ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

2 de setembro de 2021 ( *1 )

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Auxílios de Estado — Regime de auxílio — Artigo 108.o, n.os 2 e 3, TFUE — Regulamento (CE) n.o 659/1999 — Artigo 4.o, n.os 3 e 4 — Conceito de “dúvidas quanto à compatibilidade de uma medida notificada com o mercado comum” — Decisão de não levantar objeções — Procedimento formal de investigação não iniciado — Orientações relativas aos auxílios estatais à proteção ambiental e à energia 2014‑2020 — Código de boas práticas para a condução dos procedimentos de controlo dos auxílios estatais — Contactos de “pré‑notificação” — Direitos processuais das partes interessadas — Mercado de capacidade de eletricidade no Reino Unido»

No processo C‑57/19 P,

que tem por objeto um recurso de um acórdão do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 25 de janeiro de 2019,

Comissão Europeia, representada por É. Gippini Fournier e P. Němečková, na qualidade de agentes,

recorrente,

apoiada por:

República da Polónia, representada por B. Majczyna, na qualidade de agente,

interveniente no presente recurso,

sendo as outras partes no processo:

Tempus Energy Ltd, com sede em Pontypridd (Reino Unido),

Tempus Energy Technology Ltd, com sede em Pontypridd,

representadas por J. Derenne, D. Vallindas, avocats, e C. Ziegler, Rechtsanwalt,

recorrentes em primeira instância,

Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, representado, inicialmente, por F. Shibli, S. McCrory e Z. Lavery, e, posteriormente, por F. Shibli e S. McCrory, assistidos por G. Facenna, QC, e D. Mackersie, barrister,

interveniente em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: M. Vilaras (relator), presidente de secção, N. Piçarra, D. Šváby, S. Rodin e K. Jürimäe, juízes,

advogado‑geral: E. Tanchev,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 3 de junho de 2021,

profere o presente

Acórdão

1

Com o seu recurso, a Comissão Europeia pede a anulação do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 15 de novembro de 2018, Tempus Energy e Tempus Energy Technology/Comissão (T‑793/14, a seguir «acórdão recorrido», EU:T:2018:790), pelo qual este anulou a Decisão C (2014) 5083 final da Comissão, de 23 de julho de 2014, de não levantar objeções ao regime de auxílios relativo ao mercado de capacidade no Reino Unido (auxílio de Estado 2014/N‑2) (JO 2014, C 348, p. 5, a seguir «decisão controvertida»).

Quadro jurídico

Regulamento (CE) n.o 659/1999

2

O artigo 4.o do Regulamento (CE) n.o 659/1999 do Conselho, de 22 de março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo [108.o TFUE] (JO 1999, L 83, p. 1), sob a epígrafe «Análise preliminar da notificação e decisões da Comissão», aplicável ao regime de auxílios em causa, dispõe, nos seus n.os 2 a 5:

«2.   Quando, após uma análise preliminar, a Comissão considerar que a medida notificada não constitui um auxílio, fará constar esse facto por via de decisão.

3.   Quando, após a análise preliminar, a Comissão considerar que não há dúvidas quanto à compatibilidade da medida notificada com o mercado comum, na medida em que está abrangida pelo n.o 1 do artigo [107.o TFUE], decidirá que essa medida é compatível com o mercado comum, adiante designada “decisão de não levantar objeções”. A decisão referirá expressamente a derrogação do Tratado que foi aplicada.

4.   Quando, após a análise preliminar, a Comissão considerar que a medida notificada suscita dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado comum, decidirá dar início ao procedimento formal de investigação nos termos do n.o 2 do artigo [108.o TFUE], adiante designada “decisão de início de um procedimento formal de investigação”.

5.   As decisões previstas nos n.os 2, 3 e 4 devem ser tomadas no prazo de dois meses. Esse prazo começa a correr no dia seguinte ao da receção de uma notificação completa. A notificação considerar‑se‑á completa se, no prazo de dois meses a contar da sua receção ou da receção de qualquer informação adicional, a Comissão não solicitar mais nenhuma informação. O prazo pode ser alargado com o acordo da Comissão e do Estado‑Membro em causa. Se for caso disso, a Comissão poderá fixar prazos mais curtos.»

3

O artigo 6.o deste regulamento, sob a epígrafe «Procedimento formal de investigação», enuncia, no seu n.o 1:

«A decisão de dar início a um procedimento formal de investigação resumirá os elementos pertinentes em matéria de facto e de direito, incluirá uma apreciação preliminar da Comissão quanto à natureza de auxílio da medida proposta e indicará os elementos que suscitam dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado comum. A decisão incluirá um convite ao Estado‑Membro em causa e a outras partes interessadas para apresentarem as suas observações num prazo fixado, normalmente não superior a um mês. A Comissão pode prorrogar este prazo em casos devidamente justificados.»

Código de boas práticas

4

O Código de Boas Práticas para a condução dos procedimentos de controlo dos auxílios estatais (JO 2009, C 136, p. 13, a seguir «Código de boas práticas») contém, nomeadamente, um título 3, intitulado «Fase de pré‑notificação», no qual figuram os n.os 10 a 18 desse código. Os n.os 10 a 16 têm a seguinte redação:

«10. A experiência da Comissão demonstra o valor acrescentado da realização de contactos antes da notificação, mesmo nos casos que aparentemente não levantam quaisquer problemas. Os contactos realizados antes da notificação proporcionam aos serviços da Comissão e ao Estado‑Membro notificante a possibilidade de discutir de modo informal e num clima de confiança mútua os aspetos jurídicos e económicos de um projeto de medida, antes da notificação, aumentando assim a qualidade e o caráter exaustivo das notificações. Neste contexto, o Estado‑Membro e os serviços da Comissão podem igualmente desenvolver em conjunto propostas construtivas para a alteração de aspetos problemáticos de um projeto de medida. Esta fase prepara assim a via para um tratamento mais rápido das notificações, depois de apresentadas formalmente à Comissão. Com efeito, as fases de pré‑notificação bem-sucedidas deverão permitir à Comissão a adoção de decisões nos termos dos n.os 2, 3 e 4 do artigo 4.o do Regulamento […] n.o 659/1999 no prazo de dois meses a contar da data de notificação […].

11. Os contactos anteriores à notificação são fortemente recomendados no que diz respeito aos casos que incluem aspetos novos ou características específicas que justificariam discussões prévias informais com os serviços da Comissão; no entanto, serão prestadas orientações informais sempre que um Estado‑Membro o solicitar.

3.1. Conteúdo

12. A fase de pré‑notificação oferece a possibilidade de debater e apresentar orientações ao Estado‑Membro em causa quanto ao âmbito da informação a apresentar no formulário de notificação, a fim de assegurar que este esteja completo logo a partir da data de notificação. Uma fase de pré‑notificação proveitosa permitirá igualmente a troca de pontos de vista, num ambiente aberto e construtivo, relativamente a eventuais questões materiais suscitadas por um projeto de medida. Este facto é particularmente importante no que respeita aos projetos que não poderiam ser aceites na forma como são apresentados e que devem assim ser retirados ou ser objeto de alterações significativas. Pode igualmente incluir uma análise da disponibilidade de outras bases jurídicas ou da identificação de precedentes relevantes. Além disso, uma fase de pré‑notificação bem-sucedida permitirá que os serviços da Comissão e o Estado‑Membro resolvam preocupações de concorrência importantes, a realização de uma análise económica e, quando oportuno, o recurso a conhecimentos externos especializados, que sejam necessários para demonstrar a compatibilidade de um projeto de medida com o mercado comum. Desta forma, o Estado‑Membro notificante pode igualmente solicitar aos serviços da Comissão, durante a fase de pré‑notificação, a isenção da obrigação de apresentar determinadas informações prevista no formulário de notificação, dado que no caso concreto estas não se afiguram necessárias para a sua apreciação. Por último, a fase de pré‑notificação é decisiva para determinar se um caso é elegível prima facie para ser tratado ao abrigo do procedimento simplificado […].

3.2. Âmbito e calendário

13. A fim de permitir o desenrolar de uma fase de pré‑notificação construtiva e eficiente, é no interesse do Estado‑Membro em causa prestar à Comissão as informações necessárias para a apreciação de um auxílio estatal planeado, com base num projeto de formulário de notificação. A fim de facilitar o tratamento expedito do caso, serão, em princípio, privilegiados os contactos por correio eletrónico ou teleconferências face às reuniões. Os serviços da Comissão organizarão um primeiro contacto de pré‑notificação nas duas semanas seguintes à receção do projeto de formulário de notificação.

14. Regra geral, os contactos de pré‑notificação não deverão durar mais do que dois meses e deverão ser seguidos de uma notificação completa. Se os contactos de pré‑notificação não alcançarem os resultados desejados, os serviços da Comissão podem declarar encerrada a fase de pré‑notificação. Contudo, uma vez que o calendário e as modalidades dos contactos de pré‑notificação dependem da complexidade do caso específico, pode acontecer que tais contactos se prolonguem por diversos meses. Consequentemente, a Comissão recomenda que, em casos particularmente complexos (por exemplo, auxílios de emergência, auxílio a projetos que envolvam fundos avultados no domínio da investigação e desenvolvimento, auxílios individuais elevados ou regimes de auxílio de grande dimensão ou especialmente complexos), os Estados‑Membros lançam contactos de pré‑notificação logo que possível, a fim de permitir que as discussões sejam úteis.

15. Segundo a experiência da Comissão, o envolvimento do beneficiário do auxílio nos contactos de pré‑notificação é muito útil, em especial nos casos com importantes implicações do ponto de vista técnico, financeiro ou inerentes ao projeto. Consequentemente, a Comissão recomenda que os beneficiários de auxílios individuais sejam envolvidos nos contactos de pré‑notificação.

16. Exceto nos casos que envolvam importantes aspetos novos ou que sejam particularmente complexos, os serviços da Comissão esforçar‑se‑ão por fornecer, a título preliminar, ao Estado‑Membro interessado uma apreciação informal do projeto no final da fase de pré‑notificação. Esta apreciação não vinculativa não constituirá a posição oficial da Comissão, mas sim uma orientação informal dos serviços da Comissão sobre se o projeto de notificação está ou não completo e quanto à sua compatibilidade prima facie com o mercado comum. Nos casos particularmente complexos, os serviços da Comissão podem igualmente transmitir orientações escritas, a pedido do Estado‑Membro, relativamente às informações complementares que devem ser prestadas.»

Orientações 2014‑2020

5

O título 3 das Orientações relativas aos auxílios estatais à proteção ambiental e à energia 2014‑2020 (JO 2014, C 200, p. 1, a seguir «Orientações 2014‑2020»), intitulado «Apreciação da compatibilidade nos termos do artigo 107.o, n.o 3, alínea c), [TFUE]», contém a seguinte passagem:

«(25)

A secção 3.2 estabelece as condições gerais de compatibilidade aplicáveis a todas as medidas de auxílio abrangidas pelo âmbito das presentes Orientações, a menos que as secções mais específicas do capítulo 3 especifiquem ou alterem essas condições gerais de compatibilidade. […]

[…]

3.1. Princípios de apreciação comuns

[…]

(27)

[…] [A] Comissão só considerará uma medida de auxílio estatal compatível com o mercado interno se cumprir cada um dos seguintes critérios:

[…]

e)

Proporcionalidade dos auxílios (limitação dos auxílios ao mínimo necessário): o montante de auxílio limita‑se ao mínimo necessário para incentivar os investimentos ou atividades suplementares na região em causa; (secção 3.2.5);

[…]

3.2.5. Proporcionalidade dos auxílios

[…]

(69)

Considera‑se que os auxílios ao ambiente e à energia são proporcionados, se o montante de auxílio por beneficiário se limitar ao mínimo necessário para alcançar o objetivo de proteção ambiental ou de energia visado.

[…]

3.2.6. Prevenção de efeitos negativos indesejados na concorrência e nas trocas comerciais

3.2.6.1. Considerações gerais

[…]

(92)

Os auxílios podem igualmente criar efeitos de distorção, ao aumentar ou manter um poder de mercado substancial do beneficiário. Mesmo quando o auxílio não reforça diretamente um poder de mercado substancial, pode fazê‑lo indiretamente, desincentivando a expansão dos concorrentes existentes, induzindo a sua saída do mercado ou desencorajando a entrada de novos concorrentes no mercado.

[…]

3.9. Auxílio à adequação da produção

[…]

3.9.2 Necessidade de intervenção do Estado

[…]

(223)

Os Estados‑Membros devem demonstrar claramente os motivos pelos quais não se espera que o mercado forneça a capacidade adequada na ausência de intervenção, tendo em conta os desenvolvimentos em curso do mercado e da tecnologia […].

(224)

Na sua apreciação, a Comissão irá ter em conta, entre outros e quando aplicável, os elementos a seguir mencionados, que deverão ser fornecidos pelo Estado‑Membro:

[…]

b)

Apreciação do impacto da participação do lado da procura, incluindo a descrição de medidas destinadas a fomentar a gestão do lado da procura;

[…]

3.9.5 Proporcionalidade

(228)

O cálculo do montante global de auxílio deve resultar numa taxa de retorno para os beneficiários que possa ser considerada razoável.

(229)

Um procedimento de concurso competitivo, com base em critérios claros, transparentes e não discriminatórios, visando efetivamente o objetivo definido, será considerado como conducente a taxas de retorno razoáveis em circunstâncias normais.

(230)

A medida deve incorporar mecanismos que impeçam o aparecimento de lucros aleatórios.

(231)

A medida deve ser construída de modo a assegurar que o preço pago pela disponibilidade tende automaticamente para zero, quando se esperar que o nível de capacidade fornecida é adequado para responder ao nível de capacidade procurada.

3.9.6. Prevenção de efeitos negativos indesejados na concorrência e nas trocas comerciais

(232)

A medida deve ser concebida de modo a possibilitar que qualquer capacidade suscetível de contribuir eficazmente para resolver o problema de adequação da produção participe na medida, tendo especialmente em conta os seguintes fatores:

a)

A participação de produtores de energia que usem tecnologias diferentes e de operadores que proponham medidas com um desempenho técnico equivalente, por exemplo, gestão do lado da procura, interconectores e armazenamento. Sem prejuízo do disposto no ponto 228, a restrição da participação só pode justificar‑se com base num desempenho técnico insuficiente requerido para resolver o problema de adequação da produção. Acresce que a medida de adequação da produção deve permitir a agregação potencial da oferta e da procura;

[…]

(233) Estas medidas:

a)

Não devem reduzir os incentivos ao investimento na capacidade de interconexão;

b)

Não devem minar o acoplamento de mercados, incluindo mercados de equilibração;

c)

Não devem minar as decisões de investimento em matéria de produção anteriores à medida ou decisões por operadores relativamente aos mercados de equilibração ou de serviços auxiliares;

d)

Não devem reforçar indevidamente as posições dominantes de mercado;

e)

Devem dar preferência a produtores hipocarbónicos, em caso de parâmetros técnicos e económicos equivalentes.»

Antecedentes do litígio

6

Os antecedentes do litígio, expostos nos n.os 1 a 20 do acórdão recorrido, podem, para efeitos do presente processo, ser resumidos da seguinte forma.

7

A Tempus Energy Ltd e a Tempus Energy Technology Ltd (a seguir, em conjunto, «Tempus») possuem uma licença de fornecedor de eletricidade no Reino Unido e comercializam uma tecnologia de gestão do consumo de eletricidade, ou seja, de «gestão da procura», junto dos particulares e dos profissionais.

8

O regime de auxílios objeto da decisão controvertida (a seguir «medida em causa») consiste na criação, pelo Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, de um mercado de capacidade através da concessão de uma remuneração aos fornecedores de capacidade elétrica como contrapartida do seu compromisso de fornecer eletricidade ou de reduzir ou diferir o consumo de eletricidade em período de tensão na rede. O objetivo desse regime é, como indica o considerando 3 da decisão controvertida, garantir a segurança do abastecimento.

9

Quanto ao funcionamento do mercado de capacidade, a quantidade de capacidade exigida é definida de forma centralizada e o mercado, através dos leilões, determina o preço adequado para o fornecimento dessa quantidade. Realizam‑se leilões anualmente, para um fornecimento da capacidade requerida quatro anos mais tarde (a seguir «leilões T‑4»). Um outro leilão é realizado no ano anterior ao fornecimento correspondente aos leilões principais (a seguir «leilões T‑1»). Uma determinada capacidade será sistematicamente retirada dos leilões T‑4 para ser «reservada» aos leilões T‑1 com base numa estimativa da capacidade de gestão da procura «rentável» que poderia participar nos leilões T‑1. A decisão controvertida precisa que, uma vez que os leilões T‑1 proporcionam uma melhor via de acesso ao mercado aos operadores de gestão da procura, o Governo do Reino Unido compromete‑se a leiloar pelo menos 50% da capacidade «reservada» quatro anos antes nos leilões T‑1. Os leilões T‑4 e T‑1 (a seguir «leilões permanentes») constituem o regime permanente. Além do regime permanente, existia um regime transitório, nos termos do qual estavam previstos, antes do período de fornecimento de 2018/2019, leilões «transitórios», abertos principalmente aos operadores de gestão da procura.

10

Se forem escolhidos, é adjudicado aos fornecedores de capacidade um contrato de capacidade ao preço de encerramento, isto é, ao preço mais baixo determinado em resultado de leilões descendentes. A duração dos contratos de capacidade que os participantes licitam é variável. Assim, enquanto a maioria dos fornecedores de capacidade existentes tem acesso a contratos de um ano, os prestadores de capacidade com despesas de equipamento superiores a 125 libras esterlinas (GBP) (cerca de 141 euros) por kilowatt (kW) (centrais a renovar) têm acesso a contratos com uma duração máxima de três anos, e os fornecedores de capacidade com despesas de equipamento superiores a 250 GBP (cerca de 282 euros) por kW (centrais novas) a contratos com uma duração máxima de quinze anos. Os contratos superiores a um ano apenas são adjudicados nos leilões T‑4.

11

Os custos suportados para financiar a remuneração das capacidades são suportados por todos os fornecedores de eletricidade autorizados. A taxa aplicada aos fornecedores de eletricidade é determinada em função da sua quota de mercado e é calculada com base na procura registada entre as 16 e as 19 horas durante a semana, entre o mês de novembro e o mês de fevereiro, de modo que os incentive a baixarem a procura de eletricidade por parte dos seus clientes durante os períodos em que esta é, em geral, mais elevada. De acordo com a decisão controvertida tal deveria traduzir‑se numa diminuição da capacidade exigida e, por conseguinte, numa redução dos custos do mercado de capacidade.

12

Através da decisão controvertida, a Comissão decidiu não levantar objeções à medida em causa, por esta ser compatível com o mercado interno, nos termos do artigo 107.o, n.o 3, alínea c), TFUE, uma vez que era conforme com os critérios fixados na secção 3.9 das Orientações 2014‑2020.

Recurso interposto no Tribunal Geral e acórdão recorrido

13

Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 4 de dezembro de 2014, a recorrente interpôs recurso de anulação da decisão controvertida.

14

Em apoio do seu recurso, invocou dois fundamentos relativos, o primeiro, à violação do artigo 108.o, n.o 2, TFUE, à violação dos princípios da não discriminação, da proporcionalidade e da proteção da confiança legítima, bem como a uma apreciação errada dos factos e, o segundo, à falta de fundamentação.

15

No acórdão recorrido, o Tribunal Geral acolheu o primeiro fundamento e, sem examinar o segundo, deu provimento ao recurso e anulou a decisão controvertida.

16

Em especial, como resulta do n.o 267 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral considerou que havia um conjunto de indícios objetivos e concordantes, relativos, por um lado, à duração e às circunstâncias da fase de pré‑notificação e, por outro, ao conteúdo incompleto e insuficiente da decisão controvertida devido à falta de instrução adequada pela Comissão, na fase da análise preliminar, de certos aspetos do mercado de capacidade, que comprovavam que essa decisão tinha sido adotada apesar da existência de dúvidas, na aceção do artigo 4.o do Regulamento n.o 659/1999, que deviam ter conduzido a Comissão a dar início ao procedimento referido no artigo 108.o, n.o 2, TFUE.

Pedidos das partes no presente recurso

17

A Comissão pede que o Tribunal de Justiça se digne:

anular o acórdão recorrido;

negar provimento ao pedido de anulação da decisão controvertida ou, a título subsidiário, remeter o processo ao Tribunal Geral para apreciação do segundo fundamento invocado em primeira instância;

em todo o caso, condenar a Tempus nas despesas relativas ao processo no Tribunal Geral e ao presente recurso.

18

O Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte apoia os pedidos da Comissão, tal como a República da Polónia, tendo esta sido admitida a intervir em apoio dos pedidos da Comissão por Decisão do presidente do Tribunal de Justiça de 5 de julho de 2019.

19

A Tempus pede que o Tribunal de Justiça se digne:

declarar o recurso inadmissível ou negar‑lhe provimento; e

a título subsidiário, decidir sobre o segundo fundamento invocado em primeira instância, relativo à falta de fundamentação da decisão controvertida, e anular a decisão controvertida;

condenar a Comissão a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela Tempus relativas ao processo no Tribunal Geral e no Tribunal de Justiça, e

condenar o Reino Unido a suportar as suas próprias despesas.

Quanto ao recurso

20

Em apoio do seu recurso, a Comissão invoca um fundamento único, relativo a uma interpretação errada do artigo 108.o, n.os 2 e 3, TFUE e do artigo 4.o, n.os 2 e 3, do Regulamento n.o 659/1999.

21

Este fundamento subdivide‑se em duas partes relativas, a primeira, a erros cometidos pelo Tribunal Geral na interpretação do conceito de «dificuldades sérias» e à tomada em consideração, enquanto elementos constitutivos de tais dificuldades, da duração e das circunstâncias dos contactos de pré‑notificação, da existência de observações críticas por parte de terceiros, bem como da complexidade e da novidade da medida em causa e, a segunda, ao caráter errado da constatação, pelo Tribunal Geral, da omissão da Comissão em instruir de forma adequada certos aspetos do mercado de capacidade no Reino Unido.

Quanto à primeira parte do fundamento único

Argumentos das partes

22

A Comissão apresenta cinco alegações em apoio da primeira parte do seu fundamento único. Com a primeira alegação, a Comissão, apoiada pelo Reino Unido e pela República da Polónia, afirma, no essencial, que, nos n.os 68 a 72 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito no que respeita ao alcance da análise que deve efetuar relativamente a uma medida de auxílio de Estado notificada por um Estado‑Membro. Com efeito, o Tribunal Geral considerou erradamente que, no caso em apreço, a Comissão não se podia contentar com as informações fornecidas pelo Reino Unido, mas devia ter levado a cabo a sua própria instrução e procurar outras fontes de informação para efeitos da sua apreciação durante a fase preliminar de análise.

23

Segundo a Comissão, as considerações do Tribunal Geral implicam que seja obrigada a dar início a um procedimento formal de investigação sempre que a sua decisão não dê inteira satisfação às observações críticas de terceiros a respeito da medida de auxílio em causa. A Comissão sublinha que, no caso em apreço, não recebeu qualquer denúncia oficial relativa à medida em causa. Por outro lado, não ignorou as observações formuladas, de modo informal e espontâneo, por terceiros durante a fase informal de pré‑notificação. Considera, todavia, que não era obrigada a procurar informações junto de outras fontes. O facto de o Tribunal Geral ter considerado o contrário teria por efeito transformar o procedimento preliminar de análise no procedimento de análise de uma medida oficiosa, suprimindo, por outro lado, a margem de apreciação de que dispõe para demonstrar a existência de dúvidas quanto à compatibilidade de uma medida com o mercado interno.

24

Por outro lado, devido às diferenças consideráveis existentes entre um auxílio notificado e um auxílio ilegal executado em violação do artigo 108.o, n.o 3, TFUE, a Comissão é de opinião que não se pode deduzir do Acórdão de 2 de abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink’s France (C‑367/95 P, EU:C:1998:154, n.o 62), que é obrigada, no caso de um auxílio notificado, a proceder, por sua própria iniciativa, à instrução de todas as circunstâncias, a ouvir as partes interessadas e a responder a todos os seus argumentos, quando as informações fornecidas pelo Estado‑Membro que notifica sejam suficientes para lhe permitir adquirir a convicção, após uma primeira análise, de que a medida notificada não constitui um auxílio ou, caso deva ser qualificada como tal, que é compatível com o mercado interno.

25

O Reino Unido e a República da Polónia consideram igualmente que o Tribunal Geral aplicou um limiar demasiado baixo, manifestamente, para concluir pela existência de dúvidas no caso em apreço, e ignorou a margem de apreciação de que a Comissão dispõe na aplicação do artigo 107.o, n.o 3, TFUE e na sua decisão de dar início ou não ao procedimento formal de investigação. Consideram que a abordagem adotada pelo Tribunal Geral conduz, na realidade, à eliminação de qualquer distinção entre a análise preliminar e o procedimento formal de investigação, contrariamente ao que prevê o Regulamento n.o 659/1999. Além disso, esta abordagem obrigaria a Comissão a prosseguir a sua investigação caso uma parte interessada invocasse preocupações a propósito da medida em causa no âmbito da análise preliminar, ainda que essa parte não tivesse apresentado nenhum elemento de prova. Por outro lado, o facto de, no caso em apreço, a Comissão não ter respondido a cada um dos argumentos apresentados pela Tempus durante o processo não significa que não podia adotar a decisão controvertida com base nas informações de que dispunha. O facto de esta decisão não ter satisfeito a Tempus não demonstra que a Comissão não tinha informações que lhe permitissem adotar uma medida desta natureza.

26

Com a segunda alegação, a Comissão afirma que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao considerar, nos n.os 79 e seguintes do acórdão recorrido, que as características de uma medida, como a sua complexidade técnica, a sua novidade ou o montante do auxílio em valor absoluto, podem demonstrar a existência de «dificuldades sérias» na determinação da compatibilidade dessa medida com o Tratado FUE. Na realidade, estes elementos não são pertinentes para a apreciação desta questão e a Comissão esforça‑se precisamente por ultrapassar as dificuldades técnicas de um processo durante os contactos de pré‑notificação. A jurisprudência reconheceu, aliás, que tais elementos podem justificar que o procedimento preliminar de análise dure mais tempo, sem desencadear a obrigação de dar início ao procedimento formal de investigação. O acórdão recorrido põe em causa esta jurisprudência, considerando a complexidade da medida como um elemento suscetível, não de justificar trocas de correspondência prolongadas com o Estado‑Membro em causa, mas de implicar a obrigação de a Comissão dar início a um procedimento formal de investigação.

27

Com a terceira alegação, a Comissão afirma que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao considerar, nos n.os 85, 92, 106, 109 e 111 do acórdão recorrido, que a duração dos contactos de pré‑notificação e a variedade das observações transmitidas por três tipos de operadores constituíam um indício da existência de dificuldades sérias, afastando‑se, assim, da sua própria jurisprudência, da qual resulta que só quando a duração da investigação preliminar for largamente superior a um prazo de dois meses, calculado a partir da receção da notificação completa, se deve ter em conta enquanto indício de dificuldades sérias. Segundo a Comissão, a decisão de notificar uma medida de auxílio pertence inteiramente ao Estado‑Membro em causa e, enquanto uma medida de auxílio não for notificada, a inação da Comissão não tem consequências.

28

Com a quarta alegação, a Comissão acusa o Tribunal Geral de ter tomado em consideração, em especial nos n.os 101 a 109 e 111 do acórdão recorrido, a variedade e a origem das observações transmitidas à Comissão por vários operadores enquanto elementos suscetíveis de suscitar dúvidas quanto à compatibilidade da medida em causa com o mercado interno. Sustenta, a este respeito, que a jurisprudência segundo a qual deve agir com diligência no caso de denúncias relativas a auxílios ilegais, a saber, auxílios adotados sem notificação prévia, não pode ser alargada aos projetos de auxílios ainda não notificados nem executados, relativamente aos quais as observações espontâneas de terceiros não podem ser equiparadas a uma denúncia que desencadeie a obrigação de não atrasar a investigação e de examinar as alegações que aí figuram num prazo determinado.

29

Por último, com a quinta alegação, a Comissão critica o Tribunal Geral por ter considerado, nos n.os 86 a 91 do acórdão recorrido, que a fase de pré‑notificação não deve ter por objeto a análise da compatibilidade da medida projetada, e que a Comissão não pode confundir a fase, eventualmente prévia, de preparação da notificação de uma medida, com a fase da sua análise. Segundo a Comissão, o objetivo da fase de pré‑notificação é permitir‑lhe trocar, de modo informal e confidencial, com o Estado‑Membro em causa as informações necessárias para assegurar que a notificação dessa medida, quando efetuada, será considerada completa. Em numerosos casos, como no caso em apreço, as trocas de correspondência de pré‑notificação dariam a oportunidade de abordar os aspetos eventualmente não totalmente conformes com as regras em matéria de auxílios de Estado de uma medida proposta, o que permitiria ao Estado‑Membro em causa introduzir as alterações necessárias a essa medida antes da sua notificação. Tais trocas são precisamente encorajadas em casos complexos.

30

O Reino Unido e a República da Polónia consideram igualmente que o Tribunal Geral violou o quadro jurídico e político da fase de pré‑notificação, como resulta do Código de boas práticas. Uma fase de pré‑notificação eficaz permitiria diminuir o risco de atraso na execução de uma medida de auxílio, o que teria sido particularmente importante para o Reino Unido no caso em apreço. Contrariamente ao que o Tribunal Geral declarou, há fortes probabilidades de que uma fase de pré‑notificação rigorosa relativa a uma medida nova e complexa permita dissipar a menor dúvida quanto à compatibilidade da medida em causa com o Tratado FUE.

31

Segundo o Reino Unido, no caso em apreço, foi graças à fase de pré‑notificação, durante a qual recolheu as informações que permitiam responder às questões da Comissão, alterou a medida que pretendia notificar e realizou consultas nacionais para obter elementos de prova junto das partes interessadas, que a Comissão não teve necessidade de conduzir a sua própria avaliação. Se a duração das trocas de correspondência na fase de pré‑notificação devesse constituir um argumento a favor da abertura de um procedimento formal de investigação, nem a Comissão nem os Estados‑Membros estariam interessados numa cooperação estreita no âmbito dessa fase.

32

A Tempus afirma, em resposta à primeira alegação, que a argumentação da Comissão não tem em conta o caráter objetivo do conceito de «dúvidas», que implica que a Comissão deve ir além do estado de espírito subjetivo do Estado‑Membro em causa e pedir todas as informações pertinentes para efeitos da realização de uma apreciação global, para além dos elementos de facto e de direito fornecidos por esse Estado‑Membro ou, se for caso disso, pelo autor da denúncia. Assim, o Tribunal Geral de modo algum ignorou a jurisprudência ao considerar que a Comissão não se podia limitar a aceitar as informações e as afirmações do Reino Unido e que, no caso em apreço, esta não tinha tomado devidamente em consideração as informações fornecidas por terceiros. Pelo contrário, resulta da jurisprudência que a análise da Comissão só teria sido suficiente se a mesma se tivesse interrogado sobre a procedência dos argumentos apresentados pelo Estado‑Membro notificante. Além disso, o argumento da Comissão segundo o qual as considerações que figuram no acórdão recorrido têm por efeito obrigá‑la a dar início a um procedimento formal de investigação sempre que terceiros formulem observações críticas relativamente a uma medida notificada baseia‑se numa leitura errada do acórdão recorrido. Com efeito, segundo a Tempus, o Tribunal Geral pronunciou‑se sobre a existência de dúvidas, baseando‑se não apenas na existência de observações por parte de terceiros, mas na análise insuficiente das informações prestadas pelo Estado‑Membro em causa e nas observações formuladas por terceiros.

33

Além disso, a Tempus alega que a obrigação da Comissão, evocada no Acórdão de 2 de abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink’s France (C‑367/95 P, EU:C:1998:154, n.o 62), de alargar a análise de uma medida de auxílio de Estado além de uma simples análise dos elementos de facto e de direito levados ao seu conhecimento, eventualmente pelo autor da denúncia ou pelo Estado‑Membro que notificou essa medida, decorre diretamente do princípio da boa administração, indistintamente aplicável tanto a uma denúncia como a uma notificação. A Tempus acrescenta que a Comissão nem sempre pode confiar nas declarações do Estado‑Membro notificante, na medida em que este último, ao pretender conceder o auxílio, não pode ser considerado um ator imparcial. Por conseguinte, quando se verificam contradições na notificação ou quando terceiros levantam problemas, a obrigação da Comissão de alargar a análise dos elementos de facto e de direito levados ao seu conhecimento constitui uma garantia processual adequada.

34

Quanto à segunda a quinta alegações da Comissão, a Tempus afirma, a título preliminar, que são inadmissíveis, uma vez que visam questões de facto e que a Comissão não invocou nem uma desvirtuação nem uma qualificação errada dos factos pelo Tribunal Geral. A Comissão também não precisou quais os números do acórdão recorrido visados por estas alegações.

35

Quanto ao mérito, a Tempus alega, em resposta ao segundo argumento, que, nos n.os 79 a 84 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral apenas descreveu os factos pertinentes, ou seja, que a medida em causa era significativa, complexa e nova. O Tribunal não estabeleceu nenhum novo princípio jurídico, tendo‑se baseado nas circunstâncias particulares do caso em apreço, que exigiam considerações específicas.

36

No que respeita à terceira e quinta alegações, a Tempus afirma que, nos n.os 85 e seguintes do acórdão recorrido, o Tribunal Geral concluiu, com razão, que a análise preliminar tinha sido acelerada, uma vez que durou apenas um mês, enquanto os contactos de pré‑notificação tinham sido longos e consideráveis. O Tribunal tinha recordado os objetivos da fase de pré‑notificação, como resultam do Código de boas práticas, e o objeto da análise preliminar previsto pelo Regulamento n.o 659/1999, tendo concluído que a Comissão não podia confundir a preparação da notificação com a sua análise, primeiro preliminar e depois formal. Como observou o Tribunal, durante a fase de pré‑notificação foram colocadas questões de fundo relativas a aspetos importantes da medida em causa. Ora, a Comissão concluiu que não tinha qualquer dúvida, embora estivesse prestes a iniciar a análise preliminar. Neste contexto, segundo a Tempus, a breve duração da análise preliminar só podia constituir um indício de que a Comissão devia ter tido dúvidas. Os factos em causa no presente processo são excecionais, o que justifica as considerações do Tribunal expostas nos n.os 111 a 115 do acórdão recorrido.

37

Quanto ao quarto argumento, a Tempus alega que o Tribunal Geral tomou em consideração a existência de um conjunto de indícios concordantes, e não apenas a existência de denúncias, para concluir que a Comissão tinha constatado erradamente a inexistência de dúvidas. Dito de outra forma, foi sobretudo a não tomada em consideração da substância das «denúncias» na decisão controvertida que levou o Tribunal Geral a concluir pela existência de dúvidas no caso em apreço. Na realidade, a especificidade excecional do caso em apreço consistiu no facto de a fase de pré‑notificação ter sido utilizada de forma abusiva como análise preliminar, tornando assim esta última acessória.

Apreciação do Tribunal de Justiça

38

Importa recordar que a legalidade de uma decisão, como a decisão controvertida, de não levantar objeções, baseada no artigo 4.o, n.o 3, do Regulamento n.o 659/1999, depende da questão de saber se a apreciação das informações e dos elementos de que a Comissão dispunha na fase preliminar de análise da medida notificada, deveria objetivamente ter suscitado dúvidas quanto à compatibilidade dessa medida com o mercado interno, uma vez que tais dúvidas devem dar lugar ao início de um procedimento formal de investigação em que podem participar as partes interessadas referidas no artigo 1.o, alínea h), desse regulamento (Acórdão de 3 de setembro de 2020, Vereniging tot Behoud van Natuurmonumenten in Nederland e.a./Comissão, C‑817/18 P, EU:C:2020:637, n.o 80 e jurisprudência referida).

39

Quando um recorrente pede a anulação de uma decisão de não levantar objeções, impugna, em substância, o facto de a decisão da Comissão sobre o auxílio em causa ter sido adotada sem que essa instituição tivesse iniciado o procedimento formal de investigação, violando assim os seus direitos processuais. Para que o seu pedido de anulação seja procedente, o recorrente pode invocar todos os fundamentos que demonstrem que a apreciação das informações e dos elementos de que a Comissão dispõe na fase preliminar de investigação da medida notificada deveria ter suscitado dúvidas quanto à compatibilidade dessa medida com o mercado interno. A utilização desses argumentos não pode ter por efeito transformar o objeto do recurso nem alterar as condições da sua admissibilidade. Pelo contrário, a existência de dúvidas sobre essa compatibilidade é precisamente a prova que deve ser apresentada para demonstrar que a Comissão estava obrigada a dar início ao procedimento formal de investigação previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE (Acórdão de 3 de setembro de 2020, Vereniging tot Behoud van Natuurmonumenten in Nederland e o./Comissão, C‑817/18 P, EU:C:2020:637, n.o 81 e jurisprudência referida).

40

A prova da existência de dúvidas sobre a compatibilidade com o mercado interno do auxílio em causa, que deve ser procurada tanto nas circunstâncias da adoção da decisão de não levantar objeções como no seu conteúdo, deve ser apresentada pelo requerente da anulação dessa decisão a partir de um conjunto de indícios concordantes (Acórdão de 3 de setembro de 2020, Vereniging tot Behoud van Natuurmonumenten in Nederland e o./Comissão, C‑817/18 P, EU:C:2020:637, n.o 82 e jurisprudência referida).

41

Em especial, o caráter insuficiente ou incompleto da análise levada a cabo pela Comissão no procedimento de análise preliminar constitui um indício da existência de dificuldades sérias na apreciação da medida em causa, cuja presença a obriga a dar início ao procedimento formal de investigação (v., neste sentido, Acórdão de 12 de outubro de 2016, Land Hessen/Pollmeier Massivholz, C‑242/15 P, não publicado, EU:C:2016:765, n.o 38).

42

Além disso, a legalidade de uma decisão de não levantar objeções tomada no termo do procedimento de análise preliminar deve ser apreciada pelo juiz da União em função não apenas dos elementos de informação de que a Comissão dispunha no momento em que a tomou, mas também dos elementos de que podia dispor (Acórdão de 29 de abril de 2021, Achemos Grupė e Achema/Comissão, C‑847/19 P, não publicado, EU:C:2021:343, n.o 41).

43

Ora, os elementos de informação de que a Comissão «podia dispor» incluem os que se afiguravam pertinentes para a apreciação a efetuar em conformidade com a jurisprudência recordada no n.o 38 do presente acórdão e cuja apresentação, a seu pedido, poderia ter obtido no decurso do procedimento administrativo (Acórdão de 29 de abril de 2021, Achemos Grupė e Achema/Comissão, C‑847/19 P, não publicado, EU:C:2021:343, n.o 42).

44

Com efeito, a Comissão é obrigada a conduzir o procedimento de investigação das medidas em causa de forma diligente e imparcial para dispor, quando da adoção de uma decisão final que declare a existência e, se for caso disso, a incompatibilidade ou ilegalidade do auxílio, dos elementos o mais completos e fiáveis possíveis para tal (Acórdão de 29 de abril de 2021, Achemos Grupė e Achema/Comissão, C‑847/19 P, não publicado, EU:C:2021:343, n.o 43).

45

Todavia, embora o Tribunal de Justiça tenha declarado que, na análise da existência e da legalidade de um auxílio de Estado, pode ser necessário que a Comissão vá, sendo caso disso, além da simples análise dos elementos de facto e de direito levados ao seu conhecimento (Acórdão de 2 de abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink’s France, C‑367/95 P, EU:C:1998:154, n.o 62), não se pode deduzir dessa jurisprudência que incumbe à Comissão procurar, por sua própria iniciativa e na falta de qualquer indício nesse sentido, todas as informações que possam apresentar uma ligação com o processo que lhe é submetido, ainda que tais informações sejam do domínio público (v., neste sentido, Acórdão de 29 de abril de 2021, Achemos Grupė e Achema/Comissão, C‑847/19 P, não publicado, EU:C:2021:343, n.os 49 e 50).

46

No caso em apreço, no n.o 70 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral salientou que, para provar a existência de dúvidas na aceção do artigo 4.o, n.o 4, do Regulamento n.o 659/1999, basta que a Tempus demonstre que a Comissão não tinha procurado e examinado, de forma diligente e imparcial, todos os elementos relevantes para efeitos desta análise ou que não os tinha tido devidamente em consideração, de forma que elimine qualquer dúvida quanto à compatibilidade da medida notificada com o mercado interno.

47

Além disso, após ter recordado, no n.o 71 desse acórdão, a jurisprudência referida nos n.os 42 e 43 do presente acórdão, o Tribunal Geral afirmou, nomeadamente, no n.o 72 do acórdão recorrido, que, para demonstrar a existência de dúvidas quanto à compatibilidade do auxílio com o mercado interno, a Tempus podia invocar toda a informação pertinente de que dispunha ou podia dispor a Comissão na data em que adotou a decisão controvertida.

48

Ora, como, em substância, alega a Comissão, o Tribunal Geral violou o alcance das obrigações que incumbem à Comissão na fase preliminar de análise de uma medida notificada e, logo, cometeu um erro de direito.

49

Com efeito, no n.o 70 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral declarou, em substância, que a Comissão tinha a obrigação de procurar, examinar e tomar em consideração «todos os elementos relevantes», o que inclui necessariamente os elementos não levados ao conhecimento da Comissão e de que esta última ignorava a existência ou a pertinência para a análise da medida notificada. Ora, uma obrigação dessa amplitude excedia largamente as obrigações da Comissão, tal como resultam da jurisprudência do Tribunal de Justiça recordada nos n.os 38 a 45 do presente acórdão.

50

O mesmo se diga do n.o 72 do acórdão recorrido, do qual resulta que, para demonstrar a existência de dúvidas quanto à compatibilidade da medida em causa com o mercado interno, a Tempus podia referir‑se não só a todas as informações pertinentes de que a Comissão dispunha, mas também a qualquer informação de que esta instituição «podia dispor». Com este raciocínio, o Tribunal Geral subentendeu, assim, que a Comissão devia ter duvidado da compatibilidade com o mercado interno de uma medida de auxílio, pelo simples facto de existir um elemento de informação pertinente de que esta teria podido dispor, sem que seja necessário demonstrar que esta instituição tinha efetivamente conhecimento quer deste elemento quer de outros elementos que a obrigavam, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça referida no n.o 45 do presente acórdão, a ir além do simples exame dos elementos levados ao seu conhecimento.

51

Ora, a mera existência de um elemento de informação potencialmente pertinente de que a Comissão não tinha conhecimento e sobre o qual não estava obrigada a investigar, à luz dos elementos de informação que estavam efetivamente na sua posse, não pode demonstrar a existência de dificuldades sérias, que teriam obrigado esta instituição a dar início ao procedimento formal de investigação.

52

Daqui resulta que a primeira alegação apresentada pela Comissão no âmbito da primeira parte do fundamento único é procedente.

53

Todavia, o erro de direito do Tribunal Geral constatado no n.o 48 do presente acórdão não é, por si só, suscetível de conduzir à anulação do acórdão recorrido.

54

Com efeito, no n.o 267 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral justificou a anulação da decisão controvertida por referência a «um conjunto de indícios objetivos e concordantes, baseados, por um lado, na duração e nas circunstâncias em que decorreu a fase da pré‑notificação e, por outro, no conteúdo incompleto e insuficiente da decisão [controvertida], devido a uma instrução desadequada pela Comissão, na fase da análise preliminar, de certos aspetos do mercado de capacidade, que demonstram que esta última tomou a decisão [controvertida] apesar da existência de dúvidas».

55

Ora, a Comissão contesta os motivos que levaram a esta dupla conclusão pelas outras alegações apresentadas no âmbito da primeira parte do fundamento único, bem como pela segunda parte deste fundamento. Por conseguinte, só se resultar da análise dessas outras alegações e desta última parte que esta conclusão padece de erros de direito é que haverá que anular o acórdão recorrido.

56

Importa afastar, desde já, a exceção de inadmissibilidade da segunda a quinta alegações da primeira parte do fundamento único, suscitada pela Tempus.

57

Com efeito, resulta do artigo 256.o TFUE e do artigo 58.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia que embora o Tribunal Geral tenha competência exclusiva, por um lado, para apurar os factos, salvo no caso de a inexatidão material das suas conclusões resultar dos elementos dos autos que lhe foram submetidos, e, por outro, para apreciar esses factos, exceto em caso de desvirtuação dos elementos de prova que lhe são apresentados, o Tribunal de Justiça é competente, por força do artigo 256.o TFUE, para fiscalizar a qualificação jurídica desses factos e as consequências jurídicas daí retiradas pelo Tribunal Geral (v., neste sentido, Acórdão de 4 de fevereiro de 2020, Uniwersytet Wrocławski e Polónia/REA, C‑515/17 P e C‑561/17 P, EU:C:2020:73, n.o 47)

58

Ora, no caso em apreço, por um lado, a Comissão indicou de forma juridicamente bastante, no seu recurso, quais os números do acórdão recorrido visados pela segunda a quinta alegações da primeira parte do fundamento único. Por outro lado, resulta da argumentação da Comissão que, com estas alegações, põe em causa não a materialidade dos factos apurados pelo Tribunal Geral mas a sua qualificação jurídica, enquanto indícios suscetíveis de demonstrar a existência de dúvidas quanto à compatibilidade da medida em causa com o mercado interno.

59

Por conseguinte, há que examinar quanto ao mérito, em primeiro lugar, a segunda alegação da primeira parte do fundamento único.

60

A este respeito, importa salientar que, no n.o 79 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral declarou que a medida em causa era «significativa, complexa e nova». Justificou estas qualificações, por um lado, fazendo referência, no n.o 80 desse acórdão, ao caráter particularmente importante dos montantes abrangidos pelo regime de auxílios autorizado pela decisão controvertida, e constatando, no n.o 81 do referido acórdão, que tanto a definição como a execução desse regime de auxílios se revelavam complexas e, por outro, sublinhando, no n.o 82 do mesmo acórdão, que, na decisão controvertida, a Comissão tinha, pela primeira vez, avaliado um mercado de capacidade à luz das Orientações 2014‑2020, o que, segundo o Tribunal, demonstrava que a medida em causa era nova quer no que respeita ao seu objeto quer no que respeita às suas implicações para o futuro.

61

Todavia, antes de mais, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a importância de um auxílio não pode, por si só, ser constitutiva de dificuldades sérias suscetíveis de obrigar a Comissão a dar início ao procedimento formal de investigação, constante do artigo 108.o, n.o 2, TFUE (v., neste sentido, Acórdão de 15 de junho de 1993, Matra/Comissão, C‑225/91, EU:C:1993:239, n.o 36).

62

Em seguida, embora a complexidade de uma medida de auxílio faça parte das circunstâncias próprias de um processo, suscetíveis de justificar uma duração considerável da fase preliminar de análise (v., por analogia, Acórdão de 13 de junho de 2013, HGA e o./Comissão, C‑630/11 P a C‑633/11 P, EU:C:2013:387, n.os 82 e 83), tal complexidade não significa, como o advogado‑geral salientou, em substância, no n.o 117 das suas conclusões, que a Comissão deva, em qualquer hipótese, dar início ao procedimento formal de investigação.

63

Por último, a Comissão também não é obrigada a dar início a esse procedimento formal de investigação pelo simples facto de a medida de auxílio apresentar um caráter novo, no sentido de que a Comissão não examinou, no passado, uma medida análoga.

64

Por conseguinte, ao considerar, como indícios de dificuldades sérias que teriam exigido o início de um procedimento formal de investigação, o caráter importante do auxílio concedido em aplicação da medida em causa, bem como a complexidade e a novidade dessa medida, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito.

65

Em segundo lugar, convém examinar conjuntamente a terceira e quinta alegações apresentadas pela Comissão no âmbito da primeira parte do seu fundamento único, através das quais esta contesta os n.os 85, 90 a 92, 106, 109 e 111 do acórdão recorrido, pelo facto de, em substância, o Tribunal Geral ter cometido um erro de direito e ignorado o objetivo da fase de pré‑notificação, ao tomar em consideração, enquanto indícios da existência de dificuldades sérias, a duração e o teor dos contactos de pré‑notificação.

66

A este respeito, resulta do artigo 4.o, n.os 3 e 5, do Regulamento n.o 659/1999 que a decisão pela qual a Comissão declara, após uma análise preliminar, que uma medida notificada é compatível com o mercado interno deve ser tomada no prazo de dois meses a contar do dia seguinte ao da receção da notificação completa.

67

Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, embora seja verdade que uma duração do procedimento preliminar de análise superior ao prazo de dois meses previsto no artigo 4.o, n.o 5, do Regulamento n.o 659/1999 não permite, por si só, concluir que a Comissão devia ter dado início ao procedimento formal de investigação, não o é menos que este elemento pode constituir um indício de que a Comissão pôde ter dúvidas acerca da compatibilidade do auxílio em causa com o mercado interno (Acórdão de 24 de janeiro de 2013, 3F/Comissão, C‑646/11 P, não publicado, EU:C:2013:36, n.o 32; v., igualmente, neste sentido, Acórdão de 22 de setembro de 2011, Bélgica/Deutsche Post e DHL International, C‑148/09 P, EU:C:2011:603, n.o 81).

68

No caso em apreço, uma vez que o procedimento preliminar de análise da medida em causa só durou um mês, como o Tribunal Geral salientou, aliás, no n.o 85 do acórdão recorrido, não podia, em conformidade com a jurisprudência referida no número anterior do presente acórdão, constituir um indício da existência de dúvidas quanto à compatibilidade do auxílio em causa com o mercado interno.

69

No entanto, o Tribunal Geral considerou, no mesmo número do acórdão recorrido, que, «tendo em conta as circunstâncias do presente processo», a duração do procedimento preliminar de análise dessa medida não podia, todavia, constituir um indício probatório da inexistência de dúvidas quanto à compatibilidade do auxílio em causa com o mercado interno, uma vez que era igualmente importante ter em conta a duração e o conteúdo dos contactos ocorridos entre o Reino Unido e a Comissão na fase de pré‑notificação.

70

A este respeito, o Tribunal Geral, por um lado, nos n.os 86 a 91 do acórdão recorrido, recordou as disposições do Código de boas práticas relativas à fase de pré‑notificação e, por outro, nos n.os 92 a 105 desse acórdão, resumiu os contactos que tiveram lugar entre a Comissão e o Reino Unido antes da notificação da medida em causa, tal como as intervenções espontâneas de terceiros. Daí concluiu, no n.o 106 do referido acórdão, que «a fase de pré‑notificação [tinha] ultrapass[ado] significativamente o período de dois meses previsto, como regra geral, pelo código de boas práticas».

71

Com base nestas considerações, o Tribunal Geral salientou, no n.o 109 do acórdão recorrido, que «a duração e as circunstâncias em que decorreu a fase de pré‑notificação […] não permit[ia]m considerar que a curta duração do procedimento preliminar de análise constitu[ía] um indício da inexistência de dúvidas quanto à compatibilidade desse regime com o mercado interno, mas [eram], pelo contrário, suscetíveis de constituir um indício da existência de tais dúvidas». Acrescentou, no n.o 111 desse acórdão, que a medida em causa era «significativa, complexa e nova».

72

Ora, como resulta da jurisprudência referida no n.o 40 do presente acórdão, a prova da existência de dúvidas sobre a compatibilidade com o mercado interno de uma medida de auxílio deve ser apresentada, sendo caso disso, a partir de um conjunto de indícios concordantes, pela parte que pede a anulação da decisão de não levantar objeções quanto ao conteúdo dessa medida.

73

Por conseguinte, não cabia ao Tribunal Geral determinar, contrariamente às considerações feitas no n.o 85 do acórdão recorrido, se existiam indícios probatórios da inexistência de dúvidas quanto à compatibilidade da medida em causa com o mercado interno. Pelo contrário, cabia‑lhe investigar se a Tempus tinha feito prova da existência de tais dúvidas, sendo caso disso através de um conjunto de indícios concordantes.

74

Ora, o Tribunal Geral não se limitou a declarar que a duração e as circunstâncias da fase de pré‑notificação não permitiam considerar que a duração relativamente curta da fase de análise preliminar constituía um indício da inexistência de dúvidas. Como resulta do n.o 109 do acórdão recorrido, o Tribunal considerou que a duração e as circunstâncias da fase de pré‑notificação constituíam, elas próprias, indícios da existência de dúvidas quanto à compatibilidade da medida em causa com o mercado interno.

75

Ao fazê‑lo, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito.

76

Com efeito, resulta dos n.os 10 e 12 do Código de boas práticas que, como o próprio Tribunal Geral declarou, em substância, no n.o 89 do acórdão recorrido, o objetivo essencial da fase de pré‑notificação é garantir a conformidade do formulário de notificação, de modo que permita à Comissão, uma vez efetuada a notificação, adotar a sua decisão no prazo previsto para o efeito no artigo 4.o, n.o 5, do Regulamento n.o 659/1999.

77

É certo que, como alega a Comissão, não está de modo algum excluído que a Comissão e o Estado‑Membro em causa discutam também, na fase da pré‑notificação, a conformidade com o mercado interno da medida de auxílio cuja notificação está prevista. Com efeito, resulta do n.o 10 do Código de boas práticas que as trocas de correspondência entre a Comissão e o Estado‑Membro em causa podem também incidir sobre os aspetos de um projeto de medida que colocam problemas. Do mesmo modo, o n.o 12 deste mesmo código salienta que uma fase de pré‑notificação proveitosa permite igualmente a troca de pontos de vista relativamente a eventuais questões materiais suscitadas por um projeto de medida.

78

Não deixa de ser verdade que a análise definitiva da conformidade com o mercado interno de uma medida determinada só pode começar depois de essa medida ter assumido a sua forma final, no momento da sua notificação à Comissão. Por conseguinte, as considerações do Tribunal Geral, que figuram nos n.os 90 e 91 do acórdão recorrido, segundo as quais, respetivamente, a fase de pré‑notificação não tem por objeto apreciar a compatibilidade da medida notificada com o mercado interno, e é só a partir da receção da notificação que a Comissão procede à análise da medida notificada não estão, enquanto tais, erradas.

79

Todavia, é precisamente por esta razão que a duração e as circunstâncias da fase de pré‑notificação não podem constituir indícios de eventuais dificuldades suscitadas pela medida notificada. Com efeito, é perfeitamente possível que, numa longa fase de pré‑notificação, o Estado‑Membro em causa tenha podido aproveitar as suas trocas de correspondência com a Comissão para alterar a medida prevista de forma que resolva qualquer problema que esta pudesse ter apresentado na sua forma inicialmente prevista, a fim de que essa medida, na sua forma definitiva, fixada na notificação, já não suscite nenhuma dificuldade.

80

Tendo em conta as considerações precedentes, há que acolher igualmente a terceira e quinta alegações da primeira parte do fundamento único.

81

Em terceiro lugar, há que examinar a quarta alegação apresentada pela Comissão no âmbito da primeira parte do fundamento único, relativa à tomada em consideração, pelo Tribunal Geral, do número e da variedade de observações transmitidas à Comissão enquanto elemento que evidencia as dificuldades sérias suscitadas pela medida em causa.

82

A este respeito, no n.o 101 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral salientou que resultava da notificação e da decisão controvertida que «três tipos de operadores [tinham] pretend[ido], à luz das informações de que dispunham no momento em que intervieram, apresentar direta e espontaneamente as suas observações à Comissão a respeito da compatibilidade do auxílio». Nos n.os 102 a 104 desse acórdão, o Tribunal forneceu breves precisões sobre os operadores em questão e sobre os assuntos abordados nas suas observações.

83

Ora, no n.o 109 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral limitou‑se a indicar que as «várias observações transmitidas a respeito [da medida em causa] por três tipos de operadores diferentes» era um elemento suscetível de constituir um indício da existência de dúvidas quanto à compatibilidade dessa medida com o mercado interno.

84

Além disso, depois de ter salientado, no n.o 111 desse acórdão, que a referida medida «era contestada sob três aspetos por diferentes operadores que dela deveriam beneficiar», sem fornecer mais precisões sobre os fundamentos dessas constatações e sobre os eventuais problemas que suscitavam, o Tribunal Geral considerou que esta circunstância se encontrava entre aquelas que, segundo o n.o 115 do referido acórdão, constituíam um indício capaz de demonstrar a existência de dúvidas quanto à compatibilidade da medida em causa com o mercado interno.

85

Como o advogado‑geral salientou, em substância, no n.o 103 das suas conclusões, a Comissão não pode ser obrigada a dar início ao procedimento formal de investigação de uma medida de auxílio apenas porque terceiros interessados apresentaram espontaneamente observações relativamente a uma medida notificada, independentemente da origem ou do número de tais observações. Só se tais observações constarem de elementos suscetíveis de revelar a existência de dificuldades sérias na apreciação da medida notificada é que a Comissão deve dar início ao procedimento formal de investigação.

86

Ora, no caso em apreço, o Tribunal Geral não indicou que as observações apresentadas à Comissão continham elementos dessa natureza, baseando‑se unicamente no número e na «variedade» dessas observações, enquanto elementos suscetíveis de demonstrar a existência de dúvidas quanto à compatibilidade da medida em causa com o mercado interno.

87

Deste modo, como a Comissão alega com razão, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito no acórdão recorrido, pelo que a quarta alegação da primeira parte do fundamento único e, consequentemente, esta parte do fundamento, na íntegra, devem ser acolhidas.

88

No entanto, pelos motivos expostos nos n.os 53 a 55 do presente acórdão, há que examinar igualmente a segunda parte do fundamento único.

Quanto à segunda parte do fundamento único

Argumentos das partes

89

Com a segunda parte do fundamento único, a Comissão, apoiada pelo Reino Unido e pela República da Polónia, alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao censurá‑la por não ter realizado uma instrução adequada sobre certos aspetos do mercado de capacidade no Reino Unido.

90

Com uma primeira alegação, a Comissão critica a apreciação do Tribunal Geral, constante dos n.os 146, 152 e 154 a 156 do acórdão recorrido, segundo a qual não teria considerado suficientemente o potencial real da gestão da procura no mercado de capacidade, o que a teria impedido de ter dúvidas quanto à compatibilidade da medida em causa com o mercado interno.

91

A este respeito, precisa que embora as Orientações 2014‑2020 prevejam uma apreciação da incidência da participação dos intervenientes na procura, incluindo uma descrição das medidas destinadas a encorajar a gestão da mesma, não exigem de forma alguma um apoio sistemático a favor da tecnologia dessa gestão, como parece exigir o Tribunal Geral no acórdão recorrido.

92

Acrescenta que o acórdão recorrido não menciona nenhuma razão que a devesse ter levado a pôr em dúvida os documentos de que dispunha, relativos ao potencial da gestão da procura. É pacífico que, no momento da adoção da medida em causa, nem o Reino Unido nem a Comissão estavam em condições de proceder a uma estimativa perfeitamente precisa do potencial a longo prazo da tecnologia de gestão da procura. Por outro lado, a Comissão verificou que a medida em causa era aberta e fornecia incentivos adequados aos operadores em causa, pelo que não tinha necessidade de realizar os seus próprios estudos e estimativas relativos ao potencial da gestão da procura para determinar se o mercado de capacidade do Reino Unido era compatível com as Orientações 2014‑2020. O facto de os operadores de gestão da procura desejarem mais incentivos ao abrigo da medida em causa não equivale à existência de dificuldades sérias. Por conseguinte, a Comissão considera que não tinha qualquer razão para considerar que a avaliação do potencial de gestão da procura apresentada pelo Reino Unido e, logo, da quantidade de capacidade que viria a ser leiloada podia dar lugar a dificuldades sérias.

93

Com uma segunda alegação, a Comissão contesta a análise constante dos n.os 159 a 259 do acórdão recorrido, relativa ao alegado tratamento discriminatório ou desvantajoso da gestão da procura. Em especial, a Comissão critica a conclusão do Tribunal Geral segundo a qual devia ter tido dúvidas quanto à compatibilidade da medida em causa com o mercado interno à luz, em primeiro lugar, da duração dos contratos de capacidade, em segundo lugar, do método de amortização dos custos e, em terceiro lugar, das condições de participação nos leilões.

94

Em primeiro lugar, no que respeita à duração dos contratos de capacidade, a Comissão considera que o Tribunal Geral errou ao considerar, nos n.os 181 e 182 do acórdão recorrido, que devia ter analisado os gastos em capital e as dificuldades de financiamento dos operadores de gestão da procura antes de confirmar a posição do Reino Unido, segundo a qual não era necessário oferecer a esses operadores contratos de duração superior a um ano. Com efeito, os contratos de um ano são a norma e não a exceção, e a Tempus nunca contestou o facto de os custos de investimento iniciais dos operadores de gestão da procura não serem de todo comparáveis aos dos novos fornecedores de capacidade. Por outro lado, a experiência adquirida desde a implementação do mercado de capacidade durante o ano de 2014 não permite concluir que o acesso diferenciado a acordos a longo prazo tenha proporcionado uma vantagem concorrencial às novas capacidades de produção.

95

Em segundo lugar, quanto ao método de amortização dos custos, a Comissão alega que este aspeto da medida em causa, que faz parte do financiamento do mercado de capacidade, não era diretamente pertinente para efeitos da apreciação da compatibilidade da referida medida com o mercado interno, por não haver uma relação de afetação obrigatória entre as receitas provenientes da taxa aplicada aos fornecedores de eletricidade e o montante do auxílio. Além disso, o Tribunal Geral fez erradamente referência, nos n.os 199 e 211 do acórdão recorrido, ao n.o 27, alínea e), e aos n.os 69 e 92 das Orientações 2014‑2020, apesar de os critérios de apreciação pertinentes figurarem nas secções 3.9.5 e 3.9.6 das referidas orientações.

96

Em todo o caso, o Tribunal Geral cometeu um erro ao declarar, no n.o 210 do acórdão recorrido, que a Comissão devia ter verificado se a medida em causa continha um incentivo equivalente ao de um projeto anterior destinado a reduzir o consumo de eletricidade nas horas de ponta. Segundo a Comissão, teria bastado concluir que esta medida continha tal incentivo previsível, o que se verificava no caso em apreço. Ao exigir que a Comissão examinasse se o método de financiamento escolhido era o melhor para encorajar a gestão da procura, o Tribunal terá concedido uma atenção excessiva e injustificada às medidas destinadas a encorajar a gestão da procura. A Comissão observa, a este respeito, que o método de amortização dos custos constitui um compromisso entre o interesse em manter um incentivo à redução do consumo e a necessidade de reduzir a incerteza dos fornecedores sobre a parte dos custos que provavelmente ficam a seu cargo. A menos que existam razões para pensar que a avaliação do Estado‑Membro é incorreta ou errada, a Comissão não pode ser obrigada a criticar a conceção de medidas nacionais que considera solidamente justificadas.

97

A República da Polónia entende igualmente que, no n.o 210 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral se concentrou de forma excessiva na questão de saber se a medida em causa incentivava o desenvolvimento da gestão da procura, ignorando o poder discricionário da Comissão no que respeita à compatibilidade de uma medida com as Orientações 2014‑2020.

98

Em terceiro lugar, a Comissão considera que o Tribunal Geral entendeu erradamente que devia ter tido dúvidas quanto às condições de participação no mercado de capacidade a que estão sujeitos os operadores de gestão da procura, uma vez que o Reino Unido se tinha comprometido a colocar pelo menos 50 % do volume reservado nos leilões T‑1, que oferecem uma melhor via de acesso ao mercado para os operadores de gestão da procura. Os n.os 242 e 243 do acórdão recorrido contêm uma apreciação manifestamente errada a este respeito, uma vez que esse compromisso, que figura no considerando 46 da decisão controvertida, é juridicamente vinculativo. Se o Estado‑Membro se devesse afastar do referido compromisso, a medida assim adotada deixaria de estar coberta pela decisão controvertida.

99

O Reino Unido considera igualmente que, tendo em conta o seu compromisso de colocar nos leilões T‑1 pelo menos 50 % do volume inicialmente reservado, a crítica do Tribunal Geral a este respeito, que figura nos n.os 242 e 243 do acórdão recorrido, é infundada. Além disso, considera que a Comissão tinha o direito de aceitar esse compromisso sem exigir que demonstrasse que tinha sido integrado no direito interno. Por último, o Reino Unido recorda que, embora os leilões T‑1 possam constituir a via privilegiada para certos operadores de gestão da procura, estes têm igualmente a possibilidade de participar nos leilões T‑4, nos quais, aliás, registaram excelentes resultados.

100

Quanto ao limiar de participação de 2 megawatts (MW) adotado na decisão controvertida, a Comissão observa que nenhum terceiro tinha levantado objeções a este respeito, pelo que as informações de que dispunha no decurso da análise preliminar não podiam suscitar dúvidas quanto à compatibilidade da medida em causa com o mercado interno. Apenas na fase da réplica no Tribunal Geral este limiar foi contestado pela Tempus, pelo que esta alegação devia ter sido declarada inadmissível. De qualquer modo, a comparação feita pelo Tribunal, no n.o 256 do acórdão recorrido, com o mercado de capacidade Pennsylvanie‑New Jersey‑Maryland (PJM) nos Estados Unidos foi deslocada e demonstra a falta de exame crítico do mérito das acusações formuladas pela Tempus. Por outro lado, no segundo leilão transitório, o Reino Unido reduziu o limiar de participação para 500 kW sem resultado significativo, uma vez que apenas 2,7 % das propostas apresentadas pelos operadores de gestão da procura terão sido inferiores a este limiar.

101

A Comissão considera, assim, que podia validamente considerar, com base nas informações de que dispunha, que o regime em causa continha incentivos adequados à participação dos operadores de gestão da procura, em conformidade com as Orientações 2014‑2020.

102

O Reino Unido e a República da Polónia chamam a atenção, de maneira geral, para o facto de as Orientações 2014‑2020 terem por objetivo permitir à Comissão verificar se uma medida de auxílio permite alcançar um objetivo de interesse comum, sendo este, no caso em apreço, o facto de se assegurar a adequação das capacidades no mercado da eletricidade, ao custo mais baixo para o consumidor e de forma tecnologicamente neutra, minimizando os efeitos negativos sobre o comércio entre Estados‑Membros e a concorrência. Em contrapartida, não visam impor condições específicas no que respeita à estruturação da medida de auxílio ou definir os aspetos do mecanismo de capacidade destinado a assegurar a adequação das capacidades. O objetivo destas orientações não é, portanto, facilitar ou encorajar os operadores de gestão da procura, como concluiu erradamente o Tribunal Geral ao longo de todo o acórdão recorrido. Por conseguinte, ao concluir que a compatibilidade da medida em causa com o mercado interno suscitava dúvidas, o Tribunal ignorou o objetivo do mercado de capacidade e cometeu um erro na aplicação das referidas orientações.

103

Em resposta à primeira alegação, a Tempus afirma, antes de mais, que a argumentação da Comissão resulta de uma leitura errada do acórdão recorrido. O Tribunal Geral apenas considerou que, sem ignorar os dados fornecidos pelo Estado‑Membro, a Comissão devia ter uma ideia global de todas as informações pertinentes disponíveis e procurar elementos de prova suplementares, através do procedimento formal de investigação, quando, como no caso em apreço, estes são objetivamente necessários para a eliminação das dúvidas.

104

No que respeita, mais especificamente, à avaliação do potencial de gestão da procura, a Tempus defende plenamente a apreciação do Tribunal Geral que figura nos n.os 152 a 158 do acórdão recorrido. Considera, em particular, que a Comissão devia exigir ao Reino Unido que avaliasse de imediato o potencial da participação dos operadores de gestão da procura, como exigiam os n.os 223 e 224 das Orientações 2014‑2020, sem esperar que o primeiro leilão revelasse esse potencial. Por outro lado, a Tempus defende que a Comissão não teve suficientemente em conta o facto de a tecnologia de gestão da procura dever ser adequadamente encorajada para realizar o seu pleno potencial, que pode conduzir à irrelevância do mercado de capacidade num futuro próximo.

105

A Tempus considera que o segundo fundamento da Comissão é igualmente improcedente. Em primeiro lugar, no que respeita ao caráter discriminatório da duração dos contratos de capacidade, a Comissão faz uma leitura errada do acórdão recorrido, uma vez que este não declarou que existia um regime normal de contratos com uma duração superior a um ano, de que os operadores de gestão da procura tinham sido excluídos. Além disso, a Tempus pede ao Tribunal de Justiça que proceda a uma substituição de fundamentos, a fim de constatar a presença de outros elementos que justificam a existência de dúvidas a este respeito. Como o Tribunal Geral sublinhou no n.o 190 do acórdão recorrido, a Comissão devia ter determinado se o facto de os operadores de gestão da procura não poderem obter contratos da mesma duração dos contratos dos outros fornecedores de capacidade poderia reduzir a sua possível contribuição para a solução do problema da adequação das capacidades. Com efeito, o simples facto de uma tecnologia ser onerosa não lhe deve proporcionar uma vantagem indevida nos leilões, quando o mercado de capacidade é suposto garantir a segurança do abastecimento a um custo mínimo para o consumidor.

106

Em segundo lugar, quanto ao método de amortização dos custos, a Tempus alega que os n.os 208 a 213 do acórdão recorrido respeitam exclusivamente a uma apreciação dos factos pelo Tribunal Geral, que não está abrangida pela fiscalização do Tribunal de Justiça no âmbito de um recurso. Em todo o caso, a análise do Tribunal Geral quanto à existência de dúvidas no que respeita ao efeito de incentivo da medida em causa é correta, pelos motivos expostos nos n.os 194 a 213 do acórdão recorrido. No atinente à inexistência de nexo entre o financiamento da medida e a medida de auxílio enquanto tal, alegada pela Comissão, a Tempus considera que, pelo contrário, a medida em causa constitui um exemplo perfeito de um mecanismo que comporta uma relação de afetação obrigatória entre a imposição e o auxílio. Com efeito, os sinais de preços impostos pelo método de amortização dos custos num determinado ano têm uma influência direta nos incentivos e na capacidade dos consumidores para deslocar a sua utilização e, logo, sobre a procura em período de ponta, que é em seguida utilizada para calcular o volume de capacidade a adquirir nos anos seguintes. O facto de este aspeto não ser mencionado nas Orientações 2014‑2020 não impediu a sua tomada em consideração para efeitos da apreciação da compatibilidade da medida em causa. Por último, a Tempus entende que o Tribunal não cometeu qualquer erro ao considerar que a Comissão não podia contentar‑se com um simples compromisso do Estado‑Membro, se o mesmo não se refletisse na legislação nacional.

107

Em terceiro lugar, no que respeita às condições de participação no mercado de capacidade e, em particular, ao limiar de participação de 2 MW, a Tempus considera que foi com razão que o Tribunal Geral julgou este argumento admissível, na medida em que constituía a ampliação de uma alegação articulada na petição. Além disso, os n.os 249 a 252 do acórdão recorrido indicam claramente em que medida a garantia de apresentação de propostas pode efetivamente constituir uma barreira à participação dos operadores de gestão da procura no mercado de capacidade.

Apreciação do Tribunal de Justiça

108

Com a primeira alegação apresentada no âmbito da segunda parte do fundamento único, a Comissão critica os n.os 146, 152 e 154 a 156 do acórdão recorrido, que se inserem nos desenvolvimentos desse acórdão que figuram sob a epígrafe «Elementos disponíveis relativos ao potencial da gestão da procura».

109

A este respeito, resulta do considerando 122 da decisão controvertida, cujo conteúdo é recordado no n.o 150 do acórdão recorrido, que, para apoiar o setor da gestão da procura, o Reino Unido tinha manifestado a sua intenção de examinar as informações resultantes do primeiro leilão T‑4 do mês de dezembro de 2014, com vista a garantir que as curvas da procura fossem adequadamente ajustadas. Além disso, o Reino Unido tinha elaborado disposições relativas aos leilões transitórios para apoiar o crescimento do setor da gestão da procura entre 2015 e 2016, bem como um projeto‑piloto em matéria de eficiência energética. O Reino Unido tinha também indicado que, em resposta ao relatório, publicado em 30 de junho de 2014, do painel de peritos técnicos (a seguir «PTE») encarregado do exame das recomendações no que respeita à capacidade de leiloar no mercado de capacidade em dezembro de 2014, a National Grid plc tinha sugerido um projeto comum com a Energy Networks Association (Associação das redes de energia), incluindo o Distribution Network Operators (Operadores de redes de distribuição).

110

No n.o 151 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral recordou o considerando 128 da decisão controvertida, segundo o qual, ainda que a medida em causa pudesse resultar num apoio à produção a partir de combustíveis fósseis, a Comissão considerava que a avaliação do problema da adequação das capacidades, levada a cabo anualmente, tomava em consideração todos os tipos de operadores, incluindo os operadores de gestão da procura. Segundo o Tribunal, a Comissão daí concluiu, no considerando 129 dessa decisão, que a medida em causa era «neutra no plano tecnológico» e não tinha por efeito reforçar a posição dos produtores de eletricidade a partir de combustíveis fósseis.

111

Ora, no n.o 146 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral afirmou nomeadamente que, quando procedeu à análise preliminar da medida em causa, a Comissão estava em condições de analisar elementos que permitiam não apenas ter em consideração o papel atual da gestão da procura, mas também o seu potencial real.

112

No n.o 152 do acórdão recorrido, salientou que as apreciações que figuram nos considerandos 122, 128 e 129 da decisão controvertida, recordadas nos n.os 150 e 151 desse acórdão e nos n.os 109 e 110 do presente acórdão, não «permitiam à Comissão eliminar as dúvidas que decorriam dos elementos de que já dispunha ou de que podia dispor quando adotou a decisão impugnada [controvertida]».

113

O Tribunal Geral acrescentou, no n.o 154 do referido acórdão que, «tendo em conta os elementos disponíveis e o papel da gestão da procura, no caso vertente, a Comissão não podia limitar‑se a constatar o “caráter aberto” da medida e consequentemente concluir no sentido da sua neutralidade no plano tecnológico, sem analisar mais detalhadamente o caráter efetivo e eficaz da tomada em consideração desta solução tecnológica no mercado de capacidade».

114

A este respeito, no n.o 155 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral salientou, nomeadamente, que nenhum dos elementos referidos na decisão controvertida permitia concluir que a Comissão tinha procedido a uma análise própria da tomada em consideração efetiva da gestão da procura. Destacou, «a título de exemplo», que não era feita nenhuma referência na decisão controvertida à estimativa de 3 gigawatts (GW) do potencial da gestão da procura, evocada pela National Grid. O Tribunal considerou, portanto, que a Comissão tinha aceitado as informações e as hipóteses apresentadas pelo Reino Unido.

115

Acrescentou, no n.o 156 do acórdão recorrido, que não era portanto de excluir que, «se a Comissão tivesse levado a cabo a sua própria análise do potencial da gestão da procura, nomeadamente para se questionar a respeito da forma como deveriam ser levadas em conta as estimativas feitas pela National Grid ou por outras fontes, ou a respeito das razões que conduziram ao sucesso dos exemplos americanos, as modalidades de participação dos operadores de gestão da procura teriam sido diferentes».

116

Foi com base nestas considerações que o Tribunal Geral concluiu, no n.o 158 do acórdão recorrido, que «os elementos relativos ao potencial da gestão da procura […] podiam constituir um indício da existência de dúvidas a respeito da compatibilidade [da medida em causa] com o mercado interno, dúvidas essas que, lendo a decisão [controvertida], não [era] possível considerar que a Comissão [tivesse] esclarecido depois de terminar a sua análise preliminar».

117

Esta conclusão do Tribunal Geral enferma de um erro de direito.

118

Importa recordar, a este respeito, que, como resulta da jurisprudência referida no n.o 39 do presente acórdão, incumbe à parte que pede a anulação de uma decisão da Comissão não levantar objeções à apresentação de elementos suscetíveis de demonstrar que a apreciação das informações e dos elementos disponíveis devia ter suscitado dúvidas quanto à compatibilidade da medida em causa com o mercado interno.

119

Ora, decorre das considerações do acórdão recorrido recordadas nos n.os 111 a 115 do presente acórdão que o Tribunal Geral não verificou se a Tempus tinha conseguido demonstrar que a apreciação das informações e dos elementos disponíveis devia ter suscitado dúvidas à Comissão quanto à compatibilidade da medida em causa com o mercado interno, dúvidas que a deveriam ter levado a realizar a sua própria análise desse potencial, sendo caso disso após o início do procedimento formal de investigação. O Tribunal antes fez recair sobre esta instituição a obrigação de procurar elementos que vão além dos «elementos [disponíveis] relativos ao potencial da gestão da procura», aos quais se refere o n.o 158 do acórdão recorrido.

120

Em especial, o Tribunal Geral não indicou o ponto preciso sobre o qual as dúvidas da Comissão deviam incidir nem o elemento concreto que deveria ter suscitado tais dúvidas. Por outro lado, há que observar que, embora o Tribunal se tenha referido, nos n.os 136 a 145 do acórdão recorrido, a determinados elementos relativos ao potencial da gestão da procura que a Comissão podia tomar em consideração, não resulta da leitura dessa parte do acórdão recorrido que um ou outro desses elementos fosse suscetível de suscitar dúvidas no espírito da Comissão quanto à tomada em consideração efetiva do potencial da gestão da procura na conceção da medida em causa e, logo, quanto à compatibilidade desta última com o mercado interno.

121

No que respeita, mais especificamente, ao relatório do PTE, cujos excertos são citados nos n.os 142 e 145 do acórdão recorrido, é certo que o Tribunal Geral salientou, no n.o 143 desse acórdão, que a análise do PTE «realça[va] a necessidade urgente de definir incentivos adequados para que a gestão da procura possa participar efetivamente no mercado de capacidade com todo o seu potencial» e que «o PTE lamenta[va] a atual inexistência de uma organização capaz de reunir os dados necessários para compreender e recolher as informações relativas ao potencial de gestão da procura sob diferentes aspetos, ainda que alguns dados já est[ivessem] disponíveis». Acrescentou, no n.o 147 do referido acórdão, que a Comissão tinha conhecimento das dificuldades evocadas pelo PTE no que diz respeito à tomada em consideração do potencial da gestão da procura no mercado de capacidade.

122

Todavia, embora estas considerações revelem uma certa dificuldade na previsão do potencial da gestão da procura, não são suscetíveis de demonstrar que a medida em causa não tinha ou não tinha suficientemente em conta esse potencial e, logo, devia suscitar dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado interno. Com efeito, como o próprio Tribunal Geral recordou nos n.os 136, 137 e 150 do acórdão recorrido, o Reino Unido estava consciente da necessidade da participação da gestão da procura no mercado de capacidade e certos elementos da medida em causa tinham sido concebidos a fim de assegurar essa participação. Ora, o Tribunal não explica por que motivos a Comissão deveria ter tido dúvidas quanto ao caráter suficiente e adequado desses elementos.

123

Resulta do exposto que a primeira alegação da segunda parte do fundamento único da Comissão deve ser acolhida.

124

No âmbito da segunda alegação invocada em apoio da presente parte do fundamento único, a Comissão contesta, em primeiro lugar, alguns desenvolvimentos da análise efetuada pelo Tribunal Geral nos n.os 160 a 192 do acórdão recorrido, relativa à questão da duração dos contratos de capacidade, análise no termo da qual o Tribunal declarou, no n.o 193 desse acórdão, que a diferença entre a duração dos contratos de capacidade oferecidos aos operadores da gestão da procura e a duração dos oferecidos aos produtores de eletricidade constituía um indício da existência de dúvidas quanto à compatibilidade do mercado em causa com o mercado interno.

125

A este respeito, há que recordar que, nos n.os 165 a 168 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral declarou, sem que esta conclusão fosse posta em causa no âmbito do presente recurso, que a medida em causa não oferecia aos operadores de gestão da procura nenhuma possibilidade de celebração de contratos de capacidade com duração superior a um ano, quando os fornecedores de capacidade que efetuam despesas de um nível necessário para renovar uma central existente ou construir uma nova central eram elegíveis para obter contratos de duração, respetivamente, até três e quinze anos.

126

No n.o 169 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral salientou a este respeito que a Comissão tinha confirmado a posição do Reino Unido segundo a qual, em substância, as capacidades de produção novas ou a renovar implicam custos de investimento elevados, o que justificava a sua elegibilidade para contratos mais longos, a fim de permitir aos operadores obterem o financiamento necessário, ao passo que os operadores de gestão da procura tinham necessidades de despesas de capital menos significativas. Após ter analisado, detalhadamente, se a referida diligência da Comissão era fundada, o Tribunal concluiu, no n.o 180 desse acórdão, que o critério decisivo adotado pela medida em causa para determinar os operadores elegíveis para obter contratos de capacidade com uma duração superior a um ano era o nível de gastos em capital e as dificuldades de financiamento.

127

Por conseguinte, o Tribunal Geral considerou, no n.o 181 do acórdão recorrido, que para respeitar a obrigação de dar incentivos adequados a todos os operadores, era importante analisar qual a duração necessária para permitir que cada categoria de fornecedor de capacidade participasse plenamente no mercado de capacidade, atendendo às suas despesas com investimento e às respetivas dificuldades de financiamento, e que incumbia, portanto, à Comissão verificar se o ato de reservar os contratos de capacidade de duração superior a um ano a certas tecnologias tinha caráter discriminatório e era contrário ao objetivo de criar um mercado de capacidade neutro no plano tecnológico.

128

Ora, no n.o 182 do acórdão recorrido e, mais uma vez, no n.o 192 desse acórdão, o Tribunal Geral constatou que a Comissão tinha confirmado a posição do Reino Unido segundo a qual não era necessário propor contratos com uma duração superior a um ano aos operadores de gestão da procura sem examinar se os gastos em capital e as dificuldades de financiamento desse tipo de operadores poderiam exigir que lhes fosse dada a possibilidade de que tais contratos lhes fossem adjudicados.

129

Todavia, não resulta dos fundamentos expostos nos n.os 183 a 191 do acórdão recorrido que a Tempus tenha demonstrado, como exige a jurisprudência referida no n.o 39 do presente acórdão, que a apreciação das informações e dos elementos de que a Comissão dispunha devia ter suscitado nesta dúvidas quanto ao mérito da posição do Reino Unido.

130

Com efeito, no n.o 187 do acórdão recorrido, o próprio Tribunal Geral declarou que tanto a Tempus como a UK Demand Response Association (UKDRA) (Associação de gestão da procura do Reino Unido), que tinha apresentado observações à Comissão, haviam admitido que os novos operadores de gestão da procura não tinham necessariamente os mesmos gastos de capital que os produtores que construíam novas centrais. Além disso, resulta do n.o 188 desse acórdão que nem a Tempus nem a UKDRA apresentaram informações detalhadas a este respeito à Comissão.

131

É certo que o Tribunal Geral considerou, nesse mesmo n.o 188, que a própria Comissão devia procurar as informações pertinentes e que, logo, para provar a existência de dúvidas na aceção do artigo 4.o, n.o 4, do Regulamento n.o 659/1999, bastava que a Tempus demonstrasse que a Comissão não tinha procurado nem examinado, de forma diligente e imparcial, todos os elementos pertinentes.

132

Todavia, resulta dos fundamentos expostos nos n.os 48 a 51 do presente acórdão que esta consideração está viciada por um erro de direito.

133

Daqui resulta que, ao considerar, no n.o 193 do acórdão recorrido, que a diferença entre o período de duração do contrato de capacidade proposta aos operadores de gestão da procura e os períodos de duração propostos aos produtores constitui um indício da existência de dúvidas quanto à compatibilidade da medida em causa com o mercado interno, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito.

134

Em segundo lugar, a Comissão considera que foi erradamente que o Tribunal Geral, para demonstrar a existência de dúvidas quanto à compatibilidade da medida em causa com o mercado interno, se baseou no método de amortização dos custos, que, como foi recordado no n.o 11 do presente acórdão, visa assegurar o financiamento dos custos suportados para a remuneração das capacidades através de uma taxa aplicada aos fornecedores de eletricidade, determinada em função da sua quota de mercado e calculada com base na procura registada entre as 16 horas e as 19 horas durante a semana, entre o mês de novembro e o mês de fevereiro.

135

Como resulta do n.o 203 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral considerou que o método de amortização dos custos era pertinente para apreciar, em especial, o caráter proporcionado da medida em causa, ou seja, para determinar se o montante do auxílio concedido estava limitado ao mínimo necessário para obter o resultado esperado.

136

Para justificar esta consideração, o Tribunal Geral indicou, em substância, nos n.os 204 e 205 do acórdão recorrido, que o montante do auxílio concedido ao abrigo da medida em causa dependia do volume de capacidade leiloado através do mercado de capacidade e do preço de fecho dos leilões. Precisou que, na medida em que o volume de capacidade leiloado é determinado tendo em conta os picos de procura, quanto menos elevados estes sejam, menos significativo é o volume de capacidade leiloado e, logo, menos significativo é o montante do auxílio.

137

Ora, sendo a taxa aplicada aos fornecedores calculada com base na procura de eletricidade, constitui um incentivo à redução do consumo de eletricidade, o que, por sua vez, reduz tanto o volume de capacidade leiloado para fazer face aos picos de procura como o preço de venda dos leilões, o que, em suma, se traduz numa redução do montante do auxílio.

138

A este respeito, o Tribunal Geral constatou, no n.o 206 do acórdão recorrido, que, apesar de o Reino Unido ter inicialmente previsto calcular o montante da taxa com base na quota de mercado que os fornecedores de eletricidade tinham na procura de eletricidade registada durante os períodos ditos de «tríade», ou seja, durante os três períodos de meia hora com registo de picos de consumo de eletricidade mais elevados anualmente no período entre novembro e fevereiro, o Reino Unido acabou por, após consulta pública, por alterar as modalidades de cálculo da taxa para adotar o método descrito no n.o 134 do presente acórdão.

139

Como resulta do n.o 207 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral considerou que, no que respeita à alteração do método de cálculo da taxa destinada a financiar o auxílio, a Comissão tinha confirmado a posição do Reino Unido sem analisar as consequências dessa alteração no montante total do auxílio e, por conseguinte, no caráter proporcionado da medida em causa.

140

Além disso, no n.o 210 do acórdão recorrido, criticou a Comissão por não ter verificado se o novo método de amortização dos custos mantinha efetivamente um incentivo equivalente para a redução do consumo de eletricidade nos picos de procura, nomeadamente encorajando o desenvolvimento da gestão da mesma.

141

Acrescentou, no n.o 211 desse acórdão, que a Comissão também não tinha verificado se o método de amortização dos custos adotado afetava o acesso ao mercado, nomeadamente dos operadores de gestão da procura, aumentando em particular os obstáculos à entrada e à expansão resultantes da posição forte dos fornecedores verticalmente integrados. A este respeito, o Tribunal Geral remeteu para o ponto 92 das Orientações 2014‑2020.

142

Por conseguinte, o Tribunal Geral concluiu, no n.o 213 do acórdão recorrido, que incumbia à Comissão examinar a eventual incidência da alteração do método de amortização dos custos no caráter proporcionado da medida em causa e, por conseguinte, a sua compatibilidade com o mercado interno. Considerou, assim, que o facto de a Comissão não dispor de uma informação completa quanto às consequências da alteração dos métodos de amortização dos custos no contexto do procedimento preliminar de investigação constituía um indício suplementar da existência de dúvidas quanto à compatibilidade da medida em causa com o mercado interno.

143

A este respeito, há que recordar que a Comissão pode adotar orientações para estabelecer critérios com base nos quais pretende avaliar a compatibilidade, com o mercado interno, de medidas de auxílio projetadas pelos Estados‑Membros. Ao adotar tais regras de conduta e ao anunciar, através da sua publicação, que as aplicará aos casos a que essas regras dizem respeito, a Comissão autolimita‑se no exercício do seu poder de apreciação e não pode, em princípio, desrespeitar essas regras sob pena de poder ser sancionada, sendo caso disso, por violação de princípios gerais do direito, como a igualdade de tratamento ou a proteção da confiança legítima (Acórdão de 29 de julho de 2019, Bayerische Motoren Werke e Freistaat Sachsen/Comissão, C‑654/17 P, EU:C:2019:634, n.os 81 e 82 e jurisprudência referida).

144

No caso em apreço é pacífico que, segundo as Orientações 2014‑2020, o caráter proporcionado de uma medida de auxílio constitui um dos critérios pertinentes para apreciar a sua compatibilidade com o mercado único.

145

Na medida em que o método de amortização comporta uma taxa, a saber, uma taxa paga pelos fornecedores de eletricidade, a Comissão invocou também a jurisprudência do Tribunal de Justiça segundo a qual, para que um imposto possa ser considerado parte integrante de uma medida de auxílio, deve existir um nexo de afetação vinculativo entre o imposto e o auxílio por força da legislação nacional pertinente, no sentido de que o produto do imposto é necessariamente afetado ao financiamento do auxílio. Se tal nexo existir, o produto do imposto influencia diretamente o montante do auxílio e, consequentemente, a apreciação da sua compatibilidade com o mercado interno (Acórdãos de 27 de outubro de 2005, Distribution Casino France e o., C‑266/04 a C‑270/04, C‑276/04 e C‑321/04 a C‑325/04, EU:C:2005:657, n.o 40, e de 3 de março de 2020, Vodafone Magyarország, C‑75/18, EU:C:2020:139, n.o 27).

146

No caso em apreço, embora não resulte do acórdão recorrido que o produto da taxa imposta no âmbito do método de amortização é necessariamente afetado ao financiamento da medida em causa, as modalidades de cálculo dessa taxa são suscetíveis, como o Tribunal Geral considerou, em substância, nos n.os 203 a 205 do acórdão recorrido, de afetar o montante do auxílio.

147

Com efeito, pode razoavelmente presumir‑se que os fornecedores de eletricidade, que são devedores da taxa, repercutem o encargo desta, no todo ou em parte, nos seus clientes, de modo que a taxa é suscetível, em suma, de onerar o consumo de eletricidade e de incentivar a sua limitação. Isso implica, por sua vez, a limitação das capacidades exigidas e, consequentemente, do auxílio pago no âmbito da medida em causa para assegurar essas capacidades.

148

Daqui resulta que o Tribunal Geral não pode ser acusado de ter cometido um erro de direito na medida em que considerou que o método de amortização dos custos escolhido era suscetível de ser pertinente para a apreciação do caráter proporcional da medida em causa e, logo, da sua compatibilidade com o mercado interno.

149

Feita esta precisão, há que verificar se o Tribunal Geral tinha razão ao considerar, como fez no n.o 213 do acórdão recorrido, que a falta de «informação completa quanto às consequências da alteração dos métodos de amortização dos custos» constituía um indício da existência de dúvidas quanto à compatibilidade da medida em causa com o mercado interno.

150

A este respeito, importa sublinhar que cabia à Comissão apreciar a compatibilidade da medida em causa com o mercado interno, e não compará‑la com uma medida diferente anteriormente prevista pelo Reino Unido. Daqui resulta que o simples facto de o método de financiamento da medida em causa ter sido alterado relativamente ao método inicialmente previsto não pode, por si só, ser considerado suscetível de justificar a existência de dúvidas quanto à compatibilidade da medida em causa com o mercado interno.

151

Assim, contrariamente ao que o Tribunal Geral declarou no n.o 210 do acórdão recorrido, não era necessário que a Comissão verificasse se o método de amortização dos custos previstos pela medida em causa mantinha um incentivo para a redução do consumo de eletricidade equivalente ao que teria resultado do método inicialmente previsto.

152

Retira‑se das considerações precedentes que, ao declarar, no n.o 213 do acórdão recorrido, que a falta de informação completa quanto às consequências da alteração dos métodos de amortização dos custos constituía um indício da existência de dúvidas suscetíveis de justificar o início, pela Comissão, do procedimento formal de investigação da medida em causa, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito.

153

Em terceiro lugar, a Comissão contesta alguns dos fundamentos do acórdão recorrido relativos às condições de participação no mercado de capacidade dos operadores de gestão da procura. Após ter analisado três grupos de argumentos avançados pela Tempus, o Tribunal Geral concluiu, no n.o 259 do acórdão recorrido, que a interação entre os leilões T‑4 e os leilões T‑1 e certas condições de participação dos operadores de gestão da procura no mercado de capacidade deviam ter levado a Comissão a ter dúvidas, por um lado, a respeito da adequação da medida em causa para atingir os objetivos anunciados pelo Reino Unido em matéria de incentivo ao desenvolvimento da gestão da procura e, por outro, a respeito da sua compatibilidade com as exigências das Orientações 2014‑2020 em matéria de incentivos adequados aos operadores de gestão da procura e, por conseguinte, a respeito da compatibilidade da medida em causa com o mercado interno.

154

Esta conclusão baseia‑se, em substância, em dois fundamentos do Tribunal Geral, contestados pela Comissão.

155

Em primeiro lugar, no n.o 243 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral admitiu que a organização de leilões T‑1 podia encorajar o desenvolvimento da gestão da procura, mas acrescentou que a Comissão devia ter tido dúvidas quanto à amplitude desse efeito de incentivo, tendo em conta o volume restrito de capacidade reservado aos leilões T‑1 e a inexistência, constatada no n.o 242 do acórdão recorrido, de disposição jurídica expressa que confirmasse a garantia do Reino Unido de obter, nesses leilões, pelo menos 50 % do volume reservado.

156

Ora, como recorda a Comissão, no considerando 46 da decisão controvertida, tomou nota do compromisso do Reino Unido de obter nos leilões T‑1 pelo menos 50 % do volume de capacidade reservado quatro anos antes.

157

Tal compromisso é parte integrante da medida em causa, em relação à qual a Comissão decidiu, através da decisão controvertida, não levantar objeções (v., neste sentido, Acórdão de 13 de junho de 2013, Ryanair/Comissão, C‑287/12 P, não publicado, EU:C:2013:395, n.o 67).

158

Daqui resulta, como salientou o advogado‑geral no n.o 170 das suas conclusões, que, se o Reino Unido devesse conceder um auxílio como o previsto pela medida em causa sem respeitar esse compromisso, o referido auxílio não seria abrangido pela decisão controvertida e não poderia, logo, ser considerado autorizado pela Comissão.

159

Por conseguinte, a questão de saber se o Reino Unido consagrou o compromisso mencionado no considerando 46 da decisão controvertida numa disposição expressa do seu direito interno era irrelevante para a apreciação da compatibilidade da medida em causa com o mercado interno. A inexistência de tal disposição não podia, pois, contrariamente ao que decidiu o Tribunal Geral, ser fonte de dúvidas a este respeito.

160

Há que acrescentar que, no n.o 241 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral constatou que o volume de capacidade reservado aos leilões T‑1 era diminuto em comparação com o volume de capacidade colocado nos leilões T‑4, e que, de resto, os leilões T‑1 não estavam reservados aos operadores de gestão da procura.

161

Todavia, estas considerações não podem, por si só, justificar a existência de dúvidas quanto à compatibilidade da medida em causa com o mercado interno, devido a um alegado tratamento discriminatório ou desvantajoso dos operadores de gestão da procura.

162

Por um lado, o Reino Unido comprometeu‑se a colocar, nos leilões T‑1, pelo menos 50 % do volume reservado, de modo que é difícil compreender por que motivos o Tribunal Geral qualificou o volume de capacidade reservado aos leilões T‑1 de «diminuto». Por outro lado, o facto de todos os operadores poderem participar nos leilões T‑1 não significa que os operadores de gestão da procura estejam sujeitos a um tratamento desvantajoso ou discriminatório.

163

Em segundo lugar, a Comissão contesta os fundamentos que figuram nos n.os 256 e 257 do acórdão recorrido, que levaram o Tribunal Geral a concluir, no n.o 258 desse acórdão, que a Comissão devia ter tido dúvidas a respeito do mérito da afirmação segundo a qual a fixação, pelo Reino Unido, do limiar mínimo de participação nos leilões de capacidade em 2 MW constituía uma medida que favorecia o desenvolvimento da gestão da procura.

164

A este propósito, há que salientar que, como resulta do n.o 255 do acórdão recorrido, na sua notificação da medida em causa, o Reino Unido apresentou o limiar mínimo de participação de 2 MW como baixo, atendendo ao limiar de participação adotado pela National Grid no contexto das outras medidas, e, por conseguinte, como uma das medidas que permitem incentivar os operadores de gestão da procura a participar no mercado de capacidade.

165

Ora, não resulta do acórdão recorrido que esta afirmação do Reino Unido tenha sido contestada no âmbito das observações apresentadas espontaneamente à Comissão. Por outro lado, a Comissão apenas mencionou, nos considerandos 16 e 17 da decisão controvertida, o limiar de 2 MW, sem se pronunciar sobre o seu caráter favorável ou desfavorável para os operadores de gestão da procura.

166

Como resulta do n.o 253 do acórdão recorrido, foi apenas em resposta aos argumentos apresentados pela Comissão na sua contestação no Tribunal Geral que a Tempus alegou que a fixação de um limiar mínimo de participação de 2 MW constituía uma barreira à participação dos operadores de gestão da procura no mercado de capacidade.

167

Depois de, no n.o 254 do acórdão recorrido, ter julgado admissível a argumentação da Tempus apesar da sua apresentação numa fase avançada do processo, o Tribunal Geral, por um lado, no n.o 256 desse acórdão, considerou que o limiar de participação no mercado de capacidade PJM, expressamente tomado como referência pelo Reino Unido na notificação, em apoio da sua afirmação no sentido de que a medida em causa permite desenvolver o setor da gestão da procura, era de apenas 100 kW, ou seja, 20 vezes menos elevado.

168

Por outro lado, no n.o 257 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral salientou que, embora, efetivamente, os operadores de gestão da procura tenham a possibilidade de agregar várias instalações para atingir o limiar mínimo de 2 MW, deviam pagar a garantia de apresentação de propostas relativamente à totalidade dos 2 MW a partir do momento em que uma parte desse volume, ainda que diminuta, fosse composta pelas capacidades de gestão da procura não confirmadas. Ora, segundo o Tribunal, o montante da garantia de apresentação de propostas podia constituir uma barreira à entrada de novos operadores de gestão da procura.

169

Foi com base nestas considerações que o Tribunal Geral concluiu, no n.o 258 do acórdão recorrido, que a Comissão devia ter tido dúvidas a respeito da afirmação segundo a qual a fixação, em 2 MW, do limite mínimo de participação nos leilões de capacidade constituía uma medida que favorecia o desenvolvimento da gestão da procura.

170

Sem que seja necessário analisar se o Tribunal Geral teve razão ao declarar admissível a argumentação da Tempus relativa ao limite mínimo de participação, o que é contestado pela Comissão, há que observar, em primeiro lugar, que, como o advogado‑geral salientou no n.o 177 das suas conclusões, o limiar de participação adotado pela National Grid no quadro de outras medidas era efetivamente superior a 2 MW. Assim, a afirmação do Reino Unido, reproduzida no n.o 255 do acórdão recorrido, não era inexata, o que o Tribunal, aliás, não afirmou.

171

Em segundo lugar, o Tribunal Geral não expôs, de modo algum, no n.o 256 do acórdão recorrido, os fundamentos que podem justificar uma comparação entre o limiar de participação do mercado de capacidade PJM e o previsto no âmbito da medida em causa. O facto, evocado pelo Tribunal, de o Reino Unido se ter referido ao mercado de capacidade PJM em apoio da sua afirmação segundo a qual esta medida permitia desenvolver o setor da gestão da procura não pode, por si só, justificar tal comparação.

172

Em terceiro lugar, há que observar que, no n.o 258 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral apenas salientou que a Comissão devia ter tido dúvidas quanto à afirmação de que a fixação do limite mínimo de participação em 2 MW constituía uma medida que favorecia o desenvolvimento da gestão da procura.

173

Ora, mesmo admitindo que se justificassem dúvidas quanto ao caráter favorável para o desenvolvimento da gestão da procura da fixação do limiar mínimo de participação em 2 MW, esta circunstância não significa necessariamente que o referido limiar era desfavorável a esse desenvolvimento, no sentido de que constituía um obstáculo importante à participação dos operadores de gestão da procura no mercado de capacidade.

174

Resulta das considerações precedentes que a conclusão do Tribunal Geral que figura no n.o 259 do acórdão recorrido, recordada no n.o 153 do presente acórdão, não pode ser justificada nem pelas considerações enunciadas nos n.os 242 a 243 desse acórdão, relativas à inexistência de disposição do direito interno do Reino Unido que garanta a venda nos leilões T‑1 de pelo menos 50 % da capacidade reservada quatro anos antes, nem pelas enunciadas nos n.os 256 a 258 do acórdão recorrido, relativas às dúvidas que a Comissão deveria ter tido quanto ao caráter favorável, para os operadores de gestão da procura, da fixação em 2 MW do limite mínimo de participação no mercado de capacidade.

175

Consequentemente, uma vez que a conclusão enunciada no n.o 259 do acórdão recorrido enferma de um erro de direito, a segunda parte do fundamento único do presente recurso deve ser acolhida.

176

Como as duas partes do fundamento único do recurso são procedentes, há que anular o acórdão recorrido.

Quanto ao recurso no Tribunal Geral

177

Em conformidade com o artigo 61.o, primeiro parágrafo, segundo período, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, este pode, em caso de anulação da decisão do Tribunal Geral, decidir definitivamente o litígio, se estiver em condições de ser julgado.

178

No caso em apreço, tendo em conta, nomeadamente, a circunstância de que o recurso de anulação interposto pela Tempus no processo T‑793/14 se baseia em fundamentos que foram objeto de debate contraditório no Tribunal Geral e cujo exame não carece da adoção de nenhuma medida suplementar de organização do processo ou de instrução dos autos, o Tribunal de Justiça entende que o presente recurso está em condições de ser julgado e que há que decidi‑lo definitivamente (v., por analogia, Acórdão de 8 de setembro de 2020, Comissão e Conselho/Carreras Sequeros e o., C‑119/19 P e C‑126/19 P, EU:C:2020:676, n.o 130).

179

Enquanto parte interessada e a fim de garantir a salvaguarda dos direitos processuais que lhe são conferidos pelo artigo 108.o, n.o 2, TFUE e pelo artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento n.o 659/1999, a Tempus invoca dois fundamentos de recurso, relativos, o primeiro, à violação do artigo 108.o, n.o 2, TFUE, à violação dos princípios da não discriminação, da proporcionalidade e da proteção da confiança legítima, bem como a uma apreciação errada dos factos e, o segundo, à falta de fundamentação.

Quanto ao primeiro fundamento

180

O primeiro fundamento subdivide‑se em sete partes. Em apoio da primeira parte, relativa a uma apreciação errada do potencial da gestão da procura, a Tempus invoca os elementos examinados pelo Tribunal Geral nos n.os 136 a 158 do acórdão recorrido sob a epígrafe «Elementos disponíveis relativos ao potencial da gestão da procura». Ora, pelas razões expostas nos n.os 117 a 122 do presente acórdão, estes elementos não são suscetíveis de demonstrar que a apreciação do potencial da gestão da procura devia suscitar dúvidas quanto à compatibilidade da medida em causa com o mercado interno e que essas dúvidas deveriam ter levado a Comissão a dar início ao procedimento formal de investigação. Assim, a primeira parte do primeiro fundamento deve ser julgada improcedente.

181

No âmbito da segunda parte do primeiro fundamento, a Tempus invoca os elementos examinados pelo Tribunal Geral nos n.os 160 a 193 do acórdão recorrido, sob a epígrafe «Quanto à duração dos contratos de capacidade». Ora, resulta dos n.os 129 a 133 do presente acórdão que estes elementos não demonstram que a Comissão deveria ter tido dúvidas quanto à compatibilidade da medida em causa com o mercado interno. Por conseguinte, a segunda parte do primeiro fundamento deve também ser julgada improcedente.

182

Com a terceira parte do primeiro fundamento, a Tempus afirma, em substância, que as condições de participação nos diferentes leilões previstos pela medida em causa eram tais que conduziam a uma exclusão de facto dos operadores de gestão da procura dos primeiros leilões T‑4. Esta parte deve ser julgada improcedente pelos motivos expostos nos n.os 231 a 235 do acórdão recorrido, que o Tribunal de Justiça subscreve.

183

Com a quarta parte, a Tempus invoca os argumentos relativos ao método de amortização dos custos, conforme resumidos nos n.os 194 a 197 do acórdão recorrido. Ora, pelos motivos expostos nos n.os 150 e 151 do presente acórdão, estes argumentos não demonstram que a Comissão deveria ter tido dúvidas quanto à compatibilidade da medida em causa com o mercado interno. Por conseguinte, a quarta parte do fundamento deve ser julgada improcedente.

184

Na quinta parte, a Tempus defende que a medida em causa sujeita a discriminação os operadores de gestão da procura, ao tratar de forma equivalente todos os participantes nos leilões permanentes e obrigando‑os a todos, incluindo estes operadores, a apresentarem propostas para incidentes de capacidade de duração indeterminada.

185

Esta parte deve ser julgada improcedente. Com efeito, é pacífico que a obrigação de apresentar propostas para incidentes de capacidade por tempo indeterminado se impõe a todos os operadores, uma vez que esta obrigação prossegue o objetivo, como explicou a Comissão, de atingir um nível de segurança de aprovisionamento superior ao proporcionado pelas propostas limitadas à cobertura de incidentes de capacidade a termo certo. Nestas condições, não se pode considerar que haja tratamento discriminatório dos operadores de gestão da procura nem que a Comissão deveria ter tido dúvidas quanto à compatibilidade da medida em causa com o mercado interno devido à obrigação de apresentar propostas para incidentes de capacidade por tempo indeterminado.

186

Com a sexta parte, a Tempus defende que o facto de sujeitar todos os participantes no mercado de capacidade à mesma obrigação de garantia de apresentação de propostas pode causar um problema de entrada no mercado para os operadores de gestão da procura, já que o setor de gestão da procura ainda está a dar os seus primeiros passos. Esta parte deve ser julgada improcedente pelos motivos expostos nos n.os 249 a 252 do acórdão recorrido, que o Tribunal de Justiça subscreve.

187

Por fim, com a sétima parte, a Tempus defende que a medida em causa suscita dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado interno na medida em que a mesma não remunera os operadores de gestão da procura pela limitação das perdas associadas ao transporte e à distribuição da eletricidade. Com efeito, segundo a Tempus, a capacidade fornecida pelos operadores de gestão da procura reduz não apenas o montante global da capacidade exigida e que circula no mercado de capacidade, mas também, na ordem dos 7 a 8 %, o montante da capacidade perdida no transporte e na distribuição de eletricidade. Considera que as poupanças assim realizadas deveriam ser incorporadas na remuneração dos operadores de gestão da procura, a fim de criar um incentivo destinado a melhorar a eficácia da rede. Esta parte do fundamento deve igualmente ser rejeitada pelos motivos expostos nos n.os 263 a 266 do acórdão recorrido, que o Tribunal de Justiça subscreve.

188

Por conseguinte, o primeiro fundamento é improcedente.

Quanto ao segundo fundamento

Argumentos das partes

189

Em apoio do segundo fundamento, relativo à falta de fundamentação da decisão controvertida, a Tempus apresenta sete argumentos.

190

Em primeiro lugar, no que respeita à apreciação do potencial papel da gestão da procura no mercado de capacidade do Reino Unido, a Tempus alega que a decisão controvertida contém uma fundamentação contraditória. Com efeito, enquanto o considerando 107 dessa decisão evoca «fornecedores de serviços de gestão da procura que tenham atingido a maturidade», afirma‑se, no considerando 131 da referida decisão, que o setor da gestão da procura «ainda está a dar os primeiros passos». Esta contradição na fundamentação demonstra que a Comissão não apreciou corretamente o papel que a gestão da procura desempenha e pode desempenhar no mercado de capacidade do Reino Unido.

191

Em segundo lugar, no que respeita à duração dos contratos, a Tempus alega que a Comissão não explicou, por um lado, a razão pela qual os prazos para a realização de novos investimentos de que os operadores de gestão da procura necessitam para disponibilizar capacidades não foram tidos em consideração, sendo apenas mencionados os prazos de realização dos produtores no considerando 134 da decisão controvertida e, por outro, a razão pela qual considera, como resulta do considerando 152 da referida decisão, que os contratos disponíveis para os operadores de gestão da procura têm «a duração suficientemente longa dos contratos de capacidade associados aos novos investimentos» e «permitem aos novos atores obterem o financiamento necessário e portanto diminuírem o risco de domínio do mercado».

192

Em terceiro lugar, no que respeita à escolha dos operadores de gestão da procura entre participação nos leilões transitórios ou participação nos leilões permanentes, a Tempus defende que, embora a Comissão tenha afirmado, no considerando 128 da decisão controvertida, que os leilões transitórios visam melhorar a gestão da procura, não explicou em que é que a exclusão mútua desses leilões melhora esta gestão da procura. Também não explicou qual o «desempenho técnico insuficiente requerido para resolver o problema de adequação da produção» que poderia justificar tal exclusão, como exige o ponto 232, alínea a), das Orientações 2014‑2020.

193

Em quarto lugar, no que respeita ao método de amortização dos custos, a Comissão limitou‑se a examinar, na decisão controvertida, a questão de saber se a medida em causa comporta um qualquer efeito de incentivo, ainda que esse efeito seja mínimo e inadequado para responder às falhas identificadas do mercado da forma mais eficaz e mais económica. Por conseguinte, a Comissão não examinou os problemas resultantes do facto de o método de amortização dos custos escolhido não acentuar o sinal de preço em relação aos consumidores para o seu consumo de energia durante os períodos de procura de «tríade» e, portanto, não cumpriu o seu dever de fundamentação.

194

Em quinto lugar, a Comissão não abordou, na decisão controvertida, a questão da utilização de contratos que abrangem incidentes de capacidade por tempo indeterminado em vez de contratos a termo fixo no âmbito dos leilões permanentes.

195

Em sexto lugar, a Comissão também não abordou na referida decisão a questão da exigência de uma garantia de licitação nos leilões e, portanto, não explicou a razão pela qual os operadores de gestão da procura deveriam ter a obrigação de prestar a mesma garantia que os produtores.

196

Em sétimo lugar, a decisão controvertida não está suficientemente fundamentada no que respeita à falta de remuneração suplementar em caso de limitação das perdas de transporte e de distribuição graças à gestão da procura. O considerando 140 desta decisão apresenta um caráter circular e não responde aos operadores de gestão da procura, que objetam que evitar as perdas de transporte e de distribuição aumenta a capacidade disponível na rede. A Comissão deveria ter explicado a razão pela qual o facto de optar por ignorar a limitação das perdas graças às empresas de gestão da procura é objetivamente justificado.

197

A Comissão e o Reino Unido contestam os argumentos da Tempus.

Apreciação do Tribunal de Justiça

198

Deve recordar‑se que, segundo jurisprudência constante, a fundamentação exigida pelo artigo 296.o, n.o 2, TFUE deve ser adaptada à natureza do ato em causa e deixar transparecer de forma clara e inequívoca o raciocínio da instituição autora do ato para permitir aos interessados conhecer as justificações da medida adotada e ao órgão jurisdicional competente exercer a sua fiscalização. A exigência de fundamentação deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso concreto, designadamente do conteúdo do ato, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que os destinatários ou outras pessoas direta e individualmente afetadas pelo ato podem ter em obter explicações. Não se exige que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um ato satisfaz as exigências do artigo 296.o TFUE deve ser apreciada tendo em conta não só o seu teor mas também o seu contexto e o conjunto das regras jurídicas que regulam a matéria em causa (Acórdãos de 1 de julho de 2008, Chronopost e La Poste/UFEX e o., C‑341/06 P e C‑342/06 P, EU:C:2008:375, n.o 88, e de 22 de dezembro de 2008, British Aggregates/Comissão, C‑487/06 P, EU:C:2008:757, n.o 172).

199

No que respeita, mais especificamente, como no caso em apreço, a uma decisão de não levantar objeções nos termos do artigo 108.o, n.o 3, TFUE, o Tribunal de Justiça já teve a ocasião de precisar que essa decisão, que é tomada em prazos curtos, deve apenas conter as razões pelas quais a Comissão considera não estar perante dificuldades sérias de apreciação da compatibilidade do auxílio em causa com o mercado interno e que mesmo uma fundamentação sucinta dessa decisão deve ser considerada suficiente face à exigência de fundamentação prevista no artigo 296.o, n.o 2, TFUE, se revelar, de forma clara e inequívoca, as razões pelas quais a Comissão considerou não estar em presença de tais dificuldades, sendo a questão do mérito dessa fundamentação estranha a essa exigência (Acórdãos de 15 de junho de 1993, Matra/Comissão, C‑225/91, EU:C:1993:239, n.o 48; de 22 de dezembro de 2008, Régie Networks, C‑333/07, EU:C:2008:764, n.os 65, 70 e 71, e de 27 de outubro de 2011, Áustria/Scheucher‑Fleisch e o., C‑47/10 P, EU:C:2011:698, n.o 111).

200

É à luz destas considerações que há que examinar sucessivamente os sete argumentos avançados pela Tempus no âmbito do segundo fundamento.

201

No que respeita ao primeiro argumento, há que salientar que não existe qualquer contradição entre o considerando 107 e o considerado 131 da decisão controvertida. Com efeito, enquanto o considerando 107 resume uma argumentação do Reino Unido relativa à necessária distinção entre operadores de gestão da procura que alcançaram a maturidade e operadores ainda não chegados à maturidade, os quais necessitam de apoio, o considerando 131 expõe a apreciação da Comissão quanto ao caráter adequado do auxílio, apreciação segundo a qual, nomeadamente, o setor da gestão da procura, considerado no seu conjunto, estava a dar os primeiros passos.

202

Quanto ao segundo argumento, relativo aos considerandos 134 e 152 da decisão controvertida, há que observar que o considerando 152, nos termos do qual a duração suficientemente longa dos novos contratos de capacidade para novos investimentos permitirá aos novos operadores no mercado assegurar o financiamento necessário, está redigido em termos gerais e não se refere a uma categoria específica de operadores. Embora se possa deduzir do considerando 134 dessa decisão que os prazos de realização dos operadores da procura são diferentes e, eventualmente, menos longos do que os de outros tipos de operadores, tendo também em conta a jurisprudência referida nos n.os 198 e 199 do presente acórdão, não era de modo algum necessário que a Comissão se referisse especificamente, no considerando 152 da referida decisão, à duração mais adequada dos contratos que os operadores de gestão da procura poderiam ser levados a celebrar.

203

Quanto ao terceiro argumento, relativo ao considerando 128 da decisão controvertida, há que salientar que a Comissão aí expôs que, como já tinha sido indicado nos considerandos 88 a 94 dessa decisão, o Reino Unido estudava ou executava medidas adicionais para, nomeadamente, melhorar a gestão da procura. Com efeito, o considerando 89 da referida decisão refere‑se, nomeadamente, ao facto de o Reino Unido prosseguir oportunidades de gestão da procura. Daqui resulta que não se pode acusar a Comissão de falta ou insuficiência de fundamentação dessa parte da decisão controvertida.

204

A questão de saber se, tendo em conta o facto de os operadores de gestão da procura poderem obter um contrato quer nos leilões transitórios quer nos leilões permanentes, mas não nos dois tipos de leilões, a medida em causa permitia melhorar a gestão da procura e respeitava o ponto 232, alínea a), das Orientações 2014‑2020, inclui‑se no mérito da fundamentação e, logo, da legalidade substancial da decisão controvertida, que constitui uma questão distinta da questão do respeito da formalidade essencial que constitui o dever de fundamentação (v., por analogia, Acórdão de 10 de julho de 2008, Bertelsmann e Sony Corporation of America/Impala, C‑413/06 P, EU:C:2008:392, n.o 181 e jurisprudência referida).

205

Além disso, a questão mencionada no número anterior do presente acórdão é objeto da terceira parte do primeiro fundamento, que, como resulta do n.o 182 do mesmo, foi julgada improcedente.

206

O quarto argumento da Tempus, relativo ao método de amortização dos custos, visa igualmente contestar não o respeito do dever de fundamentação por parte da Comissão, mas o mérito da fundamentação da decisão controvertida. Ora, resulta do n.o 183 do presente acórdão que este argumento foi rejeitado.

207

No que respeita ao quinto argumento, relativo à alegada omissão da Comissão de abordar, na decisão controvertida, a questão da utilização de contratos de capacidade por tempo indeterminado em vez de contratos de capacidade a termo, é verdade que a opção de exigir contratos da primeira categoria em vez da segunda não foi analisada na decisão controvertida. Todavia, como expôs o advogado‑geral no n.o 188 das suas conclusões, à luz, por um lado, do facto de esta questão não ter sido suscitada perante a Comissão na análise preliminar da medida em causa e, por outro, da jurisprudência recordada nos n.os 198 e 199 do presente acórdão, a Comissão não pode ser acusada de ter violado o dever de fundamentação, por não se ter referido especificamente a esta questão na decisão controvertida.

208

O mesmo se diga, substancialmente pelos mesmos motivos, do sexto argumento da Tempus, relativo à alegada omissão da Comissão de explicar, na decisão controvertida, a razão pela qual os operadores de gestão da procura deviam, para participar nos leilões, prestar a mesma garantia que os produtores de eletricidade.

209

O considerando 26 da decisão controvertida explica que, para participar nos leilões, as unidades potenciais de produção ou de gestão da procura são obrigadas a prestar uma caução, a fim de comprovar o caráter sério da sua participação nos leilões e a realidade da sua intenção de fornecer uma unidade operacional o mais tardar no início do ano de entrega. Na medida em que a questão de um eventual tratamento diferenciado dos operadores de gestão da procura, no que respeita à obrigação de prestar uma caução, não tinha sido suscitada na fase da análise preliminar, incluindo nas observações apresentadas de forma espontânea à Comissão, esta última não estava obrigada, para respeitar o dever de fundamentação, a expor na decisão controvertida as razões pelas quais tal tratamento diferenciado não se impunha.

210

Por último, quanto à questão da falta de remuneração suplementar no mercado de capacidade em caso de limitação das perdas de transporte e de distribuição da eletricidade graças à gestão da procura, importa recordar que, no considerando 140 da decisão controvertida, a Comissão considerou que, à luz do objetivo prosseguido pela medida em causa, se justificava a falta de remuneração suplementar para os operadores de gestão da procura a esse título. Ainda que relativamente sucinta, esta indicação era suficiente para permitir compreender as razões pelas quais a Comissão não considerou que a inexistência dessa remuneração suplementar era suscetível de suscitar dúvidas quanto à compatibilidade da medida em causa com o mercado interno.

211

Como resulta da jurisprudência recordada no n.o 204 do presente acórdão, a questão do respeito do dever de fundamentação, no atinente a esta parte da decisão controvertida, deve ser diferenciada da questão da procedência desta fundamentação. Ora, resulta do n.o 187 do presente acórdão que os argumentos da Tempus relativos a esta última questão foram afastados.

212

Resulta de tudo o que precede que o segundo fundamento deve ser julgado improcedente, bem como o recurso na sua totalidade.

Quanto às despesas

213

Nos termos do disposto no artigo 184.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, se o recurso for julgado improcedente, ou for julgado procedente e o Tribunal de Justiça decidir definitivamente o litígio, decidirá igualmente sobre as despesas.

214

Segundo o artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, aplicável ao processo de recurso de uma decisão do Tribunal Geral por força do artigo 184.o, n.o 1, desse mesmo regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

215

No caso em apreço, tendo a Tempus sido vencida e tendo a Comissão pedido a sua condenação nas despesas relativas aos processos no Tribunal Geral e no Tribunal de Justiça, há que condenar a Tempus nas despesas destes processos. Não tendo o Reino Unido formulado um pedido relativo às despesas, suportará as suas próprias despesas.

216

Em conformidade com o artigo 140.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, aplicável aos recursos de decisões do Tribunal Geral por força do artigo 184.o, n.o 1, do mesmo, os Estados‑Membros que intervenham no litígio devem suportar as suas próprias despesas. Por conseguinte, a República da Polónia, interveniente no Tribunal de Justiça, suportará as suas próprias despesas.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) decide:

 

1)

O Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 15 de novembro de 2018, Tempus Energy e Tempus Energy Technology/Comissão (T‑793/14, EU:T:2018:790), é anulado.

 

2)

É negado provimento ao recurso no processo T‑793/14.

 

3)

A Tempus Energy Ltd e a Tempus Energy Technology Ltd suportam, além das suas próprias despesas, as despesas apresentadas pela Comissão Europeia no âmbito dos processos no Tribunal Geral da União Europeia e no Tribunal de Justiça.

 

4)

A República da Polónia e o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte suportam as suas próprias despesas.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: inglês.