevância da inscrição de um agricultor na base de dados de quotas leiteiras para efeitos de determinar a existência, no que lhe diz respeito, de uma atividade agrícola comercial. Assim, o Tribunal Geral também deveria ter tido em conta os argumentos adicionais que ela forneceu, nomeadamente nas suas respostas às questões colocadas por esse tribunal, que demonstravam que 43 % dos produtores lituanos não tinham obtido uma quota leiteira, o que atestava a verificação, efetuada pelas autoridades lituanas, da realidade da participação do agricultor em causa no mercado e da sua obtenção de rendimentos.

69

A Comissão contesta o mérito desta argumentação.

Apreciação do Tribunal de Justiça

70

Convém recordar que, de acordo com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, decorre do artigo 256.o, n.o 1, segundo parágrafo, TFUE e do artigo 58.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia que este não é competente para conhecer dos factos nem, em princípio, para examinar as provas que o Tribunal Geral aceitou em apoio desses factos. Com efeito, quando essas provas tiverem sido obtidas regularmente e os princípios gerais de direito e as regras processuais aplicáveis em matéria de ónus e de produção da prova tiverem sido respeitados, cabe exclusivamente ao Tribunal Geral a apreciação do valor a atribuir aos elementos que lhe foram submetidos. Consequentemente, esta apreciação não constitui, exceto em caso de desvirtuação desses elementos, uma questão de direito sujeita, enquanto tal, à fiscalização do Tribunal de Justiça.

71

Tal desvirtuação existe quando, sem ter recorrido a novos elementos de prova, a apreciação dos elementos de prova existentes parece manifestamente errada. Todavia, essa desvirtuação deve resultar de forma manifesta dos documentos dos autos, sem que seja necessário proceder a uma nova apreciação dos factos e das provas. Além disso, quando um recorrente alegue uma desvirtuação de elementos de prova pelo Tribunal Geral, deve indicar de modo preciso os elementos que, em seu entender, foram desvirtuados e demonstrar os erros de análise que, na sua apreciação, levaram o Tribunal Geral a essa desvirtuação (v., neste sentido, Acórdão de 19 de setembro de 2019, Polónia/Comissão, C‑358/18 P, não publicado, EU:C:2019:763, n.o 45 e jurisprudência aí referida).

72

Com o seu fundamento, intitulado «Desvirtuação das circunstâncias de facto» e resumido da seguinte forma: «o Tribunal Geral […] desvirtuou os factos quando concluiu, nos n.os 74 a 79 do acórdão recorrido, que o Governo lituano não demonstrou que a posse de uma quota leiteira significa que o requerente exercia um atividade agrícola comercial, o que não correspondia, em substância, aos documentos do processo que foram comunicados ao Tribunal Geral», a recorrente alega que o Tribunal Geral desvirtuou os elementos de provas em dois sentidos.

73

Em primeiro lugar, a alegação de desvirtuação dos elementos de prova, no n.o 74 do acórdão recorrido, no que respeita à conclusão do Tribunal Geral de que a Comissão podia considerar que o regime de quotas leiteiras não estava ligado às medidas de desenvolvimento rural, como a medida de reforma antecipada, só pode ser rejeitada.

74

Com efeito, resulta desse ponto do acórdão recorrido, que deve ser lido em conjugação com o n.o 73 desse mesmo acórdão, que o Tribunal Geral se limitou a constatar que, embora dissessem efetivamente respeito ao regime de quotas leiteiras, os dois documentos invocados pela República da Lituânia não demonstravam, porém, que o funcionamento da base de dados relativa às quotas leiteiras tinha sido objeto da auditoria realizada de 20 a 24 de abril de 2009 no âmbito da medida de reforma antecipada e que, por conseguinte, a Comissão tinha tido conhecimento da ligação entre o regime de quotas leiteiras e a medida de apoio à reforma antecipada. Por conseguinte, foi no exercício do seu poder soberano de apreciação dos elementos de prova que o Tribunal Geral inferiu daí, no n.o 74 do referido acórdão, que a Comissão pôde considerar que o regime de quotas leiteiras não estava ligado às medidas de desenvolvimento rural, como a medida de reforma antecipada.

75

Ao fazê‑lo, o Tribunal Geral não cometeu nenhuma desvirtuação dos factos e dos elementos de prova.

76

Em segundo lugar, a alegação da República da Lituânia de que o Tribunal Geral desvirtuou os elementos de prova, nos n.os 75 a 79 do acórdão recorrido, ao não ter em conta elementos que demonstravam que, para poderem beneficiar de uma quota leiteira, os agricultores lituanos tinham de provar que estavam a comercializar leite, deve ser rejeitada.

77

Com efeito, cabe salientar que a segunda parte do segundo fundamento é, na realidade, relativa ao facto de o Tribunal Geral não ter tomado em consideração os elementos de prova apresentados pela recorrente perante ele. No entanto, basta referir que, como decorre do n.o 54 do presente acórdão, o Tribunal Geral teve em conta, nos n.os 75 a 81 do acórdão recorrido, todos os elementos de prova apresentados pela recorrente. Por conseguinte, esta alegação deve ser rejeitada.

78

À luz de todas as considerações anteriores, o segundo fundamento deve ser rejeitado como infundado.

79

Uma vez que os dois fundamentos de recurso apresentados pela República da Lituânia devem ser declarados infundados, há que negar provimento ao presente recurso na íntegra.

Quanto às despesas

80

Nos termos do disposto no artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, aplicável aos processos de recursos de decisões do Tribunal Geral por força do artigo 184.o, n.o 1, do mesmo regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação da República da Lituânia e tendo esta sido vencida, há que condená‑la nas despesas.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Nona Secção) decide:

 

1)

É negado provimento ao recurso.

 

2)

A República da Lituânia é condenada nas despesas.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: lituano.