CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

GERARD HOGAN

apresentadas em 25 de fevereiro de 2021 ( 1 )

Processos apensos C‑478/19 e C‑479/19

UBS Real Estate Kapitalanlagegesellschaft mbH

contra

Agenzia delle Entrate

[pedido de decisão prejudicial apresentado pela Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação, Itália)]

«Reenvio prejudicial — Liberdade de estabelecimento — Artigo 43.o, primeiro parágrafo, CE — Livre circulação de capitais — Artigo 56.o, n.o 1, CE — Impostos hipotecários e de registo — Benefícios fiscais concedidos unicamente a fundos de investimento imobiliário fechados»

I. Introdução

1.

Com os presentes pedidos de decisão prejudicial, a Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação, Itália) pede ao Tribunal de Justiça que se pronuncie sobre a compatibilidade com o direito da União, e, em particular, com as disposições dos Tratados relativas à livre circulação de capitais e à liberdade de estabelecimento, de uma legislação italiana que limita ao que designarei por fundos de investimento imobiliário «fechados» a possibilidade de reduzir para metade os impostos hipotecários e de registo sobre as aquisições de imobiliário comercial por conta de fundos de investimento imobiliário. O presente processo suscita uma vez mais questões de restrição à livre circulação de capitais em matéria tributária.

2.

Mais precisamente, os pedidos de decisão prejudicial foram apresentados no âmbito de processos entre a UBS Real Estate Kapitalanlagegesellschaft mbH (a seguir «UBS Real Estate»), uma sociedade de direito alemão criada enquanto sociedade de gestão de carteiras de fundos comuns de investimento, e a Agenzia delle Entrate (a seguir «Administração Fiscal italiana»). Estes processos têm por objeto os recursos interpostos pela UBS Real Estate das decisões tácitas da Administração Fiscal italiana de não reembolsar aos dois fundos de investimento alemães geridos pela referida sociedade o montante dos impostos hipotecários e de registo que pagaram quando registaram a aquisição de dois complexos comerciais com o fundamento de que estes não são, conforme exige o Decreto‑Lei n.o 223/2006 para efeitos da concessão do benefício de uma redução de 50 % nos impostos hipotecários e de registo, fundos de investimento fechados, mas sim fundos de investimento abertos.

II. Quadro jurídico

A. Direito da União

3.

À data dos factos em causa nos processos principais, o Tratado de Lisboa ainda não tinha entrado em vigor. Por conseguinte, embora determinadas partes se tenham referido às disposições do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e estas disposições sejam idênticas às anteriormente existentes, é necessário, não obstante, referir as disposições do Tratado que institui a Comunidade Europeia.

4.

Atualmente, o direito da União estabelece uma distinção entre dois tipos de organismos de investimento coletivo: os organismos de investimento coletivo em valores mobiliários (OICVM) e as instituições e instrumentos de investimento coletivo que não constituem OICVM, nomeadamente, os fundos de investimento alternativos (FIA), que estão abrangidos pela Diretiva 2011/61/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho de 2011, relativa aos gestores de fundos de investimento alternativos e que altera as Diretivas 2003/41/CE e 2009/65/CE e os Regulamentos (CE) n.o 1060/2009 e (UE) n.o 1095/2010 (a seguir «Diretiva FIA») ( 2 ), bem como pelo Regulamento Delegado (UE) n.o 694/2014 da Comissão, de 17 de dezembro de 2013, que completa a Diretiva 2011/61/UE do Parlamento Europeu e do Conselho no que diz respeito às normas técnicas de regulamentação que determinam os tipos de gestores de fundos de investimento alternativos ( 3 ).

5.

Contudo, a Diretiva FIA e o Regulamento Delegado n.o 694/2104 não eram aplicáveis à data dos factos em causa nos processos principais. Não obstante, o Regulamento Delegado n.o 694/2014 permite compreender a diferença entre um fundo fechado e um fundo aberto.

6.

Este regulamento delegado foi adotado para completar as regras constantes da Diretiva FIA com normas técnicas de regulamentação que determinam os tipos de gestores de fundos de investimento alternativos (a seguir «GFIA»), para que certas disposições da diretiva sejam aplicadas de modo uniforme ( 4 ).

7.

O considerando 2 deste regulamento prevê:

«É conveniente distinguir se um GFIA gere FIA de tipo aberto ou fechado, ou ambos os tipos, a fim de aplicar corretamente aos GFIA as regras em matéria de gestão da liquidez e de avaliação previstas na [Diretiva FIA]».

8.

O considerando 3 do mesmo regulamento dispõe:

«O fator distintivo que determina se um GFIA gere FIA de tipo aberto ou fechado prende‑se com o facto de um FIA de tipo aberto resgatar ou reembolsar as suas ações ou unidades de participação junto dos seus investidores, a pedido de qualquer um dos seus acionistas ou detentores de unidades de participação, antes do início da sua fase de liquidação ou dissolução, de acordo com os procedimentos e a frequência estabelecidos no seu regulamento ou instrumentos constitutivos, prospetos e documentos de oferta. […]».

9.

O artigo 1.o, n.os 1 a 3, do referido regulamento, que é o único artigo com conteúdo normativo, estabelece o seguinte:

«1.   Um GFIA pode ser um ou ambos dos seguintes:

um GFIA de um ou mais FIA de tipo aberto,

um GFIA de um ou mais FIA de tipo fechado.

2.   Considera‑se como GFIA de FIA de tipo aberto um GFIA que gere um FIA cujas ações ou unidades de participação, a pedido de qualquer um dos seus acionistas ou detentores de unidades de participação, são resgatadas ou reembolsadas antes do início da sua fase de liquidação ou dissolução, direta ou indiretamente, a partir dos ativos do FIA e em conformidade com os procedimentos e a frequência estabelecidos no seu regulamento ou instrumentos constitutivos, prospetos ou documentos de oferta.

Não deve ser tida em consideração para determinar se o FIA é ou não de tipo aberto uma redução do capital do FIA decorrente de distribuições, efetuadas de acordo com o seu regulamento ou instrumentos constitutivos, prospeto ou documentos de oferta, mesmo no caso de ter sido autorizada por deliberação dos acionistas ou detentores de unidades de participação proferida em conformidade com os referidos regulamento ou instrumentos constitutivos, prospeto ou documentos de oferta.

Não deve ser tomado em consideração, para determinar se o FIA é de tipo aberto, o facto de as ações ou unidades de participação de um FIA poderem ou não ser negociadas no mercado secundário e não serem resgatadas ou reembolsadas pelo FIA.

3.   Um GFIA de um FIA de tipo fechado é um GFIA que gere um FIA que não é do tipo descrito no n.o 2».

B. Direito italiano

1.   Decreto Legislativo n.o 347/1990

10.

O Decreto Legislativo 31 Ottobre 1990, n.o 347 relativo alle disposizioni concernenti le imposte ipotecaria e catastale (Decreto Legislativo n.o 347, de 31 de outubro de 1990, relativo às Disposições respeitantes aos Impostos Hipotecários e de Registo, a seguir «Decreto Legislativo n.o 347/1990»), estabelece que as formalidades de transcrição, registo de hipotecas, renovação e averbamento no registo estão sujeitas a imposto hipotecário. A base tributária é constituída pelo valor do imóvel transmitido ou doado e a taxa de imposto está fixada em 1,6 %.

11.

O Decreto Legislativo n.o 347/1990 especifica igualmente que a mudança de nome do titular do direito propriedade ou de um direito real sobre um bem imobiliário inscrito no registo predial está sujeita a imposto de registo («imposta catastale»). Este imposto, cuja taxa é de 0,4 %, é proporcional ao valor do imóvel.

2.   Decreto Ministerial n.o 228/1999

12.

O Decreto ministeriale n.o 228 — Regolamento recante norme per la determinazione dei criteri generali cui devono essere uniformati i fondi comuni di investimento (Decreto Ministerial n.o 228 — Regulamento que Estabelece Normas para Determinar os Critérios Gerais que os Fundos Comuns de Investimento Devem Cumprir), de 24 de maio de 1999 ( 5 ), previa que os fundos imobiliários são fundos que investem exclusiva ou principalmente em imobiliário, direitos imobiliários e participações em sociedades imobiliárias.

3.   Decreto‑Lei n.o 223/2006

13.

O artigo 35.o, sob a epígrafe «Medidas de combate à fraude e à evasão fiscal», do Decreto‑Legge n.o 223 — Disposizioni urgenti per il rilancio economico e sociale, per il contenimento e la razionalizzazione della spesa pubblica, nonchè interventi in materia di entrate e di contrasto all’evasione fiscale (Decreto‑Lei n.o 223/2006, que Adota Disposições Urgentes com vista à Dinamização Económica e Social, à Contenção e à Racionalização da Despesa Pública, bem como Medidas em Matéria de Receitas e de Combate à Evasão Fiscal), de 4 de julho de 2006 ( 6 ), convertido, com alterações, na Lei de 4 de agosto de 2006, n.o 248 (a seguir «Decreto‑Lei n.o 223/2006»), estabelece, no seu n.o 10‑ter:

«Relativamente às cessões prediais e às transcrições relativas a cessões de ativos imobiliários […], ainda que sujeitas ao imposto sobre o valor acrescentado, em que participem fundos imobiliários fechados que se regem pelo artigo 37.o do testo unico delle disposizioni in materia di intermediazione finanziaria [Texto Único das Disposições em Matéria de Intermediação Financeira], a que se refere o decreto legislativo 24 febbraio 1998, n.o 58 [Decreto Legislativo n.o 58, de 24 de fevereiro de 1998], e alterações posteriores, e pelo artigo 14.obis da legge 25 gennaio 1994, n.o 86 [Lei n.o 86, de 25 de janeiro de 1994], ou seja, empresas de locação financeira, ou bancos e intermediários financeiros […], apenas no que respeita à aquisição e ao resgate dos bens a ceder ou cedidos em locação financeira, as taxas dos impostos hipotecários e de registo, conforme alteradas pelo n.o 10‑bis do presente artigo, são reduzidas para metade. A disposição aplicável ao período anterior produz efeitos a partir de 1 de outubro de 2006».

4.   Decreto Legislativo n.o 58/1998

14.

O Decreto Legislativo n.o 58/1998 — Testo unico delle disposizioni in materia di intermediazione finanziaria, ai sensi degli articoli 8 e 21 della legge 6 febbraio 1996, n.o 52 (Decreto Legislativo n.o 58/1998, Texto Único das Disposições Legislativas em Matéria de Intermediação Financeira, nos Termos dos Artigos 8.o e 21.o da Lei de 6 de fevereiro de 1996, n.o 52), de 24 de fevereiro de 1998 ( 7 ), na sua versão em vigor à data em que foram realizadas as duas transações em causa nos processos principais, dispunha, no seu artigo 1.o, sob a epígrafe «Definições»:

«1.   Para efeitos do presente decreto legislativo, entende‑se por:

[…]

(k)

“fundo aberto”: fundo comum de investimento no qual os participantes têm o direito de pedir, a qualquer momento, o reembolso das participações de acordo com as regras de funcionamento do fundo;

(l)

“fundo fechado”: fundo comum de investimento no qual os participantes apenas têm direito ao reembolso das participações em prazos predefinidos […]».

15.

O artigo 36.o do Decreto Legislativo n.o 58/1998, sob a epígrafe «Fundos comuns de investimento», na sua versão em vigor à data dos factos dos processos principais, estabelecia que:

«1.   O fundo comum é gerido pela sociedade de gestão de carteiras que o constituiu ou por outra sociedade de gestão de carteiras. Esta última gere tanto fundos criados pela própria como fundos criados por outras sociedades.

[…]

3.   A participação no fundo comum é regida pelo regulamento do fundo. A Banca d’Italia, após consultar a [Commissione Nationale per le Società e la Borsa (CONSOB) (Comissão Nacional para as Sociedades e a Bolsa, Itália)], estabelece os critérios gerais aplicáveis à elaboração do regulamento do fundo, bem como o conteúdo mínimo deste último, em complemento do disposto no artigo 39.o

[…]

6.   Cada fundo comum de investimento, ou cada subfundo do mesmo fundo, constitui uma carteira independente, separada para todos os efeitos legais dos ativos da sociedade de gestão da carteira e de cada participante, bem como de quaisquer outros ativos geridos pela mesma sociedade […]».

16.

Nos termos do artigo 37.o do Decreto Legislativo n.o 58/1998, na sua versão em vigor à data dos factos dos processos principais, sob a epígrafe «Estrutura dos fundos comuns»:

«1.   O ministro da Economia e Finanças estabelece, através de um regulamento adotado após consulta ao Banco de Itália e à CONSOB, os critérios gerais que os fundos comuns devem cumprir em matéria de:

a)

objetivo do investimento;

b)

categorias de investidores a quem a oferta de participações se destina;

c)

termos de participação em fundos abertos e fechados, nomeadamente a frequência de emissão e do reembolso de participações, o limiar mínimo de subscrição, se aplicável, e os procedimentos a seguir;

d)

duração mínima e máxima, se aplicável;

d‑bis)

os termos e condições aplicáveis às aquisições ou às entradas de bens, tanto no momento da constituição do fundo como posteriormente, no que respeita aos fundos que invistam exclusiva ou principalmente em imobiliário, em direitos imobiliários e em participações em sociedades imobiliárias.

[…]

2‑bis.   O regulamento referido no n.o 1 fixa igualmente as matérias a propósito das quais os participantes em fundos fechados se reúnem em assembleia para adotar decisões vinculativas para a sociedade de gestão de carteiras. A assembleia decide ainda sobre a substituição da sociedade de gestão de carteiras, sobre o pedido de admissão à cotação quando esta não está prevista e sobre as alterações às políticas de gestão. […]».

17.

Segundo o artigo 39.o do Decreto Legislativo n.o 58/1998, na sua versão em vigor à data dos factos nos processos principais, sob a epígrafe «Regulamento do fundo»:

«1.   Cada fundo comum possui um regulamento que define as suas características, rege o seu funcionamento, designa a sociedade promotora, o gestor quando este não é a sociedade promotora e o banco depositário, fixa a repartição de tarefas entre estes últimos e regula as relações existentes entre os mesmos e os participantes.

2.   O regulamento prevê, nomeadamente:

a)

o nome e a duração do fundo;

b)

as modalidades de participação no fundo, os prazos e condições da emissão e extinção de certificados, assim como a subscrição e o reembolso de participações, bem como os termos de liquidação do fundo;

c)

os organismos competentes para a escolha dos investimentos e os critérios de afetação destes investimentos;

d)

o tipo de bens, instrumentos financeiros e outros títulos nos quais é possível investir os ativos do fundo;

[…]»

III. Matéria de facto nos processos principais e questão prejudicial

18.

A UBS Real Estate é uma sociedade de gestão de carteiras de fundos comuns com sede na Alemanha e uma sucursal em Itália. Gere as carteiras de dois fundos de investimento imobiliário, nomeadamente, «UBS (D) 3 Sector Real Estate Europe» em liquidação [anteriormente «UBS (D) 3 Kontinente Immobilien»] e «UBS (D) Euroinvest Immobilien Real Estate Investment Fund» (a seguir «fundos UBS»), ambos constituídos nos termos do direito alemão ( 8 ).

19.

Em 4 de outubro de 2006, a UBS Real Estate adquiriu, por conta dos fundos UBS, dois complexos imobiliários para utilização profissional sitos em San Donato Milanese, Itália. No momento do registo da aquisição dos dois imóveis, a UBS Real Estate pagou à Administração Fiscal italiana, por conta de ambos os fundos, o imposto hipotecário (3 %) e o imposto de registo (1 %) no montante total de 802400 euros relativamente a um imóvel e 820900 euros relativamente ao outro imóvel.

20.

Posteriormente, a UBS Real Estate tomou conhecimento de que o Decreto‑Lei n.o 223/2006 tinha entrado em vigor em 1 de outubro de 2006. Este decreto‑lei prevê a redução para metade dos impostos hipotecários e de registo sobre aquisições imobiliárias por conta de fundos de investimento imobiliário fechados na aceção do artigo 37.o do Decreto Legislativo n.o 58/1998.

21.

A UBS Real Estate apresentou à Administração Fiscal italiana dois pedidos de reembolso de dois alegados pagamentos de impostos em excesso pelo registo de cada imóvel, argumentando que os fundos abertos, tais como os dois fundos em causa, também tinham o direito de beneficiar das disposições do Decreto‑Lei n.o 223/2006.

22.

A Administração Fiscal italiana não proferiu, de facto, qualquer decisão expressa em relação aos dois pedidos apresentados pela UBS Real Estate. Contudo, nos termos da legislação italiana, esta omissão deu origem a dois indeferimentos tácitos («silenzio‑rifiuto») dos pedidos.

23.

Em seguida, a UBS Real Estate interpôs dois recursos destas duas decisões tácitas na Commissione Tributaria Provinciale di Milano (Comissão Tributária Provincial de Milão, Itália). Foi negado provimento a estes recursos com o fundamento de que o legislador italiano tinha expressamente limitado o benefício da redução fiscal previsto no Decreto‑Lei n.o 223/2006 apenas à categoria dos fundos de investimento fechados.

24.

A UBS Real Estate interpôs recurso das duas decisões da Comissão Tributária Provincial na Commissione Tributaria Regionale per la Lombardia (Comissão Tributária Regional da Lombardia, Itália).

25.

Por duas Decisões de 3 de abril de 2012, a Commissione Tributaria Regionale per la Lombardia (Comissão Tributária Regional da Lombardia) negou provimento aos referidos recursos com o fundamento de que, tendo em conta as diferenças significativas entre os dois tipos de fundos imobiliários (o fundo fechado regido pelo direito italiano e o fundo aberto regido pelo direito alemão), não se verifica uma violação do direito da União por desigualdade de tratamento (na medida em que a situações diferentes podem corresponder regimes fiscais diferentes), nem uma violação do artigo 25.o da convenção celebrada entre a Itália e a Alemanha para evitar a dupla tributação (não existe uma discriminação em razão da nacionalidade).

26.

Em seguida, a UBS Real Estate interpôs dois recursos de cassação na Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação) das referidas decisões. Nestes recursos, a UBS Real Estate contestou, designadamente, a compatibilidade do artigo 35.o, n.o 10‑ter, do Decreto‑Lei n.o 223/2006 com o disposto nos atuais artigos 18.o, 49.o e 63.o TFUE. A Administração Fiscal contestou esses recursos e interpôs um recurso subordinado.

27.

Em apoio dos seus recursos, a UBS Real Estate alega, designadamente, que a Comissão Tributária Regional violou o artigo 49.o TFUE ao declarar que a diferença de tratamento fiscal entre os fundos de investimento fechados e os fundos de investimento abertos se justifica por existirem diferenças nas situações, ainda que tais diferenças sejam irrelevantes à luz do critério utilizado e da lógica subjacente ao artigo 35.o, n.o 10‑ter, do Decreto‑Lei n.o 223/2006.

28.

A Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação) considera que os dois casos suscitam, em substância, a questão de saber se as diferenças existentes entre os fundos de investimento fechados regidos pelo direito italiano e os fundos de investimento abertos regidos pelo direito de outro Estado‑Membro são suscetíveis de justificar um tratamento fiscal diferente.

29.

A este respeito, o referido órgão jurisdicional sublinha que o regime fiscal italiano dos fundos comuns de investimento imobiliário foi objeto de várias alterações nos últimos anos, destinadas a incentivar o desenvolvimento dos fundos fechados, embora assegurando simultaneamente que estes não sejam utilizados com o objetivo de contornar a legislação.

30.

No que se refere mais especificamente ao artigo 35.o, n.o 10‑ter, do Decreto‑Lei n.o 223/2006, a Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação) declarou que a limitação do benefício fiscal previsto nesta disposição a fundos fechados visa meramente, no essencial, promover e incentivar o desenvolvimento de fundos coletivos de investimento imobiliário que não prossigam finalidades altamente especulativas e incertas, e limitar os riscos sistémicos no mercado imobiliário em caso de crise. Com efeito, em caso de crise no mercado imobiliário, as pessoas que tenham investido em fundos de investimento deste tipo pedirão, em regra, o reembolso antecipado das suas participações, o que resultará na absorção das reservas de liquidez de tais fundos. Estes últimos seriam então obrigados a vender abaixo do seu valor normal parte dos bens imóveis adquiridos de modo a satisfazerem tais pedidos de reembolso, o que acentuaria a crise. Por esta razão, seria preferível incentivar os investidores a adquirirem unidades de fundos fechados do que unidades de fundos abertos.

31.

Neste contexto, a Corte suprema di cassazione (Tribunal de Cassação) decidiu suspender a instância e submeter, em cada processo, uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça, cuja redação é idêntica em ambos os processos:

«O direito da União — em especial as disposições do Tratado em matéria de liberdade de estabelecimento e de livre circulação de capitais, conforme interpretadas pelo Tribunal de Justiça — [obsta] à aplicação de uma disposição de direito nacional, como a constante do artigo 35.o, n.o 10‑ter, do Decreto‑Lei n.o 223/2006 (na parte em que limita aos fundos de investimento imobiliário fechados os benefícios em sede de impostos hipotecários e de registo)?»

32.

No decurso do processo, o Tribunal de Justiça colocou questões para resposta escrita ao Governo italiano e à UBS Real Estate. A UBS Real Estate respondeu a estas questões, mas o Governo italiano não o fez, pelo que certos aspetos da sua legislação continuam por confirmar.

IV. Análise

33.

Antes de mais, importa recordar que, em primeiro lugar, nos termos do artigo 267.o TFUE, no âmbito de um reenvio prejudicial, o Tribunal de Justiça apenas é competente para decidir sobre a interpretação dos Tratados ou sobre a validade e a interpretação dos atos das instituições, órgãos ou organismos da União, mas não sobre a interpretação exata a dar à legislação nacional ou sobre a compatibilidade das disposições de direito interno com as normas jurídicas da União ou sobre a exatidão de todas as informações factuais constantes dos autos do processo ( 9 ).

34.

Daqui decorre que, por um lado, o Tribunal de Justiça não é competente para se pronunciar sobre a interpretação de um acordo internacional celebrado pelos Estados‑Membros, tal como a convenção existente entre a Itália e a Alemanha para evitar a dupla tributação. Por outro, quando o Tribunal de Justiça se pronuncia a título prejudicial (e contrariamente à situação existente nas ações por incumprimento), a resposta que fornece tem sempre em consideração as circunstâncias referidas pelo órgão jurisdicional nacional. Cabe exclusivamente a este último verificar se as informações factuais transmitidas são corretas e, por conseguinte, se a premissa da questão colocada corresponde à situação em causa no processo principal, em especial no que respeita aos objetivos prosseguidos pela legislação em causa ( 10 ).

35.

É certo que o Tribunal de Justiça pode tomar em consideração as convenções bilaterais existentes entre dois Estados‑Membros, enquanto parte do quadro jurídico, a fim de limitar a situação descrita pelo órgão jurisdicional de reenvio na sua questão e, assim, fornecer uma interpretação do direito da União que seja útil ao órgão jurisdicional nacional, desde que não se pronuncie sobre a interpretação concreta do mesmo ( 11 ).

36.

No entanto, no presente processo, não parece que a convenção fiscal existente entre a Itália e a Alemanha constitua a justificação das decisões impugnadas, nem o órgão jurisdicional nacional lhe faz referência nas suas duas questões. Neste contexto, não vislumbro qualquer razão para a ter em conta na resposta às questões colocadas.

37.

Em segundo lugar, na medida em que o órgão jurisdicional de reenvio refere nas suas questões várias liberdades de circulação, é necessário, primeiro, determinar qual destas liberdades é pertinente.

A. Determinação das disposições pertinentes do Tratado

38.

Uma vez que o órgão jurisdicional nacional refere na sua questão tanto a liberdade de estabelecimento, prevista no artigo 43.o CE, como a livre circulação de capitais, consagrada no artigo 56.o CE, é necessário determinar se a medida nacional em causa nos processos principais está abrangida pelo âmbito de aplicação da liberdade de estabelecimento ou da livre circulação de capitais, ou por ambos.

39.

Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, para determinar se a medida nacional está abrangida por uma ou mais liberdades, deve ser tido em consideração o objetivo da legislação em causa ( 12 ).

40.

A este respeito, importa observar que a liberdade de estabelecimento pode ser definida como a liberdade de constituir ou transferir uma sociedade num Estado‑Membro distinto do Estado de origem, nas mesmas condições que se aplicam aos residentes ( 13 ). Por conseguinte, essa liberdade pressupõe que o operador em causa pretende prosseguir, de maneira efetiva, a sua atividade económica através de um estabelecimento fixo e por um período indeterminado ( 14 ). Assim, por exemplo, num litígio relativo a um imóvel, a liberdade de estabelecimento pode ser invocada pelas pessoas que adquirem este imóvel se nele pretenderem exercer uma atividade económica ( 15 ).

41.

Embora o Tratado CE não tenha definido o conceito de «circulação de capitais» — tal como atualmente o TFUE também não o define —, é, no entanto, jurisprudência constante que a Diretiva 88/361/CEE do Conselho, de 24 de junho de 1988, para a execução do artigo 67.o do Tratado ( 16 ), juntamente com a nomenclatura e as notas explicativas que lhe estão anexas, tem, a esse respeito, valor indicativo ( 17 ). De acordo com essas notas explicativas, os movimentos de capitais transfronteiriços incluem, nomeadamente, «[a]s aquisições de propriedades construídas e não construídas bem como a construção de edifícios por pessoas privadas com fins lucrativos ou pessoais». Com efeito, o direito de adquirir, explorar e dispor de bens imóveis no território de outro Estado‑Membro gera necessariamente, quando exercido, movimentos de capitais.

42.

Daqui decorre que qualquer medida nacional que regule o investimento imobiliário efetuado por não residentes no território de um Estado‑Membro pode afetar quase inevitavelmente tanto a liberdade de estabelecimento como a livre circulação de capitais ( 18 ).

43.

No entanto, segundo jurisprudência constante, a justificação do reenvio prejudicial não é emitir opiniões consultivas sobre questões gerais ou hipotéticas, mas a necessidade inerente à efetiva solução de um litígio ( 19 ). Por conseguinte, para determinar qual a liberdade que servirá de base para responder à questão submetida, há que ter em conta as características do litígio em causa no processo principal. Com efeito, o facto de uma medida nacional poder interferir com duas liberdades não significa necessariamente que estas duas liberdades possam ser invocadas pelo recorrente no processo principal. Assim, na hipótese de uma medida nacional poder ser abrangida pelo âmbito de aplicação de duas liberdades, a mesma deve ser apreciada tendo em conta apenas uma destas duas liberdades, caso se afigure, nas circunstâncias do processo, que o recorrente só pode invocar uma delas ( 20 ).

44.

No presente caso, parece resultar dos autos que os dois fundos que adquiriram os dois complexos comerciais em causa fizeram‑no enquanto forma de investimento passivo e não para estabelecerem um negócio ou utilizarem de qualquer outra forma os imóveis em questão. Daqui decorre que os fundos nos processos principais não exerceram o direito à liberdade de estabelecimento, mas apenas o direito à livre circulação de capitais ( 21 ). Por conseguinte, conforme a Comissão declarou, a alegada diferença de tratamento deve ser apreciada unicamente do ponto de vista da livre circulação de capitais.

45.

No entanto, para que qualquer liberdade de circulação associada ao mercado interno seja aplicável, é necessário que estejam preenchidas duas condições: em primeiro lugar, a situação em causa no processo principal não deve ser puramente interna do Estado‑Membro em questão ( 22 ); em segundo lugar, o domínio abrangido pela medida nacional cuja compatibilidade com o direito da União é contestada ainda não deve ter sido completamente harmonizado ( 23 ).

46.

No presente processo, a primeira condição está claramente preenchida, uma vez que a recorrente atua por conta de dois fundos regidos pelo direito de outro Estado‑Membro. No que diz respeito à segunda condição — ou seja, determinar se o domínio abrangido pela medida em causa no processo principal está totalmente harmonizado ao nível da União — deve ser tida em conta não a atividade exercida pelos fundos, mas a natureza e o efeito de tal medida.

47.

A este respeito, é possível observar que, uma vez que o artigo 35.o do Decreto‑Lei n.o 223/2006 se aplica em caso de transferência e alienação de imóveis para utilização profissional, e dado que tem por objeto a concessão de um benefício fiscal, esta medida está abrangida pelo direito fiscal imobiliário. É evidente que o direito da União não harmonizou as normas fiscais aplicáveis às transações imobiliárias, incluindo quando, como sucede no presente processo, estas são realizadas por um fundo imobiliário «fechado».

48.

Neste contexto, proponho apreciar a legislação nacional em causa apenas à luz da livre circulação de capitais, consagrada no artigo 56.o CE (atual artigo 63.o TFUE).

B. Quanto à existência de uma restrição

1.   Quanto ao critério aplicável

49.

Antes de mais, importa recordar que a tributação direta continua a ser uma matéria essencialmente reservada aos Estados‑Membros, que têm liberdade para estabelecerem o sistema de tributação que considerem mais adequado. Cabe‑lhes determinar o âmbito das suas competências fiscais, bem como os princípios básicos dos seus sistemas fiscais. No atual estado de harmonização das legislações fiscais nacionais, os Estados‑Membros têm, assim, liberdade para estabelecerem o sistema de tributação que considerem mais adequado ( 24 ).

50.

Neste contexto, as referidas liberdades de circulação não podem ser entendidas no sentido de que o Estado‑Membro deve alinhar as suas normas fiscais com as dos outros Estados‑Membros, a fim de garantir, em todas as circunstâncias, a eliminação de quaisquer diferenças ( 25 ). Por conseguinte, as desvantagens que poderiam decorrer do exercício paralelo de competências fiscais soberanas pelos Estados‑Membros não devem, por si só, ser consideradas restrições da livre circulação de capitais ( 26 ). Caso contrário, a capacidade de os Estados‑Membros cobrarem impostos seria indevidamente afetada. Nestas circunstâncias, deve admitir‑se que as quase restrições resultantes da coexistência de dois sistemas de tributação não estão abrangidas pelo âmbito de aplicação do Tratado ( 27 ).

51.

No entanto, os Estados‑Membros devem exercer as suas competências fiscais de forma coerente com a liberdade de circulação, o que significa que, em 2006, não deveriam ter adotado medidas proibidas pelo artigo 56.o, n.o 1, CE (atual artigo 63.o, n.o 1, TFUE) ( 28 ).

52.

Em matéria fiscal, o Tribunal de Justiça adota geralmente uma abordagem mais restritiva do que noutras matérias quando avalia o respeito pelas liberdades de circulação. Com efeito, embora nestas outras matérias o Tribunal de Justiça considere que existe uma restrição sempre que a legislação fiscal nacional em causa tenha tido apenas um efeito dissuasivo sobre as operações transfronteiriças, importa observar que o mero facto de sujeitar uma atividade ou transação a um determinado imposto torna‑a necessariamente menos atrativa. Assim, de modo a não prejudicar indevidamente a capacidade de os Estados‑Membros cobrarem impostos, o Tribunal de Justiça considera, em princípio, que, para ser qualificada de restrição neste sentido, uma medida fiscal deve estabelecer uma discriminação, direta ou indireta, em prejuízo de um investidor transfronteiriço ( 29 ). Por conseguinte, para que uma medida seja declarada incompatível com o direito da União, o Tribunal de Justiça exige, em princípio, a realização de um teste comparativo ( 30 ).

53.

Em geral, uma medida deve ser considerada discriminatória quando tem por objeto ou efeito tratar situações comparáveis de forma diferente ou, inversamente, tratar situações diferentes de forma idêntica ( 31 ).

54.

Uma vez que o objetivo das liberdades de circulação é a realização do mercado interno, o Tribunal de Justiça utilizou inicialmente uma definição específica neste domínio. Com efeito, sempre que o Tratado proíbe a utilização de um critério específico, ocorre uma discriminação direta quando uma pessoa é expressamente tratada de forma menos favorável com base nesse critério. Ao invés, existe uma discriminação indireta quando o critério utilizado se afigura aparentemente neutro, mas, na prática, coloca as pessoas que cumprem o critério proibido numa situação de desvantagem em relação a outras ( 32 ). Com base nesta abordagem, no âmbito do exercício das liberdades de circulação, incluindo a livre circulação de capitais, o Tribunal de Justiça costumava considerar que existia uma discriminação direta quando uma medida estabelecia uma distinção em função da nacionalidade e que existia uma discriminação indireta quando uma medida, embora baseada noutro critério, como o da residência, conduzia efetivamente ao mesmo resultado ( 33 ).

55.

Contudo, importa observar que, desde há cerca de uma década, o Tribunal de Justiça tem recorrido com muita frequência (mas nem sempre) ( 34 ) à definição geral do conceito de discriminação — enunciada no n.o 53 das presentes conclusões —, o que pode suscitar várias questões.

56.

Em primeiro lugar, é difícil não sublinhar que esta abordagem mais geral pode conduzir a um resultado paradoxal em que, se um ato legislativo prosseguir um objetivo claramente discriminatório, não será constatada qualquer discriminação, uma vez que, tendo em conta este objetivo, as situações em causa devem ser consideradas diferentes.

57.

Em segundo lugar, esta abordagem não se afigura inteiramente coerente com a abordagem que também foi seguida em alguns destes mesmos acórdãos, que consiste em apreciar a comparabilidade das situações na fase de justificação, quando, de acordo com a definição geral do conceito de discriminação, a comparabilidade da situação em causa faz parte da definição do próprio conceito de discriminação ( 35 ).

58.

Em terceiro lugar, na medida em que a comparabilidade deve ser avaliada à luz dos objetivos prosseguidos pela legislação em causa, é lógico começar por verificar se o objetivo prosseguido é admissível antes de proceder à comparação. Nesta situação, pode colocar‑se a questão de saber o que ainda falta apreciar na fase de justificação.

59.

Pela minha parte, creio que, independentemente da abordagem adotada, no caso de discriminação direta, ou seja, de discriminação por objeto, geralmente não é necessário avaliar se as situações em causa são estritamente comparáveis, uma vez que esta comparabilidade pode ser presumida.

60.

No que respeita à fase em que a comparação deve ser realizada, é possível observar que a jurisprudência sobre esta matéria nem sempre estabelece uma distinção muito clara entre as diferentes fases do teste (ou seja, se a medida equivale a uma restrição e, em caso afirmativo, se é objetivamente justificável), mas examina, em geral, se a medida é contrária aos Tratados ( 36 ). Em todo o caso, mesmo que se possa considerar que este exame é metodologicamente insatisfatório, observo que, no âmbito do processo de reenvio prejudicial, a fase em que o exame da comparabilidade é efetuado não produz efeitos práticos, desde que, evidentemente, tal exame seja efetuado ( 37 ).

61.

Por último, quanto aos objetivos que devem ser tidos em conta ao examinar a comparabilidade e a justificação, respetivamente, quaisquer dúvidas que possam existir a este respeito podem, em meu entender, ser facilmente resolvidas. O que importa para a comparação é o objetivo prosseguido pela vantagem ou desvantagem fiscal cuja aplicação é contestada, ao passo que, na fase do exame das eventuais justificações, os objetivos que devem ser tidos em conta são os especificamente prosseguidos, no âmbito desta medida, pelo critério que conduziu à aplicação ou, dependendo da situação, à recusa de aplicação desta medida à situação ou operação transfronteiriça em causa ( 38 ).

62.

A este respeito, o que, em meu entender, deve ser tido em conta no âmbito do exame da comparabilidade de situações — quer seja considerado como condição para definir o conceito de restrição ou como justificação — é que o critério de comparação utilizável para determinar se a diferença de tratamento resultante de tal legislação reflete uma diferença objetiva nas situações concretas depende dos objetivos prosseguidos pela legislação em causa ( 39 ).

63.

Neste contexto, importa também recordar que o mero facto de ser negado a uma entidade de direito estrangeiro e com uma forma societária desconhecida no Estado de acolhimento um determinado benefício fiscal previsto para outras categorias de entidades não é, por si só, suficiente para estabelecer que a legislação em causa cria uma restrição injustificada à livre circulação de capitais. Com efeito, esta regra pode ser perfeitamente coerente com outra opção feita por este Estado‑Membro, nomeadamente, tributar os lucros distribuídos de acordo com o estatuto jurídico da entidade que procede à distribuição e não de acordo com a natureza da atividade exercida ( 40 ). Por exemplo, conforme expliquei nas Conclusões que apresentei no processo E (Rendimentos pagos por OICVM) (C‑480/19, EU:C:2020:942), faz todo o sentido que um Estado‑Membro aplique as regras fiscais relativas à tributação dos dividendos aos rendimentos distribuídos por fundos com personalidade jurídica, mesmo quando o Estado‑Membro em causa não permite que os seus próprios fundos sejam constituídos de tal forma.

64.

No entanto, seria errado excluir qualquer risco de discriminação indireta, mesmo quando o critério relevante pode ser satisfeito por determinadas entidades estrangeiras. Efetivamente, quando um critério utilizado produz o efeito de excluir apenas em parte as entidades estrangeiras — por exemplo, aquelas que optaram por uma determinada forma societária — o facto, inverso, de apenas as entidades estrangeiras serem suscetíveis de não satisfazer a condição ou condições exigidas para usufruírem de um benefício fiscal pode, todavia, suscitar dúvidas quanto às verdadeiras intenções do legislador nacional ( 41 ).

65.

Por conseguinte, neste tipo de situação é particularmente importante apreciar a comparabilidade das situações de tais entidades estrangeiras, a fim de avaliar se a escolha desse critério é coerente com a lógica do direito nacional e, assim, se o facto de apenas as entidades estrangeiras serem suscetíveis de não satisfazer esse critério é a simples consequência da escolha do Estado‑Membro de não prever essa forma jurídica específica ou, pelo contrário, se constitui um meio indireto de favorecer as empresas nacionais.

66.

Por último, importa recordar que uma diferença de tratamento pode ser compatível com o direito da União se for justificada, em caso de discriminação direta, por um dos motivos expressamente previstos nos Tratados ( 42 ) ou, em caso de discriminação indireta, também por razões imperiosas de interesse geral e, em ambos os casos, desde que a medida do direito nacional seja adequada para garantir a prossecução do objetivo em causa e não exceda o necessário para atingir esse objetivo ( 43 ).

67.

É à luz do exposto que proponho responder à questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio.

2.   Aplicação

68.

Antes de mais, importa observar que o artigo 35.o, n.o 10‑ter, do Decreto‑Lei n.o 223/2006 sujeita o benefício da redução das taxas dos impostos hipotecários e de registo a duas condições específicas, nomeadamente, em primeiro lugar, o requerente deve ser um fundo imobiliário fechado e, em segundo lugar, deve ser regido pelo artigo 37.o do Decreto Legislativo n.o 58/1998.

69.

Embora a questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio no presente processo apenas diga respeito à primeira condição, tomarei a liberdade de fazer algumas observações sobre a segunda condição. Com efeito, tendo sempre presente, como observei, que, em última análise, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio interpretar a legislação nacional, saliento que, uma vez que estas duas condições são distintas, cada uma delas poderia ser invocada para justificar a recusa em aplicar aos dois fundos imobiliários em causa a redução de 50 % no imposto.

a)   Quanto à segunda condição estabelecida no artigo 35.o, n.o 10‑ter, do Decreto‑Lei n.o 223/2006

70.

A recorrente alega que a segunda condição estabelece uma discriminação direta, na medida em que o artigo 37.o do Decreto Legislativo n.o 58/1998 se aplica apenas aos fundos regidos pelo direito italiano.

71.

Embora não decorra claramente das informações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio qual era o alcance do artigo 37.o do Decreto Legislativo n.o 58/1998 à data da ocorrência dos factos ( 44 ), importa sublinhar que, caso se verifique que esta disposição se aplicava unicamente aos fundos de direito italiano (para aqueles constituídos sob forma estatutária), ou aos fundos cujo contrato está sujeito ao direito italiano (para aqueles que têm uma forma contratual), ou aos fundos cuja sociedade de gestão tem sede em Itália, a segunda condição constituiria uma discriminação direta. Com efeito, nestas circunstâncias, a remissão efetuada pelo artigo 35.o, n.o 10‑ter, do Decreto‑Lei n.o 223/2006 para o artigo 37.o do Decreto Legislativo n.o 58/1998 equivaleria precisamente ao estabelecimento de um critério de «nacionalidade» do fundo para efeitos de aplicação do artigo 35.o, n.o 10‑ter, desse decreto‑lei ( 45 ).

72.

Conforme expliquei, uma discriminação direta apenas pode ser justificada por um dos motivos expressamente previstos nos Tratados, os quais, no âmbito da livre circulação de capitais, constam essencialmente do artigo 58.o, n.o 1, alínea b), CE (atual artigo 65.o, n.o 1, alínea b), TFUE), nomeadamente a manutenção da segurança e ordem públicas ( 46 ), que inclui a luta contra a evasão ou fraude fiscal e a necessidade de evitar benefícios fiscais injustificados.

73.

Por conseguinte, caso se conclua que o artigo 37.o do Decreto Legislativo n.o 58/1998 apenas é aplicável aos fundos sujeitos ao direito italiano ou geridos por sociedades de gestão regidas pelo direito italiano, afigura‑se difícil compreender como é que um desses motivos poderia ser considerado estabelecido, uma vez que, tendo em conta a natureza dos dois impostos em causa, o risco de evasão fiscal seria o mesmo independentemente da «nacionalidade» dos fundos em questão. Ainda que este critério prosseguisse o motivo de ordem pública que consiste em favorecer fundos imobiliários «fechados» (abordado mais detalhadamente em seguida) para evitar o risco sistémico, afigura‑se que tal risco seria o mesmo, independentemente da «nacionalidade» dos fundos.

b)   Quanto à primeira condição estabelecida no artigo 35.o, n.o 10‑ter, do Decreto‑Lei n.o 223/2006

1) Quanto à existência de uma restrição

74.

No que diz respeito à primeira condição, importa observar que, na medida em que não está diretamente ligada à legislação aplicável aos fundos, não é possível constatar qualquer discriminação direta.

75.

Relativamente à questão da possível existência de uma discriminação indireta, é necessário apreciar se o critério utilizado — nomeadamente, se um determinado fundo imobiliário é ou não «fechado» — corresponde a um critério que, embora aparentemente neutro, coloca, na prática, os fundos regidos pelo direito estrangeiro numa situação de desvantagem fiscal. Para isso, é necessário que este critério tenha por efeito tratar de forma menos favorável os fundos regidos pelo direito estrangeiro, ainda que, do ponto de vista dos objetivos prosseguidos pela medida fiscal em causa, estes se encontrem numa situação idêntica à dos fundos regidos pelo direito nacional. A este respeito, tal como anteriormente explicado, a discriminação indireta pode ser presumida quando as únicas entidades com poucas probabilidades de cumprir o critério utilizado são as entidades regidas pelo direito estrangeiro ( 47 ).

76.

No presente processo, ainda que tanto os fundos abertos como os fundos fechados estejam sujeitos aos impostos em causa aquando da aquisição de um imóvel, a primeira condição estabelece que apenas estes últimos podem beneficiar da redução de 50 % nos impostos. Nos termos do artigo 12.obis do Decreto Ministerial n.o 228/1999, em Itália, os fundos imobiliários só podem ser constituídos como fundos fechados. Daqui decorre que apenas os fundos que são regidos por outra legislação são suscetíveis de não satisfazer esta condição. Assim, nesta circunstância específica, deve presumir‑se que, apesar da sua aparentemente neutralidade, a aplicação deste critério equivale a uma diferença de tratamento em prejuízo de determinadas situações transfronteiriças.

77.

No entanto, tal diferença de tratamento apenas é suscetível de constituir uma discriminação indireta — e, por conseguinte, uma restrição para efeitos do artigo 56.o CE (atual artigo 63.o TFUE) — caso se possa considerar que os fundos abertos e os fundos fechados se encontram em situações verdadeiramente comparáveis, tendo em conta os objetivos prosseguidos pelo legislador quando concedeu o benefício fiscal solicitado, nomeadamente, no caso em apreço, a concessão de uma redução de 50 % nos impostos aplicáveis.

78.

Uma dificuldade que é imediatamente evidente é que o órgão jurisdicional de reenvio não foi muito claro quanto à razão pela qual a legislação italiana concedeu tal benefício fiscal. Com efeito, no seu pedido de decisão prejudicial, este órgão jurisdicional apenas referiu que: «[n]os últimos anos, o regime fiscal dos fundos de investimento imobiliário fechados tem sido objeto de numerosas intervenções legislativas motivadas por dois objetivos opostos: por um lado, incentivar o desenvolvimento de um instrumento especial de gestão de ativos; por outro, limitar a sua utilização para fins elisivos». Contudo, é difícil saber se esta declaração diz respeito aos artigos 35.o, n.o 10‑ter, do Decreto‑Lei n.o 223/2006 ou se se trata apenas de um esclarecimento do âmbito do presente processo, destinado a explicar a razão de ordem geral subjacente às diversas intervenções do legislador nacional no que respeita ao regime fiscal dos fundos de investimento.

79.

Mesmo presumindo que esta explicação se refere especificamente ao artigo 35.o, n.o 10‑ter, do Decreto‑Lei n.o 223/2006, isto serviria apenas para explicar a razão pela qual os fundos abertos são excluídos do benefício previsto nesta disposição, mas não a razão pela qual este benefício fiscal foi concedido.

80.

Neste contexto, a única explicação séria sobre o objetivo prosseguido pela redução de 50 % dos impostos foi apresentada pela UBS Real Estate. Segundo esta, o verdadeiro objetivo da legislação era evitar prejudicar os fundos que frequentemente realizam operações de compra e venda ( 48 ), na medida em que, do ponto de vista económico, estas transações seriam tributadas duas vezes ( 49 ).

81.

Se assim fosse — questão que cabe ao órgão jurisdicional nacional verificar —, teria de se concluir que, do ponto de vista de tal objetivo, deve considerar‑se que todos os fundos imobiliários, abertos ou fechados, se encontram na mesma situação, pelo que, em princípio, devem ser tratados da mesma forma.

82.

Daqui decorre que se fosse esta efetivamente a razão pela qual Itália estabeleceu a possibilidade de obter uma redução dos impostos em causa, limitar o benefício apenas a fundos fechados constituiria uma discriminação indireta. O mesmo seria válido caso o órgão jurisdicional de reenvio não conseguisse identificar um objetivo claro para este benefício fiscal.

83.

No entanto, uma vez que a limitação deste benefício aos fundos fechados pode visar a prossecução de determinados objetivos de interesse público, abordarei em seguida esta questão.

2) Quanto à existência de uma justificação

84.

Como tentei explicar anteriormente, uma discriminação indireta pode ser compatível com os Tratados quando é justificada por uma razão imperiosa de interesse geral.

85.

A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio referiu, no essencial, dois objetivos prosseguidos pela primeira condição estabelecida no artigo 35.o, n.o 10‑ter, do Decreto‑Lei n.o 223/2006. O primeiro consiste em promover e incentivar o desenvolvimento de fundos coletivos de investimento imobiliário que não se caracterizem por intenções altamente especulativas e incertas e, o segundo, em limitar o risco sistémico nos mercados imobiliários (e no setor bancário em geral) em caso de crise ( 50 ). Para além destes dois objetivos, a Comissão referiu, por sua vez, a luta contra a evasão fiscal. Por último, o Governo italiano referiu outra justificação, nomeadamente, a preservação da coerência do sistema italiano, uma vez que a legislação italiana reconhece os fundos de investimento fechados como o único tipo de fundos que pode efetuar aquisições de imóveis ( 51 ).

86.

Em primeiro lugar, em relação ao objetivo proposto pela Comissão, embora o artigo 35.o do Decreto‑Lei n.o 223/2006 tenha por epígrafe «Medidas de combate à fraude e à evasão fiscal», partilho inteiramente da opinião desta última segundo a qual, se este fosse efetivamente o objetivo prosseguido, o primeiro critério seria completamente inadequado para alcançar tal objetivo. Com efeito, isto equivaleria a afirmar que as aquisições efetuadas por fundos abertos são fraudulentas. Além disso, de acordo com jurisprudência constante, para que um argumento baseado em tal justificação seja procedente, é necessário demonstrar a existência de uma relação direta entre o benefício fiscal em causa e a compensação desse benefício através de uma determinada tributação, o que não sucede no presente processo ( 52 ).

87.

Em segundo lugar, no que respeita à justificação apresentada pelo Governo italiano, observo que se trata de uma justificação incompatível com a jurisprudência que estabelece que a discriminação indireta pode resultar do facto de os não residentes provavelmente não serem suscetíveis de satisfazer a condição ou condições exigidas para beneficiarem de um regime fiscal ou de apenas as conseguirem satisfazer com dificuldade ( 53 ).

88.

Quanto ao primeiro objetivo invocado pelo órgão jurisdicional de reenvio relacionado com a luta contra as aquisições altamente especulativas e as intenções incertas, e independentemente de tal objetivo constituir uma razão imperiosa de interesse geral ao abrigo do direito da União, não se afigura suscetível de justificar a primeira condição de aplicação do artigo 35.o, n.o 10‑ter, do Decreto‑Lei n.o 223/2006. Com efeito, como sublinha a UBS Real Estate, a natureza fechada ou aberta de um fundo está relacionada com a possibilidade de os investidores pedirem aos fundos o reembolso do seu investimento (representado pelo número de unidades de participação que detêm). É evidente que esta natureza pode ter repercussões na forma como um fundo será gerido, uma vez que, em particular, o facto de os investidores poderem pedir o reembolso das suas unidades de participação em qualquer altura obrigará o fundo a manter liquidez para responder a um número significativo de pedidos. No entanto, esta questão não parece estar relacionada com o nível de especulação do investimento efetuado por esse fundo ou com a natureza mais ou menos certa das suas intenções a este respeito.

89.

Se, com este motivo, o órgão jurisdicional nacional pretende fazer referência a um objetivo que consiste em incentivar as aquisições imobiliárias a longo prazo em prejuízo das aquisições especulativas a curto prazo — especialmente por estas poderem contribuir para um aumento artificial dos preços e, por conseguinte, para o problema do acesso aos imóveis —, então esta consideração, por muito válida que seja, não pode, por si só e nestas circunstâncias específicas, justificar tal diferença de tratamento entre os fundos abertos e os fundos fechados. É certo que é da natureza de um fundo fechado que os investidores não podem exercer os seus direitos de reembolso sempre que quiserem. No entanto, esta característica de fundos fechados não os obriga a deter as propriedades que adquirem durante mais tempo do que se fossem fundos abertos. Uma vez que a primeira condição estabelecida no artigo 35.o, n.o 10‑ter, do Decreto‑Lei n.o 223/2006 não se afigura coerente com tal objetivo, este último não pode proporcionar a justificação objetiva exigida.

90.

A segunda justificação aduzida pelo órgão jurisdicional de reenvio consiste no facto de que, no essencial, a legislação nacional pretende evitar o que poderia designar‑se por efeito «bola de neve» no mercado imobiliário comercial. Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio explica que, no caso de fundos abertos, se ocorresse uma crise de mercado na sequência de uma queda dos preços imobiliários, isso poderia levar muitos investidores a pedir o reembolso antecipado de parte dos montantes investidos. Este fenómeno poderia absorver as reservas de liquidez dos fundos que, por sua vez, poderiam ser obrigados a vender parte dos seus imóveis abaixo do seu valor contabilístico para satisfazerem os pedidos de reembolso das participações ( 54 ). Assim, para evitar tal risco, seria legítimo incentivar apenas o desenvolvimento de fundo fechados — independentemente da legislação que os rege — limitando a estes determinados benefícios fiscais, como o previsto no artigo 35.o, n.o 10‑ter, do Decreto‑Lei n.o 223/2006.

91.

A este respeito, um objetivo que visa limitar um risco de natureza sistémica constitui claramente uma razão imperiosa de interesse geral para efeitos de direito da União ( 55 ). Efetivamente, os riscos sistémicos são obviamente motivo de preocupação, como ilustra o facto de a União Europeia ter adotado um regulamento destinado a limitar tais riscos relativamente aos mercados financeiros ( 56 ).

92.

Contudo, para que uma discriminação indireta deste tipo seja compatível com o direito da União, não só tem de prosseguir uma razão imperiosa de interesse geral como também tem de ser proporcionada à prossecução deste objetivo. Isso implica que a medida adotada (no presente processo, excluir os fundos abertos do benefício da redução de 50 % nos impostos) é adequada para garantir a prossecução desse objetivo e não excede o necessário para o efeito ( 57 ).

93.

No caso da prevenção de um risco complexo, também considero que os Estados‑Membros devem dispor de uma margem de apreciação ( 58 ). Por conseguinte, a fiscalização da proporcionalidade, por parte do Tribunal de Justiça, de qualquer medida adotada para alcançar tal objetivo deve limitar‑se à verificação da inexistência de um erro manifesto a este respeito ( 59 ).

94.

Embora este problema seja provavelmente menos importante para o mercado imobiliário do que outros, tais como o sobre‑endividamento das empresas ou das famílias, é, não obstante, sobejamente conhecido no setor financeiro e justifica, em meu entender, que os Estados‑Membros se interessem pelo mesmo, uma vez que qualquer crise geralmente resulta de uma combinação de fatores. Tanto mais que, no presente processo, a medida em causa afeta mais especificamente as propriedades comerciais ( 60 ), um mercado em que os fundos de investimento são intervenientes importantes ( 61 ).

95.

Proponho começar por analisar o segundo critério, nomeadamente, a necessidade de a medida em questão não exceder o necessário para satisfazer a razão imperiosa de interesse geral em causa.

96.

No presente processo, se analisarmos os efeitos produzidos por essa medida, tal condição pode ser considerada satisfeita, dado que, em vez de pura e simplesmente proibir que quaisquer fundos abertos adquiram bens imóveis situados no seu território, a Itália limitou‑se a excluir a concessão de um benefício fiscal aos fundos abertos.

97.

Em relação ao primeiro critério, segundo o qual a medida deve constituir um meio adequado para satisfazer a razão imperiosa de interesse geral em causa, a situação não é tão simples.

98.

A este respeito, importa recordar, em primeiro lugar, que este critério apenas exige que a medida em questão seja suscetível de reduzir o alegado risco ( 62 ). É certo que isto implica que a medida em causa seja, no mínimo, eficaz. Contudo, isso não significa que, por si só, esta medida seja suscetível de eliminar tal risco, o que, na prática, seria frequentemente impossível. Caso contrário, isso significaria que os Estados‑Membros seriam impedidos de utilizar uma combinação de medidas dissuasivas, em vez de uma proibição estrita, a fim de alcançarem um objetivo específico.

99.

Em segundo lugar, para ser considerada um meio adequado para garantir a satisfação de uma razão imperiosa de interesse geral, uma medida deve também refletir efetivamente uma preocupação de atingir esse objetivo de forma coerente e sistemática ( 63 ).

100.

No presente processo, considero que existe uma ligação entre a perceção do risco invocado e a natureza aberta ou fechada dos fundos. Com efeito, conforme explicado pelo órgão jurisdicional de reenvio, quando um fundo aberto permite reembolsos diários, mas uma parte significativa dos ativos em que o fundo investe não pode ser liquidada no prazo de um dia sem uma perda substancial de valor, existe uma disparidade entre o ativo e o passivo. Por sua vez, esta circunstância implica o risco de esses fundos poderem ser forçados a vender imóveis durante uma crise imobiliária, agravando assim qualquer crise no mercado imobiliário comercial ( 64 ). É por este motivo que atualmente existem várias regras destinadas a garantir uma certa liquidez nos fundos abertos, a fim de assegurar que estes se encontram em condições de cumprir as suas obrigações de reembolso e outras responsabilidades ( 65 ).

101.

A posição em relação aos fundos fechados é diferente. Num fundo fechado, o reembolso de unidades apenas pode ser pedido na data prevista ou, dependendo da fórmula escolhida, após um determinado número de anos de subscrição, ao contrário do que acontece, em princípio, com os fundos abertos. A vantagem dos fundos fechados comparativamente aos fundos abertos é que os primeiros não correm o risco de se confrontarem com a súbita necessidade de terem de fazer desinvestimentos improvisados para obter liquidez. Além disso, da perspetiva do mercado de capitais, geralmente considera‑se que os fundos imobiliários devem ser constituídos como fundos de liquidez limitada ou como fundos fechados devido ao caráter de longo prazo de um investimento imobiliário e ao tempo necessário para concretizar a venda de ativos imobiliários ( 66 ).

102.

É certo que é legítimo questionar se o efeito dissuasivo de uma medida que consiste simplesmente em negar um benefício fiscal a este tipo de fundos é suficiente para satisfazer a razão imperiosa de interesse geral de reduzir o risco sistémico no mercado imobiliário, dissuadindo os fundos abertos de operar nesse mercado ( 67 ). No entanto, conforme já expliquei, para ser considerada adequada à luz do princípio da proporcionalidade consagrado no direito da União, basta que a medida em causa seja suscetível de contribuir para satisfazer a razão imperiosa de interesse geral em causa ( 68 ).

103.

No presente processo, importa observar que o objetivo relevante prosseguido pelo primeiro critério previsto no artigo 35.o, n.o 10‑ter, do Decreto‑Lei n.o 223/2006 é reduzir os riscos sistémicos para o mercado imobiliário comercial causados pelo exercício da atividade de fundos imobiliários abertos. Uma vez que se considerou que o primeiro critério estabelece uma discriminação indireta, o que significa que produz um efeito dissuasivo nos fundos em causa, tal critério contribui necessariamente para a realização desse objetivo.

104.

Isto é tanto mais assim quanto, na medida em que os Estados‑Membros devem dispor de uma certa margem de apreciação na prevenção dos riscos complexos que implicam um grande número de fatores, não parece de todo irracional que um Estado‑Membro tenha em conta tal risco. Tal como demonstrado pela experiência recente, em determinados mercados ocorreram várias crises devido à existência concomitante de eventos que, considerados isoladamente, pareciam improváveis. Os acontecimentos do período de 2007‑2011 demonstraram que o risco de choques sistémicos nesta situação é muito real.

105.

De igual modo, neste contexto, é possível questionar se tal medida é coerente com as medidas adotadas com o mesmo fim em relação aos fundos abertos regidos pelo direito italiano, uma vez que estes estão proibidos de investir no mercado imobiliário. Contudo, importa ter presente que o direito da União não é aplicável à discriminação inversa ( 69 ). Por conseguinte, o facto de ter sido adotada uma medida mais drástica em relação aos fundos regidos pelo direito nacional não é suscetível de pôr em causa a coerência com a qual deve considerar‑se prosseguido o objetivo.

106.

Em todo o caso, a medida fiscal em causa parece fazer parte de um pacote legislativo concebido para atingir o objetivo declarado, ou seja, privilegiar os investimentos no mercado imobiliário comercial italiano efetuados por fundos fechados e não por fundos abertos, a fim de reduzir o risco sistémico que seria criado pela detenção de demasiados imóveis por esses fundos ( 70 ). Por conseguinte, qualquer avaliação para determinar se a medida em causa é suficiente exigiria uma apreciação global de todas essas medidas, as quais não foram, no entanto, especificadas pelo órgão jurisdicional nacional.

107.

É certo que, no presente processo, outras medidas, particularmente de natureza comportamental, tais como a proibição de aquisição de bens imóveis em Itália para fins especulativos, teriam provavelmente sido mais eficazes para o efeito. Contudo, tais medidas teriam tido um impacto ainda maior na livre circulação de capitais e na liberdade de empresa. A fortiori, o mesmo problema teria surgido se tivessem sido adotadas medidas estruturais, como as atualmente previstas na Diretiva FIA, dirigidas a todos os fundos que pretendam adquirir imobiliário comercial em Itália. Com efeito, importa recordar que o direito à liberdade de empresa inclui o direito de cada empresa dispor livremente, dentro dos limites da responsabilidade em que incorre pelos seus próprios atos, dos recursos económicos, técnicos e financeiros que possui.

108.

A UBS Real Estate alega, no entanto, que a primeira condição não seria adequada para garantir a prossecução do objetivo de limitar o risco sistémico identificado pelo órgão jurisdicional de reenvio, uma vez que não existe diferença entre estes fundos de investimento fechados e os fundos de investimento abertos. Ambos têm as mesmas características e estão sujeitos às mesmas regras de gestão e de investimento.

109.

Mas será realmente este o caso? A este respeito, é possível observar que as semelhanças referidas pela UBS Real Estate quanto às regras de gestão e investimento estão relacionadas com regras que se aplicam devido à qualificação das entidades em causa como fundos de investimento. Quanto ao problema suscitado pelo órgão jurisdicional de reenvio, a UBS Real Estate reconhece que existe uma diferença entre um fundo aberto e um fundo fechado devido ao facto de o primeiro estar exposto, por definição, a uma disparidade entre o ativo e o passivo.

110.

A UBS Real Estate responde afirmando que os fundos imobiliários abertos, desde que tenham mais liquidez do que fundos fechados, seriam um investimento menos arriscado. No entanto, não posso aceitar este argumento. Os riscos a que se refere a UBS Real Estate são aqueles a que estão sujeitos os investidores individuais. No entanto, estes não são os riscos mencionados pelo órgão jurisdicional de reenvio, que têm uma natureza sistémica geral, na medida em que o problema da disparidade entre o ativo e o passivo pode acentuar qualquer descida de preços no mercado imobiliário comercial ( 71 ), e, por sua vez, em determinadas circunstâncias, como demonstrou a experiência recente, pode, em última análise, ameaçar os mercados bancários e financeiros.

111.

Por último, a UBS Real Estate afirma que os fundos abertos de direito alemão são, na realidade, comparáveis aos fundos fechados de direito italiano. Por um lado, o direito alemão exige a manutenção de uma liquidez que não pode ser inferior a um determinado montante. Esta reserva de liquidez reduz o risco de liquidez associado ao investimento. Assim, no caso dos dois fundos em causa, as suas regras de funcionamento obrigam‑nos a manter pelo menos uma liquidez de 5 % do seu valor. Por outro, o referido direito autoriza os fundos abertos a incluírem cláusulas que permitam adiar a eventual venda dos bens imóveis do fundo para proceder ao reembolso dos participantes, o que elimina o risco contemplado pelo órgão jurisdicional de reenvio. Era precisamente isto que estava previsto nas regras de funcionamento dos fundos em causa ( 72 ). Pelo contrário, o direito italiano permite que os fundos italianos fechados prevejam o reembolso antecipado das unidades de participação.

112.

A este respeito, concordo que as cláusulas referidas pela UBS Real Estate podem perfeitamente reduzir o risco identificado pelo órgão jurisdicional de reenvio, na medida em que permitem à UBS Real Estate adiar o reembolso dos investimentos efetuados por um período máximo de três anos. Além disso, embora os prospetos e as regras relativas ao fundo prevejam que, em princípio, os investidores podem pedir para ser reembolsados e que apenas em circunstâncias excecionais este reembolso pode ser congelado, importa observar que estas cláusulas preveem a possibilidade de congelamento dos pedidos durante um período relativamente longo e que as circunstâncias excecionais suscetíveis de justificar a sua aplicação incluem a ocorrência de uma crise no mercado imobiliário. Não obstante, tudo isto deve ser verificado pelo órgão jurisdicional nacional.

113.

No entanto, há que assinalar que o período de três anos durante o qual um pedido de reembolso do investimento realizado pode ser suspenso continua a ser inferior ao período no final do qual, num fundo fechado, os investidores podem pedir o reembolso, que, regra geral, tem uma duração de 5 a 20 anos, com uma duração média de 10 a 12 anos. Contudo, uma vez que uma crise imobiliária pode muito bem durar mais de três anos ( 73 ), daqui decorre que, embora cláusulas como as que figuram no prospeto e regras da UBS Real Estate possam contribuir para reduzir o risco referido pelo órgão jurisdicional de reenvio, não o eliminam completamente. Em meu entender, não cabe ao Tribunal de Justiça avaliar se, tendo em conta o conteúdo das cláusulas em questão, o risco que ainda existe é suficiente para justificar que os Estados‑Membros adotem medidas para o eliminar. Cabe antes aos órgãos jurisdicionais nacionais proceder a essa avaliação final.

114.

Se estas cláusulas fossem suscetíveis de eliminar totalmente o risco, colocar‑se‑ia então a questão de saber se um critério deve ser considerado desadequado (ou excessivo face ao necessário) por não implicar um exame pormenorizado das regras de funcionamento dos fundos ( 74 ), mas depender unicamente da qualificação que lhes é dada pela lei que rege o seu funcionamento ( 75 ).

115.

Em matéria de livre circulação, é certo que o Tribunal de Justiça tem sido bastante cauteloso neste tipo de abordagem, exigindo a utilização de critérios tão precisos quanto possível ( 76 ).

116.

No entanto, considero que, caso o órgão jurisdicional de reenvio conclua que a razão para o tratamento fiscal preferencial dos fundos imobiliários fechados era a proteção contra potenciais riscos sistémicos no mercado imobiliário comercial e, por extensão, contra potenciais riscos sistémicos emergentes nos mercados financeiros, então a utilização de tal critério não parece ser manifestamente desadequada ( 77 ). Tendo em conta o poder discricionário dos Estados‑Membros nesta matéria, qualquer tentativa de favorecer fundos imobiliários fechados deveria ser considerada, em tais circunstâncias, proporcionada, mesmo que também fosse possível estabelecer uma maior diferenciação, favorecendo igualmente certos fundos abertos cujas cláusulas e prospetos procuram excluir parcialmente o risco resultante da disparidade entre o ativo e o passivo.

V. Conclusão

117.

Por conseguinte, à luz do exposto, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões submetidas pela Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação, Itália) o seguinte:

O artigo 56.o CE deve ser interpretado no sentido de que permite a utilização de um critério baseado na natureza aberta ou fechada de um fundo enquanto condição para obter uma redução das taxas dos impostos hipotecários e de registo a pagar em caso de aquisição de um imóvel, se a justificação para o referido critério for que contribui para evitar um risco sistémico no mercado imobiliário em causa e desde que também não se verifique uma discriminação direta baseada em fatores como, por exemplo, os fundos serem administrados em Itália ou regidos de qualquer outra forma pelo direito italiano.


( 1 ) Língua original: inglês.

( 2 ) JO 2011, L 174, p. 1.

( 3 ) JO 2014, L 183, p. 18.

( 4 ) V. considerando 1 do Regulamento Delegado n.o 694/2014.

( 5 ) GURI n.o 164, de 15 de julho de 1999.

( 6 ) GURI n.o 153, de 4 de julho de 2006.

( 7 ) Suplemento ordinário ao GURI n.o 71, de 26 de março de 1998.

( 8 ) Segundo a UBS, estes fundos não eram comercializados em Itália.

( 9 ) V., neste sentido, Acórdãos de 16 de junho de 2015, Gauweiler e o. (C‑62/14, EU:C:2015:400, n.o 15), e de 11 de junho de 2020, Subdelegación del Gobierno en Guadalajara (C‑448/19, EU:C:2020:467, n.o 17).

( 10 ) Mais ainda porque, ao contrário do que sucede com as ações por incumprimento, não recai sobre as partes qualquer ónus da prova, uma vez que um reenvio prejudicial é um processo entre juízes. Com efeito, o processo previsto no artigo 267.o TFUE não é um processo contraditório, mas um instrumento de cooperação entre o Tribunal de Justiça e os tribunais nacionais, através do qual o primeiro fornece aos segundos os elementos de interpretação do direito da União que lhes são necessários para a resolução do litígio que lhes cabe decidir. V. Acórdão de 15 de setembro de 2011, Unió de Pagesos de Catalunya (C‑197/10, EU:C:2011:590, n.o 16).

( 11 ) V., neste sentido, Acórdãos de 19 de janeiro de 2006, Bouanich (C‑265/04, EU:C:2006:51, n.o 51), e Acórdão de 25 de outubro de 2017, Polbud — Wykonawstwo (C‑106/16, EU:C:2017:804, n.o 27).

( 12 ) Acórdão de 10 de fevereiro de 2011, Haribo Lakritzen Hans Riegel e Österreichische Salinen (C‑436/08 e C‑437/08, EU:C:2011:61, n.o 34).

( 13 ) V., por exemplo, neste sentido, Acórdãos de 28 de janeiro de 1986, Comissão/França (270/83, EU:C:1986:37, n.o 14); de 7 de julho de 1988, Stanton e L'Étoile 1905 (143/87, EU:C:1988:378, n.o 11); e de 25 de outubro de 2017, Polbud — Wykonawstwo (C‑106/16, EU:C:2017:804, n.o 33). Em meu entender, é suficiente que os não residentes tenham a possibilidade de optar pelo regime fiscal aplicável aos residentes. Caberá então aos não residentes decidir se preferem este regime ou outro que, dependendo da sua situação, possa ser mais ou menos vantajoso.

( 14 ) V., por exemplo, Acórdãos de 23 de fevereiro de 2016, Comissão/Hungria (C‑179/14, EU:C:2016:108, n.os 148 a 150), e de 14 de novembro de 2018, Memoria e Dall’Antonia (C‑342/17, EU:C:2018:906, n.o 44).

( 15 ) V., neste sentido, Acórdão de 21 de janeiro de 2010, SGI (C‑311/08, EU:C:2010:26, n.o 38).

( 16 ) JO 1988, L 178, p. 5. Esta diretiva, ainda em vigor, introduziu a total liberalização de movimentos de capitais e constituiu a primeira fase da União Monetária. V. Acórdão de 23 de fevereiro de 1995, Bordessa e o. (C‑358/93 e C‑416/93, EU:C:1995:54, n.o 17).

( 17 ) Acórdão de 23 de fevereiro de 2006, van Hilten‑van der Heijden (C‑513/03, EU:C:2006:131, n.o 39).

( 18 ) V., neste sentido, Acórdão de 1 de junho de 1999, Konle (C‑302/97, EU:C:1999:271, n.o 22).

( 19 ) V., por exemplo, Acórdão de 10 de dezembro de 2018, Wightman e o. (C‑621/18, EU:C:2018:999, n.o 28).

( 20 ) V., neste sentido, Acórdãos de 26 de junho de 2008, Burda (C‑284/06, EU:C:2008:365, n.os 68 e 69); de 18 de junho de 2009, Aberdeen Property Fininvest Alpha (C‑303/07, EU:C:2009:377, n.os 34 e 35); e de 30 de abril de 2020, Société Générale (C‑565/18, EU:C:2020:318, n.o 19). A determinação da liberdade aplicável ou das liberdades aplicáveis pode ter importância prática, uma vez que a liberdade de estabelecimento é abrangida pela Diretiva 2006/123/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, relativa aos serviços no mercado interno (JO 2006, L 376, p. 36).

( 21 ) É certo que no seu Acórdão de 30 de maio de 1989, Comissão/Grécia (305/87, EU:C:1989:218), o Tribunal de Justiça apreciou um regulamento relativo à celebração, por nacionais de outros Estados‑Membros, de atos jurídicos que têm por objeto bens imóveis situados nas regiões fronteiriças gregas, do ponto de vista da liberdade de estabelecimento. Contudo, importa observar que este processo dizia respeito a uma ação por incumprimento e não a um pedido de decisão prejudicial. Num pedido de decisão prejudicial, a determinação da liberdade em causa deve ter em conta a situação das partes (razão pela qual, entre outras coisas, a questão de saber se o litígio é interno, ou não, é decisiva para a admissibilidade da questão). No entanto, numa ação por incumprimento, o Tribunal de Justiça pronuncia‑se sobre a compatibilidade da legislação com o direito da União em geral. No Acórdão Comissão/Grécia (305/87, EU:C:1989:218), considerando os objetivos e o conteúdo da legislação em causa, esta era suscetível de ser aplicada tanto aos simples investidores como às pessoas que pretendessem estabelecer‑se por meio dos imóveis em causa.

( 22 ) V., Acórdão de 15 de novembro de 2016, Ullens de Schooten (C‑268/15, EU:C:2016:874, n.o 47).

( 23 ) V., por exemplo, neste sentido, Acórdão de 16 de outubro de 2014, Comissão/Alemanha (C‑100/13, não publicado, EU:C:2014:2293, n.o 62).

( 24 ) V. Acórdão de 3 de março de 2020, Vodafone Magyarország (C‑75/18, EU:C:2020:139, n.o 49). O direito da União não impõe aos Estados‑Membros que se concertem para evitar a dupla tributação de um mesmo rendimento nem, inversamente, que um rendimento único não seja objeto de qualquer tributação. V. Acórdão de 26 de maio de 2016, NN (L) International (C‑48/15, EU:C:2016:356, n.o 47), ou Acórdão de 10 de fevereiro de 2011, Haribo Lakritzen Hans Riegel e Österreichische Salinen (C‑436/08 e C‑437/08, EU:C:2011:61, n.os 169 a 172).

( 25 ) V., por exemplo, Acórdão de 27 de fevereiro de 2020, AURES Holdings (C‑405/18, EU:C:2020:127, n.o 32).

( 26 ) Acórdão de 16 de julho de 2009, Damseaux (C‑128/08, EU:C:2009:471, n.o 27).

( 27 ) V., neste sentido, Acórdão de 14 de novembro de 2006, Kerckhaert e Morres (C‑513/04, EU:C:2006:713, n.o 20), e Conclusões do advogado‑geral L. A. Geelhoed no processo Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation (C‑374/04, EU:C:2006:139, n.o 39).

( 28 ) V., por exemplo, Acórdão de 12 de setembro de 2006, Cadbury Schweppes e Cadbury Schweppes Overseas (C‑196/04, EU:C:2006:544, n.o 40).

( 29 ) V., neste sentido, Acórdãos de 6 de dezembro de 2007, Columbus Container Services (C‑298/05, EU:C:2007:754, n.o 53), e de 26 de maio de 2016, NN (L) International (C‑48/15, EU:C:2016:356, n.o 47). É certo que, segundo determinados acórdãos, «as medidas proibidas pelo artigo [56.o], n.o 1, TFUE, enquanto restrições aos movimentos de capitais, incluem as que são de molde a dissuadir os não residentes de investirem num Estado‑Membro ou a dissuadir os residentes desse Estado‑Membro de investirem noutros Estados». V., por exemplo, Acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o. (C‑338/11 a C‑347/11, EU:C:2012:286, n.o 15). Sublinhado nosso. No entanto, isto não significa que o facto de uma medida produzir tal efeito dissuasivo é suficiente para que seja qualificada de restrição. V. n.os 23 e 39 deste mesmo acórdão.

( 30 ) A advogada‑geral J. Kokott propôs que se abandonasse o teste da não discriminação e, em vez deste, recomendou a aplicação às matérias fiscais do mesmo teste que se aplicava às outras áreas. Todavia, o Tribunal de Justiça não seguiu as suas conclusões nesse aspeto. V. Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Nordea Bank Danmark (C‑48/13, EU:C:2014:153, n.o 22), e Acórdão de 17 de julho de 2014, Nordea Bank Danmark (C‑48/13, EU:C:2014:2087, n.os 23 e 24).

( 31 ) V., por exemplo, Acórdão de 13 de março de 2014, Bouanich (C‑375/12, EU:C:2014:138, n.o 45), e de 30 de abril de 2020, Société Générale (C‑565/18, EU:C:2020:318, n.os 24 e 25).

( 32 ) V. Conclusões do advogado‑geral N. Wahl no processo Áustria/Alemanha (C‑591/17, EU:C:2019:99, n.o 42). V., igualmente, neste sentido, artigo 2.o, n.o 1, da Diretiva 2006/54/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de julho de 2006, relativa à aplicação do princípio da igualdade de oportunidades e igualdade de tratamento entre homens e mulheres em domínios ligados ao emprego e à atividade profissional (JO 2006, L 204, p. 23).

( 33 ) V., por exemplo, Acórdãos de 14 de fevereiro de 1995, Schumacker (C‑279/93, EU:C:1995:31, n.os 26 a 29); de 20 de janeiro de 2011, Comissão/Grécia (C‑155/09, EU:C:2011:22, n.o 46); de 19 de novembro de 2015, Hirvonen (C‑632/13, EU:C:2015:765, n.o 28); e de 18 de junho de 2020, Comissão/Hungria (Transparência associativa) (C‑78/18, EU:C:2020:476, n.o 62). Esta abordagem afigura‑se coerente com a jurisprudência que estabelece que as liberdades de circulação constituem variações do princípio da não discriminação em razão da nacionalidade previsto no artigo 12.o CE (atual artigo 18.o TFUE), pelo que, quando estas liberdades se aplicam, não é necessário aplicar esta disposição de forma autónoma. V., por exemplo, Acórdão de 21 de janeiro de 2010, SGI (C‑311/08, EU:C:2010:26, n.o 31).

( 34 ) Para um exemplo recente de aplicação da primeira abordagem, v. Acórdão de 3 de março de 2020, Tesco‑Global Áruházak (C‑323/18, EU:C:2020:140, n.o 62).

( 35 ) É certo que o artigo 58.o, n.o 1, alínea a), CE [atual artigo 65.o, n.o 1, alínea a), TFUE] estabelece que o «artigo 56.o não prejudica o direito de os Estados‑Membros […] [a]plicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido». No entanto, conforme expliquei nas Conclusões que apresentei no processo E (Rendimentos pagos por OICVM) (C‑480/19, EU:C:2020:942), a expressão «não prejudica o direito de os Estados‑Membros» não implica a existência de uma exceção, mas sim que os Estados‑Membros podem definir regras diferentes para os não residentes em determinadas circunstâncias, quando necessário. Por conseguinte, entendo que o artigo 56.o, n.o 1, alínea a), do Tratado CE, em particular lido em conjugação com o n.o 3 do mesmo artigo, limita‑se a recordar, no que respeita ao critério de residência, em que casos a utilização de tal critério, embora equivalente à nacionalidade, é compatível com o direito da União, ou seja, estes Estados‑Membros podem tratar as pessoas de forma diferente com base neste critério, desde que tal não constitua um meio de discriminação arbitrária ou uma restrição dissimulada, o que pressupõe que exista uma justificação para o critério utilizado (discriminação arbitrária) e que, à luz desta justificação, este tratamento diferente não se afigure incoerente (discriminação dissimulada). A título de exemplo de um acórdão no qual se procedeu à comparação de situações na fase de qualificação de uma medida enquanto restrição, v. Acórdão de 23 de janeiro de 2014, DMC (C‑164/12, EU:C:2014:20, n.o 42).

( 36 ) V., por exemplo, Acórdão de 30 de abril de 2020, Société Générale (C‑565/18, EU:C:2020:318, n.o 26).

( 37 ) No entanto, esta questão pode ter alguma importância no âmbito de uma ação por incumprimento, na medida em que o ónus da prova da restrição incumbe à Comissão, ao passo que o ónus da justificação incumbe ao Estado‑Membro.

( 38 ) V., neste sentido, Acórdão de 13 de novembro de 2019, College Pension Plan of British Columbia (C‑641/17, EU:C:2019:960, n.os 65 e 66), e Acórdão de 23 de janeiro de 2014, DMC (C‑164/12, EU:C:2014:20, n.o 42). Por vezes, estes objetivos podem ser idênticos.

( 39 ) V., por exemplo, Acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o. (C‑338/11 a C‑347/11, EU:C:2012:286, n.o 28), e de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek (C‑252/14, EU:C:2016:402, n.o 49).

( 40 ) É certo que, no n.o 50 do Acórdão de 18 de junho de 2009, Aberdeen Property Fininvest Alpha (C‑303/07, EU:C:2009:377), o Tribunal de Justiça declarou que «a circunstância de, [num Estado‑Membro], não haver um tipo de sociedades com uma forma jurídica idêntica à [da legislação em causa] não pode, por si só, justificar um tratamento diferenciado, na medida em que, não estando o direito das sociedades dos Estados‑Membros inteiramente harmonizado a nível [da União], a liberdade de estabelecimento ficaria, desse modo, esvaziada de qualquer efeito útil». Não obstante, o Tribunal de Justiça não deduziu a existência de uma restrição do mero facto de esta forma jurídica não existir na legislação nacional, mas simplesmente que tal circunstância não constitui em si mesma uma justificação. O que importa para estabelecer a existência de restrição é que, tendo em conta os objetivos prosseguidos pela medida em causa e os princípios fiscais aplicados, esta forma de sociedade deveria ter sido tratada da mesma maneira que uma forma de sociedade existente na legislação nacional.

( 41 ) V., neste sentido, Acórdão de 9 de outubro de 2014, van Caster (C‑326/12, EU:C:2014:2269, n.os 36 e 37), e de 8 de junho de 2017, Van der Weegen e o. (C‑580/15, EU:C:2017:429, n.o 29).

( 42 ) V., no que respeita a medidas fiscais, Conclusões do advogado‑geral A. Tizzano no processo SEVIC Systems (C‑411/03, EU:C:2005:437, n.o 55) ou, mais genericamente, Acórdão de 7 de maio de 1997, Pistre e o. (C‑321/94 a C‑324/94, EU:C:1997:229, n.o 52).

( 43 ) V., por exemplo, Acórdão de 26 de fevereiro de 2019, X (Sociedades intermediárias estabelecidas em países terceiros) (C‑135/17, EU:C:2019:136, n.o 70).

( 44 ) Conforme explicado, à data dos factos, a Diretiva FIA ainda não tinha sido adotada. Além disso, os fundos imobiliários não estavam abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 85/611/CEE do Conselho, de 20 de dezembro de 1985, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes a alguns organismos de investimento coletivo em valores mobiliários (OICVM), que estabeleceu o princípio do controlo pelo país de origem, uma vez que não devem investir em valores mobiliários e/ou em outros ativos financeiros líquidos referidos no artigo 1.o da Diretiva 85/611.

( 45 ) Isto não seria uma discriminação indireta, uma vez que o critério aplicado, embora por remissão, estaria diretamente relacionado com o facto de a transação ter, ou não, caráter transfronteiriço.

( 46 ) V. artigo 58.o, n.o 1, alínea b), CE.

( 47 ) V., neste sentido, Acórdão de 18 de junho de 2009, Aberdeen Property Fininvest Alpha (C‑303/07, EU:C:2009:377, n.o 50).

( 48 ) Para demonstrar que o artigo 35.o, n.o 10‑ter, do Decreto‑Lei n.o 223/2006 prossegue tal objetivo, a recorrente faz referência ao Estudo n.o 2/2009/T de 15 de maio de 2009 do Consiglio nazionale del Notariato (Conselho Nacional de Notários, Itália) sob a epígrafe «Il regime tributario dei fondi immobiliari» (O regime fiscal dos fundos imobiliários), bem como a um documento da Assonime (associação de sociedades por ações italianas). Embora nenhum destes documentos constitua fonte oficial de direito, ambos mencionam que a aplicação do imposto relativo à aquisição de bens imóveis para utilização profissional tem em conta o facto de a aquisição de imóveis por tais entidades ser necessariamente seguida da revenda dos referidos imóveis: os fundos imobiliários são criados para um período específico no decurso do qual o imóvel adquirido é revendido.

( 49 ) Numa perspetiva jurídica, parece não ser esse o caso, uma vez que o contribuinte no momento da compra e da revenda não será o mesmo. Embora não seja claro como é que este fenómeno afeta especificamente os fundos de investimento — uma vez que se afigura que esta «dupla» tributação resulta simplesmente da realização de duas transações jurídicas distintas —, não é de excluir a possibilidade de este ser, de facto, o objetivo prosseguido pelo legislador italiano.

( 50 ) A este respeito, importa observar que o artigo 35.o, n.o 10‑ter, do Decreto‑Lei n.o 223/2006 é aplicável independentemente de o fundo em causa ser comercializado em Itália: aplica‑se à aquisição de um imóvel por um fundo. Por conseguinte, a necessidade de proteger os investidores não pode ser invocada por Itália.

( 51 ) Em todo o caso, em conformidade com o artigo 267.o TFUE, não cabe ao Tribunal de Justiça, no âmbito de um pedido de decisão prejudicial, decidir se a interpretação das disposições nacionais efetuada pelo órgão jurisdicional de reenvio é correta e, a fortiori, estabelecer quais são os objetivos prosseguidos por uma medida. V., neste sentido, Acórdão de 21 de outubro de 2010, Padawan (C‑467/08, EU:C:2010:620), n.o 22); de 15 de setembro de 2011, Gueye (C‑483/09 e C‑1/10, EU:C:2011:583, n.o 42); e de 21 de junho de 2016, New Valmar (C‑15/15, EU:C:2016:464, n.os 25 e 26). Conforme foi anteriormente explicado, uma vez que não existe ónus da prova no Estado‑Membro em causa, há que ter em conta que, quando o Tribunal de Justiça se pronuncia sobre um pedido de decisão prejudicial, fá‑lo sempre unicamente com base nas justificações apresentadas pelo órgão jurisdicional de reenvio e, por vezes, mas com uma certa margem de apreciação, pelas partes. Por conseguinte, caso se verifique que as justificações apresentadas não são as corretas, a resposta dada pelo Tribunal de Justiça, ainda que justificada à luz das circunstâncias descritas pelo órgão jurisdicional de reenvio, pode revelar‑se ineficaz para o litígio. O mesmo é válido quando se conclui que certas disposições da legislação nacional, embora relevantes, não foram mencionadas pelo órgão jurisdicional nacional ou quando se afigura que as disposições citadas não eram efetivamente aplicáveis ao processo principal, nomeadamente ratione temporis. Embora seja lamentável e fonte de incompreensão para os cidadãos da União, esta é a consequência do processo de reenvio prejudicial, no âmbito do qual, contrariamente a um tribunal supremo nacional, o Tribunal de Justiça não tem competência para interpretar o direito nacional e deve, assim, basear‑se nas declarações dos órgãos jurisdicionais de reenvio.

( 52 ) V., por exemplo, Acórdão de 1 de dezembro de 2011, Comissão/Bélgica (C‑250/08, EU:C:2011:793, n.o 71).

( 53 ) No entanto, conforme expliquei anteriormente, o facto de uma entidade assumir uma forma que não é reconhecida no Estado de acolhimento não obriga este Estado‑Membro a aplicar‑lhe o regime fiscal mais favorável que existe, mas simplesmente aquele que resulta de uma aplicação coerente dos critérios previstos na legislação nacional.

( 54 ) A diferença entre a liquidez de um fundo de investimento aberto e a liquidez de um fundo de investimento fechado é atualmente reconhecida no artigo 1.o do Regulamento Delegado n.o 694/2014.

( 55 ) Exigir que um problema exista, em vez de raciocinar em termos de risco, para autorizar um Estado‑Membro a invocar a necessidade de combatê‑lo resultaria num retrocesso legislativo e refletiria, em meu entender, uma forma de miopia judicial: uma medida é adotada em resposta a um problema, mas deverá ser retirada uma vez demonstrada a sua eficácia, conduzindo ao reaparecimento do problema e levando consequentemente o Estado a reintroduzir a medida, e assim sucessivamente. Se o problema invocado por um Estado‑Membro está atualmente contido, isso talvez se deva precisamente ao facto de as medidas adotadas para resolvê‑lo serem eficazes.

( 56 ) V. Regulamento (UE) n.o 1092/2010 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de novembro de 2010, relativo à supervisão macroprudencial do sistema financeiro na União Europeia e que cria o Comité Europeu do Risco Sistémico (JO 2010, L 331, p. 1). É verdade que, no presente processo, o risco sistémico em causa diz respeito ao mercado imobiliário. Contudo, a existência de tal risco de repercussões das crises nos mercados imobiliários sobre a estabilidade do sistema financeiro e da economia como um todo parece ser comummente aceite. V., por exemplo, primeiro considerando da recomendação do Comité Europeu do Risco Sistémico de 31 de outubro de 2016, relativa ao preenchimento das lacunas de dados sobre bens imóveis (ESRB/2016/14) (JO 2017, C 31, p. 1).

( 57 ) V., por exemplo, Acórdão de 10 de fevereiro de 2011, Haribo Lakritzen Hans Riegel e Österreichische Salinen (C‑436/08 e C‑437/08, EU:C:2011:61, n.o 122). Alguns acórdãos ou atos fizeram referência a um terceiro critério, designadamente que não deve ser possível substituir uma exigência por uma medida menos restritiva que possa conduzir ao mesmo resultado. Contudo, esta constitui a outra faceta do critério, segundo a qual a medida em causa não deve exceder o necessário para alcançar esse objetivo. De facto, se fosse possível adotar uma medida menos restritiva que conduzisse ao mesmo resultado de uma determinada medida, esta excederia inevitavelmente o necessário para o efeito.

( 58 ) V., por analogia, relativamente à redução de riscos sanitários, Acórdão de 1 de março de 2018, CMVRO (C‑297/16, EU:C:2018:141, n.o 65).

( 59 ) V., por analogia, Acórdão de 18 de junho de 2015, Estónia/Parlamento e Conselho (C‑508/13, EU:C:2015:403, n.o 29).

( 60 ) É geralmente aceite que os imóveis comerciais têm características específicas que os tornam, pelo menos em parte, um mercado distinto dos imóveis residenciais. Não obstante, parece reconhecer‑se que existe um risco significativo de repercussões negativas dos imóveis comerciais no setor financeiro em geral e na economia real. V., neste sentido, Comité Europeu do Risco Sistémico (CERS), Relatório sobre as vulnerabilidades do setor imobiliário comercial da União Europeia, novembro de 2018, p. 51. Além disso, de acordo com este relatório, em 2018, o setor imobiliário comercial representava em Itália cerca de 6 % do produto interno bruto, v. p. 11. É certo que, segundo este relatório, apesar de a Itália não se encontrar entre os Estados‑Membros mais expostos a um risco de repercussões negativas em 2018, isto não significa que tal risco não exista (e muito menos que não existia em 2006). Por conseguinte, a luta contra tal risco deve ser considerada uma possível razão imperiosa de interesse geral para efeitos do direito da União.

( 61 ) De acordo com alguns autores, em 2020 os fundos de investimento imobiliário foram o veículo mais utilizado para investir em bens imobiliários comerciais em Itália. V. Croce, L., de Capitani, G. e Trutalli, F., Commercial real estate in Italy: Overview, Thomson Reuters Practical law, online Q&A guide to corporate real estate law in Italy. Um estudo da PwC, que refere dados do Banco de Itália, indica que em 2019 os fundos imobiliários em Itália geriram ativos em imóveis destinados a retalho, escritórios ou indústria no valor de 56 mil milhões de euros. No entanto, este estudo não especifica a dimensão global do mercado. V. PwC, Real Estate Market Overview: Italy 2019, disponível no sítio Internet desta rede global de empresas. Na Irlanda, a quota dos imóveis comerciais detidos pelos fundos de investimento (excluindo os fundos de investimento imobiliário e as companhias de seguros e fundos de pensões) representava, em 2016, segundo a estimativa do mercado global utilizada, 25 % a 50 % da carteira imobiliária comercial (escritórios, comércio e indústria). Estimativa efetuada a partir dos números referidos em Coates, D., Daly, P., Keenan, E., Kennedy, G., e McCarthy, B., Who Invests in the Irish Commercial Real Estate Market? An overview of Non‑Bank Institutional Ownership of Irish CRE, Banc Ceannais na hÉireann/Central Bank of Ireland, Financial stability Notes, n.o 6, 2019, n.o 6, pp. 5 e 7. Em França, 14 % dos imóveis comerciais em Paris e nos seus arredores são detidos por fundos de investimento (cotados ou não, mas excluindo investidores institucionais ou bancos). V. Association française des sociétés de placement immobilier (ASPIM) e Ernst & Young, L’investissement immobilier, une dynamique au service des territoires: 1.o étude socio‑économique des fonds d’investissement immobilier non cotés, outubro de 2019, p. 7.

( 62 ) V., neste sentido, Acórdão de 1 de março de 2018, CMVRO (C‑297/16, EU:C:2018:141, n.o 65).

( 63 ) V, neste sentido, Acórdão de 14 de novembro de 2018, Memoria e Dall’Antonia (C‑342/17, EU:C:2018:906, n.o 52).

( 64 ) V., por exemplo, Comité Europeu do Risco Sistémico, Relatório sobre as Vulnerabilidades no Sector Imobiliário Comercial da União, novembro de 2018, p. 5. «[O]s veículos de investimento, tais como fundos de investimento imobiliário abertos, enfrentam riscos de resgate que podem levar a correções de preços [no mercado imobiliário comercial] se os fundos forem forçados a vender os seus ativos rapidamente». Ibidem p. 79. A este respeito, há que ter presente que geralmente é devido a uma queda dos preços no mercado imobiliário que os investidores neste tipo de fundo pedem o reembolso, de modo a limitarem as suas perdas.

( 65 ) Em outubro de 2016, a US SEC [Securities and Exchange Commission, Estados Unidos] adotou novas regras destinadas a promover uma gestão eficaz do risco de liquidez nos fundos abertos (https://www.sec.gov/rules/final/2016/33‑10233.pdf); em julho de 2016, a HK SFC [Securities and Futures Commission, Hong Kong] publicou uma circular com orientações adicionais para os gestores de ativos, em particular, no que respeita à gestão do risco de liquidez (https://apps.sfc.hk/edistributionWeb/gateway/EN/circular/doc?refNo= 16EC29); a UK FCA [Financial Conduct Authority, Reino Unido] publicou orientações adicionais (https://www.fca.org.uk/publications/documents/liquidity‑management‑investment‑firms‑good‑practice); a AMF [Autorité des marchés financiers, França] publicou um relatório de consulta sobre testes de stress ao nível dos fundos de investimento (agosto de 2016, https://www.amf‑france.org/en/news‑publications/news‑releases/amf‑news‑releases/autorite‑des‑marches‑financiers‑amf‑launches‑consultation‑use‑stress‑tests‑help‑manage‑risk‑asset, relatório final publicado em fevereiro de 2017), bem como orientações detalhadas sobre os novos mecanismos para limitar os resgates (dezembro de 2016, https://www.amf‑france.org/en/news‑publications/news/setting‑redemption‑gates‑mechanisms‑amf‑publishes‑new‑instruction‑and‑adjusts‑its‑existing‑policy); a SEBI [Securities and Exchange Board, Índia] publicou uma circular (maio de 2016) na área da gestão da liquidez (https://www.sebi.gov.in/sebi_data/attachdocs/1464693701007.pdf). V., igualmente, The Board of the International Organization of Securities Commissions, Open‑ended Fund Liquidity and Risk ManagementGood Practices and Issues for ConsiderationFinal report, fevereiro de 2018 (https://memofin‑media.s3.eu‑west‑3.amazonaws.com/uploads/library/pdf/Memo %20OICV %20gestion %20risque %20liquidit %c3 %a9.pdf), ou mais recentemente, no contexto da crise da Covid, ESMA, Report on Recommendation of the European Systemic Risk Board (ESRB) on liquidity risk in investment funds, 12 de novembro de 2020, em especial p. 54, relativa a fundos imobiliários.

( 66 ) V., por exemplo, Dillon Eustace, A Guide to Irish Regulated Real Estate Funds, 2009, p. 4.

( 67 ) V., por analogia, Acórdão de 10 de abril de 2014, Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company (C‑190/12, EU:C:2014:249, n.o 43).

( 68 ) Se, ao abrigo da primeira condição do teste de proporcionalidade, fosse dada uma importância excessiva à eficácia da medida em causa, esta condição entraria em conflito com a segunda condição, de acordo com a qual a medida em causa não deve exceder o necessário.

( 69 ) V. Acórdão de 16 de junho de 1994, Steen (C‑132/93, EU:C:1994:254, n.os 9 a 11).

( 70 ) V. n.o 76 das presentes conclusões. Conforme expliquei nas Conclusões que apresentei no processo Autoridade Tributária e Aduaneira (Imposto sobre as mais‑valias imobiliárias) (C‑388/19, EU:C:2020:940), o Tribunal de Justiça não deve considerar isoladamente as medidas fiscais, devendo antes esforçar‑se por obter uma imagem completa da legislação fiscal aplicável à situação em causa, mesmo que isso torne mais difícil tal avaliação.

( 71 ) O mesmo se aplica aos argumentos da UBS Real Estate relacionados com o horizonte de investimento recomendado para os investidores dos fundos.

( 72 ) O artigo 12.o do regulamento geral destes dois fundos, na versão transmitida ao Tribunal de Justiça, estabelece que: «a empresa [gestora] reserva‑se o direito de recusar temporariamente o reembolso por razões de liquidez para proteger os investidores. Se os depósitos bancários e o produto da venda do instrumento do mercado monetário, unidades de investimento e títulos detidos não forem suficientes para permitir o pagamento do preço de reembolso e assegurar o regular funcionamento do serviço de gestão ou se os mesmos não estiverem imediatamente disponíveis, a empresa tem o direito de recusar o reembolso por um período de seis meses. Se, após o termo do período acima especificado, ainda não existirem fundos suficientes para cobrir o reembolso, os bens pertencentes ao fundo de investimento devem ser vendidos. A empresa pode recusar o reembolso até que a venda destes imóveis esteja concluída em condições razoáveis, mas não por mais de dois anos após a apresentação do pedido de reembolso. Por anúncio dirigido aos investidores [publicado no Bundesanzeiger eletrónico (Jornal Oficial) e num jornal financeiro ou diário com uma circulação suficientemente grande ou nos meios eletrónicos de informação descritos no prospeto de venda] é possível prorrogar por mais um ano o prazo referido».

( 73 ) Por exemplo, a designada crise do subprime teve um efeito no mercado imobiliário dos Estados Unidos pelo menos entre 2007 e 2012. Uma crise semelhante afetou os mercados imobiliários espanhol e irlandês entre 2008 e 2014.

( 74 ) A este respeito, há que recordar que a questão suscitada diz respeito à compatibilidade da primeira condição que o artigo 35.o, n.o 10‑ter, do Decreto‑Lei n.o 223/2006 prevê para que se possa beneficiar de uma redução das taxas de imposto e não à prática seguida pelas autoridades fiscais italianas. Por conseguinte, o argumento apresentado pela UBS Real Estate deve ser entendido como uma crítica ao recurso a uma condição decorrente da natureza aberta ou fechada do fundo, na medida em que teria sido mais adequado recorrer a um critério baseado numa análise refinada das regras relativas ao funcionamento dos fundos.

( 75 ) A este respeito, importa salientar novamente que, à data dos factos em causa nos processos principais, os fundos imobiliários não eram abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 85/611 e, por conseguinte, não beneficiavam do princípio do reconhecimento mútuo nem do princípio do controlo unicamente pelo Estado de origem.

( 76 ) No entanto, num domínio que manifestamente está abrangido pela competência exclusiva da União, o Tribunal de Justiça reconheceu que a utilização do critério geral (duração mínima de um ano de casamento, como prova da existência e da estabilidade das relações entre os interessados) não violava o princípio da proporcionalidade, mesmo que uma avaliação mais aprofundada de cada situação, baseada, por exemplo, num exame das provas apresentadas pelos interessados, tivesse sido possível. V. Acórdão de 19 de dezembro de 2019, HK/Comissão (C‑460/18 P, EU:C:2019:1119, n.o 89).

( 77 ) A posição em relação à discriminação direta — se esta fosse estabelecida — é diferente, conforme já observei.