CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MACIEJ SZPUNAR

apresentadas em 1 de julho de 2021 ( 1 )

Processo C‑638/19 P

Comissão Europeia

contra

European Food SA,

Starmill SRL,

Multipack SRL,

Scandic Distilleries SA,

Ioan Micula,

Viorel Micula,

European Drinks SA,

Rieni Drinks SA,

Transilvania General Import‑Export SRL,

West Leasing SRL, anteriormente West Leasing International SRL

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Auxílio de Estado — Arbitragem — Auxílio resultante do pagamento de uma indemnização atribuída a determinados operadores económicos por um tribunal arbitral — Tratado bilateral de investimento — Aplicação do direito da União»

I. Introdução

1.

O choque violento entre o direito da União e o direito da arbitragem de investimento suscitou várias questões a que o Acórdão Achmea ( 2 ) não foi capaz de responder. Assim, o presente processo, representativo desta relação conflituosa, proporciona ao Tribunal de Justiça uma excelente oportunidade, recordando a lógica subjacente a esse acórdão, de precisar mais ainda os princípios que regem a questão da compatibilidade com o direito da União dos processos arbitrais baseados em tratados bilaterais de investimento celebrados entre dois Estados‑Membros, no contexto específico de um processo arbitral iniciado com fundamento num tratado bilateral de investimento celebrado entre dois Estados‑Membros antes da adesão do Estado parte na arbitragem à União Europeia.

2.

Este processo, que se situa na intersecção entre a arbitragem de investimento e o direito dos auxílios de Estado, constitui igualmente uma oportunidade de examinar a questão do alcance da competência da Comissão Europeia nos termos dos artigos 107.o e 108.o TFUE em tal contexto.

3.

Com o seu recurso, a Comissão Europeia pede a anulação do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 18 de junho de 2019, European Food SA e o./Comissão (T‑624/15, T‑694/15 e T‑704/15, a seguir acórdão recorrido, EU:T:2019:423), pelo qual este anulou a Decisão (UE) 2015/1470 da Comissão, de 30 de março de 2015, relativa ao auxílio estatal SA.38517 (2014/C) (ex 2014/NN) aplicado pela Roménia — Sentença arbitral Micula contra Roménia, de 11 de dezembro de 2013 (JO 2015, L 232, p. 43, a seguir «decisão controvertida»).

II. Quadro jurídico

A. Convenção CIRDI

4.

A Convenção Internacional sobre a Resolução de Diferendos relativos aos Investimentos entre os Estados e os nacionais de outros Estados de 18 de março de 1965 (a seguir «Convenção CIRDI»), que entrou em vigor em relação à Roménia em 12 de outubro de 1975, dispõe, no seu artigo 53.o, n.o 1:

«A sentença será obrigatória para as partes e não poderá ser objeto de apelação ou qualquer outro recurso, exceto os previstos na presente Convenção. Cada parte deverá acatar os termos da sentença […]»

5.

O artigo 54.o, n.o 1, da Convenção CIRDI prevê:

«Cada Estado Contratante reconhecerá a obrigatoriedade da sentença dada em conformidade com a presente Convenção e assegurará a execução no seu território das obrigações pecuniárias impostas por essa sentença como se fosse uma decisão final de um tribunal desse Estado […]»

B. Acordo de 1995

6.

O Acordo Europeu que cria uma Associação entre as Comunidades Europeias e os seus Estados‑Membros, por um lado, e a Roménia, por outro ( 3 ) (a seguir «Acordo de 1995»), que entrou em vigor em 1 de fevereiro de 1995, previa, no seu artigo 64.o, n.os 1 e 2:

«1.   São incompatíveis com o bom funcionamento do acordo, na medida em que possam afetar o comércio entre a Comunidade e Roménia:

[…]

[iii)]

Qualquer auxílio de Estado que falseie ou ameace falsear a concorrência, favorecendo certas empresas ou certas produções.

2.   Quaisquer práticas contrárias ao presente artigo serão examinadas com base em critérios decorrentes da aplicação das regras dos artigos [101.o, 102.o e 107.o TFUE]».

7.

Os artigos 69.o e 71.o do Acordo de 1995 obrigavam a Roménia a alinhar a sua legislação nacional pelo acervo comunitário.

C. TBI

8.

O Tratado bilateral de investimento celebrado em 29 de maio de 2002 entre o Governo do Reino da Suécia e o Governo romeno para a promoção e a proteção recíproca dos investimentos, concluído em 29 de maio de 2002 (a seguir «TBI»), entrou em vigor em 1 de julho de 2003 e dispõe, no seu artigo 2.o, n.o 3:

«Cada parte contratante garante, a todo o momento, um tratamento justo e equitativo aos investimentos dos investidores da outra parte contratante e não cria obstáculos, através de medidas arbitrárias ou discriminatórias, à administração, gestão, manutenção, utilização, gozo ou cessão dos referidos investimentos pelos mencionados investidores.»

9.

O artigo 7.o TBI prevê que os diferendos entre os investidores e os países signatários são dirimidos, nomeadamente, por um tribunal arbitral colocado sob a égide da Convenção CIRDI.

D. Tratado de adesão e ato de adesão

10.

Por força do Tratado relativo à adesão da República da Bulgária e da Roménia à União Europeia ( 4 ), assinado em 25 de abril de 2005, a Roménia aderiu à União em 1 de janeiro de 2007.

11.

O artigo 2.o do Ato relativo às condições de adesão da República da Bulgária e da Roménia e às adaptações dos tratados em que se funda a União Europeia ( 5 ) (a seguir «ato de adesão») dispõe:

«A partir da data da adesão, as disposições dos Tratados originários e os atos adotados pelas Instituições […] antes da adesão vinculam […] a Roménia e são aplicáveis [nesse Estado] nos termos desses Tratados e do presente Ato.»

12.

O capítulo 2 do anexo V do ato de adesão, sob a epígrafe «Política de concorrência», inclui as disposições seguintes:

«1.

Os regimes de auxílio e os auxílios individuais a seguir indicados em execução num novo Estado‑Membro antes da data da adesão e que continuem a ser aplicáveis depois dessa data devem ser considerados, no momento da adesão, auxílios existentes na aceção do n.o 1 do artigo [108.o] [TFUE]:

a)

Medidas de auxílio em execução antes de 10 de dezembro de 1994;

b)

Medidas de auxílio enumeradas no Apêndice ao presente Anexo;

c)

Medidas de auxílio que, antes da data da adesão, tenham sido avaliadas pela autoridade de controlo dos auxílios estatais do novo Estado‑Membro e consideradas compatíveis com o acervo, e às quais a Comissão não tenha levantado objeções motivadas por sérias dúvidas quanto à compatibilidade das medidas com o mercado [interno], nos termos do ponto 2.

Todas as medidas ainda aplicáveis após a data da adesão que constituam um auxílio estatal e não preencham as condições acima enunciadas são consideradas novos auxílios no momento da adesão, para efeitos do n.o 3 do artigo [108.o] [TFUE].

[…]

5.

No que se refere à Roménia, a alínea c) do ponto 1 só será aplicável às medidas de auxílio avaliadas pela autoridade nacional de controlo dos auxílios estatais após a data, decidida pela Comissão com base num exame permanente dos compromissos assumidos pela Roménia no contexto das negociações de adesão, em que a Roménia tenha atingido um nível satisfatório em matéria de aplicação da lei no domínio dos auxílios estatais no período anterior à adesão. Considera‑se que foi atingido um nível satisfatório quando a Roménia demonstrar que procede à execução coerente do controlo completo e adequado dos auxílios estatais em relação a todas as medidas de auxílio concedidas na Roménia, incluindo a aprovação e a implementação, por parte da autoridade nacional de controlo dos auxílios estatais, de decisões plena e corretamente fundamentadas que comportem uma avaliação precisa da natureza de auxílio estatal de cada medida e uma aplicação correta do critério de compatibilidade.

A Comissão pode levantar objeções, motivadas por sérias dúvidas quanto à compatibilidade com o mercado [interno], a quaisquer medidas de auxílio concedido no período de pré‑adesão entre 1 de setembro de 2004 e a data estabelecida na decisão da Comissão referida supra, na qual se constata que a aplicação da lei em matéria de execução dos auxílios estatais atingiu um nível satisfatório. A decisão da Comissão de levantar objeções a uma medida será considerada uma decisão de início de um procedimento formal de investigação, na aceção do Regulamento (CE) n.o 659/1999 [ ( 6 )]. Se for tomada antes da data da adesão, essa decisão apenas produzirá efeitos a partir da data da adesão.

Sempre que aprovar uma decisão negativa após o início de um procedimento formal de investigação, a Comissão deve decidir que a Roménia deverá tomar todas as medidas necessárias para que o auxílio seja recuperado. O auxílio a recuperar deverá incluir juros a uma taxa adequada determinada de acordo com o Regulamento (CE) n.o 794/2004 [ ( 7 )], exigíveis a partir da mesma data.»

III. Antecedentes do litígio e decisão controvertida

13.

Os antecedentes do litígio foram expostos nos n.os 1 a 42 do acórdão recorrido e, para efeitos do presente processo, podem ser resumidos da seguinte forma.

14.

Em 2 de outubro de 1998, as autoridades romenas aprovaram o Decreto Governamental de Emergência n.o 24/1998 (a seguir «DGE 24»), que concede a certos investidores de regiões desfavorecidas, os quais tinham obtido um certificado de investidor permanente uma série de incentivos, entre os quais, nomeadamente, facilidades como a isenção de direitos aduaneiros e do imposto sobre o valor acrescentado para as máquinas e o reembolso dos direitos aduaneiros relativos às matérias‑primas, bem como a isenção do imposto sobre as sociedades enquanto a zona em causa fosse designada como região desfavorecida.

15.

Por Decisão de 25 de março de 1999, aplicável a partir de 1 de abril de 1999, o Governo romeno declarou a zona mineira Ştei‑Nucet, departamento de Bihor, região desfavorecida por um período de 10 anos.

16.

Para cumprir a obrigação de alinhamento prevista no Acordo de 1995 que recai sobre si, a Roménia aprovou em 1999 a Lei n.o 143/1999, relativa aos auxílios de Estado, que entrou em vigor em 1 de janeiro de 2000. Esta lei, que reproduzia a definição de auxílios de Estado prevista no artigo 64.o do Acordo de 1995 e no atual artigo 107.o TFUE, designou o Consiliul Concurenţei (Conselho da Concorrência, Roménia) enquanto autoridade nacional encarregada de supervisionar os auxílios de Estado, competente para apreciar a compatibilidade dos auxílios de Estado concedidos pela Roménia às empresas.

17.

Em 15 de maio de 2000, o Conselho da Concorrência adotou a Decisão n.o 244/2000, na qual estabeleceu que vários dos incentivos concedidos ao abrigo do DGE 24 deviam ser considerados auxílios de Estado e ser suprimidos.

18.

Em 1 de julho de 2000, o Despacho Governamental de Emergência n.o 75/2000 (a seguir «DGE 75») alterou o DGE 24 (a seguir, considerados em conjunto, «DGE»).

19.

O Conselho da Concorrência contestou, no âmbito do recurso que interpôs na Curtea de Apel București (Tribunal de Recurso de Bucareste, Roménia) o facto de, não obstante a adoção do Decreto Governamental de Emergência n.o 75/2000, a sua Decisão n.o 244/2000 não ter sido cumprida. Foi negado provimento a este recurso por decisão de 26 de janeiro de 2001 e esta decisão foi confirmada pela Înalta Curte de Casație şi Justiție (Tribunal Superior de Cassação e de Justiça, Roménia) por Decisão de 19 de fevereiro de 2002.

20.

Ioan e Viorel Micula, recorrentes em primeira instância, são cidadãos suecos residentes na Roménia e os acionistas maioritários do European Food and Drinks Group, cuja atividade está ligada à produção de alimentos e de bebidas na região de Ştei‑Nucet, departamento de Bihor (Roménia). As sociedades European Food SA, Starmill SRL, Multipack SRL, Scandic Distilleries SA, European Drinks SA, Rieni Drinks SA, Transilvania General Import‑Export SRL e West Leasing SRL (anteriormente West Leasing International SRL), recorrentes em primeira instância, pertencem à sociedade European Food and Drinks Group.

21.

Com base nos certificados de investidores permanentes, obtidos em 1 de junho de 2000 pela European Food e em 17 de maio de 2002 pela Starmill e pela Multipack, estas sociedades fizeram alguns investimentos na zona mineira Ștei‑Nucet.

22.

Em fevereiro de 2000, a Roménia iniciou as negociações de adesão à União. No contexto destas negociações, a União, na Posição Comum de 21 de novembro de 2001, declarou que havia na Roménia «uma série de regimes de auxílios existentes, bem como regimes de auxílios novos incompatíveis, que não [tinham] sido alinhados com o acervo», incluindo as «facilidades concedidas por força do [DGE]».

23.

Em 26 de agosto de 2004, especificando que, «[a] fim de respeitar os critérios previstos nas regras comunitárias relativas aos auxílios de Estado e finalizar as negociações relativas ao capítulo n.o 6 (Política em matéria de concorrência), [era] necessário eliminar todas as formas de auxílio de Estado previstas pela legislação nacional que [fossem] incompatíveis com o acervo comunitário na matéria», a Roménia revogou todos os incentivos concedidos ao abrigo do DGE, com exceção da facilidade relativa ao imposto sobre as sociedades. Esta revogação entrou em vigor em 22 de fevereiro de 2005.

24.

Em 1 de janeiro de 2007, a Roménia aderiu à União.

25.

Em 28 de julho de 2005, cinco dos recorrentes em primeira instância, a saber, Ioan Micula e Viorel Micula, a European Food, a Starmill e a Multipack (a seguir «demandantes na arbitragem»), pediram a constituição de um tribunal arbitral, em conformidade com o artigo 7.o TBI, tendo em vista a obtenção de uma indemnização pelos prejuízos causados pela revogação dos incentivos previstos pelo DGE.

26.

Na sentença arbitral de 11 de dezembro de 2013 (a seguir «sentença arbitral»), o tribunal arbitral concluiu que, ao revogar os incentivos previstos pelo DGE, a Roménia não conseguiu garantir o tratamento justo e equitativo dos investimentos e atribuiu aos demandantes na arbitragem uma indemnização a pagar pela Roménia no montante de 791882452 lei romenos (RON) (cerca de 178 milhões de euros).

27.

Em 31 de janeiro de 2014, os serviços da Comissão informaram as autoridades romenas de que qualquer cumprimento ou execução da sentença arbitral constituiria um novo auxílio e deveria ser objeto de uma notificação dirigida à Comissão.

28.

Em 20 de fevereiro de 2014, as autoridades romenas informaram os serviços da Comissão sobre o pagamento de uma parte da indemnização que o tribunal arbitral tinha atribuído aos demandantes na arbitragem, através de compensação com os impostos devidos às autoridades romenas pela European Food.

29.

Em 26 de maio de 2014, a Comissão adotou a Decisão C (2014) 3192, intimando a Roménia, ao abrigo do disposto no artigo 11.o, n.o 1, do Regulamento n.o 659/1999, a suspender imediatamente qualquer ação que pudesse levar ao cumprimento ou à execução da sentença arbitral, com o fundamento de que se afigurava que tal ação constituía um auxílio de Estado ilegal, até a Comissão adotar uma decisão final sobre a compatibilidade desse auxílio de Estado com o mercado interno.

30.

Por ofício de 1 de outubro de 2014, a Comissão informou a Roménia da sua decisão de dar início ao procedimento formal de investigação previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE no que diz respeito à execução parcial, pela Roménia, da sentença arbitral no início de 2014, bem como a qualquer cumprimento ou execução ulterior da mesma.

31.

Segundo as autoridades romenas, a sentença arbitral foi integralmente cumprida.

32.

Em 30 de março de 2015, a Comissão adotou a decisão controvertida, na qual considerou que o pagamento da indemnização atribuída pelo tribunal arbitral à unidade económica única composta por Ioan e Viorel Micula, European Food, Starmill, Multipack, Scandic Distilleries, European Drinks, Rieni Drinks, Transilvania General Import Export e West Leasing constituía um auxílio de Estado na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE e devia ser recuperado.

IV. Tramitação do processo no Tribunal Geral e acórdão recorrido

33.

Por petições apresentadas na Secretaria do Tribunal Geral, respetivamente, em 6, 30 e 28 de novembro de 2015, a European Food, a Starmill, a Multipack e a Scandic Distilleries, no processo T‑624/15, Ioan Micula, no processo T‑694/15, e Viorel Micula, assim como a European Drinks, a Rieni Drinks, a Transilvania General Import‑Export e a West Leasing, no processo T‑704/15, interpuseram recursos de anulação da decisão controvertida. O Tribunal Geral admitiu as intervenções do Reino de Espanha e da Hungria em apoio dos pedidos da Comissão. Nos termos do artigo 68.o do seu Regulamento de Processo, o Tribunal Geral apensou esses três processos para efeitos da decisão que põe termo à instância.

34.

Em apoio de cada um dos recursos em primeira instância, os recorrentes invocaram oito fundamentos, alguns dos quais articulados em várias partes.

35.

Com o acórdão recorrido, o Tribunal Geral, por um lado, julgou procedente a primeira parte do segundo fundamento apresentada nos processos T‑624/15 e T‑694/15, e a primeira parte do primeiro fundamento apresentada no processo T‑704/15, relativas à incompetência da Comissão e à inaplicabilidade do direito da União a uma situação anterior à adesão da Roménia à União. A este respeito, o Tribunal Geral declarou, nos n.os 59 a 93 desse acórdão, que, ao adotar a decisão controvertida, a Comissão tinha aplicado retroativamente as competências que detinha, nos termos do artigo 108.o TFUE e do Regulamento n.o 659/1999, a factos anteriores a essa adesão e que, assim, a Comissão não podia qualificar a medida em causa de «auxílio de Estado», na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

36.

Por outro lado, o Tribunal Geral julgou procedente a segunda parte do segundo fundamento, apresentada nos processos T‑624/15 e T‑694/15, e a primeira parte do segundo fundamento apresentada no processo T‑704/15, relativas à qualificação errada de «vantagem» e de «auxílio», na aceção do artigo 107.o TFUE, da sentença arbitral. A este respeito, o Tribunal Geral declarou, nos n.os 94 a 111 do acórdão recorrido, que a decisão controvertida estava ferida de ilegalidade na medida em que qualificava como «vantagem» e «auxílio», na aceção desta disposição, a atribuição, pelo tribunal arbitral, de uma indemnização destinada a ressarcir os danos resultantes da revogação de medidas de incentivos fiscais, pelo menos relativamente ao período anterior à data de entrada em vigor do direito da União na Roménia.

37.

Por conseguinte, o Tribunal Geral anulou a decisão controvertida na íntegra, sem examinar as outras partes desses fundamentos nem os outros fundamentos.

V. Tramitação do processo no Tribunal de Justiça e pedidos formulados pelas partes

38.

Com o seu recurso, a Comissão, apoiada pela República da Polónia, pede que o Tribunal de Justiça:

anule o acórdão recorrido;

julgue improcedente a primeira parte do primeiro fundamento e a primeira parte do segundo fundamento invocadas no processo T‑704/15, bem como a primeira e a segunda partes do segundo fundamento invocadas nos processos T‑624/15 e T‑694/15;

remeta os processos apensos T‑624/15, T‑694/15 e T‑704/15 ao Tribunal Geral; e

reserve para final a decisão quanto às despesas.

39.

O Reino de Espanha, na sua contestação, pede que o Tribunal de Justiça:

dê provimento ao recurso, anule o acórdão recorrido e julgue inadmissível o recurso em primeira instância; e

a título subsidiário, dê provimento ao recurso, anule o acórdão recorrido e negue provimento ao recurso em primeira instância.

40.

A European Food, a Starmill, a Multipack e a Scandic Distilleries, bem como Ioan Micula (a seguir «European Food e o.»), pedem que o Tribunal de Justiça:

negue provimento ao recurso;

a título subsidiário, anule a decisão controvertida;

a título mais subsidiário, remeta os processos ao Tribunal Geral; e

condene a Comissão e os intervenientes a suportarem as suas próprias despesas, bem como as despesas da European Food e o. relativas ao processo em primeira instância e ao processo do presente recurso.

41.

Viorel Micula, a European Drinks, a Rieni Drinks, a Transilvania General Import‑Export e a West Leasing (a seguir «Viorel Micula e o.») pedem que o Tribunal de Justiça:

negue provimento ao presente recurso;

a título subsidiário, julgue procedente o segundo fundamento em primeira instância invocado no processo T‑704/15 e, por conseguinte, anule a decisão controvertida;

a título mais subsidiário, remeta os processos ao Tribunal Geral;

condene a Comissão a suportar as suas próprias despesas, bem como as despesas de Viorel Micula e o. relativas ao processo em primeira instância e ao processo do presente recurso; e

condene a Hungria e o Reino de Espanha nas suas próprias despesas relativas ao processo em primeira instância e ao processo do presente recurso.

42.

Com o seu recurso subordinado, o Reino de Espanha, apoiado pela República da Polónia, pede que o Tribunal de Justiça:

anule o acórdão recorrido;

julgue inadmissível o recurso em primeira instância; e

condene a European Food e o. e Viorel Micula e o. nas despesas.

43.

A Comissão pede que seja dado provimento ao recurso subordinado.

44.

A European Food e o. e Viorel Micula e o. pedem que seja negado provimento ao recurso subordinado e que o Reino de Espanha, a Comissão e os intervenientes sejam condenados nas suas próprias despesas relativas ao recurso subordinado e que o Reino de Espanha seja condenado nas despesas da European Food e o. e de Viorel Micula e o. no âmbito do recurso subordinado.

45.

A Comissão, o Reino de Espanha, a República da Polónia, a European Food e o. e Viorel Micula e o. apresentaram no Tribunal de Justiça observações escritas sobre o presente recurso e sobre o presente recurso subordinado.

46.

Na audiência realizada em 20 de abril de 2021, foram apresentadas observações orais em nome da Comissão, da República Federal da Alemanha, do Reino de Espanha, da República da Letónia, da República da Polónia, da European Food e o., e de Viorel Micula e o.

VI. Análise

47.

Iniciarei a minha análise com o exame do recurso subordinado relativo à compatibilidade com o direito da União de processos arbitrais baseados num TBI intra‑UE, que, caso lhe seja dado provimento, implicaria a inadmissibilidade do recurso em primeira instância. Uma vez que entendo que os fundamentos invocados em apoio do recurso subordinado devem ser julgados improcedentes, prosseguirei esta análise com o exame do recurso principal, que trata da questão da competência da Comissão em matéria de auxílios de Estado no âmbito da adesão de um Estado à União.

A. Quanto ao recurso subordinado

48.

Com o seu recurso subordinado, o Reino de Espanha, apoiado pela Comissão e pela República da Polónia nas suas observações escritas, alega que o processo arbitral em causa e a decisão arbitral subsequente violam o princípio da confiança mútua e a autonomia do direito da União, segundo os princípios consagrados pelo Tribunal de Justiça no Acórdão Achmea. Daqui decorre que os recorrentes em primeira instância não tinham qualquer interesse legítimo em agir, uma vez que pretendiam obter a anulação da decisão controvertida tendo em vista a execução de uma decisão arbitral contrária ao artigo 19.o TUE e aos artigos 267.o e 344.o TFUE.

1.   Quanto à admissibilidade do recurso subordinado

49.

A European Food e o. e Viorel Micula e o. alegam que o recurso subordinado interposto pelo Reino de Espanha é inadmissível.

50.

Em primeiro lugar, o Reino de Espanha não tem legitimidade para participar no processo enquanto recorrido no recurso, na aceção do artigo 172.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, e, assim, não podia nele participar na qualidade de recorrente no recurso subordinado.

51.

A este respeito, saliento que a European Food e o. e Viorel Micula e o., por cartas de 17 de março de 2020, pediram ao Tribunal de Justiça que o Reino de Espanha fosse excluído do presente processo enquanto parte no mesmo, com o fundamento de que este Estado‑Membro não demonstra um interesse em que seja dado ou negado provimento ao recurso, na aceção do artigo 172.o do Regulamento de Processo Por carta de 29 de março de 2020, a Secretaria do Tribunal de Justiça, na sequência da decisão do presidente do Tribunal de Justiça, ouvidos o juiz‑relator e o advogado‑geral, informou as partes do indeferimento do seu pedido com o fundamento, em substância, de que, tendo sido autorizado, enquanto Estado‑Membro, a intervir em primeira instância, ao abrigo do artigo 40.o do Estatuto do Tribunal de Justiça, o Reino de Espanha dispunha automaticamente de um interesse em que fosse dado ou negado provimento ao recurso.

52.

Com efeito, por um lado, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o indeferimento, pelo Tribunal Geral, dos pedidos que lhe foram apresentados é suficiente, no que respeita à parte em causa, para justificar um interesse em que seja dado ou negado provimento ao recurso ( 8 ). Na medida em que o Reino de Espanha pediu, no Tribunal Geral, que fosse negado provimento aos recursos dos recorrentes em primeira instância, esse Estado‑Membro dispõe necessariamente de um interesse em que seja dado ou negado provimento ao recurso, na aceção do artigo 172.o do Regulamento de Processo.

53.

Por outro lado, em todo o caso, o artigo 40.o, primeiro parágrafo, e o artigo 56.o, terceiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça conferem aos Estados‑Membros o estatuto de «recorrentes privilegiados» que os dispensa de demonstrar interesse para interpor um recurso — e, por conseguinte, a fortiori, um recurso subordinado — nos órgãos jurisdicionais da União ( 9 ).

54.

Em segundo lugar, nos termos do artigo 178.o, n.o 3, do Regulamento de Processo, o recurso subordinado é inadmissível na medida em que, por um lado, se limita a reproduzir os mesmos argumentos que o Reino de Espanha apresentou na resposta ao recurso principal ou a fazer referência a desenvolvimentos formulados no âmbito deste e, por outro, visa simultaneamente alargar o objeto do litígio.

55.

É verdade que os argumentos formulados por este Estado‑Membro no recurso subordinado e na resposta ao recurso são semelhantes. No entanto, importa sublinhar que, através do recurso subordinado, o Reino de Espanha põe em causa a admissibilidade do recurso interposto no Tribunal Geral. Ora, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, este tem a obrigação de se pronunciar, se necessário oficiosamente, sobre a admissibilidade do recurso em primeira instância ( 10 ).

56.

Por conseguinte, mesmo admitindo que existem sobreposições entre a resposta do Reino de Espanha e o recurso subordinado, o Tribunal de Justiça é obrigado a conhecer oficiosamente da questão da admissibilidade, uma vez que esta é suscetível de ser discutida se a argumentação desse Estado‑Membro, apoiado pela Comissão, pela República Federal da Alemanha, pela República da Letónia e pela República da Polónia, fosse julgada procedente.

57.

Nestas condições, considero que, em todo o caso, há que analisar os diferentes argumentos invocados no âmbito do recurso subordinado através dos quais o Reino de Espanha pretende demonstrar a inadmissibilidade do recurso em primeira instância.

2.   Quanto ao mérito do recurso subordinado

58.

O Reino de Espanha invoca três argumentos em apoio do fundamento relativo à incompatibilidade do processo arbitral em causa com o direito da União, a qual implica a inadmissibilidade do recurso de anulação no Tribunal Geral.

59.

Admito ter algumas dúvidas quanto ao impacto da incompatibilidade do processo arbitral em causa no interesse em agir da European Food e o. e de Viorel Micula e o. e quanto à admissibilidade do recurso no Tribunal Geral ( 11 ). No entanto, como irei demonstrar, o argumento relativo à incompatibilidade da sentença arbitral com o direito da União deve ser julgado improcedente, pelo que não é necessário examinar a questão do seu impacto na situação dos recorrentes.

60.

Iniciarei a análise do recurso subordinado pelo estudo dos dois primeiros argumentos invocados pelo Reino de Espanha, que, em substância, militam a favor da aplicação ao processo arbitral em causa dos princípios enunciados pelo Tribunal de Justiça no Acórdão Achmea, que se tornou possível pela adesão da Roménia à União.

61.

Em seguida, analisarei o último argumento do primeiro fundamento do recurso subordinado, que se afasta da problemática dos TBI intra‑UE e visa a questão da compatibilidade com a ordem jurídica da União de um mecanismo de resolução de litígios entre Estados‑Membros e Estados terceiros.

a)   Alcance do Acórdão Achmea no que respeita a um processo arbitral iniciado com base num TBI celebrado entre dois Estados‑Membros antes da adesão à União do Estado parte na arbitragem e pendente no momento dessa adesão

62.

O Reino de Espanha, a Comissão, a República Federal da Alemanha, a República da Letónia e a República da Polónia alegam que, tendo em conta os princípios enunciados pelo Tribunal de Justiça no Acórdão Achmea, o processo arbitral em causa é incompatível com o direito da União.

63.

Em primeiro lugar, estas partes alegam que o processo arbitral em causa deve ser considerado, a partir da data da adesão da Roménia à União, uma arbitragem «intra‑UE».

64.

Em segundo lugar, o tribunal arbitral constituído com base no TBI que vincula o Reino da Suécia e a Roménia deveria interpretar ou aplicar o direito da União, e mais especificamente o Acordo de 1995. Ora, resulta do Acórdão Achmea que o direito da União se opõe a um mecanismo de resolução de litígios previsto por um TBI celebrado entre dois Estados‑Membros e que implica que um tribunal arbitral, fora do sistema jurisdicional da União e não sujeito à fiscalização de um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro, possa interpretar ou aplicar o direito da União.

65.

Assim, o processo arbitral em causa viola, a partir da data da adesão da Roménia à União, os artigos 267.o e 344.o TFUE.

1) Aplicabilidade ratione temporis da jurisprudência Achmea

66.

Concordo plenamente com a posição do Reino de Espanha e da Comissão, segundo a qual o direito da União e, por conseguinte, a jurisprudência decorrente do Acórdão Achmea, são aplicáveis na Roménia desde o momento da sua adesão ( 12 ).

i) Aplicação do direito da União a partir da adesão

67.

Esta aplicação do direito da União a partir da adesão da Roménia à União tem, em meu entender, uma consequência definitiva. Qualquer processo arbitral iniciado com base num TBI que vincule a Roménia a outro Estado‑Membro após a adesão da Roménia à União é incompatível com o direito da União. Decorre do princípio do primado do direito da União que, a partir dessa adesão, a competência de um tribunal arbitral instituído com base num TBI celebrado entre a Roménia e outro Estado‑Membro não pode ser estabelecida e nenhum processo arbitral pode ser iniciado com fundamento num TBI intra‑UE ( 13 ).

68.

No entanto, tal solução afigura‑se discutível no que respeita aos processos arbitrais iniciados antes da adesão da Roménia à União, e ainda em curso no momento desta adesão, pelo que há que analisar em que medida os princípios decorrentes do Acórdão Achmea são aplicáveis a estas situações.

ii) Aplicabilidade imediata dos princípios do Acórdão Achmea aos efeitos futuros de uma situação surgida antes da adesão à União

69.

Para justificar a aplicação da jurisprudência decorrente do Acórdão Achmea a tais hipóteses, o Reino de Espanha e a Comissão baseiam‑se no princípio da aplicabilidade imediata do direito da União aos efeitos futuros de uma situação surgida antes da adesão à União ( 14 ).

70.

Este princípio não pode ser posto em causa ( 15 ). Resulta muito claramente da jurisprudência que, «segundo um princípio geralmente reconhecido, as leis que alteram uma disposição legislativa são aplicáveis, salvo derrogação, aos efeitos futuros das situações surgidas na vigência da lei antiga» ( 16 ), donde decorre igualmente que o direito da União «[se] deve considerar […] imediatamente aplicável e vincula a República da Áustria a partir da data da sua adesão, de modo que se aplica aos efeitos futuros das situações surgidas antes da adesão deste novo Estado‑Membro» ( 17 ).

71.

Além disso, é verdade que o Tribunal de Justiça interpreta de forma extensiva o conceito de «efeitos futuros das situações surgidas na vigência da lei antiga» ( 18 ). Referiu‑se, em várias ocasiões, às «situações surgidas antes da entrada em vigor da nova regulamentação, mas cuja evolução ainda não terminou» ( 19 ), demonstrando uma aceção não restritiva desta que abrange os termos «efeitos futuros». Por outro lado, o Tribunal de Justiça admitiu claramente a aplicabilidade imediata do direito da União à questão da compatibilidade com o direito da União da indemnização de um dano causado antes da adesão do Estado‑Membro à União, paga posteriormente a esta, e que visa compensar as consequências do dano durante a restante vida da vítima ( 20 ).

72.

À luz desta jurisprudência, e contrariamente à posição defendida pela European Food e o. e Viorel Micula e o., a continuação, após a adesão, do processo arbitral em causa, iniciado na sequência de um ato controvertido da Roménia adotado antes da adesão, é suficiente, em meu entender, para demonstrar a existência de efeitos futuros de uma situação surgida antes da adesão ( 21 ).

73.

Assim, considero que o direito da União e, por conseguinte, a jurisprudência decorrente do Acórdão Achmea se aplicam, ratione temporis, ao processo arbitral em causa, iniciado com base num TBI que vincula a Roménia a outro Estado‑Membro antes da adesão, e ainda em curso no momento da adesão.

74.

No entanto, creio que o princípio da aplicabilidade imediata do direito da União aos efeitos futuros de uma situação surgida antes da adesão não permite, por si só, resolver a questão da compatibilidade com o direito da União de um processo arbitral iniciado com base num TBI intra‑UE antes da adesão à União do Estado parte na arbitragem.

75.

Com efeito, as aparências são por vezes enganosas, e não se pode concluir pela aplicação dos princípios decorrentes do Acórdão Achmea a tais situações apenas com base nesse fundamento, sem antes ter analisado a lógica subjacente ao raciocínio nesse acórdão.

2) Aplicação ratione materiae da jurisprudência decorrente do Acórdão Achmea

76.

A aplicação, a partir da adesão, do direito da União a um processo de arbitragem iniciado com base num TBI intra‑UE antes da adesão à União do Estado parte na arbitragem não pode eliminar a natureza específica desse processo, validamente iniciado na altura, relativo a um litígio anterior à adesão.

77.

Ora, afigura‑se que estas características têm algum impacto, num plano já não temporal mas sim material, quanto à possibilidade de aplicar a jurisprudência decorrente do Acórdão Achmea a um processo arbitral como o que está em causa. Por outras palavras, embora essa jurisprudência seja, tal como o direito da União no seu conjunto, aplicável do ponto de vista estritamente temporal ao processo de arbitragem em causa, do ponto de vista substantivo a situação é diferente em vários aspetos.

i) Inexistência de violação da autonomia do direito da União

78.

Refiro que a solução a que o Tribunal de Justiça chegou no Acórdão Achmea assenta na violação da autonomia do direito da União devido ao recurso a um processo de arbitragem baseado num TBI intra‑UE, no âmbito do qual o direito da União é suscetível de ser interpretado ou aplicado.

– Princípio da autonomia do direito da União

79.

O Tribunal de Justiça esclareceu que a autonomia do direito da União é garantida pela instituição, pelos Tratados, de um sistema jurisdicional destinado a assegurar a coerência e a unidade na interpretação do direito da União ( 22 ). O processo de reenvio prejudicial constitui a pedra angular ao instituir um diálogo de juiz para juiz, entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros, que tem por objetivo assegurar a unidade de interpretação do direito da União ( 23 ).

80.

Ora, o recurso a um processo arbitral iniciado com fundamento num TBI celebrado entre dois Estados‑Membros é suscetível de subtrair do sistema jurisdicional a resolução de um litígio que pode implicar a aplicação ou a interpretação do direito da União e, assim, viola o princípio da autonomia do direito da União, refletido nos artigos 267.o e 344.o TFUE.

81.

Por outras palavras, a solução do Acórdão Achmea baseia‑se, nomeadamente, na impossibilidade, por força do princípio da autonomia do direito da União, de privar os órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros da sua competência em matéria de interpretação e aplicação do direito da União, assim como o Tribunal de Justiça da sua competência para responder, a título prejudicial, às questões submetidas pelos referidos órgãos jurisdicionais respeitantes à interpretação ou à aplicação do direito da União ( 24 ).

82.

No entanto, considero que, tratando‑se de um processo arbitral iniciado com base num TBI celebrado entre dois Estados‑Membros antes da adesão à União do Estado parte na arbitragem, nenhum litígio que possa implicar a interpretação ou a aplicação do direito da União está subtraído ao sistema jurisdicional da União.

83.

A este respeito, devo precisar que, neste contexto, pouco importa determinar se esse litígio implica, de forma inequívoca, a interpretação ou a aplicação do direito da União pelo tribunal arbitral. Em meu entender, o simples facto de existir um risco de ser esse o caso é suficiente para qualificar uma violação da autonomia do direito da União, desde que o litígio em que tal risco se apresente esteja efetivamente abrangido pelo sistema jurisdicional da União ( 25 ). Além disso, saliento que este risco aparentemente existe em todos os TBI intra‑UE. Por conseguinte, não se afigura necessário verificar, no caso em apreço, se o tribunal arbitral realmente interpretou ou aplicou o direito da União, ou se poderia tê‑lo feito. Com efeito, entendo o Acórdão Achmea no sentido de que o Tribunal de Justiça estabeleceu como critério da compatibilidade com o princípio da autonomia do direito da União de um processo arbitral baseado num TBI intra‑UE a questão de saber se tal processo priva os órgãos jurisdicionais nacionais da sua competência relativa à interpretação e à aplicação do direito da União, bem como o Tribunal de Justiça da sua competência para responder, através do recurso prejudicial, às suas questões.

– Competência dos órgãos jurisdicionais romenos para submeter uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça

84.

Um litígio que tem origem numa alegada violação de uma disposição de um TBI, por um Estado, antes da sua adesão à União, e cujo processo de resolução foi iniciado antes dessa adesão, não é necessariamente abrangido pelo sistema jurisdicional da União. A sua resolução por um tribunal arbitral constituído com fundamento num TBI celebrado entre dois Estados‑Membros antes da adesão do Estado parte na arbitragem à União não é suscetível de privar os órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros das suas competências relativas à interpretação e aplicação do direito da União, bem como o Tribunal de Justiça da sua competência para responder, a título prejudicial, às questões submetidas pelos referidos órgãos jurisdicionais relativas à interpretação ou à aplicação do direito da União.

85.

Convido o Tribunal de Justiça a considerar uma situação em que um órgão jurisdicional romeno teria sido chamado a pronunciar‑se, em vez de um tribunal arbitral, sobre o litígio relativo a uma violação alegada por este Estado das disposições do TBI. Em meu entender, esse órgão jurisdicional não poderia ter submetido uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça caso tivesse surgido uma questão de interpretação ou de aplicação do direito da União.

86.

Com efeito, em primeiro lugar, um órgão jurisdicional romeno chamado a pronunciar‑se sobre a eventual violação por este Estado‑Membro das disposições do TBI não podia, evidentemente, antes da adesão à União da Roménia, ter questionado o Tribunal de Justiça através de um reenvio prejudicial, uma vez que este órgão jurisdicional não é, nesse momento, um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro na aceção do artigo 267.o TFUE. Além disso, o Acordo de 1995 não previa a possibilidade de os órgãos jurisdicionais romenos questionarem o Tribunal de Justiça através de um reenvio prejudicial.

87.

Em segundo lugar, a mesma solução impõe‑se no que respeita à possibilidade de o órgão jurisdicional romeno, chamado a pronunciar‑se antes da adesão da Roménia à União, questionar o Tribunal de Justiça através do reenvio prejudicial após essa adesão. Com efeito, resulta claramente da jurisprudência do Tribunal de Justiça que este não é competente para se pronunciar sobre a interpretação do direito da União no âmbito de um litígio relativo a uma situação adquirida antes da adesão ( 26 ).

88.

Foi precisamente esse o caso do litígio que deu origem ao processo arbitral em causa. A alegada violação do TBI pela Roménia, objeto do litígio, era anterior à adesão desse Estado à União e o processo arbitral em causa foi iniciado antes da adesão. Assim, todos os factos pertinentes a este respeito tinham ocorrido antes dessa adesão e tinham produzido todos os seus efeitos. Um órgão jurisdicional romeno chamado a pronunciar‑se sobre esse litígio não poderia ter questionado o Tribunal de Justiça quanto à interpretação ou à aplicação do direito da União no âmbito desse litígio.

89.

Tal solução não é posta em causa pelo princípio da aplicabilidade imediata do direito da União aos efeitos futuros de uma situação surgida antes da adesão, nem pela jurisprudência decorrente do Acórdão Kremikovtzi ( 27 ), invocada pela Comissão, na qual o Tribunal de Justiça se declarou competente para interpretar as disposições do Acordo europeu que cria uma associação entre as Comunidades Europeias e os seus Estados‑Membros, por um lado, e a República da Bulgária, por outro ( 28 ), no âmbito de um litígio relativo a factos anteriores à adesão da Bulgária à União.

90.

Quanto ao princípio da aplicabilidade imediata do direito da União aos efeitos futuros de uma situação surgida antes da adesão, há que observar que tal princípio não é aplicável no que respeita ao litígio relativo à violação alegada pela Roménia das disposições do TBI. Conforme exposto no n.o 88 das presentes conclusões, os factos na origem do litígio submetido ao órgão jurisdicional romeno são a revogação, pela Roménia, do regime do DGE, que implica uma eventual violação das obrigações que o TBI lhe impõe. Por conseguinte, a situação na origem do litígio ocorreu antes da adesão e localizava‑se claramente no passado ( 29 ).

91.

No que respeita ao Acórdão Kremikovtzi ( 30 ), também não se afigura suscetível de pôr em causa a conclusão relativa à incompetência do Tribunal de Justiça, pelas mesmas razões. Com efeito, embora os factos no litígio em causa no processo principal nesse acórdão tenham origem no pagamento de auxílios anteriormente à adesão, o objeto do litígio dizia respeito ao processo de recuperação desses auxílios e, em particular, à base jurídica em que esse procedimento devia assentar, que, de facto, era posterior à adesão. Por outras palavras, o objeto das questões prejudiciais dizia efetivamente respeito aos efeitos de um auxílio, que se traduziram na adoção de um ato e num acontecimento concreto após a adesão de um Estado‑Membro, o que justificava a competência do Tribunal de Justiça para responder às questões prejudiciais.

92.

Pelo contrário, o litígio que, no caso em apreço, poderia ter sido submetido a um órgão jurisdicional romeno dizia respeito a uma situação — a alegada violação do TBI pela Roménia — definitivamente ocorrida antes da adesão. Contrariamente ao Acórdão Kremikovtzi, nenhum facto ou ato posterior à adesão era, assim, objeto do litígio submetido ao tribunal arbitral ( 31 ).

93.

Nestas condições, considero que, uma vez que o Tribunal de Justiça não é competente para responder a uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional romeno se este órgão jurisdicional tivesse sido chamado a pronunciar‑se, o litígio que está na origem do processo arbitral não pode estar abrangido pela ordem jurídica da União, nem antes nem depois da adesão da Roménia à União.

94.

Daqui resulta que um processo arbitral, como o que está em causa no caso em apreço, iniciado com base num TBI celebrado entre dois Estados‑Membros antes da adesão à União do Estado parte na arbitragem não é, em meu entender, suscetível de prejudicar a autonomia do direito da União, mesmo após esta adesão, pelo que, ao contrário do processo arbitral em causa no processo que deu origem ao Acórdão Achmea, não se pode concluir pela existência de uma violação dos artigos 267.o e 344.o TFUE.

95.

Há elementos complementares que demonstram a compatibilidade do processo arbitral em causa com o direito da União, relativamente à questão da violação do princípio da confiança mútua, que me parece não existir.

ii) Questão da existência de uma violação do princípio da confiança mútua

96.

O Reino de Espanha alega que, a partir da adesão da Roménia à União, o tribunal arbitral em causa no presente processo devia ter‑se declarado incompetente em benefício dos órgãos jurisdicionais romenos, que, por conseguinte, podiam garantir a proteção dos direitos dos investidores.

97.

Com efeito, a solução adotada pelo Tribunal de Justiça no Acórdão Achmea baseia‑se na violação do princípio da confiança mútua que pode resultar do recurso a um processo arbitral iniciado com fundamento num TBI intra‑UE no âmbito de um litígio que pode dizer respeito à interpretação ou à aplicação do direito da União.

98.

O Tribunal de Justiça recordou, no Acórdão Achmea ( 32 ), que o direito da União assenta assim na premissa fundamental segundo a qual cada Estado‑Membro partilha com todos os outros Estados‑Membros, e reconhece que estes partilham consigo, uma série de valores comuns nos quais a União se funda. Esta premissa implica e justifica a existência da confiança mútua entre os Estados‑Membros no reconhecimento destes valores e, por conseguinte, no respeito do direito da União que os aplica ( 33 ).

99.

Com efeito, conforme referi nas Conclusões que apresentei no processo Komstroy ( 34 ), os Estados‑Membros estão obrigados a considerar, salvo em circunstâncias excecionais, que todos os outros Estados‑Membros respeitam o direito da União, incluindo os direitos fundamentais, designadamente o direito a uma ação perante um tribunal independente, enunciado no artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. O papel especial das instituições da União, entre as quais, em primeiro lugar, a Comissão, responsáveis por assegurar o respeito por esses valores confirma a sua importância ( 35 ).

100.

Além disso, é precisamente o facto de as relações que a União estabelece com os Estados terceiros não se basearem na confiança mútua, existente na União, que justifica que as partes contratantes num acordo internacional que vincula um Estado‑Membro e um Estado terceiro decidam entender‑se quanto a um mecanismo neutro de resolução de diferendos, uma vez que cada uma das partes contratantes não tem necessariamente confiança plena no sistema jurisdicional da outra parte para assegurar o respeito das regras constantes do acordo ( 36 ).

101.

Nesta ótica, saliento que a celebração de TBI entre os Estados‑Membros e os Estados da Europa central e oriental foi encorajada pela Comissão enquanto instrumentos necessários para preparar a sua adesão à União ( 37 ). Aliás, o artigo 74.o do Acordo de 1995, sob a epígrafe «Promoção e proteção dos investimentos», promove a celebração de acordos de proteção e de promoção dos investimentos pelos Estados‑Membros e pela Roménia. Por conseguinte, o Reino da Suécia e a Roménia seguiram este incentivo ao celebrar o TBI em causa.

102.

Neste contexto específico, a cláusula de resolução de diferendos constante do TBI deve ser entendida como um paliativo à falta de confiança mútua entre o Reino da Suécia e a Roménia. Tratava‑se, então, de assegurar a proteção dos investidores dos Estados‑Membros na Roménia, garantindo nomeadamente, na falta de confiança suficiente na observância por esse Estado, antes da adesão, do direito a um recurso efetivo dos investidores, a possibilidade de recorrer a um sistema de resolução de litígios externo ao sistema jurisdicional desse Estado ( 38 ).

103.

Neste contexto, afigura‑se legítimo que os árbitros, validamente chamados a pronunciar‑se com base num TBI cuja celebração entre um Estado‑Membro e o Estado parte na arbitragem antes da sua adesão foi encorajada pela própria União, não se declarassem, no momento da adesão, incompetentes, uma vez que o processo de arbitragem permitia antes da adesão, tal como o princípio da confiança mútua após a referida adesão, assegurar a proteção dos direitos dos investidores.

104.

Por conseguinte, considero que, contrariamente à situação em causa no processo que deu origem ao Acórdão Achmea, o princípio da confiança mútua não pode justificar a interrupção do processo arbitral em causa, que originalmente permitia colmatar a falta de confiança no respeito, por parte da Roménia, das exigências relativas à tutela jurisdicional efetiva antes da sua adesão à União.

105.

Na audiência, a European Food e o. e Viorel Micula e o. alegaram, além disso, que a adesão da Roménia à União não tinha permitido estabelecer uma confiança mútua entre esse Estado‑Membro e os outros Estados‑Membros, uma vez que a sua adesão tinha sido condicionada à implementação de um mecanismo de cooperação e de verificação dos progressos realizados por este Estado‑Membro com vista a alcançar determinados objetivos de referência específicos em matéria de reforma do sistema judicial e de luta contra a corrupção ( 39 ).

106.

Este argumento não é convincente. A decisão MCV, por si só, não implica a não aplicação do princípio da confiança mútua nas relações entre a Roménia e os outros Estados‑Membros. Não pode existir na ordem jurídica da União uma desconfiança geral em relação a um Estado‑Membro apenas com base na implementação de um mecanismo como o incluído na decisão MCV no momento da sua adesão. A limitação da confiança nos órgãos jurisdicionais romenos apenas pode basear‑se em elementos objetivos, fiáveis, precisos e devidamente atualizados relativos ao funcionamento do sistema judiciário no Estado‑Membro ( 40 ).

3) Conclusão sobre a aplicação da jurisprudência Achmea

107.

Atendendo ao exposto, considero que os princípios decorrentes do Acórdão Achmea não podem ser aplicados num processo arbitral, como o que está em causa no processo principal, iniciado com base num TBI celebrado entre dois Estados‑Membros antes da adesão à União do Estado parte na arbitragem, e ainda em curso no momento desta adesão ( 41 ).

108.

Em minha opinião, não se pode concluir pela existência de uma violação dos princípios da autonomia do direito da União e da confiança mútua, bem como dos artigos 267.o e 344.o TFUE.

b)   Compatibilidade do TBI com o direito da União no momento da sua conclusão

109.

O Reino de Espanha, apoiado pela Comissão, alega que o TBI é, desde a sua celebração, contrário ao direito da União, na medida em que o tribunal arbitral constituído com base no mesmo pode comprometer o processo de decisão democrático nos Estados partes, uma vez que priva uma lei romena do efeito económico pretendido, e prejudicar a aplicação efetiva da legislação sobre os auxílios de Estado na Suécia e na Roménia, e que o TBI afeta, assim, o funcionamento das instituições da União em conformidade com o quadro constitucional desta.

110.

Por um lado, e de forma geral, duvido da força probatória de tal argumento à luz do contexto que envolve a celebração dos TBI entre os Estados‑Membros e a Roménia, tendo estes últimos sido encorajados pela União através do Acordo de 1995. Tal solução equivaleria, além disso, a admitir retroativamente a incompatibilidade de um TBI celebrado por um Estado‑Membro com um Estado terceiro e a duvidar, mais geralmente, sem outra forma de exame e de modo abstrato, da compatibilidade de todos os TBI celebrados entre um Estado‑Membro e um Estado terceiro.

111.

Por outro lado, no que respeita mais especificamente ao processo arbitral em causa, considero que, em todo o caso, o mesmo nem priva de eficácia as regras jurídicas dos auxílios de Estado, nem, por conseguinte, priva uma lei romena do efeito económico pretendido, na medida em que, pelas razões que irei desenvolver no âmbito da apreciação do recurso principal, considero que as regras jurídicas dos auxílios de Estado são aplicáveis no caso em apreço.

112.

Neste contexto, o TBI não pode ser considerado incompatível com o direito da União desde a sua conclusão.

3.   Conclusão quanto ao recurso subordinado

113.

Resulta do exposto que o primeiro fundamento do recurso subordinado deve ser julgado improcedente. Uma vez que o segundo fundamento do recurso subordinado depende da procedência do primeiro fundamento, considero que há que negar provimento ao recurso subordinado na íntegra.

B. Quanto ao recurso principal

114.

A Comissão, apoiada pelo Reino de Espanha, invoca três fundamentos de recurso. Alega que o Tribunal Geral cometeu, em primeiro lugar, um erro de direito e uma errada qualificação jurídica dos factos, na medida em que concluiu que a Comissão não tinha competência para adotar a decisão impugnada; em segundo lugar, um erro de direito ao declarar que o direito da União não se aplicava à indemnização concedida e, em terceiro lugar, um erro de direito na medida em que concluiu que a decisão impugnada qualificou erradamente a concessão de uma indemnização pelo tribunal arbitral como uma vantagem.

115.

Iniciarei a minha análise pelo exame dos dois primeiros fundamentos do recurso, que visam determinar o momento em que o auxílio de Estado deve ser considerado concedido pelo Estado‑Membro, a fim de determinar se o direito dos auxílios de Estado era aplicável à data, e se a Comissão era competente para adotar a decisão controvertida.

1.   Quanto aos dois primeiros fundamentos do recurso: determinação do momento da concessão de um auxílio

116.

O Tribunal Geral recordou, nos n.os 66 e seguintes do acórdão recorrido, que o direito da União só se tornou aplicável na Roménia a partir da sua adesão à União e que daqui decorre que foi só a partir dessa data que a Comissão adquiriu a competência que lhe permite proceder à fiscalização da atuação da Roménia ao abrigo do artigo 108.o TFUE. Daí deduziu, com razão, que, para determinar a competência da Comissão para adotar a decisão controvertida, há que definir a data em que o alegado auxílio foi concedido.

117.

Segundo o Tribunal Geral, «o direito dos recorrentes [em primeira instância] a receber a indemnização em causa […] constituiu[‑se] e começou a produzir efeitos no momento em que a Roménia revogou o DGE 24, ou seja, antes da adesão da Roménia à União, e, portanto, que o momento em que este direito foi conferido aos recorrentes […] é anterior à adesão» ( 42 ).

118.

A Comissão alega que a European Food e o. e Viorel Micula e o. apenas obtiveram um direito à indemnização concedida quando a sentença foi transformada em título executivo nos termos do direito nacional, uma vez que anteriormente o direito a receber a indemnização era incerto. A medida que concede o alegado auxílio não é, assim, a revogação pela Roménia do DGE, mas a execução da sentença por este Estado‑Membro. Tendo esta medida sido adotada após a adesão da Roménia à União, o direito da União era aplicável e a Comissão era competente para examiná‑la à luz dos artigos 107.o e 108.o TFUE, pelo que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao declarar que a medida tinha sido concedida antes dessa adesão e que a Comissão não era competente.

119.

Sublinho de forma breve, a este respeito, que, contrariamente ao que alegam a European Food e o. e Viorel Micula e o., a questão do momento em que um auxílio foi concedido constitui efetivamente uma questão de direito suscetível de recurso quando se trata de determinar se uma indemnização concedida por uma sentença arbitral devido à revogação, por parte do Estado, de um regime de incentivos fiscais se deve considerar concedida no momento dessa revogação, antes da adesão, ou aquando do pagamento efetivo da indemnização em execução da sentença, após a adesão.

120.

Além disso, a argumentação da European Food e o. e de Viorel Micula e o. de que a Comissão pretende alterar a decisão controvertida alegando que o auxílio em causa já não resulta do pagamento da indemnização, mas sim da adoção da sentença, não pode ser acolhida, uma vez que os fundamentos invocados pela Comissão no seu recurso têm origem no próprio acórdão recorrido e visam criticar a sua procedência ( 43 ).

121.

Conforme recordou o Tribunal Geral, o Tribunal de Justiça declarou, no Acórdão Magdeburger Mühlenwerke ( 44 ), que «os auxílios devem ser considerados concedidos no momento em que o direito de os receber é conferido ao beneficiário em virtude da regulamentação nacional aplicável».

122.

Tal formulação parece indicar, como alegam a European Food e o. e Viorel Micula e o., que o momento de concessão de uma medida de auxílio não se confunde necessariamente com o momento do seu pagamento efetivo.

123.

Embora este seja frequentemente o caso, não é menos verdade que, contrariamente ao que alega a Comissão, se pode considerar que um auxílio foi concedido mesmo que não tenha sido efetivamente pago ( 45 ). De igual modo, foi decidido, no que respeita a um auxílio pago em aplicação de um regime de auxílios, que o auxílio só pode ser considerado concedido quando tiver sido executado de forma efetiva, ainda que o regime de auxílios anterior já existisse ( 46 ).

124.

Por outras palavras, o pagamento efetivo do auxílio não constitui, em meu entender, o critério que permite determinar o momento em que a medida deve ser considerada concedida. O simples facto de o pagamento da indemnização em causa ter ocorrido após a adesão não basta, assim, para demonstrar que foi efetivamente concedida nesse momento e que, por isso, o direito da União era aplicável e a Comissão era competente.

125.

Parece decorrer claramente do princípio enunciado no Acórdão Magdeburger Mühlenwerke ( 47 ) que o elemento determinante para estabelecer o momento da concessão de um alegado auxílio é a aquisição, pelo beneficiário da medida em causa, de um direito definitivo de recebê‑la, e o compromisso correspondente, a cargo do Estado, de conceder a medida. Tal critério afigura‑se lógico à luz do objetivo do direito dos auxílios de Estado, que visa abranger as ações estatais, uma vez que o simples compromisso assumido pelo Estado de agir em apoio de uma empresa beneficiária pode já, em si mesmo, implicar uma distorção da concorrência no mercado, mesmo antes de o apoio ser efetivamente implementado.

126.

Segundo o Tribunal Geral, o direito da European Food e o. e Viorel Micula e o. de receberem a alegada medida de auxílio que é a indemnização concedida pela sentença arbitral surgiu no momento da violação das disposições do TBI pela Roménia. Não subscrevo esta análise.

127.

É evidente que a indemnização concedida pelo tribunal arbitral, alegado auxílio, tem origem nessa violação. Além disso, é verdade, como salientou o Tribunal Geral, no n.o 78 do acórdão recorrido, que, segundo a lógica do direito da responsabilidade, a sentença arbitral e os pagamentos efetuados pela Roménia constituem, para a European Food e o. e Viorel Micula e o., o reconhecimento de um direito a serem indemnizados por um dano sofrido por causa da Roménia e a execução desse direito. Neste sentido, a sentença arbitral e a sua execução limitam‑se a declarar, retroativamente, a existência de um direito que já existia ( 48 ).

128.

No entanto, embora, no âmbito do direito da responsabilidade, o direito à reparação tenha surgido no dia em que o dano foi sofrido, esta leitura não pode implicar que, em matéria de direito dos auxílios de Estado, o direito a receber o auxílio surja igualmente nesse momento. Com efeito, quando a sentença arbitral declara, de forma retroativa, a existência de um direito a indemnização, é porque antes desta decisão, tal direito a ser indemnizado não existia de forma inequívoca.

129.

No decurso do processo arbitral, a existência de uma violação das disposições do TBI pela Roménia e, por conseguinte, de um dano sofrido pela European Food e o. e Viorel Micula e o., foi objeto de discussão, tendo a Roménia contestado o próprio facto de ter de pagar uma indemnização. Só após o litígio ter sido dirimido foi a Roménia obrigada a conceder a indemnização em causa e foi o direito a recebê‑la conferido, no âmbito do direito dos auxílios de Estado e na aceção da jurisprudência já referida, à European Food e o. e a Viorel Micula e o. A este respeito, é pouco relevante que, no âmbito do direito da responsabilidade, a sentença arbitral declare retroativamente a existência de um direito de obter a reparação de um dano.

130.

Uma vez que o direito dos auxílios de Estado visa o comportamento dos Estados‑Membros e o seu compromisso de conceder certas medidas, não se pode considerar que a Roménia estava obrigada a indemnizar a European Food e o. e Viorel Micula e o. no momento em que contestava precisamente a existência de tal obrigação.

131.

Tal interpretação apresenta alguma coerência com a jurisprudência relativa à concessão de um auxílio por uma decisão de um órgão jurisdicional nacional, que aparentemente pode ser objeto de uma analogia com as circunstâncias do caso presente. Assim, foi declarado que um auxílio resulta de uma decisão de um órgão jurisdicional nacional quando é essa decisão que reconhece o direito do beneficiário a obter o auxílio e fixa o seu montante definitivo ( 49 ). Além disso, o Tribunal de Justiça considerou que a decisão de um juiz das medidas provisórias que restabelece uma medida de auxílio, após ter verificado que esta última tinha sido suprimida em violação de um contrato, deve ser entendida no sentido de que concede um novo auxílio ( 50 ).

132.

Neste contexto, considero que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito e efetuou uma qualificação jurídica dos factos errada ao declarar que o auxílio em causa tinha sido concedido no momento da violação do TBI pela Roménia.

133.

Isto é tanto mais verdade quanto, no caso em apreço, o dano sofrido pela European Food e o. e Viorel Micula e o. resulta da revogação, pela Roménia, do DGE, com o objetivo de dar cumprimento às regras em matéria de direito dos auxílios de Estado. Por outras palavras, segundo o Tribunal Geral, a revogação de uma medida de auxílio na aceção do Acordo de 1995, que remete para o artigo 107.o TFUE, cuja existência foi demonstrada pelo Conselho da Concorrência romeno, constitui, em si mesma, a medida de auxílio. Assim, o Conselho da Concorrência romeno, competente no momento da revogação, devia, segundo esta lógica, ao mesmo tempo que pedia à Roménia para revogar o DGE, considerar que tal revogação constituía igualmente um auxílio de Estado e examinar novamente esta medida à luz das regras do Acordo de 1995 sobre os auxílios de Estado.

134.

Mais genericamente, como salienta a Comissão, a solução do Tribunal Geral levaria a admitir a possibilidade de um auxílio de Estado ser automaticamente concedido devido à revogação de um auxílio de Estado. Afigura‑se que esta circunstância evidencia uma falta de coerência da solução adotada no acórdão recorrido.

135.

Por conseguinte, considero que a alegada medida de auxílio não foi concedida no momento da violação do TBI, mas sim no momento em que o direito da European Food e o. e de Viorel Micula e o. de receberem a indemnização foi reconhecido e em que, correlativamente, a Roménia estava obrigada a pagar esta indemnização, ou seja, após a adoção da sentença arbitral, aquando da sua execução pela Roménia. Ora, esse momento era posterior à adesão da Roménia à União. Daqui resulta que o direito da União era efetivamente aplicável a essa medida e que a Comissão era competente nos termos do artigo 108.o TFUE para examinar a indemnização em causa à luz do direito dos auxílios de Estado.

136.

A este respeito, devo precisar, por razões de coerência, que a questão da competência da Comissão para examinar uma medida resultante de uma indemnização concedida através de uma sentença proferida por um tribunal arbitral à luz do direito dos auxílios de Estado é uma questão distinta da questão da competência dos órgãos jurisdicionais romenos para colocarem questões o Tribunal de Justiça, no âmbito do litígio que conduziu à atribuição de uma indemnização, através do recurso prejudicial. A incompetência destes últimos a este respeito em nada prejudica a competência da Comissão para avaliar a indemnização concedida após a adesão à luz do direito dos auxílios de Estado. Como acertadamente salienta a Comissão, esta competência é apenas determinada pelo facto gerador do auxílio, que ocorre no momento em que o direito a receber a indemnização é reconhecido de forma definitiva.

137.

Por conseguinte, os dois primeiros fundamentos do recurso devem, em meu entender, ser julgados procedentes ( 51 ).

138.

Uma vez que esta análise permite estabelecer a competência da Comissão para examinar a indemnização em causa nos termos do artigo 108.o TFUE, importa, consequentemente, julgar improcedente a primeira parte do primeiro fundamento apresentada em primeira instância no âmbito do recurso de anulação no processo T‑704/15 e a primeira parte do segundo fundamento apresentada nos processos T‑624/15 e T‑694/15.

2.   Quanto ao terceiro fundamento do recurso: a existência de uma vantagem na aceção do artigo 107.o TFUE

139.

Com o seu terceiro fundamento, a Comissão alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao interpretar erradamente o conceito de «vantagem» e ao não responder a todos os argumentos apresentados na decisão impugnada para demonstrar a existência de tal vantagem.

140.

O Tribunal Geral salientou, no n.o 103 do acórdão recorrido, que, nos termos da jurisprudência decorrente do Acórdão Asteris e o. ( 52 ), a indemnização de um dano não pode ser considerada um auxílio de Estado na aceção do artigo 107.o TFUE, a menos que essa indemnização leve a indemnizar a revogação de um auxílio ilegal ou incompatível ( 53 ). Segundo o Tribunal Geral, não era esse o caso.

141.

Por um lado, o Tribunal Geral declarou, nos n.os 104 e 105 do acórdão recorrido, que, uma vez que resulta do primeiro fundamento de anulação que o direito da União não era aplicável à indemnização em causa e que a Comissão não era competente para proceder ao seu exame, essa indemnização não pode ser considerada a indemnização pela revogação de um auxílio ilegal ou incompatível.

142.

Por outro lado, o Tribunal Geral precisou, nos n.os 106 a 108 do acórdão recorrido, que a indemnização em causa abrangia um período anterior à adesão, durante o qual o direito da União não se aplicava, pelo que, relativamente a esse período, os recorrentes podiam invocar a jurisprudência resultante do Acórdão Asteris e o. ( 54 ) Ora, na decisão controvertida, a Comissão não estabeleceu uma distinção entre os períodos anteriores e posteriores à adesão. Daí entende resultar que a decisão controvertida está ferida de ilegalidade, na medida em que a atribuição da indemnização é aí qualificada como «vantagem», pelo menos no que se refere ao período anterior à adesão.

143.

A este respeito, observo que existe alguma contradição nos fundamentos do acórdão recorrido relativamente à questão de saber se a Comissão tinha demonstrado corretamente a existência de uma vantagem na aceção do artigo 107.o TFUE relativamente à European Food e o. e a Viorel Micula e o. Com efeito, o Tribunal Geral salientou, por um lado, a inexistência de uma vantagem devido à inaplicabilidade do direito da União à indemnização em causa, embora admitindo, por outro, que, na realidade, este era aplicável na medida em que a indemnização visava a revogação do DGE no respeitante ao período posterior à adesão. Por conseguinte, não compreendo claramente os fundamentos do raciocínio do Tribunal Geral que o levaram a julgar procedente este fundamento.

144.

Além disso, verifica‑se que esses dois fundamentos estão viciados por um erro de direito.

145.

Em primeiro lugar, uma vez que o Tribunal Geral declarou que a Comissão não podia validamente concluir pela existência de uma vantagem na aceção do artigo 107.o TFUE, na medida em que não era competente para examinar a indemnização à luz do direito dos auxílios de Estado, há que observar que esse raciocínio assenta exclusivamente numa premissa errada. Conforme demonstrei no âmbito da análise dos dois primeiros fundamentos do recurso de segunda instância, o direito da União era aplicável e a Comissão era competente, no respeitante à indemnização em causa, uma vez que esta foi concedida após a adesão da Roménia à União.

146.

Por conseguinte, o Tribunal Geral não podia, sem cometer um erro de direito, decidir apenas com base no facto de a indemnização em causa não poder ser considerada a indemnização pela revogação de um auxílio ilegal ou incompatível.

147.

Em segundo lugar, no que respeita ao argumento de que a parte da indemnização correspondente ao período anterior à adesão é abrangida pela jurisprudência decorrente do Acórdão Asteris e o. ( 55 ), verifica‑se, com efeito, que tal elemento é pertinente na análise da existência de uma vantagem. Entendo o raciocínio do Tribunal Geral no sentido de que enuncia que a compensação em causa não podia ser considerada o restabelecimento de um auxílio ilegal, uma vez que, antes da adesão, a existência de um auxílio de Estado na aceção do artigo 107.o TFUE não podia ser declarada, uma vez que o direito da União ainda não se aplicava.

148.

Embora seja claro que, para determinar o momento em que a medida foi concedida, apenas é relevante o momento em que foi concedido o direito de receber a indemnização, na fase da qualificação da medida como auxílio de Estado na aceção do artigo 107.o TFUE, a natureza específica desta medida, que é a indemnização paga pela Roménia na sequência de uma sentença arbitral, pode ter impacto, designadamente no que respeita à aplicação da jurisprudência decorrente do Acórdão Asteris e o. ( 56 ).

149.

No entanto, como alega a Comissão, a aplicação dessa jurisprudência, nas circunstâncias do presente processo, não depende unicamente da questão de saber se a indemnização conduz ao restabelecimento de uma medida que podia ser qualificada como auxílio de Estado na aceção do artigo 107.o TFUE, ou não, antes da adesão. Com efeito, na decisão controvertida, a Comissão excluiu a possibilidade de essa jurisprudência ser aplicada a um processo arbitral, fora das regras nacionais gerais em matéria de responsabilidade civil dos Estados‑Membros ( 57 ), e baseou‑se igualmente no facto de os incentivos concedidos ao abrigo do DGE terem sido qualificados de «auxílios» com base no Acordo de 1995 pelo Conselho da Concorrência romeno ( 58 ).

150.

Ora, independentemente da questão de saber se esses dois elementos tinham fundamento, saliento que o Tribunal Geral apenas apreciou a legalidade de um dos motivos que levaram a Comissão a afastar a jurisprudência decorrente do Acórdão Asteris e o. ( 59 ), para daí concluir que esta última era efetivamente aplicável.

151.

Assim, considero que o Tribunal Geral não podia, sem cometer um erro de direito, concluir pela existência de uma ilegalidade da decisão da Comissão no respeitante à qualificação de vantagem sem verificar, ao mesmo tempo, se a Comissão tinha, erradamente, excluído a aplicação da jurisprudência resultante do Acórdão Asteris e o. ( 60 ) devido, por um lado, ao fundamento com base no qual a indemnização foi concedida e, por outro, ao facto de o DGE ter sido qualificado de «auxílio de Estado» com base no Acordo de 1995 pelo Conselho da Concorrência romeno.

152.

Atendendo ao exposto, considero que o terceiro fundamento do presente recurso deve ser julgado procedente.

153.

À luz de todas estas considerações, entendo que se deve anular o acórdão recorrido, julgar improcedente a primeira parte do primeiro fundamento no processo T‑704/15 e a primeira parte do segundo fundamento nos processos T‑624/15 e T‑694/15 e remeter os processos apensos T‑624/15, T‑694/15 e T‑704/15 ao Tribunal Geral, para que este se pronuncie sobre os restantes fundamentos.

VII. Conclusão

154.

À luz do exposto, proponho ao Tribunal de Justiça:

negar provimento ao recurso subordinado,

anular o Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 18 de junho de 2019, European Food SA e o./Comissão (T‑624/15, T‑694/15 e T‑704/15, EU:T:2019:423),

julgar improcedente a primeira parte do segundo fundamento nos processos T‑624/15 e T‑694/15 e a primeira parte do primeiro fundamento no processo T‑704/15,

remeter os processos apensos T‑624/15, T‑694/15 e T‑704/15 ao Tribunal Geral para que este se pronuncie sobre os restantes fundamentos.


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) Acórdão de 6 de março de 2018 (C‑284/16, a seguir Acórdão Achmea)EU:C:2018:158.

( 3 ) JO 1994, L 357, p. 2.

( 4 ) Tratado entre o Reino da Bélgica, a República Checa, o Reino da Dinamarca, a República Federal da Alemanha, a República da Estónia, a República Helénica, o Reino de Espanha, a República Francesa, a Irlanda, a República Italiana, a República de Chipre, a República da Letónia, a República da Lituânia, o Grão‑Ducado do Luxemburgo, a República da Hungria, a República de Malta, o Reino dos Países Baixos, a República da Áustria, a República da Polónia, a República Portuguesa, a República da Eslovénia, a República Eslovaca, a República da Finlândia, o Reino da Suécia e o Reino Unido da Grã‑Bretanha e Irlanda do Norte (Estados‑Membros da União Europeia) e a República da Bulgária e a Roménia relativo à adesão da República da Bulgária e da Roménia à União Europeia (JO 2005, L 157, p. 11).

( 5 ) JO 2005, L 157, p. 203.

( 6 ) Regulamento do Conselho, de 22 de março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo [108.o TFUE] (JO 1999, L 83, p. 1).

( 7 ) Regulamento da Comissão, de 21 de abril de 2004, relativo à aplicação do Regulamento n.o 659/1999 (JO 2004, L 140, p. 1).

( 8 ) V. Acórdão de 14 de junho de 2018, Makhlouf/Conselho (C‑458/17 P, não publicado, EU:C:2018:441, n.o 32).

( 9 ) Acórdão de 21 de dezembro de 2011, França/People’s Mojahedin Organization of Iran (C‑27/09 P, EU:C:2011:853, n.o 45). V., igualmente, Wathelet, M., Wildemeersch, J., Contentieux européen, Larcier, 2014, p. 488.

( 10 ) V. Acórdão de 29 de julho de 2019, Bayerische Motoren Werke e Freistaat Sachsen/Comissão (C‑654/17 P, EU:C:2019:634, n.o 44).

( 11 ) Em particular, resulta da decisão controvertida e do acórdão recorrido que a sentença arbitral foi executada e que a medida visada pela decisão controvertida foi concedida à European Food e o. e a Viorel Micula e o. Na medida em que a incompatibilidade da sentença arbitral já executada não parece, por si só, impor aos recorrentes uma obrigação de procederem ao reembolso da indemnização, a anulação da decisão controvertida teria necessariamente impacto na sua situação, uma vez que esta decisão determina se podem conservar os pagamentos efetuados pela Roménia.

( 12 ) Artigo 2.o do ato de adesão. V., igualmente, quanto a este ponto, Malferrari, L., «Protection des investissements intra‑UE post Achmea et post avis CETA: entre (faux) mythes et (dures) réalités», em Berramdane, A., e Trochu, M., Union européenne et protection des investissements, Bruylant, 2021, p. 63.

( 13 ) V., quanto a este ponto, Conclusões que apresentei no processo Komstroy (C‑741/19, EU:C:2021:164, n.o 69).

( 14 ) V., a este respeito, Kaleda, S.L., Przejęcie prawa wspólnotowego przez nowe państwo członkowskie. Zagadnienia przejściowe i międzyczasowe, Varsóvia, 2003, pp. 127 a 192.

( 15 ) V., quanto à pertinência do princípio da aplicabilidade imediata do direito da União tal como interpretado pelo Tribunal de Justiça, Blatière, L., L’applicabilité temporelle du droit de l’Union européenne, CREAM, 2018, pp. 152 a 167.

( 16 ) Acórdãos de 15 de fevereiro de 1978, Bauche e Delquignies (96/77, EU:C:1978:26, n.o 48), de 7 de fevereiro de 2002, Kauer (C‑28/00, EU:C:2002:82, n.o 20). V., igualmente, Acórdão de 26 de março de 2020, Hungeod e o. (C‑496/18 e C‑497/18, EU:C:2020:240, n.o 94).

( 17 ) Acórdão de 2 de outubro de 1997, Saldanha e MTS (C‑122/96, EU:C:1997:458, n.o 14).

( 18 ) Para um estudo pormenorizado da conceção ampla das situações em curso pelo Tribunal de Justiça, v. Blatière, L., op. cit., pp. 148 a 152.

( 19 ) Acórdãos de 17 de julho de 1997, Affish (C‑183/95, EU:C:1997:373, n.o 57), e de 22 de junho de 2006, Bélgica e Forum 187/Comissão (C‑182/03 e C‑217/03, EU:C:2006:416, n.o 148).

( 20 ) Acórdão de 3 de setembro de 2014, X (C‑318/13, EU:C:2014:2133, n.os 21 a 24). V., igualmente, no mesmo sentido, Acórdão de 14 de junho de 2007, Telefónica O2 Czech Republic (C‑64/06, EU:C:2007:348, n.o 21).

( 21 ) V., quanto a este ponto, Kaleda, S.L., op. cit., p. 183: «As disposições [do direito da União] que regem os efeitos de determinados atos são imediatamente aplicáveis, no momento da sua entrada em vigor, aos efeitos que se prosseguem — aplicam‑se, por exemplo, às infrações que, embora decorram de acontecimentos passados, ainda se encontrem em vigor à data da sua entrada em vigor.» [Versão original polaca: «przepisy [prawa Unii] regulujące skutki pewnych czynności są natychmiast stosowane w stosunku do skutków trwających w momencie ich wejścia w życie ‑ np. przechwytują naruszenie nadal trwające w dniu wejścia w życie, chociaż wynikające ze zdarzeń dawnych»].

( 22 ) V., Acórdão Achmea, n.o 35 e jurisprudência referida. V., igualmente, Malferrari, L., op. cit., pp. 48 e 50.

( 23 ) Parecer 2/13, de 18 de dezembro de 2014 (EU:C:2014:2454, n.o 176).

( 24 ) Parecer 1/09, de 8 de março de 2011 (EU:C:2011:123, n.o 89).

( 25 ) V., neste sentido, Acórdão Achmea, n.os 39 e 56.

( 26 ) Acórdãos de 10 de janeiro de 2006, Ynos (C‑302/04, EU:C:2006:9, n.os 36 e 37); de 30 de abril de 2020, EUROVIA (C‑258/19, EU:C:2020:345, n.os 42 e 43); e Despacho de 1 de outubro de 2020, Slovenský plynárenský priemysel (C‑113/20, não publicado, EU:C:2020:772, n.os 28 e 31). Para um estudo crítico da jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à sua competência para responder a questões prejudiciais no âmbito da adesão de novos Estados‑Membros à União, v. Półtorak, N., «Ratione Temporis Application of the Preliminary Rulings Procedure», Common Market Law Review, n.o 45, 2008, pp. 1357 a 1381.

( 27 ) Acórdão de 29 de novembro de 2012 (C‑262/11, EU:C:2012:760).

( 28 ) Acordo celebrado e aprovado em nome da Comunidade pela Decisão 94/908/CECA, CE, Euratom do Conselho e da Comissão, de 19 de dezembro de 1994 (JO 1994, L 358, p. 1).

( 29 ) Tal situação distingue‑se da situação que deu origem ao Acórdão de 3 de setembro de 2014, X (C‑318/13, EU:C:2014:2133), no qual o Tribunal de Justiça se declarou competente por força do princípio da aplicabilidade imediata do direito da União aos efeitos futuros de uma situação surgida antes da adesão. No processo X, após a adesão da Finlândia à União, o órgão jurisdicional de reenvio tinha sido chamado a pronunciar‑se sobre um litígio relativo ao montante da indemnização que tinha igualmente sido concedida após a adesão, na sequência de um dano sofrido anteriormente a esta. Assim, o objeto do litígio dizia efetivamente respeito a factos posteriores à adesão, mesmo que estes constituíssem os efeitos futuros de uma situação surgida anteriormente, e destinava‑se a regular uma situação no futuro. Por sua vez, o litígio sobre o qual o tribunal arbitral foi chamado a pronunciar‑se no presente processo não tinha por objeto o montante da indemnização concedida, mas sim a própria existência de uma violação, por parte da Roménia, do TBI e, por conseguinte, dizia respeito a uma situação ocorrida antes da adesão.

( 30 ) Acórdão de 29 de novembro de 2012 (C‑262/11, EU:C:2012:760).

( 31 ) Por uma questão de exaustividade e para efeitos de curiosidade doutrinal, esclareço que um órgão jurisdicional romeno não pode interrogar o Tribunal de Justiça sobre os efeitos futuros da sua decisão relativa à violação pela Roménia do TBI à luz das regras do direito dos auxílios de Estado. Tal questão, por um lado, é puramente hipotética uma vez que, no momento em que o processo está pendente, não é possível determinar com exatidão o desfecho do litígio. Por outro lado, não se enquadra estritamente no objeto do litígio submetido ao órgão jurisdicional estatal, que apenas diz respeito à questão de saber se a Roménia violou ou não as obrigações que o TBI lhe impõe, pelo que a resposta do Tribunal de Justiça não é necessária para a decisão da causa.

( 32 ) N.o 34.

( 33 ) Acórdão Achmea, n.o 34. V., igualmente, Parecer 2/13, de 18 de dezembro de 2014 (EU:C:2014:2454, n.os 168 e 173 e jurisprudência aí referida).

( 34 ) C‑741/19, EU:C:2021:164, n.o 64.

( 35 ) V. Conclusões que apresentei no processo Komstroy (C‑741/19, EU:C:2021:164, n.o 65 e jurisprudência aí referida).

( 36 ) V. Conclusões que o advogado‑geral Y. Bot apresentou no Parecer 1/17 (Acordo ECG UE‑Canada, EU:C:2019:72, n.o 82).

( 37 ) V. Conclusões que o advogado‑geral M. Wathelet no processo Achmea (C‑284/16, EU:C:2017:699, n.o 40). V., igualmente, Kochenov, D., Lavranos, N., «Achmea Versus the Rule of Law: CJEU’s Dogmatic Dismissal of Investors’ Rights in Backsliding Member States of the European Union», Hague Journal on the Rule of Law, 2021.

( 38 ) Quanto à contribuição dos tribunais arbitrais em matéria de direito dos investimentos para o Estado de direito, v. Sadowski, W., «Protection of the Rule of Law in the European Union Through Investment Treaty Arbitration: Is Judicial Monopolism the Right Response to Illiberal Tendencies in Europe?», Common Market Law Review, 2018, n.o 55, pp. 1025 a 1060, e Kochenov, D., Lavranos, N., op. cit.

( 39 ) Decisão 2006/928/CE da Comissão, de 13 de dezembro de 2006, que estabelece um mecanismo de cooperação e de verificação dos progressos realizados na Roménia relativamente a objetivos de referência específicos nos domínios da reforma judiciária e da luta contra a corrupção e a criminalidade organizada (JO 2006, L 354, p. 56, a seguir «decisão MCV»).

( 40 ) V., neste sentido, Acórdão de 25 de julho de 2018, Minister for Justice and Equality (Falhas do sistema judicial) (C‑216/18 PPU, EU:C:2018:586, n.o 61).

( 41 ) Além disso, saliento que tal solução tem a vantagem de apresentar alguma coerência com a prática dos tribunais arbitrais, no que se refere à sua competência ratione temporis. A este respeito, v., Matringe, J. «La compétence ratione temporis et l’applicabilité du traité dans le temps», in Leben, C. (dir), La procédure arbitrale relative aux investissements internationaux, L.G.D.J., 2010, pp. 78 e 79.

( 42 ) N.o 78 do acórdão recorrido.

( 43 ) Acórdão de 29 de novembro de 2007, Stadtwerke Schwäbisch Hall e o./Comissão (C‑176/06 P, não publicado, EU:C:2007:730, n.o 17).

( 44 ) Acórdão de 21 de março de 2013 (C‑129/12, EU:C:2013:200, n.o 40).

( 45 ) Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Arriva Italia e o. (C‑385/18, EU:C:2019:1121, n.os 37 e 41).

( 46 ) Acórdão de 27 de junho de 2017, Congregación de Escuelas Pías Provincia Betania (C‑74/16, EU:C:2017:496, n.o 88), e Despacho de 7 de dezembro de 2017, Irlanda/Comissão (C‑369/16 P, não publicado, EU:C:2017:955, n.o 29).

( 47 ) Acórdão de 21 de março de 2013 (C‑129/12, EU:C:2013:200).

( 48 ) N.o 84 do acórdão recorrido.

( 49 ) Acórdão de 29 de novembro de 2018, ARFEA/Comissão (T‑720/16, não publicado, EU:T:2018:853, n.o 185).

( 50 ) Acórdão de 26 de outubro de 2016, DEI e Comissão/Alouminion tis Ellados (C‑590/14 P, EU:C:2016:797, n.o 59).

( 51 ) A argumentação desenvolvida pela Comissão no segundo fundamento do recurso de segunda instância assenta essencialmente na premissa de que, mesmo que se deva considerar que a medida foi concedida antes da adesão, o direito da União continuaria a ser aplicável na medida em que o pagamento da indemnização constitui o efeito futuro de uma situação surgida anteriormente. Considero que o Tribunal Geral fixou erradamente o momento da concessão do auxílio antes da adesão, uma vez que, na realidade, este ocorreu com a adoção da sentença arbitral e o seu cumprimento pela Roménia. Não é necessário determinar se o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao declarar que o pagamento da indemnização não constituía o efeito futuro de uma situação anterior e que o direito da União não era, assim, aplicável.

( 52 ) Acórdão de 27 de setembro de 1988 (106/87 a 120/87, EU:C:1988:457).

( 53 ) Acórdão de 27 de setembro de 1988, Asteris e o. (106/87 a 120/87, EU:C:1988:457, n.os 23 e 24). V., igualmente, Conclusões apresentadas pelo advogado‑geral D. Ruiz‑Jarabo Colomer nos processos apensos Atzeni e o. (C‑346/03 e C‑529/03, EU:C:2005:256, n.o 198).

( 54 ) Acórdão de 27 de setembro de 1988 (106/87 a 120/87, EU:C:1988:457).

( 55 ) Acórdão de 27 de setembro de 1988 (106/87 a 120/87, EU:C:1988:457).

( 56 ) Acórdão de 27 de setembro de 1988 (106/87 a 120/87, EU:C:1988:457).

( 57 ) Considerandos 101 e 102 da decisão controvertida.

( 58 ) Considerandos 105 a 107 da decisão controvertida.

( 59 ) Acórdão de 27 de setembro de 1988 (106/87 a 120/87, EU:C:1988:457).

( 60 ) Acórdão de 27 de setembro de 1988 (106/87 a 120/87, EU:C:1988:457).