CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MICHAL BOBEK

apresentadas em 23 de fevereiro de 2021 ( 1 )

Processo C‑923/19

Van Ameyde España SA

contra

GES Seguros y Reaseguros SA

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunal Supremo (Supremo Tribunal, Espanha)]

«Reenvio prejudicial — Diretiva 2009/103/CE — Seguro de responsabilidade civil de veículos automóveis — Conceito de circulação de veículos — Âmbito de aplicação da obrigação de segurar — Acidente entre um veículo trator e um semirreboque com seguradoras diferentes»

I. Introdução

1.

Devem os danos materiais causados num semirreboque que, no momento de um acidente de viação, estava a ser operado como parte de um veículo articulado, tendo esse acidente, aparentemente, sido causado pelo condutor do trator rodoviário, ser cobertos pelo seguro obrigatório do trator rodoviário ou pelo do semirreboque, numa situação em que esses veículos estão cobertos por contratos de seguro de responsabilidade civil distintos subscritos com seguradoras diferentes?

2.

Com esta questão, o Tribunal de Justiça é chamado a aprofundar a sua (atualmente) abundante jurisprudência relativa ao conceito de «circulação de veículos» constante do artigo 3.o, primeiro parágrafo, da Diretiva 2009/103/CE ( 2 ). O Tribunal de Justiça já foi chamado, no passado, a confirmar se esse conceito abrange, inter alia, «a manobra de um trator com reboque no terreiro de uma quinta para colocar esse reboque num celeiro» ( 3 ); a «situação em que um trator agrícola esteve envolvido num acidente quando a sua função principal, no momento em que este acidente ocorreu, não consistia em servir de meio de transporte, mas em gerar, como máquina de trabalho, a força motriz necessária para acionar a bomba de um pulverizador de herbicida» ( 4 ); «uma situação em que o passageiro de um veículo estacionado num parque de estacionamento, ao abrir a porta desse veículo, bateu no e danificou o veículo estacionado ao seu lado» ( 5 ); ou uma «situação […] em que um veículo estacionado numa garagem privada de um imóvel utilizado em conformidade com a sua função de meio de transporte começou a arder e provocou um incêndio, que teve origem no circuito elétrico desse veículo e causou danos a esse imóvel, mesmo quando o referido veículo estivesse parado há mais de 24 horas no momento em que ocorreu o incêndio» ( 6 ).

3.

Tal como o trator rodoviário que saiu da estrada no âmbito do presente processo, receio que determinados elementos da jurisprudência acima referida pareçam ter‑se desviado um pouco do verdadeiro âmbito de aplicação da Diretiva 2009/103. Por conseguinte, nas presentes conclusões sugiro, em primeiro lugar, no plano estrutural, que não cabe ao Tribunal de Justiça proceder a uma aplicação efetiva do direito da União a casos concretos através dessa «jurisprudência factual». Em segundo lugar, no que respeita ao quadro jurídico específico em causa, o conceito de «circulação de veículos», bem como outros conceitos jurídicos indeterminados que constam do artigo 3.o da Diretiva 2009/103, referem‑se à obrigação geral de subscrever um seguro de responsabilidade civil. Estes conceitos não têm por objetivo e finalidade determinar se um acidente específico deve ser coberto por esse seguro.

II. Quadro jurídico

A.   Direito da União

4.

O artigo 1.o da Diretiva 2009/103 contém as seguintes definições:

«[…]

1.

“Veículo”: qualquer veículo automóvel destinado a circular sobre o solo, que possa ser acionado por uma força mecânica, sem estar ligado a uma via-férrea, bem como os reboques, ainda que não atrelados;

2.

“Pessoa lesada”: qualquer pessoa que tenha direito a uma indemnização por danos causados por veículos;

[…]»

5.

O artigo 3.o da Diretiva 2009/103, sob a epígrafe «Obrigação de segurar veículos», dispõe:

«Cada Estado‑Membro, sem prejuízo do artigo 5.o, adota todas as medidas adequadas para que a responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos com estacionamento habitual no seu território esteja coberta por um seguro.

As medidas referidas no primeiro parágrafo devem determinar o âmbito da cobertura e as modalidades de seguro.

[…]

O seguro referido no primeiro parágrafo deve, obrigatoriamente, cobrir danos materiais e pessoais.»

6.

O artigo 12.o da Diretiva 2009/103, sob a epígrafe «Categorias específicas de vítimas», dispõe:

«1.   Sem prejuízo do segundo parágrafo do n.o 1 do artigo 13.o, o seguro referido no artigo 3.o cobre a responsabilidade por danos pessoais de todos os passageiros, exceto o condutor, resultantes da circulação de um veículo.

[…]

3.   O seguro referido no artigo 3.o assegura a cobertura dos danos pessoais e materiais sofridos por peões, ciclistas e outros utilizadores não motorizados das estradas que, em consequência de um acidente em que esteja envolvido um veículo a motor, têm direito a indemnização de acordo com o direito civil nacional.

O presente artigo não prejudica nem a responsabilidade civil nem o montante das indemnizações.»

B.   Direito nacional

7.

A Ley sobre responsabilidad civil y seguro en la circulación de vehículos a motor (Lei da Responsabilidade Civil e do Seguro de Circulação de Veículos Automóveis) (a seguir «Lei do Seguro de Veículos») foi aprovada pelo Real Decreto Legislativo 8/2004, de 29 de outubro de 2004 ( 7 ). O seu artigo 1.o tem a epígrafe «Responsabilidade civil» e dispõe:

«1.   O condutor de veículos automóveis é responsável, em consequência do risco criado pela sua condução, pelos danos causados em pessoas ou bens resultantes da circulação.

[…]

3.   O proprietário não condutor é responsável pelos danos causados em pessoas e bens pelo condutor quando com ele tiver algum vínculo com base em algum dos nexos referidos no artigo 1903.o do Código Civil e no artigo 120.o, n.o 5, do Código Penal. Esta responsabilidade cessa se o proprietário provar que usou toda a diligência de um bom pai de família para prevenir o dano.

[…]»

8.

O artigo 2.o da Lei do Seguro de Veículos, sob a epígrafe «Obrigação de seguro», dispõe, no n.o 1:

«Qualquer proprietário de veículos a motor com estacionamento habitual em Espanha está obrigado a subscrever e manter em vigor um contrato de seguro por cada veículo de que seja titular, que cubra, até ao montante dos limites do seguro obrigatório, a responsabilidade civil referida no artigo 1.o […]»

9.

O artigo 5.o, n.o 2, da Lei do Seguro de Veículos, sob a epígrafe «Âmbito de aplicação e exclusões», dispõe o seguinte:

«A cobertura do seguro obrigatório não abrange os danos materiais causados no veículo segurado, nas mercadorias nele transportadas, nem nos bens do tomador, do segurado, do proprietário ou do condutor [do veículo], ou dos respetivos cônjuges ou familiares até ao terceiro grau de consanguinidade ou afinidade.»

10.

O artigo 1.o, n.o 1, do Reglamento del Seguro obligatorio de responsabilidad civil en la circulación de vehículos a motor (Regulamento do seguro obrigatório de responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis), aprovado pelo Decreto Real 1507/2008, de 12 de setembro de 2008 ( 8 ), dispõe o seguinte:

«Para efeitos de responsabilidade civil na circulação de veículos automóveis e de obrigação de seguro, é considerado “veículo automóvel” qualquer veículo destinado a circular sobre o solo e movido a motor, incluindo os ciclomotores, veículos especiais, reboques e semirreboques […]»

11.

Além disso, o Reglamento General de Vehículos (Regulamento Geral de Veículos), aprovado pelo Decreto Real 2822/1998, de 23 de dezembro de 1998 ( 9 ), inclui, no anexo II, uma lista de classes e categorias de veículos e, no seu artigo 5.o, classifica os tratores e os semirreboques como veículos independentes, ainda que possam ser unidos para constituir um veículo articulado.

12.

Segundo a jurisprudência do Tribunal Supremo (Supremo Tribunal, Espanha), os veículos que constituem um veículo articulado são solidariamente responsáveis perante terceiros pelos danos causados por esse veículo articulado. O artigo 19.o, n.o 2, do Regulamento relativo ao seguro obrigatório de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis determina ainda de que forma deve ser feita a repartição da responsabilidade:

«Sempre que os dois veículos intervenientes forem um trator e o reboque ou semirreboque a ele atrelado, ou dois reboques ou semirreboques, e não for possível determinar a repartição das culpas concorrentes, cada seguradora deverá contribuir para o cumprimento das referidas obrigações nos termos definidos nos acordos celebrados entre seguradoras ou, se estes não existirem, em proporção ao montante do prémio anual de risco correspondente a cada um dos veículos designados na apólice de seguro subscrita.»

III. Matéria de facto, tramitação do processo nacional e questão prejudicial

13.

No dia 3 de abril de 2014, ocorreu um acidente de viação em que um veículo articulado constituído por um trator rodoviário (ou trator) ( 10 ) e um semirreboque saiu da estrada e capotou. O acidente foi causado por culpa do condutor por ter conduzido o trator de forma negligente.

14.

No momento do acidente, o semirreboque tinha sido locado em regime de locação financeira à Primafrío SL. Os danos causados no semirreboque estavam cobertos por uma apólice de seguro subscrita com a Ges, Seguros y Reaseguros, SA («GES»). A responsabilidade civil por danos causados a terceiros estava segurada pela Seguros Bilbao. Por outro lado, o trator pertencia à sociedade portuguesa Doctrans Transportes Rodoviarios de Mercadería Lda. A responsabilidade civil por danos causados a terceiros pelo trator estava segurada pela sociedade portuguesa Açoreana, representada em Espanha pela Van Ameyde España SA (a seguir «Van Ameyde» ou «recorrente»).

15.

Na sequência do acidente, a GES pagou à Primafrío uma indemnização de 34977,33 euros pelos danos causados no semirreboque. Posteriormente, em 13 de março de 2015, a GES instaurou a ação que está na origem do presente litígio contra a seguradora do trator, a Van Ameyde. Nessa ação, pediu a condenação desta seguradora no pagamento à GES do montante de 34977,33 euros, acrescido de juros de mora à taxa legal. A GES alegou que o trator rodoviário e o semirreboque eram veículos distintos com proprietários diferentes, dispondo cada um do seu próprio seguro obrigatório. Por conseguinte, o semirreboque não podia ser considerado mercadoria transportada pelo trator rodoviário. Tratava‑se, em vez disso, de um terceiro para efeitos do seguro obrigatório de responsabilidade civil do trator rodoviário.

16.

Por Decisão de 14 de julho de 2016, o Juzgado de Primera Instancia n.o 1 de La Palma del Condo (Tribunal de Primeira Instância n.o 1 de La Palma del Condado, Espanha) julgou a ação improcedente. Esse órgão jurisdicional considerou que as circunstâncias do caso estavam abrangidas pela segunda das exclusões de cobertura do seguro obrigatório dos veículos automóveis enumeradas no artigo 5.o, n.o 2, da Lei do Seguro de Veículos, isto é, danos causados em mercadorias transportadas pelo trator rodoviário. O semirreboque devia ser considerado «carga ou mercadoria transportada».

17.

A GES interpôs recurso para a Audiencia Provincial de Huelva, sección 2.a (Audiência Provincial de Huelva, Secção 2, Espanha). Em 22 de dezembro de 2016, esse órgão jurisdicional deu provimento ao recurso e julgou o pedido procedente na íntegra. Considerou, em substância, que a exclusão de cobertura em causa prevista no artigo 5.o, n.o 2, da Lei do Seguro de Veículos se referia apenas aos danos causados a mercadorias transportadas no veículo segurado e não às mercadorias transportadas pelo veículo segurado. No presente caso, o semirreboque estava a ser transportado «pelo» veículo segurado. Era, portanto, um veículo distinto do trator rodoviário em si mesmo.

18.

A recorrente recorreu dessa decisão para o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal). A recorrente sustenta que houve uma violação do artigo 5.o, n.o 2, da Lei do Seguro de Veículos. Ao abrigo dessa disposição, os danos causados no semirreboque estão excluídos da cobertura obrigatória do trator rodoviário.

19.

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a Diretiva 2009/103 não contém disposições expressas relativas às modalidades de determinação da responsabilidade em caso de acidente que envolva um veículo articulado constituído por veículos distintos. Além disso, a legislação nacional também não descreve de que forma as seguradoras dos vários veículos que constituam um veículo articulado devem partilhar a responsabilidade quando os danos são inteiramente causados por um dos veículos no outro.

20.

Tendo dúvidas quanto à interpretação correta do artigo 5.o da Lei do Seguro de Veículos e aos seus efeitos perante a aplicação do artigo 3.o da Diretiva 2009/103, o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O artigo 3.o, último parágrafo, da [Diretiva 2009/103], em conjugação com o artigo 1.o da mesma diretiva, opõe‑se a uma interpretação da legislação nacional [(artigo 5.o, n.o 2, da (Lei do Seguro de Veículos)] segundo a qual, numa situação como a que está em causa no processo principal, os danos do semirreboque estão excluídos da cobertura do seguro obrigatório do trator rodoviário ou trator, uma vez que equipara o semirreboque às mercadorias transportadas no trator rodoviário ou trator ou que inclusivamente considera que, para efeitos dos danos materiais, o semirreboque e o trator rodoviário ou trator são um único veículo?»

21.

Apresentaram observações escritas a recorrente, a recorrida, o Governo espanhol e a Comissão Europeia.

IV. Análise

22.

Estou perplexo. Não por não compreender que, se um condutor de um trator rodoviário conduz com negligência, é provável que saia da estrada e capote o veículo, causando, dessa forma, danos materiais ou pessoais. Também não é por não compreender a questão jurídica subjacente exposta pelo órgão jurisdicional de reenvio com útil clareza: qual a seguradora que deve pagar pelos danos materiais causados no semirreboque atrelado quando este semirreboque estava a ser operado como parte de um veículo articulado, em que o capotamento de todo o veículo foi, aparentemente, causado pelo condutor do trator rodoviário e em que cada um dos elementos do veículo articulado tem uma seguradora diferente?

23.

Compreendo que a questão submetida se inspira certamente na jurisprudência existente do Tribunal de Justiça. Todavia, tenho dificuldade em compreender exatamente como é que as disposições invocadas do direito da União, ou, para este efeito, qualquer outra disposição da Diretiva 2009/103, têm alguma utilidade para as questões suscitadas pelo órgão jurisdicional de reenvio. Esta dificuldade é resultante de dois fatores fundamentais, mas interligados: o exato âmbito de aplicação deste instrumento jurídico e a competência do Tribunal de Justiça relativamente a reenvios prejudiciais.

24.

É razoável reconhecer que, até agora, a jurisprudência do Tribunal de Justiça na matéria nem sempre se manteve dentro destes confins. Por conseguinte, começarei as presentes conclusões por este último ponto, expondo brevemente alguma jurisprudência recente na matéria e ilustrando como, através da aparente interpretação de conceitos jurídicos indeterminados constantes da Diretiva 2009/103, especialmente o de «circulação de veículos», a apreciação do Tribunal de Justiça se tornou gradualmente cada vez mais factual (A). Posteriormente, explicarei qual é, pelo menos na minha opinião, o exato âmbito de aplicação do artigo 3.o da Diretiva 2009/103, que diz respeito à obrigação de segurar e não à determinação da responsabilidade em casos concretos (B). Analisarei depois essas observações no contexto constitucional mais amplo, recordando que a função do Tribunal de Justiça é fornecer, ao abrigo do artigo 267.o TFUE, uma interpretação do direito da União (C). Concluirei propondo que, tendo em conta todos estes elementos, o direito da União não regula o problema específico submetido ao órgão jurisdicional nacional no processo principal (D).

A.   A «circulação de veículos»

25.

Vários foram os processos em que diferentes disposições da Diretiva 2009/103, ou uma das suas cinco antecessoras ( 11 ), foram objeto de interpretação ao longo dos anos. Todavia, a linha de jurisprudência especificamente relativa à interpretação do conceito de «circulação de veículos», constante do artigo 3.o, primeiro parágrafo, da Diretiva 2009/103 ( 12 ), para efeitos de determinar se determinada manobra ou circulação de um veículo pode ser abrangida por esse conceito num caso específico para seguidamente determinar a responsabilidade de determinada seguradora, começou em 2014 com o Acórdão Vnuk ( 13 ).

26.

D. Vnuk estava a acondicionar fardos de feno no andar superior de um palheiro quando um trator com reboque fez marcha‑atrás e embateu na escada na qual ele se encontrava. D. Vnuk caiu. Embora a legislação nacional nesse processo definisse o âmbito de aplicação do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel em geral, o órgão jurisdicional de reenvio teve dúvidas, tendo em conta o contexto específico da situação, quanto à questão de saber se era efetivamente a companhia de seguros do proprietário do trator que devia indemnizar D. Vnuk. A questão que se colocou ao Tribunal de Justiça foi, portanto, a de saber se o conceito de «circulação de veículos» devia ser interpretado no sentido de que «não cobre as circunstâncias [desse caso], em que o tomador do seguro [do recorrente] embateu numa escada com um trator ao qual estava atrelado um reboque durante [o armazenamento] de fardos de feno num [palheiro], dado que não se trata de uma situação de circulação rodoviária» ( 14 ).

27.

O Tribunal de Justiça declarou que o conceito de «circulação de veículos» abrange qualquer utilização de um veículo em conformidade com a função habitual desse veículo. Assim, pode ser abrangida pelo referido conceito a manobra de um trator com reboque no terreiro de uma quinta para colocar esse reboque num celeiro, como aconteceu nesse processo principal, o que cabia ao órgão jurisdicional de reenvio verificar ( 15 ).

28.

No processo Rodrigues de Andrade ( 16 ), um trator agrícola estava estacionado, com o motor em funcionamento, para que os trabalhadores agrícolas utilizassem uma bomba pulverizadora para espalhar herbicida pela vinha na quinta dos cônjuges Rodrigues de Andrade. O peso desse trator, a trepidação provocada pelo motor e a forte chuva provocaram um deslizamento de terras. Por conseguinte, o trator tombou pelos bardos abaixo, tendo o mesmo entrado em capotamento, esmagando e matando um trabalhador. O litígio decorrente desses factos infelizes centrava‑se, essencialmente, na questão de saber se a indemnização devida ao cônjuge do trabalhador morto devia provir do seguro de responsabilidade civil do trator (seguro do veículo) ou do seguro de responsabilidade civil do proprietário da quinta que cobria a sua responsabilidade emergente de acidentes de trabalho. Invocando o Acórdão Vnuk, o órgão jurisdicional de reenvio perguntou se a obrigação de subscrever um seguro se aplicava apenas quando os veículos estavam em movimento ou também quando estivessem imobilizados, desde que com o respetivo motor em funcionamento.

29.

O Tribunal de Justiça recordou que o conceito de «circulação de veículos» não está limitado às situações de circulação rodoviária, ou seja, à circulação na via pública. Este conceito abrange, antes, qualquer utilização de um veículo em conformidade com a sua função habitual ( 17 ). O alcance deste conceito também não depende das características do terreno em que o veículo automóvel foi utilizado ( 18 ) e abrange qualquer utilização de um veículo como meio de transporte ( 19 ). O Tribunal de Justiça concluiu, por conseguinte, que não estava abrangida pelo conceito de «circulação de veículos» uma situação em que um trator agrícola tinha estado envolvido num acidente quando a sua função principal, no momento em que este acidente ocorrera, não consistia em servir de meio de transporte, mas em gerar, como máquina de trabalho, a força motriz necessária para acionar a bomba de um pulverizador de herbicida ( 20 ).

30.

O processo Núñez Torreiro ( 21 ) dizia respeito a um oficial do exército espanhol que participava em exercícios militares noturnos num campo de exercícios militares localizado em Espanha. O oficial viajava como passageiro num veículo de rodas militar todo‑o‑terreno de tipo «Aníbal», que circulava numa zona dedicada aos veículos de lagartas. O veículo capotou, causando diversos ferimentos ao oficial. O órgão jurisdicional de reenvio indagou se as disposições de direito nacional que permitiam excluir a responsabilidade relativa à utilização de veículos automóveis nessa situação eram compatíveis com o artigo 3.o da Diretiva 2009/103.

31.

O Tribunal de Justiça declarou que o veículo em causa circulava, quando capotou, num terreno de exercícios militares e que o facto de o acesso ser interdito a qualquer veículo não militar numa zona desse terreno que não era apta para a circulação de veículos de rodas não era suscetível de afetar o alcance do conceito de «circulação de veículos» ( 22 ). O Tribunal de Justiça concluiu, por conseguinte, que o artigo 3.o da Diretiva 2009/103 devia ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional que permitia especificamente excluir da cobertura do seguro obrigatório os danos ocorridos na condução de veículos automóveis em vias e terrenos que não são «aptos para a circulação», com exceção dos que, embora não tendo tal aptidão, são, no entanto, «de uso comum» ( 23 ).

32.

No processo BTA Baltic Insurance Company ( 24 ), foi perguntado ao Tribunal de Justiça se o conceito de «circulação de veículos» abrange igualmente uma situação em que o passageiro de um veículo tinha aberto a porta do mesmo num parque de estacionamento de um supermercado e danificado o veículo que estava estacionado ao seu lado.

33.

No seu acórdão, o Tribunal de Justiça explicou que o conceito de «circulação de veículos» não se limita à sua condução, pois inclui ações que são efetuadas habitualmente pelos passageiros ( 25 ). A ação de abrir a porta de um veículo constituía, por si mesma, uma utilização deste. Era, assim, conforme com a função de meio de transporte do veículo, uma vez que permite a entrada e saída de pessoas ou a carga e descarga de bens a transportar ou que acabam de ser transportados no veículo ( 26 ). Além disso, o facto de, no momento do acidente, o veículo envolvido se encontrar imobilizado não exclui, por si só, a utilização desse veículo nem que este possa estar abrangido pela sua função de meio de transporte ( 27 ). O Tribunal de Justiça concluiu, por conseguinte, que o conceito de «circulação de veículos» abrange uma situação em que o passageiro de um veículo estacionado num parque de estacionamento, ao abrir a porta desse veículo, bateu e danificou o veículo estacionado ao seu lado ( 28 ).

34.

No processo Línea Direta Aseguradora ( 29 ), o proprietário de um veículo novo estacionou‑o num parque de estacionamento privado. No dia seguinte, ligou o motor, sem chegar a mover o veículo. Mais tarde, o circuito elétrico do veículo provocou o incêndio do mesmo. O incêndio causou danos no imóvel em que se encontrava estacionado. A questão que se colocou no órgão jurisdicional de reenvio foi a de saber se os danos causados no imóvel deviam ser cobertos pela apólice de seguro automóvel (seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis subscrito pelo proprietário do veículo) ou pela apólice de seguro de habitação (seguro de responsabilidade civil subscrito pelo proprietário do imóvel).

35.

Em resposta, o Tribunal de Justiça explicou que se continua a considerar que um veículo é utilizado em conformidade com a sua função de meio de transporte quando está em movimento e durante o seu estacionamento entre duas deslocações. Assim, o estacionamento de um veículo numa garagem privada também constitui uma utilização de um veículo. Por conseguinte, o artigo 3.o, primeiro parágrafo, da Diretiva 2009/103 deve ser interpretado no sentido de que está abrangida pelo conceito de «circulação de veículos», previsto nesta disposição, uma situação, como a que estava em causa nesse processo, em que um veículo estacionado numa garagem privada de um imóvel, utilizado em conformidade com a sua função de meio de transporte, começou a arder e provocou um incêndio, que teve origem no circuito elétrico desse veículo e causou danos a esse imóvel, embora o referido veículo estivesse estado parado há mais de 24 horas no momento em que ocorreu o incêndio ( 30 ).

36.

O processo Bueno Ruiz e Zurich Insurance ( 31 ) envolvia um veículo que se encontrava, aparentemente, em mau estado técnico. Esse veículo tinha fugas de combustível e de outros fluidos escorregadios no lugar de um parque de estacionamento privado, onde estava habitualmente estacionado. Em 19 de setembro de 2015, formou‑se uma grande poça de combustível nesse lugar de estacionamento, espalhando‑se aparentemente pela zona circundante. A proprietária do veículo estacionado no lugar de estacionamento contíguo escorregou no combustível quando tentava entrar no seu veículo. Esta intentou uma ação contra a seguradora do automóvel com as fugas e contra o seu proprietário. Referindo‑se à jurisprudência anterior do Tribunal de Justiça na matéria, mas hesitante quanto ao verdadeiro alcance do conceito de «circulação de veículos», e, portanto, apresentando dúvidas quanto à pessoa responsável num caso como o que se analisava (a seguradora, o proprietário do veículo, ou potencialmente o gestor do parque de estacionamento), o órgão jurisdicional nacional perguntou se o artigo 3.o da Diretiva 2009/103 se opõe a uma interpretação segundo a qual o seguro obrigatório inclui os danos causados pela situação perigosa criada pela fuga de fluidos de um veículo no lugar em que está estacionado ou quando está a ser estacionado, num parque de estacionamento situado num complexo habitacional, em relação a terceiros que utilizem esse complexo ( 32 ).

37.

Em resposta, o Tribunal de Justiça recordou que o artigo 3.o, primeiro parágrafo, da Diretiva 2009/103 deve ser interpretado no sentido de que um veículo é utilizado em conformidade com a sua função de meio de transporte quando está em movimento e também, em princípio, durante o seu estacionamento entre duas deslocações. O facto de o acidente ter sido causado por um derramamento de combustível que ocorreu não apenas quando o veículo estava imobilizado, mas aparentemente também no momento do seu arranque e em movimento, não é pertinente. A circulação de um veículo e o seu estacionamento num parque de estacionamento privado constituem utilizações desse veículo que são conformes com a sua função de meio de transporte ( 33 ).

38.

Os exemplos acima expostos são meramente uma seleção ilustrativa dos processos no âmbito dos quais o Tribunal de Justiça se pronunciou ao longo dos últimos anos sobre o conceito de «circulação de veículos» ao abrigo do artigo 3.o da Diretiva 2009/103 ( 34 ). Os exemplos escolhidos são significativos em dois planos. Em primeiro lugar, no que respeita ao âmbito específico do direito, o Tribunal de Justiça adotou o termo «circulação de veículos» — constante do artigo 3.o da Diretiva 2009/103 — mas num contexto bem diferente e com um objetivo diferente, a fim de decidir efetivamente se uma determinada utilização no momento do acidente deve estar coberta pelo seguro obrigatório de um veículo (B). Em segundo lugar, num plano mais estrutural e sistemático, o Tribunal de Justiça começou a proferir decisões de um nível de abstração suscetível de pôr em causa se o Tribunal de Justiça está efetivamente a exercer uma interpretação uniforme do direito da União, a fornecer pelo Tribunal de Justiça ao abrigo do artigo 267.o TFUE, ao invés da aplicação do direito da União a casos concretos, o que deveria ser o papel dos órgãos jurisdicionais nacionais (C).

B.   O alcance exato (do artigo 3.o) da Diretiva 2009/103

39.

A Diretiva 2009/103 não é, porventura, o instrumento legislativo da União mais abrangente do ponto de vista estrutural. Isso deve‑se ao facto de este instrumento ter conjugado cinco diretivas anteriores. Desta forma, a diretiva consolidada começa diretamente com «definições» em vez de fixar, como é habitualmente o caso, o seu objeto, objetivo e âmbito de aplicação no primeiro artigo. Entre as primeiras disposições, a diretiva começa por aprovar a obrigação de seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos (artigo 3.o), o que se supõe permitir, posteriormente, que os Estados‑Membros se abstenham de instituir a fiscalização sistemática desse seguro como condição de entrada nos seus territórios (artigo 4.o).

40.

A Diretiva 2009/103 prevê, em seguida, um certo número de outras regras relativas a vários aspetos nos seus diferentes capítulos. Esses capítulos refletem, em larga medida, as diretivas anteriores e atualmente revogadas ( 35 ): por um lado, existem disposições relativas à cobertura do seguro obrigatório dos veículos, às derrogações da obrigação de seguro e à proteção de terceiros e das vítimas. Por outro lado, a maioria das restantes disposições dizem respeito a questões institucionais e processuais: criação de organismos nacionais de indemnização, relação do sistema da União com o sistema da Carta Verde e a rede de Serviços Nacionais de Seguros, criação de centros de informação e procedimentos de colaboração e de regularização entre esses organismos ( 36 ).

41.

No entanto, as duas disposições (materiais) essenciais da Diretiva 2009/103, nomeadamente os artigos 3.o e 4.o, lidas à luz do seu considerando 2, estabelecem, de certa forma, o objetivo geral deste instrumento: assegurar um elevado nível de proteção das vítimas de acidentes de viação e (através dele) a promoção da livre circulação na União Europeia. Por outras palavras, para exigir que os Estados‑Membros se abstenham de proceder a uma fiscalização sistemática do seguro de responsabilidade civil em relação aos veículos que entrem no seu território a partir de outros Estados‑Membros ( 37 ), foi considerado essencial assegurar um elevado nível de proteção das potenciais vítimas de acidentes de viação ( 38 ).

42.

Por conseguinte, o que deve ser harmonizado nos Estados‑Membros por força do artigo 3.o, primeiro parágrafo, dessa diretiva é a obrigação de subscrever um seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos com estacionamento habitual no território desse Estado‑Membro. Para esse efeito, a diretiva fornece uma definição comum do que é um «veículo» no seu artigo 1.o, n.o 1, descreve o que se deve entender por «território» no artigo 1.o, n.o 4, e enuncia os casos em que um Estado‑Membro pode derrogar a obrigação de segurar, no artigo 5.o, para certas categorias de veículos. Além disso, a diretiva estabelece, no artigo 8.o, a documentação necessária, acabando por, no artigo 10.o, interligar o âmbito de aplicação do dever de segurar previsto no artigo 3.o ao sistema de indemnização pelo organismo nacional de indemnização. Existem também disposições relativas aos montantes mínimos a serem cobertos pelo seguro obrigatório (artigo 9.o), a categorias específicas de vítimas (artigo 12.o), a cláusulas de exclusão em contratos de seguro (artigo 13.o) e a prémios únicos e a sua cobertura (artigo 14.o).

43.

Assim, resulta do âmbito de aplicação e da estrutura da diretiva que o que deve ser harmonizado, de uma forma minimalista ( 39 ), é a obrigação de subscrever um seguro de responsabilidade civil resultante da circulação de veículos. A esse respeito, o objetivo dessa diretiva não tem sido, e continua a não ser, começar a harmonizar as modalidades de atribuição da responsabilidade em casos concretos de acidentes de viação.

44.

Dito isto, não tenho dificuldade em reconhecer que as duas questões estão, de certa forma, interligadas. Com efeito, normalmente é num caso concreto, que implica frequentemente a questão da atribuição da responsabilidade civil nesse processo, que se podem colocar questões mais abrangentes e estruturais quanto a saber se existia, em primeiro lugar, um dever de segurar ou se a legislação nacional ou as apólices de seguro em geral estão em conformidade com outras exigências da diretiva. No entanto, continuam a ser duas questões distintas. A obrigação de subscrever um seguro de responsabilidade civil resultante da circulação de veículos é muito mais ampla e geral. Deve ser fixada ex ante, baseada em critérios gerais e objetivos e ser relativamente estável no tempo. A questão de saber se as circunstâncias exatas em que um veículo causou danos, bem como a função ou papel que estava a desempenhar nesse preciso momento, podem estar cobertas por uma determinada apólice de seguro é uma decisão ex post sobre a responsabilidade por um determinado acidente ( 40 ).

45.

Os processos referidos na secção anterior fornecem uma boa ilustração a este respeito. Nesses processos, a questão que tinha de ser decidida não era a de saber se o veículo na origem do acidente estava sujeito a uma obrigação de seguro. Verifica‑se que, em todos esses casos, o veículo estava efetivamente segurado, pelo que a obrigação prevista no artigo 3.o, primeiro parágrafo, da Diretiva 2009/103 estava cumprida. Do que se tratava, na realidade, era de saber se os danos causados deviam ser indemnizados pelo seguro automóvel obrigatório no que respeita ao acidente concreto e ao tipo de atividade realizada no momento ou se esses danos deviam ser indemnizados por outro seguro ou no âmbito da responsabilidade pessoal da pessoa que tinha causado os danos.

46.

Todavia, este tipo de decisões não é regulado pelo artigo 3.o da Diretiva 2009/103. Por outras palavras, a obrigação decorrente do artigo 3.o desta diretiva é cumprida quando existe um seguro e, por conseguinte, uma rede de segurança para as vítimas. Desde que estejam respeitadas as normas expressas, mínimas e gerais enunciadas noutras disposições da Diretiva 2009/103, saber quem, num caso concreto, é exatamente, e de que forma, responsável por indemnizar pelos danos causados não é uma questão regulada por essa diretiva.

47.

Este é, na minha opinião, o âmbito de aplicação exato da obrigação enunciada no artigo 3.o, primeiro parágrafo, da Diretiva 2009/103. Assim, as questões suscetíveis de serem discutidas a esse título, e, efetivamente, em particular ao interpretar os conceitos de «circulação» (de veículos), «território» (de um Estado‑Membro), «com estacionamento habitual» (nesse território), ou ainda finalidade e a cobertura mínimos da «responsabilidade civil» que constam desta disposição, são as relacionadas com o âmbito de aplicação e o alcance da obrigação de subscrever um seguro de responsabilidade civil em geral. Não se trata de saber se, no «contexto específico» de um determinado acidente, a circulação de um veículo em circunstâncias factuais específicas está ou não coberta por determinado seguro automóvel. Essa é não apenas uma questão de aplicação da lei, questão sobre a qual me debruço na secção seguinte, mas é igualmente (ou sobretudo) não regulamentada pela Diretiva 2009/103.

48.

Em resumo, os conceitos jurídicos indeterminados do direito da União, embora possam muito bem ser autónomos, não devem ser aplicados fora do seu contexto próprio, como resulta do seu texto, da sua estrutura e do seu âmbito de aplicação. O conceito de «circulação de veículos», constante do artigo 3.o, primeiro parágrafo, da Diretiva 2009/103, é apenas um elemento do dever geral de os Estados‑Membros assegurarem que a responsabilidade civil resultante da circulação de veículos com estacionamento habitual no seu território esteja coberta por um seguro. Nem esta disposição, nem, a fortiori, nenhum termo extraído do contexto desta disposição como um todo, deve fornecer indicações harmonizadas para decidir sobre a responsabilidade por incidentes individuais, especialmente uma vez cumprida a obrigação de subscrever um seguro de responsabilidade civil em conformidade com essa disposição sem que haja uma contradição manifesta com qualquer uma das outras disposições expressas da Diretiva 2009/103.

C.   Interpretação ou aplicação do direito da União

49.

Há outra questão que está relacionada com o número anterior e merece ser recordada. Nos termos do artigo 267.o, primeiro parágrafo, TFUE, o Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para decidir, a título prejudicial, sobre a interpretação dos Tratados, ou sobre a validade ou a interpretação dos atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União. Em contrapartida, a aplicação do direito da União, seja no seguimento da orientação fornecida pelo Tribunal de Justiça ao abrigo do artigo 267.o TFUE, ou, naturalmente e numa grande maioria dos casos, sem ela, incumbe essencialmente aos órgãos jurisdicionais nacionais.

50.

É certo que a aplicação da lei pode conter alguns elementos relacionados com a sua interpretação. Inversamente, a interpretação da lei dificilmente pode ser feita de forma abstrata, sem ter em consideração as circunstâncias de um ou vários casos concretos, na apreciação da sensatez da interpretação proposta. Assim, é impossível afirmar, de forma abstrata e em geral, exatamente onde é que a interpretação da lei acaba e a aplicação da lei começa (e vice‑versa).

51.

No entanto, diria que o presente processo e os processos abordados na secção A das presentes Conclusões constituem uma ilustração clara e concreta da questão de saber quando é que a intervenção do Tribunal de Justiça não é necessária, certamente pelo menos ao nível de pormenores factuais anteriormente fornecidos.

52.

Antes de mais e acima de tudo, à luz das observações formuladas na secção B das presentes Conclusões, uma possível necessidade de interpretar um conceito jurídico indeterminado previsto no direito da União, incluindo o conceito de «circulação de veículos» que consta do artigo 3.o da Diretiva 2009/103, é, naturalmente, delimitada pelo texto, pelo contexto e pela finalidade da disposição em causa. Em primeiro lugar, não há, com efeito, necessidade de interpretar o conceito de «circulação de veículos» para determinar se se constituiu a responsabilidade de uma determinada seguradora no contexto de um acidente específico.

53.

Em segundo lugar, mesmo supondo que o conceito de «circulação de veículos» também prevê a resolução de casos de responsabilidade individual e que é utilizado para determinar se, num determinado momento, a utilização específica era uma utilização normal de um veículo existe, devido à variedade infinita dos cenários factuais possíveis, um limite máximo (ou mínimo no nível de abstração) a que qualquer disposição jurídica (normativa) é suscetível de chegar. Neste sentido, o Tribunal de Justiça já declarou em várias ocasiões que o conceito de «circulação de veículos» inclui qualquer utilização habitual do veículo que seja conforme com a sua função de meio de transporte ( 41 ). Pode, certamente, discutir‑se se essa definição é demasiado abrangente, demasiado restritiva ou, de certa forma, circular, e exatamente de que modo poderia ser aperfeiçoada. Contudo, a menos que tal discussão sobre o alcance de um conceito de direito da União seja expressa e claramente desencadeada por uma decisão de reenvio, é difícil ver como é que uma outra confirmação de que a situação específica em causa constitui efetivamente outra «circulação de veículos» contribui para assegurar a unidade da interpretação do direito da União em toda a União, pretendida pelos autores dos Tratados.

54.

Poder‑se‑á certamente sugerir que qualquer decisão do Tribunal de Justiça assegurará um certo grau de unidade na interpretação e aplicação uniforme do direito da União em toda a União. Isto é certamente correto. Com efeito, na sequência, por exemplo, do Acórdão no processo Línea Direta Aseguradora, é de esperar que todas as situações «em que um veículo estacionado numa garagem privada de um imóvel utilizado em conformidade com a sua função de meio de transporte começou a arder e provocou um incêndio, que teve origem no circuito elétrico desse veículo e causou danos a esse imóvel, mesmo quando o referido veículo estivesse parado há mais de 24 horas no momento em que ocorreu o incêndio» ( 42 ), serão objeto de um tratamento uniforme em toda a União.

55.

Todavia, pode razoavelmente perguntar‑se se é este tipo e nível de unidade de interpretação que o Tribunal de Justiça deve efetuar ao abrigo do artigo 267.o TFUE. É mais típico de uma tomada de decisão estrita caso a caso que um tribunal nacional de primeira instância faria. Além disso, como mostra a experiência, tal «jurisprudência factual» pode, quando muito, suscitar outras questões e uma necessidade adicional de distinções ( 43 ): e se o veículo estivesse estacionado numa via pública e não numa garagem privada? E se o veículo estiver parado por um período consideravelmente mais longo, tornando‑o assim realmente imobilizado? E se o incêndio não tivesse tido origem no circuito elétrico do veículo, mas noutro sítio ( 44 )?

56.

Em terceiro lugar, o papel principal do Tribunal de Justiça deve ser a articulação ou o aperfeiçoamento da norma, premissa maior jurídica decorrente do direito da União, a aplicar pelos órgãos jurisdicionais nacionais. A subsunção dos factos do caso concreto, a premissa menor, e a conclusão quanto à aplicação do direito da União nesse caso específico, é da competência dos órgãos jurisdicionais nacionais.

57.

É certo que, nos termos do artigo 267.o TFUE, um órgão jurisdicional nacional pode sempre apresentar um pedido de decisão prejudicial. Todavia, como regra geral, no que respeita às questões já interpretadas, a questão deve estar precisamente relacionada com o potencial aperfeiçoamento da premissa maior baseada em direito da União a aplicar no processo principal (a sua clarificação, limitação, ampliação, criação de uma exceção e assim por diante). Outra confirmação de que a mesma premissa maior, previamente articulada, se aplica a outro conjunto de factos, sem, de nenhuma forma, convidar a uma reapreciação da premissa maior existente, é uma questão relativa à aplicação de direito da União, uma tarefa confiada aos órgãos jurisdicionais nacionais.

58.

É justo admitir que estes limites ideais se tornam, de certa forma, confusos quando elementos factuais estritos fazem parte da premissa maior definida no direito da União. Nesses casos, um órgão jurisdicional de reenvio pode, com efeito, estar inteiramente correto ao assegurar‑se de que elementos factuais novos e diferentes fazem efetivamente parte da regra de direito que o Tribunal de Justiça pretendia formular ( 45 ).

59.

Para identificar o nível adequado de abstração, afigura‑se crucial aceitar dois elementos como ponto de partida: autocontrolo jurisdicional e uma aceitação de um certo grau de diversidade permissível. É certo que o imperativo de uniformidade e de unidade de aplicação do direito da União em toda a União ocupou sempre um lugar central na jurisprudência do Tribunal de Justiça. No entanto, e de forma bastante natural, importa destrinçar, a este respeito, entre as questões realmente relevantes para esse fim e as que o não são, particularmente à luz dos recursos jurisdicionais finitos (por definição) dos órgãos jurisdicionais da União.

60.

Por exemplo, pode imaginar‑se a situação em que um passageiro de um táxi, ao sair do banco traseiro depois aí ter sido transportado, abre a porta traseira sem verificar devidamente primeiro e risca um veículo que aí passa nesse momento. Isto constitui uma «circulação de veículo» na aceção do artigo 3.o da Diretiva 2009/103? A indemnização pelos danos materiais causados deve ser paga pelo seguro de responsabilidade civil do táxi e não pelo seguro de responsabilidade civil do veículo que passava? Ou é o passageiro do táxi quem deve ser pessoalmente responsável, uma vez que não teve o cuidado de olhar devidamente antes de abrir a porta?

61.

Não vejo como é que uma potencial diversidade nos tribunais cíveis da União quanto ao modo como um tal processo deve ser decidido — se houvesse um caso idêntico a este respeito, tendo em conta o sem‑fim de variações e matizes factuais que poderiam justificar resultados diferentes — seria algo com que o Tribunal de Justiça devesse estar preocupado. Tal situação, a menos que, incidentalmente, abra uma questão mais ampla de incompatibilidade normativa do direito ou prática nacional com qualquer outra disposição expressa do direito da União, diz precisamente respeito ao domínio de aplicação da lei. Além disso, um tal grau de uniformidade no sentido de homogeneidade de resultados em casos concretos é, devo dizer, um mito. Com efeito, tal uniformidade nem sequer é assegurada em sistemas jurisdicionais nacionais altamente centralizados que, contrariamente ao papel do Tribunal de Justiça em relação a reenvios prejudiciais, exercem uma reapreciação aprofundada das decisões de instâncias inferiores quanto à correta aplicação do direito em casos concretos.

62.

Em suma, há e haverá sempre um certo grau de diversidade na aplicação nacional do direito da União, mesmo nas áreas harmonizadas. Isto não só é admissível, como também é razoável e natural. Tendo‑lhe sido submetido um pedido de decisão prejudicial relativo à interpretação do direito da União ao abrigo do artigo 267.o TFUE, o Tribunal de Justiça é chamado a fixar os limites exteriores dessa diversidade ao fornecer uma unidade de interpretação no direito da União, incluindo os conceitos jurídicos indeterminados nele contidos. Todavia, esta interpretação deve manter‑se a um nível adequado de abstração. Dito de outra forma, a tarefa do Tribunal de Justiça ao abrigo do artigo 267.o TFUE é assegurar a unidade de interpretação do direito da União, focada no plano das normas jurídicas aplicáveis e não no plano da solução de cada processo. Isto significa logicamente que, mesmo que exista um grau razoável de uniformidade das normas jurídicas, pode existir uma diversidade de resultados concretos.

D.   Presente processo

63.

Pelas razões expostas nas duas secções anteriores das presentes conclusões, concordo, no essencial, com a argumentação apresentada a título principal pelo Governo espanhol e pelas observações da Comissão: o artigo 3.o da Diretiva 2009/103 não se opõe a nenhuma interpretação (nacional contrária) do artigo 5.o, n.o 2, da Lei do Seguro de Veículos, só por a decisão sobre a questão de saber se, nas circunstâncias de um caso concreto, os danos causados num semirreboque que operava como parte de um veículo articulado estarão cobertos pelo seguro de responsabilidade civil do trator automóvel, ou potencialmente pelo seguro de responsabilidade civil do semirreboque, não ser regulada pelas disposições do direito da União invocadas.

64.

Feita esta precisão, parece‑me oportuno acrescentar, em guisa de conclusão, três pontos específicos deste caso.

65.

Em primeiro lugar, o facto de o artigo 5.o, n.o 2, da Lei do Seguro de Veículos ser a disposição do direito nacional nominalmente invocada pelo órgão jurisdicional de reenvio na sua questão, que regula, efetivamente, o «âmbito de aplicação e as exclusões» do seguro obrigatório (em geral), é pouco relevante quando colocado no contexto do processo principal. Como referido pelo Governo espanhol, o direito nacional não contém uma disposição específica sobre a partilha de responsabilidade em relação aos elementos individuais de um veículo articulado em caso de colisão, nomeadamente o artigo 19.o do Regulamento do seguro obrigatório de responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis ( 46 ). No entanto, essa disposição só regula a partilha de responsabilidade em casos de danos causados a terceiros. Portanto, as dúvidas e divergências interpretativas em casos concretos surgiram no plano nacional em relação a outra situação para a qual nada se dispõe na lei (derivada) nacional: e se os danos não forem causados a terceiros, mas antes numa unidade do veículo articulado por outra?

66.

Todavia, isso mais não faz do que acentuar o facto de as dúvidas interpretativas suscitadas pelo órgão jurisdicional de reenvio, aparentemente reforçadas pelos diferentes resultados alcançados pelos órgãos jurisdicionais regionais nacionais, incidirem sobre a interpretação e a aplicação das regras nacionais. Não vejo de que modo qualquer elemento contido no artigo 1.o ou no artigo 3.o da Diretiva 2009/103 poderia ajudar o órgão jurisdicional de reenvio a decidir esta questão de direito nacional.

67.

Em segundo lugar, não é claro em que medida esta conclusão seria alterada pela referência feita, na questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio, ao artigo 3.o, último parágrafo, da Diretiva 2009/103. Essa disposição prevê: «O seguro referido no primeiro parágrafo deve, obrigatoriamente, cobrir danos materiais e pessoais.» À semelhança da Comissão, não vejo (e o órgão jurisdicional de reenvio não explica) como é que a cobertura de danos materiais poderia, de alguma forma, ficar comprometida ou limitada por alguma das possíveis interpretações das disposições nacionais em causa. Tanto quanto compreendo, a possibilidade de indemnizar danos materiais em casos como o presente existe claramente. A obrigação de subscrever um seguro de responsabilidade civil prevista no artigo 3.o da Diretiva 2009/103 parece cumprida. Também não se sugere que essa cobertura não respeita, de um modo geral, qualquer uma das outras disposições desta diretiva. Trata‑se antes de saber quem será, por fim, obrigado a pagar a conta, seja a seguradora do trator rodoviário ou a seguradora do semirreboque.

68.

Em terceiro lugar, o mesmo sucederia se se mudasse a atenção do artigo 3.o para o artigo 1.o da referida diretiva, bem como para as definições dele constantes do que é um «veículo» e quem poderia ser a «pessoa lesada», como sugere o órgão jurisdicional de reenvio. Com efeito, nas suas observações, a Comissão participou nessa discussão, perguntando se um semirreboque, ou porventura o proprietário desse semirreboque, poderia ser uma «pessoa lesada» na aceção do artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 2009/103. Essas reflexões levaram a Comissão a sugerir que um semirreboque danificado talvez não seja o tipo de pessoa lesada cuja proteção a diretiva pretende reforçar ( 47 ), perguntando‑se assim novamente de que modo essa exclusão, que nem está expressamente prevista no direito nacional ( 48 ), poderia modificar o alcance da cobertura dos danos materiais exigida pelo artigo 3.o, último parágrafo, da Diretiva 2009/103

69.

Estou muito grato à Comissão por esta reflexão. Ajuda a realçar em termos reais o ponto central já referido ( 49 ): tais questões e considerações não são abrangidas pelo âmbito de aplicação exato da Diretiva 2009/103. Isto é comprovado pela dissonância lógica (roçando o estranho) que se revela quando se tenta encaixar uma situação exterior a um determinado quadro legislativo nesse mesmo quadro. O conceito e a lógica existentes simplesmente não preveem essa situação e portanto esta não se encaixa de forma alguma ( 50 ).

70.

Em resumo, uma vez atingida a finalidade essencial da Diretiva 2009/103, a saber, que, em conformidade com a obrigação enunciada no artigo 3.o desta diretiva, um Estado‑Membro tenha previsto a obrigação de subscrever um seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos, assim protegendo as vítimas potenciais de vítimas de acidentes de viação e portanto incentivando a liberdade de circulação na União, as condições específicas dessa obrigação e, a fortiori, a concretização dessa responsabilidade em casos concretos de acidentes de viação, continua a ser uma questão de aplicação do direito da União ou, a fortiori, confiada aos órgãos jurisdicionais nacionais.

V. Conclusão

71.

Proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões prejudiciais submetidas pelo Tribunal Supremo (Supremo Tribunal, Espanha) da seguinte forma:

– Nem o artigo 3.o, último parágrafo, da Diretiva 2009/103/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de setembro de 2009 relativa ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade, nem os artigos 1.o ou 2.o dessa diretiva aprovam disposições que regulem a questão de saber se o direito nacional deve tratar os danos materiais causados num semirreboque, quando estava a ser operado como parte de um veículo articulado com um trator rodoviário, um incidente que deva ser coberto pelo seguro obrigatório de responsabilidade civil subscrito para esse trator rodoviário. Esta matéria deve, juntamente com todas as outras questões não especificamente reguladas pela Diretiva 2009/103/CE, ser regulada pelo direito nacional e decidida pelos órgãos jurisdicionais nacionais.


( 1 ) Língua original: inglês.

( 2 ) Diretiva 2009/103/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de setembro de 2009, relativa ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade (JO 2009, L 263, p. 11).

( 3 ) Acórdão de 4 de setembro de 2014, Vnuk (C‑162/13, EU:C:2014:2146, n.o 59 e parte decisória).

( 4 ) Acórdão de 28 de novembro de 2017, Rodrigues de Andrade (C‑514/16, EU:C:2017:908, n.o 42 e parte decisória).

( 5 ) Acórdão de 15 de novembro de 2018, BTA Baltic Insurance Company (C‑648/17, EU:C:2018:917, n.o 48 e parte decisória).

( 6 ) Acórdão de 20 de junho de 2019, Línea Direta Aseguradora (C‑100/18, EU:C:2019:517, n.o 48 e parte decisória).

( 7 ) BOE n.o 267 de 5 de novembro de 2004, p. 36662.

( 8 ) BOE n.o 222, de 13 de setembro de 2008, p. 37487.

( 9 ) BOE n.o 22, de 26 de janeiro de 1999, p. 3440.

( 10 ) Ao longo das presentes conclusões, utilizarei indistintamente os termos «trator rodoviário» e «trator» para me referir ao mesmo tipo de dispositivo. Reconheço que, na sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio se refere a «trator rodoviário ou trator». Todavia, visto que não foi sugerido nem explicado qual deve ser a diferença, a existir alguma, entre estes dois termos, limitar‑me‑ei a supor que têm o mesmo significado.

( 11 ) Para a lista das cinco diretivas que a Diretiva 2009/103 integrou, consolidou e revogou, v. artigo 29.o e anexo I da Diretiva 2009/103. V., igualmente, o anexo II, que contém uma tabela de correspondência relativa a disposições individuais.

( 12 ) Ou, anteriormente, no artigo 3.o, n.o 1 da Diretiva 72/166/CEE do Conselho, de 24 de abril de 1972, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade (JO 1972, L 103, p. 1; EE 13 F2 p. 113).

( 13 ) Acórdão de 4 de setembro de 2014, Vnuk (C‑162/13, EU:C:2014:2146) (a seguir «Vnuk»).

( 14 ) Ibidem, n.o 25.

( 15 ) Ibidem, n.o 59 e parte decisória.

( 16 ) Acórdão de 28 de novembro de 2017, Rodrigues de Andrade (C‑514/16, EU:C:2017:908).

( 17 ) Ibidem, n.o 34.

( 18 ) Ibidem, n.o 35.

( 19 ) Ibidem, n.o 38.

( 20 ) Ibidem, n.o 42 e parte decisória.

( 21 ) Acórdão de 20 de dezembro de 2017, Núñez Torreiro (C‑334/16, EU:C:2017:1007).

( 22 ) Ibidem, n.o 34.

( 23 ) Ibidem, n.o 36.

( 24 ) Acórdão de 15 de novembro de 2018, BTA Baltic Insurance Company (C‑648/17, EU:C:2018:917).

( 25 ) Ibidem, n.o 45.

( 26 ) Ibidem, n.o 36.

( 27 ) Ibidem, n.o 38.

( 28 ) Ibidem, n.o 48 e parte decisória.

( 29 ) Acórdão de 20 de junho de 2019, Línea Directa Aseguradora (C‑100/18, EU:C:2019:517).

( 30 ) Ibidem, n.o 48 e parte decisória.

( 31 ) Despacho de 11 de dezembro de 2019, Bueno Ruiz e Zurich Insurance (C‑431/18, não publicado, EU:C:2019:1082).

( 32 ) Ibidem, n.os 16 a 26.

( 33 ) Ibidem, n.os 40 a 43.

( 34 ) V. igualmente, por exemplo, Acórdãos de 7 de setembro de 2017, Neto de Sousa (C‑506/16, EU:C:2017:642); de 4 de setembro de 2018, Juliana (C‑80/17, EU:C:2018:661), ou as minhas recentes Conclusões no processo Ubezpieczeniowy Fundusz Gwarancyjny (C‑383/19, EU:C:2020:1003), atualmente pendente.

( 35 ) V. a tabela de correspondência no anexo II da Diretiva 2009/103.

( 36 ) V., ainda, sobre a complexa interação entre o sistema da União e o sistema da Carta Verde, as minhas Conclusões no processo Lietuvos Respublikos transporto priemonių draudikų biuras (C‑587/15, EU:C:2017:234, n.os 32 a 53).

( 37 ) V. artigo 4.o da Diretiva 2009/103. V., igualmente, Acórdãos de 4 de setembro de 2014, Vnuk (C‑162/13, EU:C:2014:2146, n.o 49), ou de 20 de junho de 2019, Línea Direta Aseguradora (C‑100/18, EU:C:2019:517, n.o 33 e jurisprudência aí referida).

( 38 ) O Tribunal de Justiça salientou reiteradamente o objetivo de fornecer um elevado nível de proteção das vítimas de acidentes de viação ao interpretar as diretivas — v., em particular, Acórdão de 4 de setembro de 2018, Juliana (C‑80/17, EU:C:2018:661, n.o 47), ou, mais recentemente, Despacho de 11 de dezembro de 2019, Bueno Ruiz e Zurich Insurance (C‑431/18, EU:C:2019:1082, n.os 33 a 34).

( 39 ) Para jurisprudência que salienta a dimensão mínima de harmonização entre as anteriores e presente diretivas relativas ao seguro automóvel em relação a diversos elementos não expressamente abrangidos por essas diretivas, v., por exemplo, Acórdãos de 23 de outubro de 2012, Marques Almeida (C‑300/10, EU:C:2012:656, n.o 29); de 21 de janeiro de 2016, ERGO Insurance e Gjensidige Baltic (C‑359/14 e C‑475/14, EU:C:2016:40, n.o 40); ou de 14 de setembro de 2017, Delgado Mendes (C‑503/16, EU:C:2017:681, n.o 47).

( 40 ) V. Acórdão de 4 de setembro de 2018, Juliana (C‑80/17, EU:C:2018:661, n.o 39). Para uma exposição detalhada, v. também as minhas Conclusões no processo Ubezpieczeniowy Fundusz Gwarancyjny (C‑383/19, EU:C:2020:1003, n.os 39 e 48).

( 41 ) V. logo no Acórdão de 4 de setembro de 2014, Vnuk (C‑162/13, EU:C:2014:2146, n.o 59), posteriormente retomado em todos os acórdãos acima resumidos, na secção A das presentes conclusões.

( 42 ) Acórdão de 20 de junho de 2019, Línea Direta Aseguradora (C‑100/18, EU:C:2019:517, n.o 48 e parte decisória).

( 43 ) V. logo nas Conclusões do advogado‑geral F. G. Jacobs no processo Wiener SI (C‑338/95, EU:C:1997:352, n.o 50), onde se observa sabiamente que «respostas detalhadas dadas a questões muito precisas nem sempre contribuirão para esta aplicação uniforme. Estas respostas podem quando muito suscitar outras questões».

( 44 ) V. Despacho de 11 de dezembro de 2019, Bueno Ruiz e Zurich Insurance (C‑431/18, não publicado, EU:C:2019:1082, n.o 44).

( 45 ) V., a este respeito, sobre uma questão efetivamente abrangida pelo artigo 3.o da Diretiva 2009/103, a saber, quando cessa a obrigação de subscrever um seguro de responsabilidade civil ao abrigo desta disposição, as minhas Conclusões no processo Ubezpieczeniowy Fundusz Gwarancyjny (C‑383/19, EU:C:2020:1003).

( 46 ) Acima referido, no n.o 12 das presentes conclusões.

( 47 ) A este respeito, a Comissão salientou os considerandos 21 e 22 da Diretiva 2009/103, que indicam que as vítimas mais prováveis de acidentes de viação (destinadas a ser protegidas por essa diretiva) são, de facto, pessoas singulares, quer se trate de passageiros, peões, ciclistas ou outros utilizadores da estrada, mas não de veículos enquanto tais.

( 48 ) Mais uma vez, para chegar à conclusão de que o artigo 5.o, n.o 2, da Lei do Seguro de Veículos exclui, num caso como o do processo principal, os danos causados no semirreboque a cobrir pela apólice de seguro do trator automóvel, importa, em primeiro lugar, interpretar esta disposição nacional. V., supra, n.o 9 e n.os 16 a 17 das presentes conclusões, expondo as interpretações opostas desta disposição nacional.

( 49 ) V., supra, n.os 39 a 48 das presentes conclusões.

( 50 ) Para outra ilustração recente do mesmo fenómeno, v., por exemplo, Acórdão de 10 de dezembro de 2020, J & S Service (C‑620/19, EU:C:2020:1011).