CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MACIEJ SZPUNAR

apresentadas em 14 de janeiro de 2021 ( 1 )

Processo C‑762/19

SIA «CV‑Online Latvia»

contra

SIA «Melons»

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Rīgas apgabaltiesas Civillietu tiesas kolēģija (Tribunal Regional de Riga, Secção Cível, Letónia)]

«Reenvio prejudicial — Proteção jurídica das bases de dados — Diretiva 96/9/CE — Artigo 7.o — Direito “sui generis” dos fabricantes de bases de dados — Proibição de terceiros “extraírem” ou “reutilizarem”, sem autorização do fabricante, a totalidade ou uma parte substancial do conteúdo da base de dados — Base de dados disponível num sítio Internet — Exibição, pelo gestor de um motor de busca, de uma hiperligação que remete para esse sítio e de etiquetas de metadados (metatags) com informações que figuram na base de dados»

Introdução

1.

Na família dos direitos de propriedade intelectual, o direito sui generis de proteção das bases de dados encontra‑se entre os mais recentes. A sua instituição deve‑se à digitalização e ao desenvolvimento da Internet. Com efeito, o aumento exponencial da quantidade de informações acessíveis graças à tecnologia digital tornou particularmente útil, e, portanto, economicamente compensador, ordenar essas informações em bases de dados que podem ser consultadas em linha. Ao mesmo tempo, no ambiente digital, é particularmente fácil fazer uma cópia de perfeita qualidade dos dados de uma base a um custo diminuto e beneficiar, assim, indevidamente, do esforço de terceiros. Por conseguinte, foi instituído um mecanismo de proteção no direito da União.

2.

É verdade que as bases de dados podem, no direito nacional dos Estados‑Membros, beneficiar de proteção através do direito de autor. Contudo, normalmente, esta proteção exige um certo grau de originalidade na seleção ou na disposição dos dados. Ora, para que uma base de dados seja útil, deve, tanto quanto possível, ser exaustiva, e os dados devem ser dispostos segundo uma ordem pertinente para o tipo de dados em causa, ou seja, por ordem alfabética, cronológica ou outra, de modo a permitir encontrar facilmente os dados pesquisados, uma vez que este é o objetivo principal de uma base de dados. Por conseguinte, na maior parte das situações, nem a seleção de elementos de uma base nem a sua disposição podem ser originais ( 2 ). Além disso, embora a estrutura de uma base de dados possa beneficiar da proteção do direito de autor, isso não sucede com o seu conteúdo, a menos que o próprio conteúdo seja original.

3.

Desta necessidade de uma proteção diferente da conferida apenas pelo direito de autor surgiu, no direito da União, o direito sui generis de proteção das bases de dados. Muitas vezes equiparado a um direito conexo do direito de autor ( 3 ), o direito sui generis visa proteger o investimento feito pelo fabricante de uma base de dados na obtenção, verificação e apresentação desses dados. Situado na fronteira entre o direito de propriedade intelectual e o direito de concorrência desleal ( 4 ), o direito sui generis exige uma prudente ponderação entre, por um lado, os interesses legítimos dos fabricantes das bases de dados na proteção das possibilidades de amortização do seu investimento e, por outro, o interesse dos utilizadores e dos concorrentes desses fabricantes no acesso à informação bruta e na possibilidade de criar produtos inovadores com base nessas informações.

4.

O presente processo, que diz respeito a essa ponderação, opõe um fabricante de base de dados, no caso em apreço de ofertas de emprego, e um agregador de conteúdos na Internet que permite consultar essas ofertas contidas em diferentes sítios Internet ( 5 ). Trata‑se, nomeadamente, da questão de saber se a solução adotada pelo Tribunal de Justiça em relação aos «metamotores de busca» ( 6 ) é transponível para o caso em apreço. O presente processo dá igualmente a oportunidade de desenvolver e aperfeiçoar esta solução à luz das regras da concorrência, nomeadamente das regras relativas à concorrência desleal e ao abuso de posição dominante.

Quadro jurídico

Direito da União

5.

Nos termos do artigo 1.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 96/9/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de março de 1996, relativa à proteção jurídica das bases de dados ( 7 ):

«1.   A presente diretiva diz respeito à proteção jurídica das bases de dados, seja qual for a forma de que estas se revistam.

2.   Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por “base de dados” uma coletânea de obras, dados ou outros elementos independentes, dispostos de modo sistemático ou metódico e suscetíveis de acesso individual por meios eletrónicos ou outros.»

6.

O artigo 7.o desta diretiva, que figura no seu capítulo III, com a epígrafe «Direito sui generis», dispõe:

«1.   Os Estados‑Membros instituirão o direito de o fabricante de uma base de dados proibir a extração e/ou a reutilização da totalidade ou de uma parte substancial, avaliada qualitativa ou quantitativamente, do conteúdo desta, quando a obtenção, verificação ou apresentação desse conteúdo representem um investimento substancial do ponto de vista qualitativo ou quantitativo.

2.   Para efeitos do presente capítulo, entende‑se por:

a)

“Extração” a transferência permanente ou temporária da totalidade ou de uma parte substancial do conteúdo de uma base de dados para outro suporte, seja por que meio ou sob que forma for;

b)

“Reutilização” qualquer forma de pôr à disposição do público a totalidade ou uma parte substancial do conteúdo da base através da distribuição de cópias, aluguer, transmissão em linha ou sob qualquer outra forma. A primeira venda de uma cópia de uma base de dados na [União] efetuada pelo titular do direito ou com o seu consentimento esgota o direito de controlar a revenda dessa cópia na [União].

[...]

5.   Não serão permitidas a extração e/ou reutilização [repetidas] e sistemáticas de partes não substanciais do conteúdo da base de dados que pressuponham atos contrários à exploração normal dessa base, ou que possam causar um prejuízo injustificado aos legítimos interesses do fabricante da base.»

7.

Por último, nos termos do artigo 13.o da referida diretiva:

«O disposto na presente diretiva não prejudica as disposições relativas nomeadamente [...] a legislação sobre acordos, as decisões ou práticas concertadas entre empresas e concorrência desleal [...]»

Direito letão

8.

As disposições da Diretiva 96/9 relativas ao direito sui generis foram transpostas para o direito letão nos artigos 57.° a 62.° da Autortiesību likums (Lei sobre o Direito de Autor), de 6 de abril de 2000 ( 8 ), conforme alterada pela Lei de 22 de abril de 2004 ( 9 ).

Factos, tramitação processual e questões prejudiciais

9.

A SIA CV‑Online Latvia (a seguir «CV‑Online»), uma sociedade de direito letão, gere o sítio Internet «CV.lv». Este sítio alberga uma base de dados, desenvolvida e regularmente atualizada pela CV‑Online, que contém anúncios de emprego publicados por empregadores.

10.

Além disso, o sítio «CV.lv» dispõe de etiquetas de metadados (metatags), do tipo «microdados» (microdata), em conformidade com o vocabulário estabelecido pelo Schema.org, um consórcio de quatro motores de busca na Internet ( 10 ). Estas etiquetas não são visíveis quando se abre a página Internet da CV‑Online. Permitem aos motores de busca na Internet identificar melhor o conteúdo de cada página a fim de a indexar corretamente. Isto é importante para o posicionamento da página nos resultados de uma pesquisa efetuada através de um motor de busca. No caso do sítio Internet da CV‑Online, essas etiquetas de metadados contêm, para cada anúncio de emprego publicado na base de dados, as seguintes palavras‑chave: «designação do emprego», «nome da empresa», «local de trabalho» e «data de publicação do anúncio».

11.

A SIA Melons, igualmente uma sociedade de direito letão, gere o sítio Internet «KurDarbs.lv», que é um motor de busca especializado em anúncios de emprego. Este motor de busca permite uma pesquisa em vários sítios Internet que contêm anúncios de emprego, segundo vários critérios, entre eles o tipo de emprego e o local de trabalho. Por intermédio de hiperligações, o sítio «KurDarbs.lv» remete os utilizadores para os sítios Internet onde as informações pesquisadas foram originalmente publicadas, um dos quais é o sítio da CV‑Online. As etiquetas de metadados inseridas pela CV‑Online na programação do seu sítio Internet são também exibidas na lista de resultados obtidos quando se utiliza o motor de busca da Melons.

12.

Por considerar que existe uma violação do seu direito sui generis, a CV‑Online intentou uma ação judicial contra a Melons. Sustenta que a Melons «extrai» e «reutiliza» a parte substancial do conteúdo da base de dados presente no sítio «CV.lv». O tribunal de primeira instância constatou uma violação do direito em causa, com o fundamento de que existia uma «reutilização» da base de dados.

13.

A Melons interpôs recurso da sentença de primeira instância para o órgão jurisdicional de reenvio. Salienta que o seu sítio Internet não assegura transmissões em linha, ou seja, não funciona «em tempo real». Além disso, alega que deve ser feita uma distinção entre o sítio «CV.lv» e a base de dados que este alberga. Sublinha, a este respeito, que são as etiquetas de metadados utilizadas pela CV‑Online que geram o aparecimento das informações relativas às ofertas de emprego nos resultados obtidos através do motor de busca «KurDarbs.lv». Ora, essas etiquetas não fazem parte da base de dados.

14.

Nestas circunstâncias, o Rīgas apgabaltiesas Civillietu tiesas kolēģija (Tribunal Regional de Riga, Secção Cível, Letónia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as questões prejudiciais seguintes:

«1)

Deve a atividade da demandada, que consiste em remeter o utilizador final, através de uma hiperligação, para o sítio Internet da demandante, onde é possível consultar uma base de dados de [ofertas] de emprego, ser interpretada no sentido de que está abrangida pela definição de “reutilização” que figura no artigo 7.o, n.o 2, alínea b), da [Diretiva 96/9], mais precisamente, trata‑se de uma reutilização de uma base de dados por outras formas?

2)

Devem as informações contidas nas etiquetas [de] metadados que surgem no motor de [busca] da demandada ser interpretadas no sentido de que estão abrangidas pela definição de “extração” que figura no artigo 7.o, n.o 2, alínea a), da [Diretiva 96/9], mais precisamente, trata‑se de uma transferência permanente ou temporária da totalidade ou de uma parte substancial do conteúdo de uma base de dados para outro suporte, seja por que meio ou sob que forma for?»

15.

O pedido de decisão prejudicial deu entrada no Tribunal de Justiça em 17 de outubro de 2019. Foram apresentadas observações pelas partes no processo principal, o Governo letão e a Comissão Europeia. Os mesmos interessados estiveram representados na audiência realizada em 22 de outubro de 2020.

Análise

16.

O órgão jurisdicional de reenvio submete duas questões prejudiciais relativas quer à extração quer à eventual reutilização da base de dados da CV‑Online pela Melons. Temo, contudo, que estas questões, tal como formuladas, omitam os verdadeiros problemas jurídicos relacionados com a utilização da base de dados da CV‑Online pela Melons e a recusa desta última em tolerar essa utilização. Por conseguinte, na minha opinião, para dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio, há que reformular as referidas questões ( 11 ).

17.

Além disso, o presente pedido de decisão prejudicial assenta na premissa de que existe uma base de dados protegida pelo direito sui generis, garantido pelas disposições do capítulo III da Diretiva 96/9, sem, no entanto, mencionar uma referência a este respeito por parte dos órgãos jurisdicionais nacionais. Ora, uma análise das condições dessa proteção nas circunstâncias do caso em apreço pode ser útil para apreciar a existência de uma eventual violação dos direitos conferidos por essas disposições.

Quanto à existência de uma base de dados protegida

18.

Cabe recordar que o artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 96/9 define a base de dados como «uma coletânea de obras, dados ou outros elementos independentes, dispostos de modo sistemático ou metódico e suscetíveis de acesso individual por meios eletrónicos ou outros». O Tribunal de Justiça já teve oportunidade de declarar que «elementos independentes» devem ser entendidos como «elementos separáveis uns dos outros, sem que o valor do seu conteúdo informativo, literário, artístico, musical ou outro seja afetado» ( 12 ). Por outras palavras, esses elementos devem ter um «valor informativo autónomo» ( 13 ). Além disso, uma base de dados deve conter «um meio técnico tal como um processo eletrónico, eletromagnético ou eletro‑ótico, […] ou outro meio, […] que permita a localização de qualquer elemento independente nela contido» ( 14 ). Assim, um elemento útil de uma base de dados é um elemento localizável e acessível dessa base, que tenha um valor informativo autónomo.

19.

No que respeita à proteção de uma base de dados pelo direito sui generis, esta só se aplica, em conformidade com o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 96/9, desde que a obtenção, a verificação ou a apresentação do conteúdo da base de dados representem um investimento substancial do ponto de vista qualitativo ou quantitativo ( 15 ). Com efeito, o objetivo do direito sui generis consiste em garantir a proteção do investimento feito pelo fabricante da base de dados na sua criação ( 16 ). Uma vez que se trata de uma questão de facto, cabe aos órgãos jurisdicionais nacionais apreciar se a base de dados para a qual é pedida proteção representa um investimento dessa natureza. Contudo, essa avaliação é importante do ponto de vista da interpretação da Diretiva 96/9 e da aplicação das disposições que a transpõem, uma vez que uma eventual violação do direito sui generis instituído por essa diretiva deve ser analisada não em relação à base de dados em abstrato mas sim em relação a esse investimento ( 17 ).

20.

Além disso, embora a Diretiva 96/9 não defina o conceito de «investimento substancial», o Tribunal de Justiça já forneceu certos elementos dessa definição. Declarou, com efeito, que o investimento na obtenção do conteúdo de uma base de dados se refere aos «meios dedicados à procura de elementos independentes existentes e à sua reunião na referida base, com exclusão dos meios aplicados na própria criação de elementos» ( 18 ). O investimento na verificação desse conteúdo consiste nos «meios dedicados, com vista a assegurar a fiabilidade da informação contida na referida base, à fiscalização da exatidão dos elementos procurados, aquando da constituição dessa base e durante o seu período de funcionamento» ( 19 ), que inclui necessariamente a atualização da base de dados e a eliminação dos elementos obsoletos. Por último, o investimento na apresentação do conteúdo da base de dados inclui os «meios que visam conferir à referida base a sua função de tratamento de informação, ou seja, os afetados à disposição sistemática ou metódica dos elementos contidos nessa base e à organização da sua acessibilidade individual» ( 20 ). Por conseguinte, esta última categoria engloba o investimento num dispositivo de busca, se a base de dados dispuser de um.

21.

No que diz respeito à base de dados da CV‑Online, parece que os elementos independentes que formam o conteúdo desta são as ofertas de emprego. Com efeito, cada oferta de emprego constitui uma unidade de informação que, por um lado, tem um valor informativo autónomo e, por outro, é separável das outras ofertas de emprego contidas nesta base de dados. Além disso, cada oferta de emprego na base de dados CV‑Online é individualmente acessível graças ao formulário de pesquisa que essa base contém.

22.

Estes elementos não são criados pela CV‑Online, mas são‑lhe fornecidos pelos empregadores. Esta empresa assegura também, em certa medida, a verificação destes elementos e a sua apresentação, nomeadamente disponibilizando um formulário de pesquisa no seu sítio Internet. Embora incumba ao órgão jurisdicional nacional verificar se a CV‑Online pode demonstrar um investimento substancial na criação da sua base de dados, à primeira vista, nada permite pôr em causa a premissa segundo a qual é efetivamente esse o caso.

Quanto ao teor das questões prejudiciais

23.

Com a sua primeira questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o facto de se remeter o utilizador, através de uma hiperligação, para um sítio Internet onde é possível consultar uma base de dados de ofertas de emprego está abrangido pela definição de «reutilização» que figura no artigo 7.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 96/9.

24.

Mesmo considerando que não se trata de uma remissão «para uma base de dados», mas de uma remissão para elementos individuais dessa base, concretamente as ofertas de emprego, parece‑me que o verdadeiro problema que esta questão suscita não reside nas hiperligações enquanto tais ( 21 ), mas na maneira como são selecionadas as ofertas de emprego para as quais essas hiperligações remetem.

25.

Ora, esta seleção é feita por intermédio do motor de busca especializado em ofertas de emprego fornecido pela Melons. Este motor de busca reproduz e indexa os sítios que contêm ofertas de emprego, como o sítio «CV.lv», e permite em seguida efetuar pesquisas nos conteúdos indexados ( 22 ) segundo critérios como a natureza do emprego e o local de trabalho, que são os dois critérios mais importantes na pesquisa de emprego. Trata‑se, assim, de um motor de busca especializado na pesquisa em bases de dados acessíveis na Internet, neste caso bases de dados de ofertas de emprego. Tais motores de busca são frequentemente denominados «agregadores de conteúdos». É a qualificação, do ponto de vista do artigo 7.o da Diretiva 96/9, dos resultados suscetíveis de ser obtidos pelos utilizadores por intermédio desse motor de busca que constitui a questão de direito relevante para dar uma resposta útil à primeira questão prejudicial.

26.

Com a sua segunda questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se as informações provenientes das etiquetas de metadados de um sítio Internet que alberga uma base de dados que exibe o motor de busca na Internet fornecido por um terceiro devem ser interpretadas no sentido de que estão abrangidas pela definição de «extração» que figura no artigo 7.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 96/9.

27.

A questão de saber se a reprodução e a colocação à disposição do público das etiquetas de metadados de um sítio Internet que alberga uma base de dados estão abrangidas pela definição do conceito de «extração» do conteúdo dessa base na aceção do artigo 7.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 96/9 é certamente interessante em si mesma ( 23 ). Contudo, parece‑me que esta segunda questão, tal como a primeira, se insere num problema mais geral, a saber, uma vez mais, o da apreciação do funcionamento de um motor de busca especializado do ponto de vista do direito sui generis enunciado no artigo 7.o da referida diretiva.

28.

Por estas razões, a fim de dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio, proponho analisar conjuntamente as duas questões prejudiciais, entendendo‑as no sentido de que se referem à questão de saber se, nos termos do artigo 7.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 96/9, o fabricante de uma base de dados de livre acesso na Internet tem o direito de proibir a utilização dessa base de dados por um motor de busca na Internet especializado na pesquisa de conteúdos de bases de dados (agregador de conteúdos).

Quanto à interpretação do artigo 7.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 96/9

29.

O facto de apresentar o problema da forma enunciada no n.o 28 das presentes conclusões permite ver a semelhança entre o presente processo e aquele que deu origem ao Acórdão Innoweb, no qual o Tribunal de Justiça teve oportunidade de se pronunciar sobre a qualificação, do ponto de vista do direito sui generis previsto pela Diretiva 96/9, de um metamotor de busca que permitia efetuar pesquisas em bases de dados de terceiros. A questão que se coloca, portanto, é saber se — e em que medida — a solução adotada pelo Tribunal de Justiça nesse processo é transponível para o caso em apreço.

Processo Innoweb

30.

O processo que deu origem ao Acórdão Innoweb dizia respeito a um motor de busca especializado em anúncios de venda de veículos usados. Esse motor de busca, disponível na Internet, permitia efetuar pesquisas de anúncios de veículos automóveis em sítios Internet qualificados de bases de dados protegidas pelo direito sui generis previsto na Diretiva 96/9, utilizando os formulários de pesquisa próprios dos referidos sítios Internet, daí o seu nome de «metamotor de busca». Esse metamotor de busca traduzia os pedidos dos utilizadores de maneira a serem compreensíveis para os formulários de pesquisa dos sítios Internet que continham anúncios de veículos automóveis, permitindo, assim, aos utilizadores efetuar uma pesquisa em vários sítios simultaneamente, grosso modo, segundo os mesmos critérios que os utilizados por esses sítios, a saber, as características relevantes dos veículos usados. Os resultados da pesquisa do metamotor de busca continham os anúncios disponíveis em função dos critérios escolhidos, dos quais constavam, nomeadamente, hiperligações para os sítios Internet onde esses anúncios eram inseridos ( 24 ).

31.

No seu acórdão, o Tribunal de Justiça declarou que, em circunstâncias como as do processo principal, o operador de um metamotor de busca procede à reutilização, na aceção do artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 96/9, da totalidade ou de uma parte substancial do conteúdo de uma base de dados constituída pelo sítio Internet onde esse metamotor de busca permitia efetuar pesquisas ( 25 ).

32.

Com efeito, o Tribunal de Justiça declarou, nomeadamente, que, ao permitir explorar todos os dados que figuram numa base de dados protegida, um metamotor de busca proporcionava aos seus utilizadores, que deviam ser qualificados de «público», um acesso a todo o conteúdo dessa base de dados por uma via diferente da prevista pelo seu fabricante ( 26 ). Por conseguinte, esse metamotor de busca estava próximo de um produto parasita concorrente, visado pelo considerando 42 da Diretiva 96/9, pois assemelhava‑se a uma base de dados, sem, no entanto, dispor ele próprio de dados ( 27 ). Assim, o operador de um metamotor de busca procedia intencionalmente à reutilização de uma parte substancial, ou mesmo à totalidade, do conteúdo da base de dados onde o metamotor de busca efetuava as pesquisas ( 28 ). Além disso, era irrelevante que, para aceder a toda a informação relativa a uma oferta de venda de um veículo usado, fosse necessário seguir a ligação para a respetiva base de dados de origem desse anúncio ( 29 ).

Aplicação ao presente processo

33.

Um motor de busca especializado como o fornecido pela Melons funciona de modo diferente de um metamotor de busca. Com efeito, não utiliza os formulários de pesquisa dos sítios Internet onde permite efetuar a pesquisa nem traduz em tempo real os pedidos dos seus utilizadores em critérios utilizados nesses formulários. Em vez disso, indexa regularmente esses sítios, dos quais guarda uma cópia nos seus próprios servidores. Seguidamente, graças ao seu próprio formulário de pesquisa, permite aos utilizadores efetuar pesquisas segundo os critérios que propõe, sendo esta pesquisa efetuada entre os dados que foram indexados. Nisto, o motor de busca da Melons procede de modo semelhante aos motores de busca generalistas da Internet, como o Google. A diferença é que, enquanto os motores de busca generalistas percorrem, em princípio, toda a Rede (World Wide Web), passando de uma página Internet para outra através das hiperligações contidas nessas páginas, um motor de busca especializado é programado para indexar apenas os sítios Internet do seu domínio de especialização, neste caso os sítios que contêm ofertas de emprego. Além disso, o seu método de indexação e o seu formulário de pesquisa são otimizados a fim de permitir as pesquisas e a seleção dos resultados segundo os critérios pertinentes do ponto de vista das pessoas à procura de emprego, nomeadamente o tipo de funções e o local de trabalho. Esse motor de busca utiliza, portanto, intencionalmente determinados sítios Internet, como o da CV‑Online.

34.

No entanto, no Acórdão Innoweb, o Tribunal de Justiça especificou as características de um metamotor de busca cujo funcionamento é qualificado de reutilização do conteúdo das bases de dados onde esse motor permite efetuar uma pesquisa. Essas características são o fornecimento de um formulário de pesquisa que oferece, no essencial, as mesmas funcionalidades que o formulário de pesquisa das bases de dados reutilizadas, a tradução em tempo real das pesquisas e a apresentação dos resultados por uma ordem baseada em critérios comparáveis aos utilizados por essas bases de dados, reunindo num único elemento os resultados duplicados encontrados em várias bases de dados ( 30 ).

35.

No entanto, não creio que esse acórdão possa ser interpretado a contrario, no sentido de que qualquer outro serviço prestado na Internet não procede a uma reutilização de uma base de dados pelo simples facto de não apresentar as mesmas características. O Tribunal de Justiça referiu‑se à situação em causa no processo principal, a fim de dar uma resposta precisa ao órgão jurisdicional de reenvio. Contudo, a conclusão a que o Tribunal de Justiça chegou não se baseou nos detalhes do funcionamento do metamotor de busca em causa, mas no facto de este ter permitido explorar, de maneira não prevista pelo fabricante da base de dados em causa, a totalidade do conteúdo dessa base de dados, disponibilizando assim esse conteúdo aos seus próprios utilizadores.

36.

Ora, como resulta claramente das informações contidas no pedido de decisão prejudicial e nas observações das partes, a mesma capacidade de exploração da totalidade do conteúdo de uma base de dados (ou, mais precisamente, de várias bases de dados em simultâneo) é oferecida por um motor de busca especializado como o da Melons. Este motor de busca permite efetuar pesquisas em vários sítios Internet de oferta de emprego, segundo os critérios pertinentes e sem passar pelos formulários de pesquisa próprios desses sítios. O resultado dessa pesquisa dá ao utilizador acesso às ofertas de emprego selecionadas segundo esses critérios. Na medida em que os referidos sítios Internet podem ser qualificados de bases de dados protegidas pelo direito sui generis previsto na Diretiva 96/9, o motor de busca em causa permite explorar a totalidade do conteúdo dessas bases, procedendo à reutilização desse conteúdo, no sentido dado ao termo «reutilização» pelo Tribunal de Justiça no Acórdão Innoweb. Além disso, ao indexar e ao recopiar no seu próprio servidor o conteúdo de sítios Internet, o motor de busca da Melons efetua uma extração do conteúdo das bases de dados que constituem esses sítios. O fornecimento de hiperligações para os anúncios que figuram no sítio Internet da CV‑Online e a reprodução das informações contidas nas etiquetas de metadados desse sítio, mencionadas nas questões prejudiciais, são meras manifestações externas, de importância secundária, dessa extração e dessa reutilização. A situação em causa no processo principal não difere, portanto, substancialmente, da do processo que deu origem ao Acórdão Innoweb.

37.

Deve, portanto, concluir‑se que um motor de busca que copia e indexa a totalidade ou uma parte substancial de bases de dados de livre acesso na Internet e que, seguidamente, permite aos seus utilizadores efetuar pesquisas nessas bases de dados segundo critérios pertinentes do ponto de vista do seu conteúdo procede a uma extração e a uma reutilização desse conteúdo, na aceção do artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 96/9. Todavia, não creio que a análise deva ficar por aqui. Com efeito, o direito de proibir essa extração e essa reutilização deve, na minha opinião, satisfazer condições suplementares.

Objeto e finalidade da proteção através do direito sui generis

38.

Impõe‑se referir que, no Acórdão Innoweb, o Tribunal de Justiça forneceu uma interpretação do conceito de «reutilização» que é muito protetora dos interesses dos fabricantes de bases de dados ( 31 ). Com efeito, um metamotor de busca poderia ter sido analisado como uma simples automatização da pesquisa em várias bases de dados. Ora, esta funcionalidade de pesquisa é, em qualquer caso, fornecida pelos fabricantes de bases de dados ( 32 ). O conteúdo de uma base de dados já é disponibilizado ao público pelo seu próprio fabricante, na medida em que se trate de uma base de livre acesso na Internet.

39.

Se o Tribunal de Justiça decidiu conceder aos fabricantes de bases de dados proteção contra os metamotores de busca em situações como a do processo que deu origem ao Acórdão Innoweb, foi para evitar a criação de produtos concorrentes parasitas. Com efeito, essa atividade teria comportado o risco de desviar receitas dos referidos fabricantes e privá‑los assim dos rendimentos que lhes permitiam amortizar os seus investimentos na criação e no funcionamento das bases de dados ( 33 ). Como já indiquei ( 34 ), a proteção destes investimentos constitui a ratio legis da Diretiva 96/9 ( 35 ). Na minha opinião, para alcançar os objetivos desta diretiva sem, ao mesmo tempo, prejudicar outros interesses legítimos, é necessário incorporar as preocupações que nortearam o Tribunal de Justiça no referido processo na interpretação do direito sui generis previsto no artigo 7.o da referida diretiva.

40.

Com efeito, embora o direito sui generis previsto no artigo 7.o da Diretiva 96/9 se destine a proteger os fabricantes de bases de dados contra a criação de produtos concorrentes parasitas ( 36 ), não deve, ao mesmo tempo, impedir a criação de produtos inovadores que constituam um valor acrescentado ( 37 ). Ora, pode revelar‑se difícil distinguir entre estas duas categorias de produtos. O que parecerá parasita ao fabricante de uma base de dados representará um grande valor acrescentado para os utilizadores.

41.

Os vários agregadores de conteúdos na Internet são disso um excelente exemplo. Não apenas permitem estruturar melhor e pesquisar mais eficazmente a informação na Internet como também contribuem para o bom funcionamento da concorrência e para a transparência das ofertas e dos preços. Por conseguinte, permitem uma redução dos custos para os consumidores e uma distribuição mais eficaz de recursos. Em alguns setores, os agregadores de conteúdos estiveram na origem de uma verdadeira revolução no mercado, por exemplo no do transporte aéreo de passageiros. Estes agregadores desempenham, assim, um papel não negligenciável no funcionamento da Internet e, de uma forma mais geral, no da economia digital.

42.

Ao mesmo tempo, é indiscutível que, ao enxertarem os seus serviços nos dos criadores de conteúdos na Internet, esses agregadores aproveitam‑se do esforço económico desses criadores. Ao fazê‑lo, interferem, numa medida variável, nos modelos económicos dos operadores cujo conteúdo está sujeito à agregação, como os fabricantes de bases de dados acessíveis na Internet. A questão consiste, portanto, em encontrar o justo equilíbrio entre os interesses destes operadores e os dos agregadores de conteúdos e seus utilizadores.

43.

Parece‑me que, no caso das bases de dados protegidas pelo direito sui generis nos termos do artigo 7.o da Diretiva 96/9, a intenção do legislador da União era basear esse equilíbrio no conceito de investimento do fabricante da base de dados. Assim, o critério que permite apreciar o prejuízo causado ao investimento, no sentido do risco para a possibilidade de amortizar esse investimento, como condição para a concessão da proteção pelo direito sui generis, permitiria, a meu ver, alcançar os objetivos desse direito ( 38 ) sem limitar desproporcionadamente a inovação no mercado da informação.

44.

O texto do artigo 7.o da Diretiva 96/9 permite, na minha opinião, o recurso a um critério dessa natureza. Com efeito, de acordo com o artigo 7.o, n.o 1, desta diretiva, o fabricante de uma base de dados goza do direito de proibir a extração ou a reutilização da totalidade ou de uma parte substancial do seu conteúdo, quando a obtenção, verificação ou apresentação desse conteúdo representem um investimento substancial do ponto de vista qualitativo ou quantitativo.

45.

Decorre desta formulação que o primeiro objetivo desta disposição é limitar a proteção pelo direito sui generis apenas às bases de dados cuja criação ou cujo funcionamento exigem investimentos substanciais. Este objetivo está alinhado com o da Diretiva 96/9, que é proteger e estimular esses investimentos. No entanto, esta limitação tem igualmente uma função de proteção da concorrência. Com efeito, o Tribunal de Justiça já declarou que o investimento em causa deve estar ligado, em particular, à recolha da informação que constitui o conteúdo da base de dados, não incluindo o investimento utilizado para a criação dessa informação ( 39 ). Isto permite evitar a monopolização da informação pela entidade que criou essa informação ( 40 ).

46.

Dentro do mesmo espírito, a proteção conferida pelo direito sui generis só deve ser concedida quando a extração ou a reutilização em causa afetarem o investimento na criação ou no funcionamento da base de dados para a qual a proteção é solicitada, no sentido de constituírem um risco para as possibilidades de amortizar esse investimento, nomeadamente ameaçando os rendimentos provenientes da exploração da base de dados em causa. Com efeito, o objetivo prosseguido ao limitar a proteção apenas às bases de dados que tenham implicado investimentos substanciais só seria parcialmente alcançado se essa proteção pudesse ser invocada contra condutas que não afetassem o investimento em causa.

47.

Os órgãos jurisdicionais nacionais devem, portanto, verificar não apenas se ocorreu uma extração ou uma reutilização da totalidade ou de uma parte substancial do conteúdo de uma base de dados e se a obtenção, a verificação ou a apresentação desse conteúdo correspondem a um investimento substancial, mas também se a extração ou a reutilização em causa constituem um risco para as possibilidades de amortização desse investimento. Só neste caso é que os fabricantes de bases de dados devem ter o direito de proibir a extração ou a reutilização do conteúdo das suas bases de dados.

48.

A CV‑Online afirma que as suas receitas provêm dos pagamentos feitos pelos empregadores em contrapartida dos anúncios inseridos no seu sítio Internet. Trata‑se, portanto, de um método de financiamento diferente do da base de dados em causa no processo que deu origem ao Acórdão Innoweb, que assentava na publicidade. Segundo a CV‑Online, o preço que pode cobrar a estes empregadores depende do número de pessoas que visitam o seu sítio. Ora, esse número de visitantes diminui devido à existência de serviços como o motor de busca da Melons.

49.

Contudo, primeiro, esta afirmação parece puramente hipotética e tem de ser sustentada com provas sólidas para poder servir de fundamento à alegação de que o investimento na base de dados da CV‑Online é afetado devido à existência de motores de busca especializados como o da Melons. Segundo, este motor de busca limita‑se a substituir o formulário de pesquisa do sítio Internet da CV‑Online. Em contrapartida, este sítio Internet continua a ser o intermediário necessário entre quem procura emprego e os empregadores, uma vez que apenas ele contém as informações completas sobre as ofertas de emprego bem como um dispositivo que permite aos utilizadores submeter a sua candidatura diretamente a partir desse sítio ( 41 ). Do ponto de vista dos empregadores, a eficácia da CV‑Online como nicho de pesquisa de empregos não parece, portanto, ser afetada. Por último, terceiro, o direito sui generis não se destina a proteger contra a existência de qualquer concorrência, mas contra o parasitismo comercial. A CV‑Online não pode, portanto, invocar esse direito para se opor à existência de qualquer outro motor de busca em matéria de ofertas de emprego. Tudo isso é, porém, uma questão de apreciação factual que caberá ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar.

50.

Além disso, esse órgão jurisdicional deverá também ter em conta um aspeto suplementar, a saber, a proteção da concorrência.

Aspetos relacionados com a proteção da concorrência

51.

Recordo que, nos termos do artigo 13.o da Diretiva 96/9, esta diretiva não prejudica as disposições relativas, nomeadamente, à legislação sobre concorrência desleal. Esta regra, que contém ainda uma longa lista de domínios do direito que não são afetados pela referida diretiva, pode parecer uma mera reserva ritual, presente num grande número de textos legislativos da União. No entanto, no caso da Diretiva 96/9, em particular do direito sui generis que ela institui, esta referência à concorrência desleal é de importância considerável.

52.

Com efeito, embora o referido direito sui generis revista a forma de um direito de propriedade intelectual, a sua origem reside no direito da concorrência desleal ( 42 ). O seu objetivo é proteger os fabricantes de bases de dados contra a prática característica da concorrência desleal, que é o parasitismo. No entanto, parece‑me que esta proteção não pode conduzir a outro comportamento anticoncorrencial, a saber, o abuso de posição dominante. Ora, a proteção dos fabricantes de bases de dados através do direito sui generis pode conduzir a tais práticas. Os autores da Diretiva 96/9 estavam, aliás, conscientes deste risco. A preocupação de o evitar é, portanto, expressamente evocada como a razão de ser da regra, instaurada pela Diretiva 96/9 no seu artigo 13.o, de não afetação do direito de concorrência nacional ou da União ( 43 ).

53.

O Tribunal de Justiça já teve oportunidade de declarar em várias ocasiões que o exercício do direito exclusivo que protege uma base de dados podia dar lugar a um comportamentos abusivo, no caso de essa recusa dizer respeito a informações indispensáveis ao exercício da atividade em causa, impedir o aparecimento de um produto novo para o qual existia uma procura potencial, não se justificar por considerações objetivas e ser suscetível de excluir toda a concorrência num mercado derivado ( 44 ).

54.

É verdade que essa jurisprudência dizia respeito à recusa de concessão de uma licença, ao passo que, no presente processo, está em causa uma reutilização do conteúdo de uma base de dados sem autorização do fabricante dessa base. Contudo, os processos em que o Tribunal de Justiça teve oportunidade de se pronunciar eram relativos a bases de dados protegidas pelo direito de autor, que confere ao seu titular o direito exclusivo de autorizar ou de proibir qualquer forma de exploração do objeto protegido. No caso desse direito, qualquer intromissão na esfera exclusivamente reservada ao respetivo titular constitui uma violação do referido direito. Em contrapartida, o direito sui generis previsto no artigo 7.o da Diretiva 96/9 não concede um direito exclusivo tão amplo como o direito de autor. Este artigo instaura unicamente a faculdade de o fabricante de uma base de dados proibir a extração ou a reutilização do conteúdo dessa base. É, portanto, o exercício desta faculdade que deve ser apreciado do ponto de vista da proibição de abuso de posição dominante.

55.

O sítio Internet «CV.lv» é apresentado como o mais importante sítio de anúncios de emprego na Letónia. É, portanto, concebível que a utilização da informação que contém possa ser indispensável para o exercício da atividade de agregação de ofertas de emprego na Internet nesse Estado‑Membro ( 45 ). Por conseguinte, recusar o acesso a essa informação obstaria ao aparecimento desses serviços neste mercado. Se o órgão jurisdicional de reenvio constatar que o funcionamento de motores de busca como o da Melons não afeta seriamente o investimento da CV‑Online na sua base de dados ( 46 ), isso fará desaparecer, a meu ver, a única justificação objetiva para a recusa.

56.

Por último, a recusa em causa é, obviamente, suscetível de excluir a concorrência do mercado relevante. Com efeito, em primeiro lugar, a CV‑Online exerce o seu direito de proibir a extração e a reutilização seletivas do conteúdo da sua base de dados. A própria empresa afirma que não se opõe à indexação e à reprodução do seu sítio Internet pelos motores de busca generalistas como o Google. Pelo contrário, facilita essa indexação, dotando o seu sítio de etiquetas de metadados, a fim de tornar essa indexação mais precisa e de captar os utilizadores que procuram ofertas de emprego através destes motores de busca generalistas. Em contrapartida, a CV‑Online opõe‑se ao mesmo comportamento dos motores de busca especializados como o da Melons porque podem competir com a sua própria atividade.

57.

Em segundo lugar, a CV‑Online opera não apenas no principal mercado de ofertas de emprego na Internet mas também no mercado derivado de agregadores dessas ofertas, por intermédio do seu outro sítio Internet, «Visidarbi.lv», um agregador de anúncios de emprego de diferentes fontes, um dos quais o sítio «CV.lv» ( 47 ). É, portanto, possível que o exercício pela CV‑Online do seu direito de proibir a extração e a reutilização do conteúdo do seu sítio Internet «CV.lv» se destine, na realidade, não a proteger o investimento na sua base de dados mas sim a expulsar a Melons do mercado derivado dos agregadores de ofertas de emprego.

58.

Evidentemente, os critérios estabelecidos na jurisprudência do Tribunal de Justiça aplicam‑se no âmbito do artigo 102.o TFUE. Se a conduta da CV‑Online não afetar o comércio entre Estados‑Membros, então este artigo não é aplicável. Contudo, o artigo 13.o da Diretiva 96/9 refere‑se tanto ao direito da União como ao direito nacional da concorrência. É, portanto, à luz do direito da concorrência letão que caberá ao órgão jurisdicional de reenvio determinar se a conduta da CV‑Online constitui um abuso de posição dominante. Se assim for, esse órgão jurisdicional deveria, em meu entender, extrair as consequências que decorrem desse abuso em direito de concorrência. Caso o órgão jurisdicional de reenvio considere adequado, essas consequências podem ir até recusar à CV‑Online o benefício da proteção pelo direito sui generis previsto no artigo 7.o da Diretiva 96/9.

Limitação do direito do fabricante de uma base de dados

59.

Como mencionei ( 48 ), a condição da existência de uma afetação do investimento do fabricante de uma base de dados deveria, na minha opinião, fazer parte da delimitação do direito desse fabricante de proibir a extração e a reutilização da totalidade ou de uma parte substancial do conteúdo dessa base de dados. O mesmo se diga do risco de abuso de posição dominante, uma vez que tal abuso é indiscutivelmente contrário ao objetivo do direito sui generis estabelecido pela Diretiva 96/9. Por conseguinte, proponho que o artigo 7.o, n.o 1, desta diretiva seja interpretado no sentido de que o fabricante de uma base de dados só tem o direito de proibir a extração ou a reutilização da totalidade ou de uma parte substancial do conteúdo dessa base de dados se esses atos afetarem o seu investimento na obtenção, na verificação ou na apresentação desse conteúdo, ou seja, se constituírem um risco para as possibilidades de amortização desse investimento através da exploração normal da base de dados em causa. Além disso, essa proibição não pode constituir um abuso da posição dominante do fabricante da base de dados no mercado em causa ou num mercado derivado. Caberá, evidentemente, aos órgãos jurisdicionais competentes verificar se estas condições se verificam.

Conclusão

60.

À luz de todas estas considerações, proponho dar a seguinte resposta às questões prejudiciais submetidas pelo Rīgas apgabaltiesas Civillietu tiesas kolēģija (Tribunal Regional de Riga, Secção Cível, Letónia):

O artigo 7.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 96/9/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de março de 1996, relativa à proteção jurídica das bases de dados, deve ser interpretado no sentido de que:

um motor de busca que copia e indexa a totalidade ou uma parte substancial do conteúdo de bases de dados de livre acesso na Internet e, seguidamente, permite aos seus utilizadores efetuar pesquisas nessas bases de dados segundo critérios pertinentes do ponto de vista do seu conteúdo procede a uma extração e a uma reutilização desse conteúdo na aceção desta disposição,

o fabricante de uma base de dados só tem o direito de proibir a extração ou a reutilização da totalidade ou de uma parte substancial do conteúdo dessa base se esses atos afetarem o seu investimento na obtenção, na verificação ou na apresentação desse conteúdo, ou seja, se constituírem um risco para as possibilidades de amortização desse investimento através da exploração normal da base de dados em causa, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

Os órgãos jurisdicionais nacionais devem zelar por que o exercício do direito de proibir a extração ou a reutilização da totalidade ou de uma parte substancial do conteúdo de uma base de dados não conduza a um abuso de posição dominante, na aceção do artigo 102.o TFUE ou do direito nacional da concorrência, por parte do fabricante dessa base de dados no mercado em causa ou num mercado derivado.


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) V., nomeadamente, Derclaye, E., The Legal Protection of Databases: A Comparative Analysis, Edward Elgar Publishing, Cheltenham, 2008, pp. 44 a 47.

( 3 ) V. Derclaye, E., op. cit., pp. 53 e 54.

( 4 ) V. Derclaye, E., op. cit., p. 53.

( 5 ) V. n.o 25 das presentes conclusões.

( 6 ) Acórdão de 19 de dezembro de 2013, Innoweb (C‑202/12, a seguir «Acórdão Innoweb, EU:C:2013:850).

( 7 ) JO 1996, L 77, p. 20.

( 8 ) Latvijas Vēstnesis, 2000, n.o 148/150.

( 9 ) Latvijas Vēstnesis, 2004, n.o 69.

( 10 ) Bing, Google, Yahoo e Yandex.

( 11 ) V. n.o 28 das presentes conclusões.

( 12 ) Acórdão de 9 de novembro de 2004, Fixtures Marketing (C‑444/02, EU:C:2004:697, n.o 29).

( 13 ) Acórdão de 9 de novembro de 2004, Fixtures Marketing (C‑444/02, EU:C:2004:697, n.o 33).

( 14 ) Acórdão de 9 de novembro de 2004, Fixtures Marketing (C‑444/02, EU:C:2004:697, n.o 30).

( 15 ) O facto de se subordinar a proteção de uma base de dados à existência de um investimento substancial distingue o direito sui generis estabelecido no artigo 7.o da Diretiva 96/9 de certos direitos conexos ao direito de autor, cujo objetivo principal é também recompensar um investimento, mas que não incluem essa condição (como o direito dos produtores de fonogramas em causa no processo que deu origem ao Acórdão de 29 de julho de 2019, Pelham e o. (C‑476/17, EU:C:2019:624).

( 16 ) V. considerandos 39 a 42 da Diretiva 96/9.

( 17 ) V., neste sentido, Acórdão de 9 de novembro de 2004, The British Horseracing Board e o. (C‑203/02, EU:C:2004:695, n.o 69).

( 18 ) Acórdão de 9 de novembro de 2004, Fixtures Marketing (C‑338/02, EU:C:2004:696, n.o 24).

( 19 ) Acórdão de 9 de novembro de 2004, Fixtures Marketing (C‑338/02, EU:C:2004:696, n.o 27).

( 20 ) Acórdão de 9 de novembro de 2004, Fixtures Marketing (C‑338/02, EU:C:2004:696, n.o 27).

( 21 ) Embora o Tribunal de Justiça tenha considerado que as hiperligações, entre as quais as «ligações diretas», não constituem uma violação do direito de colocação à disposição do público nos termos do artigo 3.o da Diretiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação (JO 2001, L 167, p. 10) (Acórdão de 13 de fevereiro de 2014, Svensson e o., C‑466/12, EU:C:2014:76), não vejo por que razão tais hiperligações constituiriam uma violação do direito de reutilização do conteúdo de uma base de dados acessível na Internet, uma vez que esta reutilização é definida como «qualquer forma de pôr à disposição do público» tal conteúdo.

( 22 ) Segundo a descrição do funcionamento deste motor de busca dada na audiência pela CV‑Online e não contestada pela Melons.

( 23 ) A este respeito, podem encontrar‑se algumas indicações na jurisprudência do Tribunal de Justiça. Designadamente, este último declarou que os conceitos de «extração» e de «reutilização», na aceção do artigo 7.o da Diretiva 96/9, não podem ser circunscritos aos casos de extração e de reutilização operadas diretamente a partir da base de origem nem pressupõem um acesso direto a essa base (Acórdão de 9 de novembro de 2004, The British Horseracing Board e o., C‑203/02, EU:C:2004:695, n.os 52 e 53). Parece‑me que isto responde ao argumento principal da Melons, segundo o qual as etiquetas de metadados de que dispõe o sítio Internet da CV‑Online não constituem uma parte da sua base de dados. No entanto, falta determinar se as informações que essas etiquetas contêm constituem uma parte substancial do conteúdo dessa base de dados.

( 24 ) V. Acórdão Innoweb, n.os 9 a 11, 25 e 26.

( 25 ) Acórdão Innoweb, dispositivo.

( 26 ) Acórdão Innoweb, n.os 40 e 51.

( 27 ) Acórdão Innoweb, n.o 48.

( 28 ) Acórdão Innoweb, n.os 52 e 53.

( 29 ) Acórdão Innoweb, n.os 44 e 45.

( 30 ) Acórdão Innoweb, dispositivo.

( 31 ) Demasiado protetor até, de acordo com alguns autores. V., nomeadamente, Husovec, M., «The End of (Meta) Search Engines in Europe?», Chicago‑Kent Journal of Intellectual Property, 2014, n.o 1, pp. 145 a 172.

( 32 ) E transforma uma amálgama de informações numa base de dados, tornando os seus elementos individualmente acessíveis, como exigido pelo artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 96/9 (v. Acórdão de 9 de novembro de 2004, Fixtures Marketing, C‑444/02, EU:C:2004:697, n.o 31).

( 33 ) Acórdão Innoweb, n.os 41 a 43 e 48).

( 34 ) V. n.o 19 das presentes conclusões.

( 35 ) V. considerandos 7 a 12, 40 e 41 desta diretiva.

( 36 ) V. considerando 42 desta diretiva.

( 37 ) V. considerando 47 desta diretiva.

( 38 ) Importa fazer uma distinção entre o objeto da proteção pelo direito sui generis, a saber, o conteúdo da base de dados, e o objetivo dessa proteção, a saber, o investimento.

( 39 ) V., nomeadamente, Acórdão de 9 de novembro de 2004, The British Horseracing Board e o. (C‑203/02, EU:C:2004:695, n.o 1, primeiro parágrafo, do dispositivo).

( 40 ) V., nomeadamente, Derclaye, E., op. cit., p. 94.

( 41 ) Este último dispositivo não faz parte da base de dados, mas é um serviço suplementar. Contribui, no entanto, para a exploração normal da sua base de dados pela CV‑Online. Esta exploração não é afetada, neste aspeto, pela existência do motor de busca da Melons.

( 42 ) V. proposta de diretiva do Conselho relativa à proteção jurídica das bases de dados [COM(92) 24 final, pontos 5.3.6 a 5.3.10, p. 35].

( 43 ) Segundo o considerando 47 da Diretiva 96/9, «a proteção pelo direito sui generis não deverá ser exercida de molde a facilitar abusos de posição dominante [...] desde logo, as disposições da presente diretiva não prejudicam a aplicação das regras sobre concorrência, comunitárias ou nacionais».

( 44 ) Acórdão de 29 de abril de 2004, IMS Health (C‑418/01, EU:C:2004:257, n.os 35 e 37 e jurisprudência referida).

( 45 ) De facto, essa atividade é de pouca utilidade para os utilizadores se o principal operador do mercado não aparecer nos resultados agregados.

( 46 ) V. n.os 48 e 49 das presentes conclusões.

( 47 ) Embora o representante da CV‑Online, interrogado acerca deste sítio na audiência, tenha declarado que não estava mandatado para falar sobre o assunto, as informações contidas no sítio «Visidarbi.lv» indicam claramente que se trata de um agregador de ofertas de emprego na Internet pertencente à CV‑Online. O funcionamento deste agregador é apresentado em pormenor pelo seu fabricante no seguinte endereço: https://arkbauer.com/portfolio/building‑a‑brand‑new‑visidarbi‑lv‑job‑portal‑and‑aggregator/.

( 48 ) V. n.os 39 a 47 das presentes conclusões.