ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

14 de maio de 2020 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Trabalhadores migrantes — Segurança social — Regulamento (CEE) n.o 1408/71 — Legislação aplicável — Artigo 14.o, n.o 1, alínea a), e n.o 2, alínea b) — Regulamento (CE) n.o 883/2004 — Artigo 12.o, n.o 1 — Artigo 13.o, n.o 1, alínea a) — Trabalhadores destacados — Trabalhadores que exercem uma atividade em dois ou mais Estados‑Membros — Regulamento (CEE) n.o 574/72 — Artigo 11.o, n.o 1, alínea a) — Artigo 12.o‑A, ponto 2, alínea a), e ponto 4, alínea a) — Regulamento (CE) n.o 987/2009 — Artigo 19.o, n.o 2 — Certificados E 101 e A 1 — Efeito vinculativo — Alcance — Segurança social — Direito do trabalho»

No processo C‑17/19,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela Cour de cassation (Tribunal de Cassação, França), por Decisão de 8 de janeiro de 2019, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 10 de janeiro de 2019, no processo penal contra

Bouygues travaux publics,

Elco construct Bucarest,

Welbond armatures,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: E. Regan (relator), presidente de secção, I. Jarukaitis, E. Juhász, M. Ilešič e C. Lycourgos, juízes,

advogado‑geral: P. Pikamäe,

secretário: V. Giacobbo, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 23 de janeiro de 2020,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Bouygues travaux publics, por P. Spinosi e V. Steinberg, avocats,

em representação da Welbond armatures, por J.‑J. Gatineau, avocat,

em representação do Governo francês, inicialmente por E. de Moustier, A. Daly, R. Coesme, A. Ferrand e D. Colas, e em seguida por E. de Moustier, A. Daly, R. Coesme e A. Ferrand, na qualidade de agentes,

em representação do Governo checo, por M. Smolek, J. Pavliš, J. Vláčil e L. Dvořáková, na qualidade de agentes,

em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por M. Van Hoof, B.‑R. Killmann e D. Martin, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 11.o do Regulamento (CEE) n.o 574/72 do Conselho, de 21 de março de 1972, que estabelece as modalidades de aplicação do Regulamento (CEE) n.o 1408/71 relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade (JO 1972, L 74, p. 1; EE 05 F1 p. 156), na sua versão alterada e atualizada pelo Regulamento (CE) n.o 118/97 do Conselho, de 2 de dezembro de 1996 (JO 1997, L 28, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 647/2005 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de abril de 2005 (JO 2005, L 117, p. 1) (a seguir «Regulamento n.o 574/72»), e do artigo 19.o do Regulamento (CE) n.o 987/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de setembro de 2009, que estabelece as modalidades de aplicação do Regulamento (CE) n.o 883/2004 relativo à coordenação dos sistemas de segurança social (JO 2009, L 284, p. 1).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um processo penal instaurado contra as sociedades Bouygues travaux publics (a seguir «Bouygues»), Elco construct Bucarest (a seguir «Elco») e Welbond armatures (a seguir «Welbond») pelos crimes de trabalho não declarado e de cessão ilícita de mão de obra.

Quadro jurídico

Direito da União

Regulamento n.o 1408/71

3

O Regulamento (CEE) n.o 1408/71 do Conselho, de 14 de junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, na sua versão alterada e atualizada pelo Regulamento n.o 118/97, conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 1606/98 do Conselho, de 29 de junho de 1998 (JO 1998, L 209, p. 1) (a seguir «Regulamento n.o 1408/71»), continha um título I, intitulado «Disposições gerais», no âmbito do qual o artigo 1.o, com a epígrafe «Definições», previa, nomeadamente, o seguinte:

«Para efeitos de aplicação do presente regulamento:

[…]

j)

O termo “legislação” designa, em relação a cada Estado‑Membro, as leis, os regulamentos, as disposições estatutárias e quaisquer outras medidas de execução existentes ou futuras, respeitantes aos ramos e regimes de segurança social previstos nos n.os 1 e 2 do artigo 4.o, ou as prestações especiais de caráter não contributivo referidas no n.o 2A do artigo 4.o

[…]»

4

Inserido no mesmo título, o artigo 4.o do Regulamento n.o 1408/71, sob a epígrafe «Âmbito de aplicação material», dispunha:

«1.   O presente regulamento aplica‑se a todas as legislações relativas aos ramos de segurança social que respeitem a:

a)

Prestações de doença e de maternidade;

b)

Prestações de invalidez, incluindo as que são destinadas a manter ou a melhorar a capacidade de ganho;

c)

Prestações de velhice;

d)

Prestações de sobrevivência;

e)

Prestações por acidente de trabalho e por doença profissional;

f)

Subsídios por morte;

g)

Prestações de desemprego;

h)

Prestações familiares.

2.   O presente regulamento aplica‑se aos regimes de segurança social, gerais e especiais, contributivos e não contributivos, bem como aos regimes relativos às obrigações da entidade patronal ou do armador que tenham por objeto as prestações referidas no n.o 1.

[…]»

5

Os artigos 13.o e 14.o deste regulamento constavam do seu título II, intitulado «Determinação da legislação aplicável».

6

O artigo 13.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Regras gerais», previa:

«1.   Sem prejuízo do disposto nos artigos 14.o C e 14.o F, as pessoas às quais se aplica o presente regulamento apenas estão sujeitas à legislação de um Estado‑Membro. Esta legislação é determinada de acordo com as disposições do presente título;

2.   Sem prejuízo do disposto nos artigos 14.o a 17.o:

a)

A pessoa que exerça uma atividade assalariada no território de um Estado‑Membro está sujeita à legislação desse Estado, mesmo se residir no território de outro Estado‑Membro ou se a empresa ou entidade patronal que a emprega tiver a sua sede ou domicílio no território de outro Estado‑Membro;

[…]»

7

O artigo 14.o do mesmo regulamento, sob a epígrafe «Regras especiais aplicáveis às pessoas que exercem uma atividade assalariada, não sendo pessoal do mar», enunciava:

«A regra enunciada no n.o 2, alínea a), do artigo 13.o é aplicada tendo em conta as seguintes exceções e particularidades:

1)

a)

A pessoa que exerça uma atividade assalariada no território de um Estado‑Membro, ao serviço de uma empresa de que normalmente depende, e que seja destacada por esta empresa para o território de outro Estado‑Membro a fim de aí efetuar um trabalho por conta desta última continua sujeita à legislação do primeiro Estado‑Membro, desde que o período previsível desse trabalho não exceda doze meses e que não seja enviada em substituição de outra pessoa que tenha terminado o período do seu destacamento;

[…]

2)

A pessoa que normalmente exerça uma atividade assalariada no território de dois ou mais Estados‑Membros está sujeita à legislação determinada do seguinte modo:

[…]

b)

A pessoa que não preencha os requisitos da alínea a) está sujeita:

i)

À legislação do Estado‑Membro em cujo território reside, se exercer uma parte da sua atividade nesse território ou se depender de várias empresas ou de várias entidades patronais que tenham a sua sede ou domicílio no território de diversos Estados‑Membros;

ii)

À legislação do Estado‑Membro em cujo território a empresa ou a entidade patronal que a emprega tenha a sua sede ou domicílio, se não residir no território de um dos Estados‑Membros em que exerce a sua atividade.

[…]»

Regulamento (CE) n.o 883/2004

8

O Regulamento n.o 1408/71 foi revogado e substituído, a partir de 1 de maio de 2010, pelo Regulamento (CE) n.o 883/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativo à coordenação dos sistemas de segurança social (JO 2004, L 166, p. 1), que foi alterado pelo Regulamento (CE) n.o 465/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2012 (JO 2012, L 149, p. 4, e retificação no JO 2004, L 200, p. 1) (a seguir «Regulamento n.o 883/2004»).

9

O artigo 1.o, alínea j), e o artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1408/71 foram substituídos, respetivamente, pelo artigo 1.o, alínea l), e pelo artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 883/2004, cujas disposições são, em substância, idênticas.

10

O artigo 13.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 1408/71 foi substituído, em substância, pelo artigo 11.o, n.o 3, alínea a), do Regulamento n.o 883/2004, que dispõe que, «[s]em prejuízo dos artigos 12.o a 16.o[, a] pessoa que exerça uma atividade por conta de outrem ou por conta própria num Estado‑Membro está sujeita à legislação desse Estado‑Membro».

11

O artigo 14.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 1408/71 foi substituído, em substância, pelo artigo 12.o, n.o 1, do Regulamento n.o 883/2004, que dispõe que «[a] pessoa que exerça uma atividade por conta de outrem num Estado‑Membro ao serviço de um empregador que normalmente exerça as suas atividades nesse Estado‑Membro, e que seja destacada por esse empregador para realizar um trabalho por conta deste noutro Estado‑Membro, continua sujeita à legislação do primeiro Estado‑Membro, desde que a duração previsível do referido trabalho não exceda 24 meses e que essa pessoa não seja enviada em substituição de outra pessoa destacada».

12

O artigo 14.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento n.o 1408/71 foi substituído, em substância, pelo artigo 13.o, n.o 1, do Regulamento n.o 883/2004, que dispõe:

«A pessoa que exerça normalmente uma atividade por conta de outrem em dois ou mais Estados‑Membros está sujeita:

a)

À legislação do Estado‑Membro de residência, se exercer parte substancial da sua atividade nesse Estado‑Membro; ou

b)

Se não exercer uma parte substancial da sua atividade no Estado‑Membro de residência:

[…]»

Regulamento n.o 574/72

13

O título III do Regulamento n.o 574/72, intitulado «Aplicação das disposições do regulamento relativas à determinação da legislação aplicável», estabelecia, designadamente, as modalidades de aplicação dos artigos 13.o e 14.o do Regulamento n.o 1408/71.

14

Em especial, o artigo 11.o, n.o 1, alínea a), e o artigo 12.o‑A, ponto 2, alínea a), e ponto 4, alínea a), do Regulamento n.o 574/72 previam que, nos casos referidos, nomeadamente, no artigo 14.o, n.o 1, alínea a), e no artigo 14.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento n.o 1408/71, a instituição designada pela autoridade competente do Estado‑Membro cuja legislação continua a ser aplicável era obrigada a emitir um certificado (a seguir «certificado E 101»), comprovativo de que o trabalhador em causa continuava sujeito a essa legislação.

Regulamento n.o 987/2009

15

O Regulamento n.o 574/72 foi revogado e substituído, a partir de 1 de maio de 2010, pelo Regulamento n.o 987/2009.

16

Nos termos do artigo 5.o, n.o 1, do Regulamento n.o 987/2009:

«Os documentos emitidos pela instituição de um Estado‑Membro que comprovem a situação de uma pessoa para efeitos da aplicação do regulamento de base e do regulamento de aplicação, bem como os comprovativos que serviram de base à emissão de documentos, devem ser aceites pelas instituições dos outros Estados‑Membros enquanto não forem retirados ou declarados inválidos pelo Estado‑Membro onde foram emitidos.»

17

O artigo 19.o, n.o 2, do Regulamento n.o 987/2009, que substituiu, em parte, o artigo 11.o, n.o 1, alínea a), e o artigo 12.o‑A, ponto 2, alínea a), e ponto 4, alínea a), do Regulamento n.o 574/72, dispõe que, «[a] pedido da pessoa interessada ou do empregador, a instituição competente do Estado‑Membro cuja legislação é aplicável por força do disposto no título II do Regulamento [n.o 883/2004] atesta que essa legislação é aplicável e indica, se for caso disso, até que data e em que condições». Esta atestação é feita através de um certificado (a seguir «certificado A 1»).

Direito francês

18

O artigo L. 1221‑10 do code du travail (Código do Trabalho), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal, previa:

«A contratação de um trabalhador só pode ser feita após declaração nominativa prestada pela entidade empregadora junto dos organismos de proteção social designados para o efeito.

A entidade empregadora efetua esta declaração em todos os locais de trabalho onde estão empregados trabalhadores por conta de outrem.»

19

O artigo L. 8211‑1 deste código dispunha:

«Constituem trabalho ilegal, nas condições previstas no presente livro, as seguintes infrações:

1.o)

Trabalho não declarado;

[…]

3.o)

Cessão ilícita de mão de obra;

[…]»

20

O artigo L. 8221‑1 do referido código estabelecia:

«É proibido:

1.o

O trabalho total ou parcialmente não declarado, definido e executado nas condições previstas nos artigos L. 8221‑3 e L. 8221‑5;

2.o

A publicidade, seja por que meio for, tendente a favorecer, com pleno conhecimento de causa, o trabalho não declarado;

3.o

O facto de recorrer consciente, diretamente ou por interposta pessoa, aos serviços de quem exerce um trabalho não declarado.»

21

O artigo L. 8221‑3 do mesmo código dispunha:

«Considera‑se trabalho não declarado por ocultação de atividade o exercício com fins lucrativos de uma atividade de produção, de transformação, de reparação ou de prestação de serviços ou a realização de atos de comércio por qualquer pessoa que, subtraindo‑se intencionalmente às suas obrigações:

[…]

2.o

Não tenha apresentado aos organismos de segurança social ou à administração fiscal as declarações obrigatórias por força das disposições legais em vigor. […];

[…]»

22

Nos termos do artigo L. 8221‑5 do Código do Trabalho:

«Considera‑se trabalho não declarado, por ocultação de emprego por conta de outrem, o facto de qualquer entidade empregadora:

1.o

Se abster intencionalmente do cumprimento da formalidade prevista no artigo L. 1221‑10, relativo à declaração prévia à contratação;

[…]

3.o

Não apresentar junto dos organismos de cobrança das contribuições e quotizações sociais as declarações relativas aos salários ou às quotizações sociais que recaem sobre estes.»

23

Durante o período compreendido entre 18 de junho de 2011 e 10 de agosto de 2016, esta última disposição tinha a seguinte redação:

«3.o

Não apresentar intencionalmente as declarações relativas aos salários ou às quotizações sociais que recaem sobre estes aos organismos de cobrança das contribuições e quotizações sociais ou à administração tributária nos termos das disposições legais».

Litígio no processo principal e questão prejudicial

24

Após ter obtido a adjudicação de contratos para a construção de um reator nuclear de nova geração, um reator de água pressurizada dito «EPR», em Flamanville (França), a Bouygues, uma sociedade com sede em França, constituiu com duas outras empresas, para a execução desses contratos, um consórcio, o qual os subcontratou a um grupo de interesse económico composto, nomeadamente, pela Welbond, uma sociedade com sede igualmente em França. Este agrupamento recorreu ele próprio, por um lado, a subcontratantes, entre os quais a Elco, uma sociedade com sede na Roménia, e, por outro, a Atlanco Ltd, uma sociedade de trabalho temporário com sede na Irlanda e que dispunha de uma filial em Chipre e de um escritório na Polónia.

25

Após uma denúncia sobre as condições de alojamento de trabalhadores estrangeiros, uma greve de trabalhadores temporários polacos relativa à falta ou insuficiência de cobertura social em caso de acidente, bem como a revelação de mais de uma centena de acidentes de trabalho não declarados, e na sequência do inquérito levado a cabo pela Autorité de sûreté nucléaire (Autoridade de Segurança Nuclear) (ASN) e, posteriormente, pelos serviços de polícia, foram instaurados processos contra a Bouygues, a Welbond e a Elco por factos que decorreram no período compreendido entre junho de 2008 e outubro de 2012, nomeadamente, por crimes de trabalho não declarado e cessão ilícita de mão de obra, para as duas primeiras, e trabalho não declarado, para a terceira.

26

Por Acórdão de 20 de março de 2017, a cour d’appel de Caen (Tribunal de Recurso de Caen, França), confirmando, em parte, a Sentença proferida, em 7 de julho de 2015, pela chambre correctionnelle du tribunal d’instance de Cherbourg (Secção Correcional do Tribunal de Primeira Instância de Cherbourg, França), decidiu, no que respeita à Elco, que esta sociedade cometeu o crime de trabalho não declarado por não ter procedido às declarações nominativas prévias à contratação de trabalhadores, bem como às declarações relativas aos salários e às quotizações sociais junto dos organismos de cobrança das contribuições e quotizações sociais. Com efeito, esse órgão jurisdicional considerou que a Elco tinha tido uma atividade habitual, estável e contínua em França, o que não a autorizava a invocar a legislação relativa ao destacamento. Constatou, a este respeito, que a grande maioria dos trabalhadores em causa tinha sido contratada pela Elco com a única perspetiva de serem enviados para França alguns dias antes do destacamento, não tendo, aliás, a maior parte deles trabalhado para essa sociedade ou tendo trabalhado apenas recentemente, que a atividade da Elco na Roménia se tinha tornado acessória relativamente à sua atividade em França, que a gestão administrativa dos trabalhadores em questão não estava assegurada na Roménia e que determinados destacamentos tinham durado mais de 24 meses.

27

No que respeita à Bouygues e à Welbond, a cour d’appel de Caen (Tribunal de Recurso de Caen) considerou que estas sociedades tinham cometido os crimes de trabalho não declarado, no que respeita a trabalhadores colocados à disposição pela Atlanco, e de cessão ilícita de mão de obra. A este respeito, esse órgão jurisdicional declarou, antes de mais, que a Bouygues e a Welbond tinham, por intermédio da filial cipriota da Atlanco e de um escritório dessa filial na Polónia, recrutado trabalhadores temporários polacos fazendo‑os assinar um contrato redigido em grego, com vista à sua colocação à disposição de sociedades francesas, graças à intermediação de dois empregados da referida filial baseados em Dublin (Irlanda) e trabalhando em França. Em seguida, o referido órgão jurisdicional salientou que a mesma filial não estava inscrita no registre du commerce et des sociétés (Registo Comercial e das Sociedades) em França e que não tinha qualquer atividade nem em Chipre nem na Polónia. Por último, o mesmo órgão jurisdicional concluiu que, embora a Bouygues e a Welbond tenham efetivamente pedido à Atlanco os documentos relativos aos trabalhadores temporários polacos presentes nas instalações da Flamanville, nomeadamente os certificados E 101 e A 1, continuaram a empregar esses trabalhadores sem obter o envio completo desses documentos.

28

A Bouygues, a Elco e a Welbond interpuseram recurso do Acórdão da cour d’appel de Caen (Tribunal de Recurso de Caen) de 20 de março de 2017 para a Cour de cassation (Tribunal de Cassação, França) alegando, nomeadamente, que o primeiro tinha ignorado os efeitos associados aos certificados E 101 e A 1, emitidos aos trabalhadores em causa.

29

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, deduz‑se dos Acórdãos de 27 de abril de 2017, A‑Rosa Flussschiff (C‑620/15, EU:C:2017:309), e de 6 de fevereiro de 2018, Altun e o. (C‑359/16, EU:C:2018:63), que, quando o juiz nacional é chamado a decidir ações penais relativas a crimes de trabalho não declarado por falta de declarações aos organismos de segurança social, e o arguido apresenta certificados E 101, atualmente A 1, relativamente aos trabalhadores em causa, ao abrigo do artigo 14.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 1408/71, o juiz só pode, em resultado do debate contraditório, não considerar esses certificados se, com base na apreciação dos elementos factuais recolhidos durante o inquérito judicial que permitiram concluir que os referidos certificados foram obtidos ou invocados de forma fraudulenta e que a instituição emissora não tomou esse facto em consideração num prazo razoável, caracterizar uma fraude constituída, no seu elemento objetivo, pela inobservância das condições previstas na disposição pertinente e, no seu elemento subjetivo, pela intenção do arguido de contornar ou eludir as condições de emissão dos mesmos certificados para obter o benefício que lhes está associado.

30

O referido órgão jurisdicional salienta, todavia, que, no caso em apreço, as entidades empregadoras são acusadas do crime de trabalho não declarado por não terem procedido não só às declarações relativas aos salários e às quotizações sociais junto dos organismos de cobrança das contribuições e das quotizações sociais mas também às declarações nominativas prévias à contratação de trabalhadores por conta de outrem, com fundamento, nomeadamente, nos artigos L. 8221‑3 e L. 8221‑5 do Código do Trabalho, ao passo que duas sociedades, a Bouygues e a Welbond, são acusadas do crime de trabalho não declarado em relação a trabalhadores empregados por uma sociedade à qual é imputado o incumprimento das mesmas obrigações, com base, nomeadamente, no artigo L. 8221‑1 desse código.

31

Por conseguinte, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, coloca‑se a questão de saber se os efeitos associados aos certificados E 101 e A 1, emitidos, no caso em apreço, respetivamente, nos termos do artigo 14.o, n.o 1, alínea a), e n.o 2, alínea b), do Regulamento n.o 1408/71, bem como do artigo 13.o, n.o 1, do Regulamento n.o 883/2004, quanto à determinação da lei aplicável ao regime de segurança social e às declarações da entidade empregadora aos organismos de proteção social, abrangem a determinação da lei aplicável quanto ao direito do trabalho e às obrigações que incumbem à entidade empregadora, tais como resultam da aplicação do direito do trabalho do Estado em que os trabalhadores abrangidos por esses certificados prestam o seu trabalho, em particular às declarações que devem ser feitas pela entidade empregadora previamente à contratação desses trabalhadores.

32

Nestas circunstâncias, a Cour de cassation (Tribunal de Cassação) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Devem o [artigo] 11.o do Regulamento [n.o 574/72] e o artigo 19.o do Regulamento [n.o 987/2009] ser interpretados no sentido de que um certificado E 101 emitido pela instituição designada pela autoridade competente de um Estado‑Membro, ao abrigo do artigo 14.o, n.o 1 e n.o 2, alínea b), do Regulamento n.o 1408/71 […] ou um [certificado] A 1 emitido ao abrigo do artigo 13.o, n.o 1, do Regulamento n.o 883/2004 […] vincula os órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro no qual o trabalho é efetuado para a determinação da legislação aplicável não só ao regime de segurança social[…] mas também ao direito do trabalho, quando essa legislação define as obrigações dos empregadores e os direitos dos trabalhadores, de modo que, no termo do debate contraditório, os referidos órgãos jurisdicionais só podem não considerar os referidos certificados se, com base na apreciação dos elementos factuais recolhidos durante o inquérito judicial que permitiram concluir que esses certificados foram obtidos ou invocados de forma fraudulenta e que a instituição emitente chamada a pronunciar‑se não tomou esse facto em conta, os mesmos órgãos jurisdicionais, num prazo razoável, caracterizarem uma fraude constituída, no seu elemento objetivo, pela inobservância das condições previstas numa ou noutra das disposições já referidas dos Regulamentos [n.o 574/72] e [n.o 987/2009] e, no seu elemento subjetivo, pela intenção do arguido de contornar ou eludir as condições de emissão do referido certificado para obter o benefício que lhe está associado?»

Quanto à questão prejudicial

33

Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 11.o, n.o 1, alínea a), o artigo 12.o‑A, ponto 2, alínea a), e ponto 4, alínea a), do Regulamento n.o 574/72, bem como o artigo 19.o, n.o 2, do Regulamento n.o 987/2009, devem ser interpretados no sentido de que um certificado E 101, emitido pela instituição competente de um Estado‑Membro, ao abrigo do artigo 14.o, n.o 1, alínea a), ou do artigo 14.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento n.o 1408/71, a trabalhadores que exercem as suas atividades no território de outro Estado‑Membro, e um certificado A 1, emitido por essa instituição, nos termos do artigo 12.o, n.o 1, ou do artigo 13.o, n.o 1, do Regulamento n.o 883/2004, a tais trabalhadores, se impõem aos órgãos jurisdicionais deste último Estado‑Membro não só em matéria de segurança social como também de direito do trabalho.

34

Resulta dos elementos de que o Tribunal de Justiça dispõe que esta questão é colocada no contexto de processos penais instaurados, nomeadamente, por crimes de trabalho não declarado contra entidades empregadoras que recorreram no território francês, durante o período compreendido entre 2008 e 2012, a trabalhadores abrangidos por certificados E 101 ou A 1 emitidos, consoante o caso, a título de destacamento de trabalhadores ou do exercício de atividades por conta de outrem em vários Estados‑Membros, sem ter efetuado junto das autoridades francesas competentes a declaração prévia à contratação imposta pelo Código do Trabalho.

35

O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, assim, sobre a incidência destes certificados sobre essa obrigação de declaração prévia e, portanto, sobre o alcance dos referidos certificados na aplicação aos trabalhadores em causa da legislação do Estado‑Membro de acolhimento em matéria de direito do trabalho, baseando‑se esta interrogação na premissa de que os mesmos certificados são válidos.

36

A título preliminar, há que observar que, tendo os Regulamentos n.os 1408/71 e 574/72 sido substituídos, respetivamente, pelo Regulamento n.o 883/2004 e pelo Regulamento n.o 987/2009 a partir de 1 de maio de 2010, cada um destes regulamentos, como o referido órgão jurisdicional declarou com razão, é suscetível de se aplicar no processo principal. Além disso, o certificado E 101, previsto no Regulamento n.o 574/72, precedeu o certificado A 1, previsto no Regulamento n.o 987/2009, e as disposições relativas à emissão do certificado E 101, ou seja, nomeadamente, o artigo 11.o, n.o 1, alínea a), e o artigo 12.o‑A, ponto 2, alínea a), e ponto 4, alínea a) do Regulamento n.o 574/72, foram substituídas, parcialmente, pelo artigo 19.o, n.o 2, do Regulamento n.o 987/2009, que prevê a emissão do certificado A 1. Além do mais, o n.o 1, alínea a), e o n.o 2, alínea b), do artigo 14.o do Regulamento n.o 1408/71 foram respetivamente substituídos, em substância, pelo artigo 12.o, n.o 1, e o artigo 13.o, n.o 1 do Regulamento n.o 883/2004.

37

Há que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, os certificados E 101 e A 1 destinam‑se, à semelhança da regulamentação de direito substantivo prevista no artigo 14.o, n.o 1, alínea a), e n.o 2, alínea b), do Regulamento n.o 1408/71, bem como no artigo 12.o, n.o 1 e no artigo 13.o, n.o 1, do Regulamento n.o 883/2004, a facilitar a livre circulação dos trabalhadores e a livre prestação de serviços (v., neste sentido, Acórdão de 6 de fevereiro de 2018, Altun e o., C‑359/16, EU:C:2018:63, n.o 35 e jurisprudência referida).

38

Esses certificados correspondem a um formulário‑tipo emitido, em conformidade, consoante o caso, com o título III do Regulamento n.o 574/72 ou com o título II do Regulamento n.o 987/2009, pela instituição designada pela autoridade competente do Estado‑Membro cuja legislação em matéria de segurança social é aplicável, para «atestar», segundo os termos, nomeadamente, do artigo 11.o, n.o 1, alínea a), do artigo 12.o‑A, ponto 2, alínea a), e ponto 4, alínea a), do Regulamento n.o 574/72, bem como do artigo 19.o, n.o 2, do Regulamento n.o 987/2009, a sujeição dos trabalhadores que se encontrem numa das situações referidas em determinadas disposições do título II dos Regulamentos n.o 1408/71 e 987/2009 à legislação desse Estado‑Membro (v., neste sentido, Acórdão de 9 de setembro de 2015, X e van Dijk, C‑72/14 e C‑197/14, EU:C:2015:564, n.o 38).

39

Desta forma, por força do princípio segundo o qual os trabalhadores devem estar inscritos num único regime de segurança social, esses certificados implicam necessariamente que os regimes de segurança social de outros Estados‑Membros não são suscetíveis de aplicação (v., neste sentido, Acórdão de 6 de fevereiro de 2018, Altun e o., C‑359/16, EU:C:2018:63, n.o 36 e jurisprudência referida).

40

Em virtude do princípio da cooperação leal, enunciado no artigo 4.o, n.o 3, TUE, o qual implica igualmente o da confiança mútua, na medida em que os certificados E 101 e A 1 estabelecem uma presunção de regularidade da inscrição do trabalhador em causa no regime de segurança social do Estado‑Membro cuja instituição competente emitiu esses certificados, estes últimos impõem‑se, em princípio, à instituição competente e aos órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro no qual esse trabalhador efetua um trabalho (v., neste sentido, Acórdãos de 6 de fevereiro de 2018, Altun e o., C‑359/16, EU:C:2018:63, n.os 37 a 40, e de 6 de setembro de 2018, Alpenrind e o., C‑527/16, EU:C:2018:669, n.o 47).

41

Assim, enquanto os referidos certificados não forem retirados ou declarados inválidos, a instituição competente do Estado‑Membro em que o trabalhador efetua um trabalho deve ter em consideração o facto de que este último está sujeito à legislação de segurança social do Estado‑Membro cuja instituição competente emitiu os mesmos certificados e essa instituição não pode, por conseguinte, sujeitar o trabalhador em questão ao seu próprio regime de segurança social (v., nesse sentido, Acórdão de 6 de fevereiro de 2018, Altun e o., C‑359/16, EU:C:2018:63, n.o 41 e jurisprudência referida).

42

Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, tal é igualmente o caso quando se constata que as condições da atividade do trabalhador em causa não são manifestamente abrangidas pelo âmbito de aplicação material do título II dos Regulamentos n.os 1408/71 e 883/2004 (v., neste sentido, Acórdão de 27 de abril de 2017, A‑Rosa Flussschiff, C‑620/15, EU:C:2017:309, n.o 61).

43

Como salienta, com razão, o órgão jurisdicional de reenvio, um órgão jurisdicional do Estado‑Membro de acolhimento só pode não considerar os certificados E 101 quando estejam preenchidos dois requisitos cumulativos, a saber, por um lado, que a instituição emissora desses certificados, tendo recebido expeditamente da instituição competente desse Estado‑Membro um pedido de reapreciação da legitimidade da emissão dos referidos certificados, se tenha abstido de proceder a tal reapreciação à luz dos elementos comunicados por esta última instituição e de tomar posição, num prazo razoável, sobre esse pedido, quando necessário, anulando ou ao retirando os mesmos certificados, e, por outro, que esses elementos permitam a esse órgão jurisdicional verificar, no respeito das garantias inerentes ao direito a um processo equitativo, que os certificados em questão foram obtidos ou invocados de forma fraudulenta (Acórdão de 2 de abril, CRPNPAC e Vueling Airlines, C‑370/17 e C‑37/18, EU:C:2020:260, n.o 78).

44

Daqui resulta, todavia, que, embora os certificados E 101 e A 1 produzam efeitos vinculativos, estes dizem apenas respeito às obrigações impostas pelos ordenamentos jurídicos nacionais em matéria de segurança social visadas pela coordenação efetuada pelos Regulamentos n.os 1408/71 e 883/2004 (v., neste sentido, Acórdãos de 4 de outubro de 1991, De Paep, C‑196/90, EU:C:1991:381, n.o 12, e de 9 de setembro de 2015, X e van Dijk, C‑72/14 e C‑197/14, EU:C:2015:564, n.o 39).

45

A este respeito, importa recordar que, nos termos do artigo 1.o, alínea j), do Regulamento n.o 1408/71 e do artigo 1.o, alínea l), do Regulamento n.o 883/2004, o conceito de «legislação», para efeitos da aplicação destes regulamentos, diz respeito à legislação dos Estados‑Membros relativa aos ramos e regimes de segurança social enumerados, respetivamente, no artigo 4.o, n.os 1 e 2, do Regulamento n.o 1408/71 e no artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 883/2004.

46

Além disso, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o elemento determinante para efeitos da aplicação desses regulamentos reside no nexo, direto e suficientemente pertinente, que deve apresentar uma determinada prestação com as legislações nacionais que regem os ramos e regimes da segurança social (v., neste sentido, Acórdãos de 26 de fevereiro de 2015, de Ruyter, C‑623/13, EU:C:2015:123, n.o 23, e de 23 de janeiro de 2019, Zyla, C‑272/17, EU:C:2019:49, n.o 30).

47

Daqui resulta que os certificados E 101 e A 1, emitidos pela instituição competente de um Estado‑Membro, só vinculam a instituição competente e os órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro de acolhimento na medida em que atestem que o trabalhador em causa está sujeito, em matéria de segurança social, à legislação do primeiro Estado‑Membro para a concessão das prestações diretamente relacionadas com um dos ramos e com um dos regimes enumerados no artigo 4.o, n.os 1 e 2, do Regulamento n.o 1408/71 e no artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 883/2004.

48

Estes certificados não produzem, portanto, efeito vinculativo em relação às obrigações impostas pelo direito nacional em matérias que não sejam de segurança social, na aceção destes regulamentos, tais como, nomeadamente, as relativas à relação de trabalho entre entidades empregadoras e trabalhadores, em especial, as condições de emprego e de trabalho destes últimos (v., neste sentido, Acórdão de 4 de outubro de 1991, De Paep, C‑196/90, EU:C:1991:381, n.o 13).

49

Quanto à natureza e ao alcance da declaração prévia à contratação prevista pelo Código do Trabalho e cuja exigência pelas autoridades francesas é central no litígio no processo principal, importa salientar que, segundo as recorrentes no processo principal, esta declaração, ainda que formalmente prevista pelo referido código, destina‑se a verificar se um trabalhador está inscrito num ou noutro ramo do regime de segurança social e, consequentemente, a assegurar o pagamento das quotizações para a segurança social em França. A referida declaração deve, com efeito, ser efetuada pela entidade empregadora aos organismos de segurança social e constituiria assim o meio, para estes, de verificar o cumprimento das regras nacionais em matéria de segurança social, com o objetivo de lutar contra o trabalho clandestino.

50

Em contrapartida, o Governo francês explica que a declaração prévia à contratação constitui um dispositivo de simplificação administrativa que permite à entidade empregadora efetuar uma diligência única para cumprir simultaneamente várias formalidades, algumas das quais dizem certamente respeito à segurança social, mas que não implicam de modo algum a inscrição no regime de segurança social francês. Esta declaração, ao fornecer às autoridades competentes todas as informações úteis relativas à futura relação contratual entre a entidade empregadora e o trabalhador em causa, permitiria, nomeadamente, garantir o respeito das condições de emprego e de trabalho impostas pelas normas nacionais em matéria de direito do trabalho quando um trabalhador não está, como no processo principal, em situação de destacamento, na aceção dessas normas, mas empregado por conta de outrem em França. Assim, o presente litígio não diz respeito ao pagamento de quotizações para a segurança social nesse Estado‑Membro, mas sim ao respeito pelas recorrentes no processo principal do conjunto das regras francesas de direito do trabalho.

51

Importa recordar que o artigo 267.o TFUE não habilita o Tribunal de Justiça a aplicar as regras do direito da União a uma situação determinada, mas apenas a pronunciar‑se sobre a interpretação dos Tratados e dos atos adotados pelas instituições da União [v., designadamente, Acórdão de 19 de novembro de 2019, A. K. e o. (Independência da Secção Disciplinar do Supremo Tribunal), C‑585/18, C‑624/18 e C‑625/18, EU:C:2019:982, n.o 132 e jurisprudência referida].

52

Não cabe, portanto, ao Tribunal de Justiça estabelecer os elementos de facto que deram origem ao litígio no processo principal e daí retirar as consequências para a decisão que o órgão jurisdicional de reenvio é chamado a proferir nem interpretar as disposições legislativas ou regulamentares nacionais em causa (v., neste sentido, Acórdão de 16 de outubro de 2019, Glencore Agriculture Hungary, C‑189/18, EU:C:2019:861, n.os 30 e 31).

53

Por conseguinte, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar se a obrigação de declaração prévia à contratação prevista pelo Código do Trabalho tem por único objetivo assegurar a inscrição dos trabalhadores em causa num ou noutro ramo do regime de segurança social e, portanto, assegurar apenas o respeito da legislação na matéria, caso em que os certificados E 101 e A 1, emitidos pela instituição emissora, constituiriam, em princípio, um obstáculo a essa obrigação, ou, alternativamente, se essa obrigação se destina igualmente a assegurar, ainda que parcialmente, a eficácia dos controlos efetuados pelas autoridades nacionais competentes para garantir o cumprimento das condições de emprego e de trabalho impostas pelo direito do trabalho, caso em que esses certificados não teriam qualquer incidência sobre essa obrigação, entendendo‑se que esta não pode, de qualquer modo, conduzir à inscrição dos trabalhadores em causa num ou noutro ramo do regime de segurança social.

54

Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que responder à questão submetida que o artigo 11.o, n.o 1, alínea a), o artigo 12.o‑A, ponto 2, alínea a), e ponto 4, alínea a), do Regulamento n.o 574/72, bem como o artigo 19.o, n.o 2, do Regulamento n.o 987/2009, devem ser interpretados no sentido de que um certificado E 101, emitido pela instituição competente de um Estado‑Membro, nos termos do artigo 14.o, n.o 1, alínea a), ou do artigo 14.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento n.o 1408/71, a trabalhadores que exercem as suas atividades no território de outro Estado‑Membro, e um certificado A 1, emitido por essa instituição, nos termos do artigo 12.o, n.o 1, ou do artigo 13.o, n.o 1, do Regulamento n.o 883/2004, a tais trabalhadores, impõem‑se aos órgãos jurisdicionais desse último Estado‑Membro unicamente em matéria de segurança social.

Quanto às despesas

55

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:

 

O artigo 11.o, n.o 1, alínea a), o artigo 12.o‑A, ponto 2, alínea a), e ponto 4, alínea a), do Regulamento (CEE) n.o 574/72 do Conselho, de 21 de março de 1972, que estabelece as modalidades de aplicação do Regulamento (CEE) n.o 1408/71 relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, na sua versão alterada e atualizada pelo Regulamento (CE) n.o 118/97 do Conselho, de 2 de dezembro de 1996, conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 647/2005 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de abril de 2005, bem como o artigo 19.o, n.o 2, do Regulamento (CE) n.o 987/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de setembro de 2009, que estabelece as modalidades de aplicação do Regulamento (CE) n.o 883/2004 relativo à coordenação dos sistemas de segurança social, devem ser interpretados no sentido de que um certificado E 101, emitido pela instituição competente de um Estado‑Membro, nos termos do artigo 14.o, n.o 1, alínea a), ou do artigo 14.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento (CEE) n.o 1408/71 do Conselho, de 14 de junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, na sua versão alterada e atualizada pelo Regulamento n.o 118/97, conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 1606/98, do Conselho, de 29 de junho de 1998, a trabalhadores que exercem as suas atividades no território de outro Estado‑Membro, e um certificado A 1, emitido por essa instituição, nos termos do artigo 12.o, n.o 1, ou do artigo 13.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 883/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativo à coordenação dos sistemas de segurança social, conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 465/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2012, a tais trabalhadores, impõem‑se aos órgãos jurisdicionais desse último Estado‑Membro unicamente em matéria de segurança social.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: francês.