ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

11 de junho de 2020 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Transporte aéreo — Regulamento (CE) n.o 261/2004 — Artigo 5.o, n.o 3 — Artigo 7.o, n.o 1 — Indemnização aos passageiros dos transportes aéreos em caso de recusa de embarque e de cancelamento ou atraso considerável dos voos — Isenção — Conceito de “circunstâncias extraordinárias” — “Passageiros desordeiros” (“Unruly passengers”) — Invocabilidade da ocorrência de uma circunstância extraordinária para um voo não afetado por esta — Conceito de “medidas razoáveis”»

No processo C‑74/19,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa (Portugal), por Decisão de 21 de janeiro de 2019, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 31 de janeiro de 2019, no processo

LE

contra

Transportes Aéreos Portugueses, SA,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: M. Vilaras, presidente de secção, S. Rodin, D. Šváby (relator), K. Jürimäe e N. Piçarra, juízes,

advogado‑geral: P. Pikamäe,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 5 de dezembro de 2019,

considerando as observações apresentadas:

em representação da Transportes Aéreos Portugueses, SA, por M. Riso, advogada,

em representação do Governo português, por L. Inez Fernandes, P. Lacerda, P. Barros da Costa e L. Guerreiro, na qualidade de agentes,

em representação do Governo alemão, por J. Möller, M. Hellmann, U. Bartl e A. Berg, na qualidade de agentes,

em representação do Governo francês, por A.‑L. Desjonquères e A. Ferrand, na qualidade de agentes,

em representação do Governo austríaco, inicialmente, por G. Hesse, em seguida, por J. Schmoll, na qualidade de agentes,

em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por B. Rechena e N. Yerrell, na qualidade de agentes,

em representação da Agência Europeia para a Segurança da Aviação (AESA), por S. Rostren e R. Sousa Uva, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 27 de fevereiro de 2020,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento (CE) n.o 261/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de fevereiro de 2004, que estabelece regras comuns para a indemnização e a assistência aos passageiros dos transportes aéreos em caso de recusa de embarque e de cancelamento ou atraso considerável dos voos e que revoga o Regulamento (CEE) n.o 295/91 (JO 2004, L 46, p. 1).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe LE à sociedade Transportes Aéreos Portugueses, SA (a seguir «TAP»), uma transportadora aérea, a respeito da recusa desta última de indemnizar esse passageiro, cujo voo sofreu um atraso considerável.

Quadro jurídico

Direito internacional

Convenção de Tóquio

3

A Convenção Referente às Infrações e a Certos outros Atos Cometidos a Bordo de Aeronaves (Recueil des traités des Nations unies, vol. 704, p. 219; a seguir «Convenção de Tóquio»), foi assinada em Tóquio, em 14 de setembro de 1963, e entrou em vigor em 4 de dezembro de 1969.

4

Todos os Estados‑Membros são partes contratantes da Convenção de Tóquio, mas a União Europeia não.

5

O artigo 1.o, n.o 1, desta convenção dispõe:

«A presente Convenção aplicar‑se‑á:

a)

Às infrações à lei penal;

b)

Aos atos que, embora não constituam infrações, possam pôr ou ponham em perigo a segurança da aeronave, ou das pessoas ou bens, ou que ponham em perigo a boa ordem e a disciplina a bordo[.]»

6

O artigo 6.o, n.o 1, da referida convenção prevê:

«Quando o comandante da aeronave tiver fundadas razões para crer que uma pessoa praticou, ou está prestes a praticar, a bordo uma infração ou um ato previstos no artigo 1.o, n.o 1, poderá adotar em relação a essa pessoa as medidas razoáveis, inclusive coercivas, que se tornem necessárias:

a)

Para garantir a segurança da aeronave ou das pessoas ou bens a bordo;

b)

Para manter a ordem e a disciplina a bordo;

c)

Para lhe permitirem entregar essa pessoa às autoridades competentes ou desembarcá‑la, de harmonia com as disposições do presente capítulo.»

7

Na sequência da entrada em vigor, em 1 de janeiro de 2020, do Protocolo que Altera a Convenção Referente às Infrações e a Certos outros Atos Cometidos a Bordo de Aeronaves, assinado em Montreal, em 4 de abril de 2014, o artigo 6.o da Convenção de Tóquio sofreu uma alteração. Todavia, esta alteração não é aplicável, pelo menos ratione temporis, aos factos no processo principal.

Acordo EEE

8

No capítulo com a epígrafe «Os transportes», o artigo 47.o, n.o 2, do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 2 de maio de 1992 (JO 1994, L 1, p. 3), conforme alterado pelo Acordo sobre a Participação da República da Bulgária e da Roménia no Espaço Económico Europeu (JO 2007, L 221, p. 15) (a seguir «Acordo EEE»), prevê que as disposições específicas aplicáveis a todos os modos de transporte constam do anexo XIII do Acordo EEE.

9

O artigo 126.o, n.o 1, deste acordo tem a seguinte redação:

«O presente Acordo é aplicável aos territórios a que é aplicável o Tratado que institui a Comunidade Económica Europeia, nas condições fixadas nesse Tratado, e aos territórios da Islândia, do Principado do Liechtenstein e do Reino da Noruega.»

10

Sob a epígrafe «Referências a territórios», o ponto 8 do Protocolo n.o 1 do referido acordo dispõe:

«Sempre que os atos referidos contenham referências ao território da “Comunidade” ou do “mercado comum”, tais referências devem, para efeitos do Acordo, ser entendidas como referências aos territórios das Partes Contratantes, tal como definido no artigo 126.o do Acordo.»

11

Sob o título «Introdução», o anexo XIII do Acordo EEE, com a epígrafe «Transportes — Lista prevista no artigo 47.o», enuncia:

«Sempre que os atos referidos no presente Anexo contenham noções ou referências a procedimentos específicos da ordem jurídica comunitária, tais como:

preâmbulos;

destinatários dos atos comunitários;

referências a territórios ou línguas das Comunidades;

referências a direitos e obrigações dos Estados‑Membros das Comunidades Europeias, dos seus organismos públicos, empresas ou particulares nas relações entre si; e

referências a procedimentos de informação e notificação,

é aplicável o Protocolo n.o 1, relativo às adaptações horizontais, salvo disposição em contrário do presente Anexo.»

Direito da União

Regulamento n.o 261/2004

12

Os considerandos 1 e 13 a 15 do Regulamento n.o 261/2004 enunciam:

«(1)

A ação da Comunidade no domínio do transporte aéreo deve ter, entre outros, o objetivo de garantir um elevado nível de proteção dos passageiros. Além disso, devem ser tidas plenamente em conta as exigências de proteção dos consumidores em geral.

[...]

(13)

Os passageiros cujos voos sejam cancelados deverão poder ser reembolsados do pagamento dos seus bilhetes ou ser reencaminhados em condições satisfatórias e deverão receber assistência adequada enquanto aguardam um voo posterior.

(14)

Tal como ao abrigo da Convenção de Montreal, as obrigações a que estão sujeitas as transportadoras aéreas operadoras deverão ser limitadas ou eliminadas nos casos em que a ocorrência tenha sido causada por circunstâncias extraordinárias que não poderiam ter sido evitadas mesmo que tivessem sido tomadas todas as medidas razoáveis. Essas circunstâncias podem sobrevir, em especial, em caso de instabilidade política, condições meteorológicas incompatíveis com a realização do voo em causa, riscos de segurança, falhas inesperadas para a segurança do voo e greves que afetem o funcionamento da transportadora aérea.

(15)

Considerar‑se‑á que existem circunstâncias extraordinárias sempre que o impacto de uma decisão de gestão do tráfego aéreo, relativa a uma determinada aeronave num determinado dia provoque um atraso considerável, um atraso de uma noite ou o cancelamento de um ou mais voos dessa aeronave, não obstante a transportadora aérea em questão ter efetuado todos os esforços razoáveis para evitar atrasos ou cancelamentos.»

13

O artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 261/2004 prevê:

«O presente regulamento aplica‑se:

a)

Aos passageiros que partem de um aeroporto localizado no território de um Estado‑Membro a que o Tratado se aplica;

b)

Aos passageiros que partem de um aeroporto localizado num país terceiro com destino a um aeroporto situado no território de um Estado‑Membro a que o Tratado se aplica, a menos que tenham recebido benefícios ou uma indemnização e que lhes tenha sido prestada assistência nesse país terceiro, se a transportadora aérea operadora do voo em questão for uma transportadora comunitária.»

14

O artigo 5.o deste regulamento dispõe:

«1.   Em caso de cancelamento de um voo, os passageiros em causa têm direito a:

[...]

c)

Receber da transportadora aérea operadora indemnização nos termos do artigo 7.o, [...]

[...]

3.   A transportadora aérea operadora não é obrigada a pagar uma indemnização nos termos do artigo 7.o, se puder provar que o cancelamento se ficou a dever a circunstâncias extraordinárias que não poderiam ter sido evitadas mesmo que tivessem sido tomadas todas as medidas razoáveis.

[...]»

15

Sob a epígrafe «Direito a indemnização», o artigo 7.o do referido regulamento prevê, no seu n.o 1:

«Em caso de remissão para o presente artigo, os passageiros devem receber uma indemnização no valor de:

[...]

c)

600 euros para todos os voos não abrangidos pelas alíneas a) ou b).

[...]»

16

Sob a epígrafe «Direito a reembolso ou reencaminhamento», o artigo 8.o do Regulamento n.o 261/2004 dispõe, no seu n.o 1:

«Em caso de remissão para o presente artigo, deve ser oferecida aos passageiros a escolha entre:

a)

O reembolso no prazo de sete dias, de acordo com as modalidades previstas no n.o 3 do artigo 7.o, do preço total de compra do bilhete, para a parte ou partes da viagem não efetuadas, e para a parte ou partes da viagem já efetuadas se o voo já não se justificar em relação ao plano inicial de viagem, cumulativamente, nos casos em que se justifique,

um voo de regresso para o primeiro ponto de partida;

b)

O reencaminhamento, em condições de transporte equivalentes, para o seu destino final, na primeira oportunidade; ou

c)

O reencaminhamento, em condições de transporte equivalentes, para o seu destino final numa data posterior, da conveniência do passageiro, sujeito à disponibilidade de lugares.»

Regulamento (CE) n.o 216/2008

17

Nos termos do ponto 7.d do anexo IV, com a epígrafe «Requisitos essenciais para as operações aéreas no que se refere ao artigo 8.o», do Regulamento (CE) n.o 216/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de fevereiro de 2008, relativo a regras comuns no domínio da aviação civil e que cria a Agência Europeia para a Segurança da Aviação, e que revoga a Diretiva 91/670/CEE do Conselho, o Regulamento (CE) n.o 1592/2002 e a Diretiva 2004/36/CE (JO 2008, L 79, p. 1):

«Numa situação de emergência, que ponha em risco a operação ou a segurança da aeronave e/ou das pessoas a bordo, o piloto comandante deve tomar as medidas que considerar necessárias por razões de segurança. [...]»

18

O Regulamento n.o 216/2008 foi revogado, com efeitos a partir de 11 de setembro de 2018, pelo Regulamento (UE) 2018/1139 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de julho de 2018, relativo a regras comuns no domínio da aviação civil que cria a Agência da União Europeia para a Segurança da Aviação, altera os Regulamentos (CE) n.o 2111/2005, (CE) n.o 1008/2008, (UE) n.o 996/2010 e (UE) n.o 376/2014 e as Diretivas 2014/30/UE e 2014/53/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, e revoga os Regulamentos (CE) n.o 552/2004 e n.o 216/2008 e o Regulamento (CEE) n.o 3922/91 do Conselho (JO 2018, L 212, p. 1). No entanto, o Regulamento n.o 2018/1139 não é aplicável ratione temporis ao litígio no processo principal.

Regulamento n.o 965/2012

19

A secção «CAT.GEN.MPA.105 Responsabilidades do comandante», alínea a), do anexo IV, com a epígrafe «Operações de transporte aéreo comercial», do Regulamento (UE) n.o 965/2012 da Comissão, de 5 de outubro de 2012, que estabelece os requisitos técnicos e os procedimentos administrativos para as operações aéreas, em conformidade com o Regulamento n.o 216/2008 (JO 2012, L 296, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (UE) n.o 800/2013 da Comissão, de 14 de agosto de 2013 (JO 2013, L 227, p. 1) (a seguir «Regulamento n.o 965/2012»), enuncia:

«Além de dever cumprir o disposto na secção CAT.GEN.MPA.100, o comandante:

[...]

4)

Tem autoridade para fazer desembarcar qualquer pessoa ou qualquer volume de carga que possa constituir um risco potencial para a segurança da aeronave ou dos seus ocupantes;

5)

Não autoriza o transporte de pessoas que aparentem estar sob a influência de álcool ou de drogas, de tal modo que possam constituir um risco para a segurança da aeronave ou dos seus ocupantes;

[...]»

20

A secção «CAT.GEN.MPA.110 Autoridade do comandante» deste anexo tem a seguinte redação:

«O operador deve tomar todas as medidas razoáveis para assegurar que todas as pessoas a bordo da aeronave obedecem a todas as ordens legais dadas pelo comandante, tendo em vista a segurança da aeronave e das pessoas e carga transportadas.»

Regulamento (UE) n.o 376/2014

21

O artigo 2.o, ponto 7, do Regulamento (UE) n.o 376/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de abril de 2014, relativo à comunicação, à análise e ao seguimento de ocorrências na aviação civil, que altera o Regulamento (UE) n.o 996/2010 do Parlamento Europeu e do Conselho e revoga a Diretiva 2003/42/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, e os Regulamentos (CE) n.o 1321/2007 e (CE) n.o 1330/2007 da Comissão (JO 2014, L 122, p. 18), prevê:

«Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

[...]

7)

“Ocorrência”: um evento relacionado com a segurança que ponha em perigo ou, caso não seja corrigido ou solucionado, que possa pôr em perigo uma aeronave, os seus ocupantes ou outras pessoas; as ocorrências incluem, em particular, os acidentes e os incidentes graves».

22

O artigo 4.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 376/2014 dispõe:

«As ocorrências suscetíveis de representar um risco grave para a segurança da aviação, abrangidas pelas categorias que se seguem, são comunicadas pelas pessoas enumeradas no n.o 6 através dos sistemas de comunicação obrigatória de ocorrências nos termos do presente artigo:

a)

Ocorrências relacionadas com a operação das aeronaves, tais como:

i)

ocorrências relacionadas com uma colisão,

ii)

ocorrências relacionadas com a descolagem e a aterragem,

iii)

ocorrências relacionadas com o combustível,

iv)

ocorrências em voo,

v)

ocorrências relacionadas com a comunicação,

vi)

ocorrências relacionadas com ferimentos, emergências e outras situações críticas,

vii)

ocorrências relacionadas com a tripulação e com a incapacitação da tripulação,

viii)

ocorrências relacionadas com as condições meteorológicas ou com a segurança não operacional».

Regulamento de Execução (UE) 2015/1018

23

O artigo 1.o do Regulamento de Execução (UE) 2015/1018 da Comissão, de 29 de junho de 2015, que estabelece uma lista com a classificação das ocorrências na aviação civil que devem ser obrigatoriamente comunicadas nos termos do Regulamento n.o 376/2014 (JO 2015, L 163, p. 1), enuncia:

«A classificação detalhada das ocorrências a que deve ser feita referência na comunicação, ao abrigo dos sistemas de comunicação obrigatória, nos termos do artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento [n.o 376/2014], consta dos anexos I a V do regulamento.»

24

O título 6, ponto 2, do anexo I do Regulamento de Execução 2015/1018 prevê, enquanto ocorrência a que se refere o artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 376/2014 relacionada com a segurança, a «[d]ificuldade em controlar passageiros sob o efeito do álcool, violentos ou indisciplinados».

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

25

LE fez uma reserva de um voo na TAP, de Fortaleza (Brasil) para Oslo (Noruega), com escala em Lisboa (Portugal).

26

Esse voo foi realizado em 21 de agosto e 22 de agosto de 2017, com um atraso à chegada a Oslo de cerca de 24 horas. Este atraso teve origem no facto de LE não ter podido embarcar no segundo voo do voo com escala, de Lisboa para Oslo, em razão de um atraso à chegada do primeiro voo, entre Fortaleza e Lisboa. Este último atraso deveu‑se ao facto de a aeronave que operou esse voo ter desviado para Las Palmas da Grande Canária (Espanha), no seu voo anterior, de Lisboa para Fortaleza, para desembarcar um passageiro desordeiro que tinha mordido um passageiro e agredido outros passageiros assim como a tripulação de cabina. Por conseguinte, LE foi transportado para Oslo no voo subsequente, operado pela TAP no dia seguinte.

27

Devido a esse atraso de mais de três horas, LE exigiu à TAP o pagamento da indemnização de 600 euros prevista no artigo 5.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 261/2004, lido em conjugação com o artigo 7.o, n.o 1, alínea a), deste regulamento, conforme interpretados pelo Tribunal de Justiça.

28

Tendo a TAP recusado pagar essa indemnização com o fundamento de que o atraso considerável em questão tinha origem numa circunstância extraordinária e que o envio de outra aeronave não teria permitido obviar a esse atraso, LE intentou uma ação no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa (Portugal).

29

O órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas sobre a qualificação jurídica da circunstância que está na origem do referido atraso, sobre se uma transportadora aérea operadora pode invocar essa circunstância quando a mesma afetou a aeronave que realizou o voo em causa, mas no decurso de um voo anterior a este último, e sobre a razoabilidade das medidas mobilizadas por esta transportadora.

30

Nestas circunstâncias, o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

É enquadrável no conceito de “circunstâncias extraordinárias”, referido no Considerando (14) do Regulamento [n.o 261/2004], a circunstância de um passageiro, no decurso de um voo, morder outros passageiros e agredir a tripulação que o tentou acalmar, de tal forma que justificou, segundo o Comandante do voo, um desvio para um aeroporto mais próximo de forma a desembarcar esse passageiro e respectiva bagagem, o que origina o atraso desse voo no seu destino?

2)

Uma “circunstância extraordinária” verificada no voo de ida, imediatamente anterior, realizado pela mesma aeronave, releva para eximir a responsabilidade da transportadora aérea em relação ao atraso na partida dessa aeronave no voo de regresso, onde embarca o passageiro reclamante, ora Autor?

3)

A ponderação e a conclusão por parte da ré de que o envio de uma outra aeronave não evitaria o atraso já em curso e bem assim o encaminhamento do passageiro, ora Autor, em transbordo, para o voo do dia seguinte, por aquela companhia, ora ré ter apenas um voo diário para o destino final do passageiro, corresponde a uma conduta por parte da transportadora aérea, ora ré, em que aquela tomou todas as medidas razoáveis mas, mesmo assim, não foi possível obviar ao atraso verificado, para efeitos do disposto no art.° 5.°, n.o3, do Regulamento [n.o 261/2004]?»

Quanto às questões prejudiciais

Observação preliminar

31

Em conformidade com o seu artigo 3.o, n.o 1, alínea b), o Regulamento n.o 261/2004 aplica‑se, designadamente, aos passageiros que partem de um aeroporto localizado num país terceiro com destino a um aeroporto situado no território de um Estado‑Membro a que o Tratado FUE se aplica, a menos que tenham recebido benefícios ou uma indemnização e que lhes tenha sido prestada assistência nesse país terceiro, se a transportadora aérea operadora do voo em questão for uma transportadora comunitária.

32

No entanto, em aplicação do artigo 47.o, n.o 2, do Acordo EEE, lido em conjugação com o seu artigo 126.o, n.o 1, o ponto 8 do Protocolo n.o 1 deste acordo e o anexo XIII do referido acordo, o Regulamento n.o 261/2004 é aplicável, nas condições fixadas por este, aos voos com partida ou com destino a um aeroporto situado no território norueguês.

33

Por conseguinte, e na medida em que, no decurso do processo no Tribunal de Justiça, não foi de modo algum evocado que o passageiro em questão recebeu no Brasil benefícios ou uma indemnização e que lhe foi prestada assistência, o que, todavia, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, um voo com escala operado por uma transportadora comunitária, neste caso a TAP, com partida de Fortaleza e cujo destino final é Oslo, está abrangido pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.o 261/2004.

Quanto à primeira questão

34

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 261/2004, lido à luz do considerando 14 deste regulamento, deve ser interpretado no sentido de que o comportamento perturbador de um passageiro que justificou que o piloto comandante da aeronave desviasse o voo em causa para um aeroporto diferente do de chegada, para desembarcar esse passageiro e a respetiva bagagem, está abrangido pelo conceito de «circunstância extraordinária», na aceção desta disposição.

35

Há que recordar que, em caso de cancelamento de voo ou de atraso considerável, isto é, de duração igual ou superior a três horas, o legislador da União entendeu estruturar as obrigações das transportadoras aéreas previstas no artigo 5.o, n.o 1, do Regulamento n.o 261/2004 (Acórdão de 4 de abril de 2019, Germanwings, C‑501/17, EU:C:2019:288, n.o 18).

36

Nos termos dos considerandos 14 e 15 e do artigo 5.o, n.o 3, desse regulamento, conforme interpretados pelo Tribunal de Justiça, a transportadora aérea não é obrigada a indemnizar os passageiros, nos termos do artigo 7.o do Regulamento n.o 261/2004, se puder provar que o cancelamento ou o atraso do voo igual ou superior a três horas à chegada se ficou a dever a «circunstâncias extraordinárias» que não poderiam ter sido evitadas mesmo que tivessem sido tomadas todas as medidas razoáveis e, em caso de ocorrência de uma circunstância dessa natureza, que adotou as medidas adaptadas à situação, mobilizando todos os recursos humanos, materiais e financeiros de que dispunha, a fim de evitar que esta levasse ao cancelamento ou ao atraso considerável do voo em causa, sem que lhe possa ser exigido, todavia, que aceite sacrifícios insuportáveis face às capacidades da sua empresa no momento relevante (Acórdão de 4 de abril de 2019, Germanwings, C‑501/17, EU:C:2019:288, n.o 19).

37

Segundo jurisprudência constante, podem ser qualificados de «circunstâncias extraordinárias», na aceção do artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 261/2004, os eventos que, devido à sua natureza ou à sua origem, não são inerentes ao exercício normal da atividade da transportadora aérea em causa e escapam ao controlo efetivo desta, sendo cumulativos estes dois requisitos (Acórdãos de 4 de abril de 2019, Germanwings, C‑501/17, EU:C:2019:288, n.o 20, e de 12 de março de 2020, Finnair, C‑832/18, EU:C:2020:204, n.o 38).

38

Nos termos do considerando 14 do referido regulamento, essas circunstâncias podem sobrevir, em especial, em caso de riscos de segurança (Acórdão de 22 de dezembro de 2008, Wallentin‑Hermann, C‑549/07, EU:C:2008:771, n.o 21).

39

Ora, é pacífico que o comportamento perturbador de um passageiro que justificou que o piloto comandante da aeronave, a quem cabe, em conformidade com o artigo 6.o da Convenção de Tóquio e o ponto 7.d do anexo IV do Regulamento n.o 216/2008, tomar as medidas necessárias por razões de segurança, desviasse o voo em causa para um aeroporto diferente do de chegada, para desembarcar esse passageiro e a respetiva bagagem, põe efetivamente em causa a segurança desse voo.

40

A este respeito, importa notar que o legislador da União indicou, como resulta do artigo 4.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 376/2014, lido em conjugação com o artigo 2.o, ponto 7, deste regulamento, com o artigo 1.o do Regulamento de Execução 2015/1018 e com o título 6, ponto 2, do anexo I deste último regulamento, que a dificuldade em controlar passageiros sob o efeito do álcool, violentos ou indisciplinados é suscetível de representar um risco grave para a segurança da aviação e, por esse facto, deve ser comunicada através dos sistemas de comunicação obrigatória de ocorrências nos termos do artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 376/2014.

41

Além disso, por um lado, um comportamento perturbador de gravidade tal que justificou que o piloto comandante tivesse procedido ao desvio do voo em causa não é inerente ao exercício normal da atividade da transportadora aérea operadora em causa.

42

Com efeito, ainda que o transporte aéreo de passageiros constitua a missão principal da referida transportadora e, naturalmente, exponha esta última à necessidade de lidar com os comportamentos dos passageiros que transporta, não é menos verdade que um comportamento como o que está em causa no processo principal não constitui um comportamento que se possa esperar de um passageiro a quem incumbe não só obedecer a todas as ordens do comandante emitidas tendo em vista a segurança a bordo, em conformidade com a secção «CAT.GEN.MPA.110 Autoridade do comandante» do anexo IV do Regulamento n.o 965/2012, mas também zelar para que ele próprio não comprometa a correta execução do contrato de transporte que o vincula à transportadora aérea operadora em causa.

43

Por outro lado, esse comportamento não é, em princípio, controlável pela transportadora aérea operadora em causa, uma vez que, em primeiro lugar, surge num passageiro, cujo comportamento e reações aos pedidos da tripulação não são, em princípio, previsíveis, e, em segundo lugar, a bordo de uma aeronave, o comandante do voo e a tripulação apenas dispõem de recursos limitados para controlar esse passageiro.

44

A este respeito, há que sublinhar que a decisão do piloto comandante, em reação a esse comportamento, de proceder ao desvio da aeronave para desembarcar o referido passageiro e respetiva bagagem, em conformidade com a secção «CAT.GEN.MPA.105 Responsabilidades do comandante», alínea a), do anexo IV do Regulamento n.o 965/2012, foi tomada no âmbito da responsabilidade que lhe incumbe, por força do artigo 8.o e do ponto 7.d do anexo IV do Regulamento n.o 216/2008, de adotar as medidas que considerar necessárias por razões de segurança.

45

Todavia, já assim não será se se afigurar, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, que a transportadora aérea operadora em causa contribuiu para a ocorrência do comportamento perturbador do referido passageiro ou se esta transportadora tivesse podido antecipar esse comportamento e tomar as medidas adequadas num momento em que o podia ter feito sem consequências importantes para a realização do voo em causa, baseando‑se em sinais precursores desse comportamento.

46

A este respeito, como evocado pelo advogado‑geral no n.o 51 das suas conclusões, bem como pelos Governos francês e austríaco e a Comissão Europeia, pode ser esse o caso, designadamente, se a transportadora aérea operadora procedeu ao embarque de um passageiro que revelava, já antes ou mesmo durante o embarque, um comportamento perturbado, e isto apesar de, em conformidade com a secção «NCC.GEN.106 Responsabilidades e autoridade do piloto comandante», alínea b), do anexo VI do Regulamento n.o 965/2012, o piloto comandante ter autoridade para se recusar a transportar ou para desembarcar passageiros, bagagens ou carga que possam representar um risco potencial para a segurança da aeronave ou dos seus ocupantes.

47

Nessa hipótese, o comportamento perturbador de um passageiro, embora continue a não ser inerente ao exercício normal da atividade da transportadora aérea em causa, poderia ser controlado pela referida transportadora, o que exclui que esse comportamento possa ser qualificado de «circunstância extraordinária», na aceção do artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 261/2004.

48

Atendendo ao que precede, há que responder à primeira questão que o artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 261/2004, lido à luz do considerando 14 deste regulamento, deve ser interpretado no sentido de que o comportamento perturbador de um passageiro que justificou que o piloto comandante da aeronave desviasse o voo em causa para um aeroporto diferente do de chegada, para desembarcar esse passageiro e a respetiva bagagem, está abrangido pelo conceito de «circunstância extraordinária», na aceção desta disposição, a menos que a transportadora aérea operadora tenha contribuído para a ocorrência desse comportamento ou não tenha tomado as medidas adequadas tendo em conta os sinais precursores desse comportamento, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

Quanto à segunda questão

49

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 261/2004, lido à luz do considerando 14 deste regulamento, deve ser interpretado no sentido de que, para se eximir à sua obrigação de indemnização dos passageiros em caso de atraso considerável ou de cancelamento de um voo, uma transportadora aérea operadora pode invocar uma «circunstância extraordinária» que não afetou o referido voo cancelado ou atrasado, mas um voo anterior operado pela própria com recurso à mesma aeronave.

50

Como foi recordado no n.o 36 do presente acórdão, a transportadora aérea pode não ser obrigada a indemnizar os passageiros, nos termos do artigo 5.o, n.o 1, e do artigo 7.o do Regulamento n.o 261/2004, se puder provar, nomeadamente, que o cancelamento ou o atraso considerável do voo em causa se ficou a dever a «circunstâncias extraordinárias».

51

A este respeito, importa salientar, por um lado, que nem os considerandos 14 e 15 do Regulamento n.o 261/2004 nem o artigo 5.o, n.o 3, deste regulamento limitam a faculdade reconhecida às transportadoras aéreas operadoras de invocar uma «circunstância extraordinária» apenas à hipótese de essa circunstância ter afetado o voo atrasado ou cancelado, excluindo a hipótese de a referida circunstância ter afetado um voo anterior operado pela mesma aeronave.

52

Por outro lado, a ponderação dos interesses dos passageiros aéreos e das transportadoras aéreas que presidiu à adoção do Regulamento n.o 261/2004 (Acórdãos de 19 de novembro de 2009, Sturgeon e o., C‑402/07 e C‑432/07, EU:C:2009:716, n.o 67, e de 23 de outubro de 2012, Nelson e o., C‑581/10 e C‑629/10, EU:C:2012:657, n.o 39) pressupõe que se tenham em conta as modalidades de operação das aeronaves pelas transportadoras aéreas e, em especial, o facto, evocado pelos interessados que participaram no presente processo, de que, pelo menos para determinadas categorias de voos, uma mesma aeronave possa realizar vários voos sucessivos, ao longo do mesmo dia, o que implica que qualquer circunstância extraordinária que afete uma aeronave num voo anterior se repercute no voo ou nos voos subsequentes desta.

53

Por conseguinte, para se eximir à sua obrigação de indemnização dos passageiros em caso de atraso considerável ou de cancelamento de um voo, uma transportadora aérea operadora deve poder invocar uma «circunstância extraordinária» que afetou um voo anterior operado pela própria com recurso à mesma aeronave.

54

No entanto, tendo em conta não apenas o objetivo referido no considerando 1 do Regulamento n.o 261/2004, de garantir um elevado nível de proteção dos passageiros, mas igualmente a redação do artigo 5.o, n.o 3, deste regulamento, a invocação dessa circunstância extraordinária pressupõe que exista um nexo de causalidade direta entre a ocorrência dessa circunstância que afetou um voo anterior e o atraso ou o cancelamento de um voo seguinte, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar à luz dos elementos de facto à sua disposição e tendo em conta, designadamente, as modalidades de operação da aeronave em causa.

55

Atendendo ao que precede, há que responder à segunda questão que o artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 261/2004, lido à luz do considerando 14 deste regulamento, deve ser interpretado no sentido de que, para se eximir à sua obrigação de indemnização dos passageiros em caso de atraso considerável ou de cancelamento de um voo, uma transportadora aérea operadora pode invocar uma «circunstância extraordinária» que afetou um voo anterior operado pela própria com recurso à mesma aeronave, desde que exista um nexo de causalidade direta entre a ocorrência dessa circunstância e o atraso ou o cancelamento do voo seguinte, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar tendo em conta, designadamente, o modo de operação da aeronave em questão pela transportadora aérea operadora em causa.

Quanto à terceira questão

56

Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 261/2004, lido à luz do considerando 14 deste regulamento, deve ser interpretado no sentido de que o facto de uma transportadora aérea proceder ao reencaminhamento de um passageiro, porque a aeronave que o transportava foi afetada por uma circunstância extraordinária, com recurso a um voo operado pela própria e que implicou que esse passageiro chegasse no dia seguinte ao inicialmente previsto constitui uma «medida razoável» que exime essa transportadora à sua obrigação de indemnização prevista no artigo 5.o, n.o 1, alínea c), e no artigo 7.o, n.o 1, desse regulamento.

57

Como foi recordado no n.o 36 do presente acórdão, em caso de ocorrência de uma circunstância extraordinária, a transportadora aérea operadora apenas se exime à sua obrigação de indemnização prevista no artigo 5.o, n.o 1, alínea c), e no artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 261/2004 se puder provar que adotou as medidas adaptadas à situação, mobilizando todos os recursos humanos, materiais e financeiros de que dispunha, a fim de evitar que essa circunstância levasse ao cancelamento ou ao atraso considerável do voo em causa, sem que, todavia, lhe possa ser exigido que aceite sacrifícios insuportáveis face às capacidades da sua empresa no momento relevante.

58

Daqui decorre, em conformidade com o objetivo de garantia de um elevado nível de proteção dos passageiros, referido no considerando 1 do Regulamento n.o 261/2004, e com a exigência de um reencaminhamento razoável, satisfatório e na primeira oportunidade dos passageiros afetados por um cancelamento ou um atraso considerável do voo, referida nos considerandos 12 e 13 e no artigo 8.o, n.o 1, deste regulamento, que, em caso de ocorrência de uma circunstância extraordinária, a transportadora aérea que pretenda eximir‑se à sua obrigação de indemnização dos passageiros, prevista no artigo 5.o, n.o 1, alínea c), e no artigo 7.o do referido regulamento, adotando as medidas razoáveis recordadas no número anterior não pode, em princípio, limitar‑se a oferecer aos passageiros em causa o reencaminhamento para o seu destino final no próximo voo operado pela própria e com chegada ao destino no dia seguinte ao inicialmente previsto para a sua chegada.

59

Com efeito, a diligência exigida a essa transportadora aérea a fim de lhe permitir eximir‑se à sua obrigação de indemnização pressupõe que ela mobilize todos os recursos à sua disposição para assegurar um reencaminhamento razoável, satisfatório e na primeira oportunidade, entre os quais se inclui a procura de outros voos diretos ou indiretos eventualmente operados por outras transportadoras aéreas que sejam membros ou não da mesma aliança aérea e com chegada num horário menos tardio que o voo seguinte da transportadora aérea em causa.

60

Assim, só se não houver nenhum lugar disponível noutro voo direto ou indireto que permita ao passageiro em causa chegar ao seu destino final num horário menos tardio que o voo seguinte da transportadora aérea em causa ou se a realização desse reencaminhamento constituir para essa transportadora aérea um sacrifício insuportável face às capacidades da sua empresa no momento relevante é que se deve considerar que a referida transportadora aérea mobilizou todos os recursos de que dispunha ao reencaminhar o passageiro em causa para o voo seguinte por ela operado.

61

Por conseguinte, há que responder à terceira questão que o artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 261/2004, lido à luz do considerando 14 deste regulamento, deve ser interpretado no sentido de que o facto de uma transportadora aérea proceder ao reencaminhamento de um passageiro, porque a aeronave que o transportava foi afetada por uma circunstância extraordinária, com recurso a um voo operado pela própria e que implicou que esse passageiro chegasse no dia seguinte ao inicialmente previsto não constitui uma «medida razoável» que exime essa transportadora à sua obrigação de indemnização prevista no artigo 5.o, n.o 1, alínea c), e no artigo 7.o, n.o 1, deste mesmo regulamento, a menos que não existisse nenhuma outra possibilidade de reencaminhamento direto ou indireto para um voo operado pela própria ou por qualquer outra operadora aérea e com chegada num horário menos tardio que o voo seguinte da transportadora aérea em causa ou que a realização desse reencaminhamento constituísse para esta última um sacrifício insuportável face às capacidades da sua empresa no momento relevante, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar.

Quanto às despesas

62

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

 

1)

O artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento (CE) n.o 261/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de fevereiro de 2004, que estabelece regras comuns para a indemnização e a assistência aos passageiros dos transportes aéreos em caso de recusa de embarque e de cancelamento ou atraso considerável dos voos e que revoga o Regulamento (CEE) n.o 295/91, lido à luz do considerando 14 deste regulamento, deve ser interpretado no sentido de que o comportamento perturbador de um passageiro que justificou que o piloto comandante da aeronave desviasse o voo em causa para um aeroporto diferente do de chegada, para desembarcar esse passageiro e a respetiva bagagem, está abrangido pelo conceito de «circunstância extraordinária», na aceção desta disposição, a menos que a transportadora aérea operadora tenha contribuído para a ocorrência desse comportamento ou não tenha tomado as medidas adequadas tendo em conta os sinais precursores desse comportamento, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

 

2)

O artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 261/2004, lido à luz do considerando 14 deste regulamento, deve ser interpretado no sentido de que, para se eximir à sua obrigação de indemnização dos passageiros em caso de atraso considerável ou de cancelamento de um voo, uma transportadora aérea operadora pode invocar uma «circunstância extraordinária» que afetou um voo anterior operado pela própria com recurso à mesma aeronave, desde que exista um nexo de causalidade direta entre a ocorrência dessa circunstância e o atraso ou o cancelamento do voo seguinte, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar tendo em conta, designadamente, o modo de operação da aeronave em questão pela transportadora aérea operadora em causa.

 

3)

O artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 261/2004, lido à luz do considerando 14 deste regulamento, deve ser interpretado no sentido de que o facto de uma transportadora aérea proceder ao reencaminhamento de um passageiro, porque a aeronave que o transportava foi afetada por uma circunstância extraordinária, com recurso a um voo operado pela própria e que implicou que esse passageiro chegasse no dia seguinte ao inicialmente previsto não constitui uma «medida razoável» que exime essa transportadora à sua obrigação de indemnização prevista no artigo 5.o, n.o 1, alínea c), e no artigo 7.o, n.o 1, deste mesmo regulamento, a menos que não existisse nenhuma outra possibilidade de reencaminhamento direto ou indireto para um voo operado pela própria ou por qualquer outra operadora aérea e com chegada num horário menos tardio que o voo seguinte da transportadora aérea em causa ou que a realização desse reencaminhamento constituísse para esta última um sacrifício insuportável face às capacidades da sua empresa no momento relevante, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: português.