CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MACIEJ SZPUNAR

apresentadas em 18 de junho de 2020 ( 1 )

Processo C‑433/19

Ellmes Property Services Limited

contra

SP

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal, Áustria)]

«Reenvio prejudicial — Competência judiciária — Regulamento (UE) n.o 1215/2012 — Conceito de “direitos reais sobre imóveis” — Ação inibitória contra um condómino — Uso turístico contrário à afetação habitacional do imóvel em regime de propriedade horizontal, conforme definida no contrato de constituição da propriedade horizontal»

I. Introdução

1.

O presente pedido de decisão prejudicial dá ao Tribunal de Justiça a oportunidade de se pronunciar sobre a competência para conhecer de uma ação de direito austríaco pela qual um condómino exige, em substância, que outro condómino deixe de fazer um uso turístico do seu apartamento sujeito ao regime de propriedade horizontal, pelo facto de esse uso não ser autorizado pelo contrato de propriedade horizontal. Com efeito, o órgão jurisdicional de reenvio indica que esta ação é suscetível de ser abrangida por duas regras de competência que figuram no Regulamento (EU) n.o 1215/2012 ( 2 ): a que estabelece a competência exclusiva em matéria de direitos reais sobre imóveis a favor dos órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro onde o imóvel se situa e aquela que estabelece a competência alternativa em matéria contratual a favor do tribunal do lugar de cumprimento da obrigação. Por conseguinte, a análise das questões prejudiciais submetidas fornece igualmente ao Tribunal de Justiça a oportunidade de se debruçar sobre a natureza do regulamento do contrato de constituição de propriedade horizontal do direito austríaco, do ponto de vista desse regulamento.

II. Quadro jurídico

A. Direito da União

2.

O artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1215/2012 dispõe:

«Sem prejuízo do disposto no presente regulamento, as pessoas domiciliadas num Estado‑Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, nos tribunais desse Estado‑Membro.»

3.

O artigo 7.o, ponto 1, alínea a), deste regulamento prevê:

«As pessoas domiciliadas num Estado‑Membro podem ser demandadas noutro Estado‑Membro:

1)

a)

Em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão;

[…]»

4.

O artigo 24.o do referido regulamento tem a seguinte redação:

«Têm competência exclusiva os seguintes tribunais de um Estado‑Membro, independentemente do domicílio das partes:

1)

Em matéria de direitos reais sobre imóveis e de arrendamento de imóveis, os tribunais do Estado‑Membro onde se situa o imóvel.

[…]»

B. Direito austríaco

5.

O § 2.o da Wohnungseigentumsgesetz (Lei Relativa à Propriedade Horizontal) ( 3 ), na sua versão aplicável ao processo principal, enuncia:

«(1)   A propriedade de uma fração autónoma em regime de propriedade horizontal é o direito real, que assiste ao comproprietário de um imóvel constituído em propriedade horizontal ou ao contitular de uma fração autónoma em regime de propriedade horizontal adquirida conjuntamente por duas pessoas singulares (Eigentümerpartnerschaft), a utilizar exclusivamente essa fração autónoma e a dispor da mesma. […]

(2)   São frações autónomas em regime de propriedade horizontal as habitações, as outras áreas independentes e os lugares de estacionamento para veículos a motor (frações suscetíveis de serem constituídas em unidades independentes), em que assenta a propriedade horizontal. Uma habitação é uma parte delimitada de um edifício que, pela sua natureza e dimensão, é adequada a satisfazer uma necessidade habitacional individual. Outra área independente é uma parte delimitada de um edifício, que, pela sua natureza e dimensão, possui uma importância económica considerável, como por exemplo um espaço comercial autónomo ou uma garagem. […]

[…]

(5)   O proprietário de uma fração autónoma em regime de propriedade horizontal é comproprietário do imóvel constituído em propriedade horizontal a que essa fração autónoma pertence.

[…]»

6.

O § 3.o desta lei dispõe:

«(1)   A propriedade horizontal pode constituir‑se mediante:

1.

Um acordo escrito entre todos os comproprietários (contrato de constituição da propriedade horizontal) […]

[…]»

7.

O § 16.o da referida lei prevê:

«(1)   A utilização da fração autónoma em regime de propriedade horizontal cabe ao condómino.

(2)   O condómino tem direito a proceder a alterações (incluindo alterações na respetiva afetação) na sua fração autónoma, a expensas próprias, nas seguintes condições:

1. A alteração não pode danificar o edifício, nem prejudicar os interesses dignos de proteção dos outros proprietários […]

2. Caso a alteração abranja também as partes comuns do imóvel, a alteração deverá ainda respeitar os usos ou servir um interesse importante do proprietário da fração autónoma […]»

III. Factos subjacentes ao processo principal

8.

A Ellmes Property Services e SP são condóminos de um imóvel constituído em propriedade horizontal, situado em Zell am See (Áustria). A referida sociedade encontra‑se sediada no Reino Unido, ao passo que o domicílio de SP corresponde ao endereço do apartamento de que é proprietário.

9.

O apartamento de que a Ellmes Property Services é proprietária, afeto a habitação, é utilizado para fins turísticos por esta sociedade e arrendado regularmente a turistas.

10.

Por ação inibitória intentada no Bezirksgericht Zell am See (Tribunal de Primeira Instância de Zell am See, Áustria), SP pediu a cessação dessa «utilização turística», com o fundamento de que seria contrária à afetação desse imóvel e arbitrária, na falta de acordo dos outros condóminos, e, por conseguinte, violaria o seu direito de condomínio. No que respeita à competência internacional dos tribunais austríacos, SP invocou o artigo 24.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 1215/2012, que, em matéria de direitos reais sobre imóveis, estabelece a competência exclusiva dos tribunais do Estado‑Membro onde o imóvel se situa.

11.

O órgão jurisdicional chamado a pronunciar‑se em primeira instância considerou‑se incompetente, considerando que a causa tinha por objeto uma convenção de uso de direito privado e não afetava diretamente a situação jurídica das partes nessa convenção, no tocante a um direito real.

12.

Em contrapartida, o Landesgericht Salzburg (Tribunal Regional de Salzburgo, Áustria), chamado a pronunciar‑se em segunda instância por SP, considerou que os tribunais austríacos eram competentes para conhecer dessa causa, por força do artigo 24.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1215/2012. Segundo esse órgão jurisdicional, a afetação de um bem pertencente a um prédio constituído em propriedade horizontal assenta num acordo de direito privado celebrado pelos condóminos sob a forma, em princípio, de um contrato de constituição da propriedade horizontal. A afetação desse bem a uma determinada utilização e o respeito da utilização assim definida fazem parte dos direitos reais dos condóminos que beneficiam de uma proteção absoluta.

13.

A Ellmes Property Services interpôs recurso de «Revision» no órgão jurisdicional de reenvio.

IV. Questões prejudiciais submetidas ao Tribunal de Justiça

14.

Nestas circunstâncias, o Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal, Áustria), por Decisão de 21 de maio de 2019, que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 6 de junho de 2019, suspendeu a instância e submeteu as seguintes questões prejudiciais à apreciação do Tribunal de Justiça:

«1)

Deve o artigo 24.o, n.o 1, primeiro parágrafo, primeira hipótese, do Regulamento [n.o 1215/2012], ser interpretado no sentido de que as ações de um [condómino de um imóvel] em regime de propriedade horizontal, que pretende proibir outro [condómino] de alterar a afetação [da sua fração autónoma], de forma unilateral, sem o acordo dos outros [condóminos], constituem ações em matéria de direitos reais?

2)

Caso a resposta à questão anterior seja negativa:

Deve o artigo 7.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 1215/2012 ser interpretado no sentido de que as ações referidas [na primeira questão] dizem respeito a matéria contratual, devendo ser propostas no local onde se situa a coisa?»

15.

No âmbito do procedimento assim instaurado, apresentaram alegações escritas as partes no processo principal e a Comissão. O Tribunal de Justiça decidiu não realizar audiência por considerar que dispõe de informações suficientes para se pronunciar.

V. Análise

16.

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se o artigo 24.o, ponto 1, do Regulamento n.o 1215/2012 deve ser interpretado no sentido de que está abrangida por esta disposição a ação de um condómino destinada a proibir outro condómino de alterar a sua fração autónoma, nomeadamente a sua afetação, arbitrariamente e sem o consentimento dos outros condóminos. Com a sua segunda questão, este órgão jurisdicional pede ao Tribunal de Justiça que interprete o artigo 7.o, ponto 1, alínea a), desse regulamento tendo em conta as particularidades dessa ação.

17.

Resulta da formulação das questões prejudiciais que o órgão jurisdicional de reenvio parte da premissa de que, independentemente da resposta a dar, a ação de direito austríaco visada por estas questões está abrangida pelo conceito de «matéria civil e comercial» na aceção do artigo 1.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1215/2012 e entra no âmbito de aplicação deste regulamento. Nada permite pôr em causa esta premissa. Com efeito, o processo principal no âmbito do qual esta ação é intentada inscreve‑se perfeitamente neste conceito e não está abrangido pelas exclusões previstas no artigo 1.o, n.o 2, deste regulamento.

18.

Por conseguinte, nas presentes conclusões, apresentarei, antes de mais, algumas observações gerais sobre a ação de direito austríaco em relação à qual são colocadas as questões prejudiciais (título A). Em seguida, analisarei as questões prejudiciais pela ordem privilegiada pelo órgão jurisdicional de reenvio. Com efeito, como acertadamente considera esse órgão jurisdicional, a segunda questão só se coloca se a resposta à primeira questão for negativa. Se uma ação estiver abrangida pelo artigo 24.o, ponto 1, do Regulamento n.o 1215/2012, que diz respeito à competência exclusiva em matéria de direitos reais sobre imóveis (título B), já não é necessário examinar a questão da existência de um foro alternativo, como o previsto no artigo 7.o, ponto 1, alínea a), deste regulamento (título C).

A. Quanto à ação em causa

19.

O órgão jurisdicional de reenvio explica que, no direito austríaco, a propriedade horizontal («Wohnungseigentum») constitui um direito real ( 4 ) que é protegido não apenas contra as violações de terceiros, mas também contra as dos outros condóminos.

20.

Esse órgão jurisdicional especifica que a afetação de um bem em regime de propriedade horizontal a uma utilização habitacional ou comercial é determinada pela convenção de direito privado assinada entre todos os condóminos e que, regra geral, se materializa no contrato de constituição da propriedade horizontal («Wohnungseigentumsvertrag»). Os condóminos encontram‑se numa relação contratual livremente consentida em virtude do contrato de constituição da propriedade horizontal. A afetação de um bem em regime de propriedade horizontal e a manutenção da afetação assim definida fazem parte do direito, com proteção absoluta, de cada condómino do imóvel. A este respeito, a utilização para fins turísticos de um bem em regime de propriedade horizontal afeto a uma utilização habitacional constitui uma alteração da afetação desse bem.

21.

Resulta do reenvio prejudicial que, no processo principal, um dos condóminos pretende, com a sua ação, fazer cessar a utilização que viola o seu direito de condomínio. Com efeito, o órgão jurisdicional de reenvio explica que as suas questões prejudiciais assentam numa ação de direito austríaco de condenação na abstenção ou cessação («Eigentumsfreiheitsklage») de um comportamento censurado a um demandado. Segundo as explicações dadas por esse órgão jurisdicional, cada condómino pode intentar tal ação contra o condómino que, arbitrariamente, sem o acordo dos outros condóminos ou sem decisão judicial com força de caso julgado que substitua esse acordo, procede a alterações do seu bem em regime de propriedade horizontal, nomeadamente no que toca à afetação desse bem ( 5 ).

B. Quanto à primeira questão relativa ao artigo 24.o, ponto 1, do Regulamento n.o 1215/2012

22.

O artigo 24.o, ponto 1, do Regulamento n.o 1215/2012 confere competência exclusiva em matéria de direitos reais sobre imóveis aos tribunais do Estado‑Membro onde se situa o imóvel. Na redação desta disposição, o legislador da União reproduziu, em substância, os termos utilizados no artigo 16.o, ponto 1, alínea a), da Convenção de Bruxelas ( 6 ) e no artigo 22.o, ponto 1, do Regulamento (CE) n.o 44/2001 ( 7 ), pelo que a interpretação desenvolvida pelo Tribunal de Justiça na sua jurisprudência no que diz respeito a estas duas disposições vale igualmente para o artigo 24.o, ponto 1, do Regulamento n.o 1215/2012 ( 8 ).

23.

Por conseguinte, a expressão «em matéria de direitos reais sobre imóveis» constante do artigo 24.o, ponto 1, do Regulamento n.o 1215/2012 deve continuar a ser interpretada de forma autónoma ( 9 ).

24.

Por outro lado, duas séries de critérios utilizadas pelo Tribunal de Justiça para circunscrever o âmbito de aplicação da regra de competência em matéria de direitos reais sobre imóveis continuam a ser válidas na vigência do Regulamento n.o 1215/2012. A primeira série diz respeito aos critérios relativos às características dos direitos reais sobre imóveis e das ações correspondentes, que são abrangidos pelo artigo 24.o, ponto 1, deste regulamento. A segunda série diz respeito aos critérios relativos aos objetivos subjacentes a esta disposição, que permitem determinar as ações que devem ser abrangidas por essa disposição e aquelas que, atendendo a que a referida disposição constitui uma disposição excecional que deve ser objeto de interpretação estrita, dela são excluídas. Assim, é à luz destas duas séries de critérios que importa verificar se a ação em causa no processo principal está abrangida pelo artigo 24.o, ponto 1, do Regulamento n.o 1215/2012.

1.   Quanto às características dos direitos reais sobre imóveis e das ações abrangidas por esta matéria

a)   As características dos direitos reais sobre imóveis à luz da jurisprudência

25.

Os direitos reais sobre imóveis a que se refere a redação do artigo 24.o, ponto 1, do Regulamento n.o 1215/2012 são definidos, na jurisprudência, por oposição aos direitos pessoais. A diferença entre estes dois tipos de direitos reside no facto de os primeiros, incidindo sobre um bem corpóreo, produzirem os seus efeitos erga omnes, ao passo que os segundos só podem ser invocados contra o devedor ( 10 ).

26.

A este respeito, devo observar que, no Acórdão Komu e o. ( 11 ), o Tribunal de Justiça decidiu que está abrangido pela regra de competência estabelecida no artigo 24.o, ponto 1, do Regulamento n.o 1215/2012 um pedido de dissolução de uma compropriedade sobre bens imóveis, uma vez que esse pedido, destinado a conduzir à transmissão do direito de propriedade sobre bens imóveis, diz respeito a direitos reais que produzem os seus efeitos em relação a todos e constitui uma ação destinada a assegurar aos titulares desses direitos a proteção das prerrogativas associadas ao seu título. Por conseguinte, o direito de propriedade horizontal, como o que está em causa no processo principal, parece, a priori, constituir também um direito real sobre imóveis na aceção da jurisprudência relativa a esta disposição.

27.

Ora, a regra de competência estabelecida no artigo 24.o, ponto 1, do Regulamento n.o 1215/2012 só é aplicável em caso de «disputas que tenham por objeto direitos reais sobre imóveis» ( 12 ). Para que uma ação intentada num órgão jurisdicional de um Estado‑Membro seja abrangida por esta disposição, não é suficiente que na ação esteja em causa um direito real sobre imóveis ou que a ação tenha um nexo com um imóvel: é necessário que a ação se baseie num direito real ( 13 ).

28.

Neste contexto, resulta da jurisprudência que as ações que têm por objeto direitos reais sobre imóveis são aquelas que se destinam, por um lado, a determinar o alcance, a consistência, a propriedade, a posse de um bem imóvel ou a existência de outros direitos reais sobre esses bens e, por outro, a assegurar aos titulares desses direitos a proteção das prerrogativas ligadas ao seu título ( 14 ).

29.

Por conseguinte, há que determinar se a ação em causa no processo principal tem por objeto uma prerrogativa que incide diretamente sobre o imóvel e que produz efeitos em relação a todos ( 15 ), de modo que esta ação possa ser considerada uma ação baseada num direito real sobre imóveis na aceção da jurisprudência acima referida.

b)   Aplicação ao caso em apreço

1) Observações preliminares

30.

É certo que, como alega a Ellmes Property Services, no Acórdão ČEZ ( 16 ), o Tribunal de Justiça decidiu que uma ação de cessação de perturbações, causadas a bens imóveis pela atividade de uma central nuclear situada no território de um Estado vizinho daquele onde esses bens estão situados, não constitui uma disputa que tenha por objeto um direito real sobre um imóvel. Com efeito, embora o fundamento dessa ação resida na violação de um direito real sobre imóveis, a natureza real e imobiliária desse direito só tem, nesse contexto, uma importância relativa. Esta natureza real e imobiliária do direito em causa não exerce uma influência determinante na configuração de um litígio no âmbito do qual essa ação inibitória é intentada, que não se colocaria em termos substancialmente diferentes se o direito cuja proteção é prosseguida contra as alegadas perturbações fosse de natureza diferente, como, por exemplo, o direito à integridade física ou um direito mobiliário. Tal como a ação em causa nesse acórdão, essas ações visam, em substância, que quem está na origem dessa violação de um direito, comprovada ou potencial, seja intimado a pôr‑lhe termo.

31.

Todavia, diferentemente da ação em causa no Acórdão ČEZ ( 17 ), a ação em causa no processo principal não reside exclusivamente na violação de um direito real imobiliário do condómino que intentou essa ação, mas sobretudo, ao que parece, no desrespeito, por outro condómino, do uso acordado no contrato de constituição da propriedade horizontal.

32.

Poder‑se‑ia, assim, argumentar que a ação em causa no processo principal tem antes por objeto o direito do condómino que não respeita esse uso, e não o direito desse condómino que intenta essa ação. A Comissão parece fazer eco deste ponto de vista, na medida em que indica que, na hipótese de o uso acordado no contrato de constituição da propriedade horizontal constituir um direito real, poderá haver uma limitação dos direitos de um condómino a dispor da sua quota na propriedade horizontal. Nesta ordem de ideias, SP alega que, nas circunstâncias do caso em apreço, o condómino que não respeita o uso acordado no contrato de constituição da propriedade horizontal, por um lado, invoca o benefício de um direito real, a saber, o de arrendar para fins turísticos, quando esse direito não existe e, por outro, em todo o caso, viola o direito real dos outros condóminos.

33.

Nestas condições, para determinar se a ação em causa no processo principal pode ser abrangida pelo artigo 24.o, ponto 1, do Regulamento n.o 1215/2012, há que determinar se o uso de um bem imóvel — a saber, um apartamento sujeito ao regime de propriedade horizontal — estipulado no regulamento do condomínio produz efeitos em relação a todos.

34.

Ora, como observa a Comissão, o órgão jurisdicional de reenvio não proporciona todos os elementos necessários para se poder fazer um juízo preciso sobre a classificação jurídica da faculdade de um dos condóminos exigir que outro condómino deixe de fazer um uso específico da sua propriedade.

35.

Recorde‑se que resulta do pedido de decisão prejudicial que, no direito austríaco, a propriedade horizontal constitui um direito real protegido não só contra as violações de terceiros, mas também contra as dos outros condóminos. A afetação de um bem em regime de propriedade horizontal e a manutenção da utilização definida por essa afetação «fazem parte dos direitos reais dos condóminos que beneficiam de uma proteção absoluta». Esta afetação é estabelecida pela convenção de direito privado entre todos os condóminos que se encontram, por força do contrato de constituição da propriedade horizontal, numa relação contratual livremente consentida. Um condómino pode intentar contra o condómino que não respeite o uso acordado nesse regulamento uma ação como a que está em causa no processo principal.

36.

Não é claro se a faculdade de um condómino exigir que o uso acordado no regulamento do condomínio seja respeitado se insere ou não no âmbito de proteção absoluta mencionada pelo órgão jurisdicional de reenvio no pedido de decisão prejudicial. Em caso de resposta afirmativa, deve considerar‑se que o facto de se prever um determinado uso no contrato de constituição da propriedade horizontal é suscetível de produzir efeitos igualmente em relação a terceiros.

37.

Neste contexto, a Comissão admite que o processo principal deve ser examinado à luz do conteúdo do contrato de constituição da propriedade horizontal, pelo que a aplicação do artigo 24.o, ponto 1, do Regulamento n.o 1215/2012 neste litígio pode suscitar dúvidas. Todavia, indica que certos elementos podem constituir indícios de que o uso acordado no regulamento do condomínio produz efeitos erga omnes. Só se estes elementos forem confirmados pelo órgão jurisdicional de reenvio é que, segundo a Comissão, haverá que considerar que uma ação de cessação da utilização turística de um apartamento está abrangida por esta disposição do Regulamento n.o 1215/2012.

38.

Mais especificamente, a Comissão refere‑se, em primeiro lugar, à circunstância de, segundo as informações que recolheu, o contrato de constituição da propriedade horizontal celebrado entre os condóminos iniciais dever ser aceite por qualquer pessoa que adquira um apartamento sujeito ao regime de propriedade horizontal e de esse contrato só poder ser alterado sob reserva do acordo de todos os outros condóminos. Em segundo lugar, alega que, segundo as suas informações, o referido contrato e o uso que prevê podem ser consultados no registo predial e que existe, portanto, um acesso público que permite que se tome conhecimento.

39.

Pelas razões que exporei a seguir, tenho dúvidas quanto à questão de saber se estes elementos, que devem ser objeto das verificações do órgão jurisdicional de reenvio, conduzem necessariamente à conclusão de que o uso acordado no contrato de constituição da propriedade horizontal produz efeitos em relação a todos.

2) Quanto à oponibilidade do regulamento do condomínio

40.

É verdade que, no Acórdão Weber ( 18 ), o Tribunal de Justiça declarou que uma ação destinada a obter a declaração de invalidade do exercício de um direito de preferência, como o visado nesse acórdão, está abrangida pela regra da competência exclusiva em matéria de direitos reais sobre imóveis. A este respeito, o Tribunal de Justiça explicou que este direito, que onera um bem imóvel e que está inscrito no registo predial, produz os seus efeitos não apenas em relação ao obrigado mas garante o direito do respetivo titular à transmissão da propriedade igualmente perante terceiros, de forma que, se um contrato de compra e venda for celebrado entre um terceiro e o proprietário do bem onerado, o exercício válido do direito de preferência tem como consequência que a venda não produz efeitos em relação ao titular deste direito de preferência e que a venda se pressupõe celebrada entre esse titular e o referido proprietário em condições iguais às acordadas entre este último e esse terceiro. Tratava‑se, assim, de um direito real por excelência.

41.

Ora, há que distinguir a situação em que um direito real produz efeitos relativamente a todos daquela em que um direito pessoal continua a produzir efeitos na sequência de uma alteração subjetiva de uma relação jurídica que está na base desse direito pessoal.

42.

O Acórdão Weber ( 19 ) constitui uma ilustração desta primeira situação. Com efeito, o direito de preferência referido nesse acórdão era oponível a um terceiro, sem que fosse necessário provar que essa pessoa tinha substituído o proprietário de um bem imóvel onerado no âmbito da relação entre este e o titular do direito de preferência ou que a referida pessoa tinha, pelo menos, consentido em respeitar as implicações dessa relação. Ora, não penso que esta situação seja necessariamente idêntica àquela em que, como indica a Comissão, o contrato de constituição da propriedade horizontal celebrado entre os condóminos iniciais deve ser «aceite» por qualquer pessoa que adquira um apartamento sujeito ao regime de propriedade horizontal.

43.

A título de ilustração, no Acórdão Kerr ( 20 ), o Tribunal de Justiça declarou que uma ação que tem por objeto uma obrigação de pagamento decorrente de uma decisão da assembleia geral de condóminos de um imóvel está abrangida pelo artigo 7.o, ponto 1, do Regulamento n.o 1215/2012, que estabelece a competência não exclusiva em matéria contratual, ainda que essa decisão seja vinculativa para os condóminos que não tenham participado na sua adoção. Por outro lado, no Despacho INA e o. ( 21 ), o Tribunal de Justiça adotou esta interpretação no contexto de uma obrigação de pagamento decorrente da lei nacional, cujas modalidades eram determinadas por um acordo dos proprietários de mais de metade das frações do condomínio. O Tribunal de Justiça chegou a esta conclusão baseando‑se na circunstância de, ao tornar‑se e manter‑se condómino de um imóvel, cada condómino consentir em se sujeitar a todas as disposições do ato que regula a propriedade horizontal em causa e às decisões adotadas pela assembleia geral de condóminos desse imóvel ( 22 ).

44.

É certo que, no Acórdão Kerr ( 23 ) e no Despacho INA e o. ( 24 ), o objeto das ações em causa não dizia diretamente respeito ao imóvel. A jurisprudência decorrente destas duas decisões ilustra, no entanto, de que modo o uso acordado no regulamento do condomínio pode produzir efeitos relativamente a qualquer pessoa que adquira um apartamento sujeito ao regime de propriedade horizontal, sem que tal uso produza efeitos erga omnes na aceção da jurisprudência relativa à competência exclusiva em matéria de direitos reais sobre imóveis.

45.

Nestas circunstâncias, para que o uso convencionado no contrato de constituição da propriedade horizontal produza tais efeitos, é necessário que tal uso seja igualmente oponível às pessoas que não podem ser consideradas as que aceitaram voluntariamente o contrato de constituição da propriedade horizontal. É o que sucede se um condómino também puder exercer a ação de inibição contra um locatário que não respeita o uso acordado no contrato de constituição da propriedade horizontal. ( 25 ). Incumbe, todavia, ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar as verificações necessárias a este respeito.

3) Quanto à inscrição no registo predial

46.

No que diz respeito à possibilidade de consultar o contrato de constituição da propriedade horizontal no registo predial, é verdade que, em numerosos sistemas jurídicos, o princípio da publicidade está incluído nos princípios decorrentes da natureza dos direitos reais. Com efeito, este princípio reflete, nomeadamente, a ideia de que, regra geral, os direitos reais só podem ser respeitados se as informações que se lhes referem estiverem acessíveis ao público em geral. No que respeita, em especial, aos direitos reais sobre imóveis, essa acessibilidade pode ser assegurada, nomeadamente, através de registos cuja consulta está aberta ao público. A inscrição no registo predial de informações relativas a um direito sobre um bem corpóreo pode, assim, indicar que esse direito é oponível a qualquer pessoa e constitui, por conseguinte, um direito real.

47.

Assim sendo, há que ter em conta, por um lado, que os registos prediais também podem conter informações que não dizem respeito aos direitos que produzem efeitos erga omnes e, por outro, que resulta do quadro jurídico, conforme esclarecido pelo órgão jurisdicional de reenvio, que a própria propriedade horizontal assenta num contrato de constituição da propriedade horizontal. Não é de excluir que este contrato pode ser consultado no registo predial pelo facto de se tratar de um ato com base no qual a propriedade horizontal foi constituída e inscrita nesse registo.

48.

Devo observar, neste contexto, que uma ação que se refere a um ato pelo qual o direito real inscrito no registo predial foi constituído não está abrangida pelo artigo 24.o, ponto 1, do Regulamento n.o 1215/2012 quando essa ação se baseia num direito pessoal.

49.

Para ilustrar esta minha afirmação, no Acórdão Schmidt ( 26 ), que dizia respeito a um pedido baseado na nulidade da transferência de propriedade que — como o Tribunal de Justiça observou — se baseava num direito real sobre o imóvel em causa invocado pela demandante, o Tribunal de Justiça considerou que um pedido de cancelamento do registo predial do direito de propriedade está abrangido por esta disposição. Todavia, resulta desse acórdão que a situação é diferente quando se trata de um pedido dirigido contra outra parte no ato com base no qual essa propriedade devia ser transferida e destinado a obter a declaração da nulidade desse ato devido à incapacidade de contratar de uma outra parte no referido ato. Tal pedido baseava‑se, segundo o Tribunal de Justiça, num direito pessoal ( 27 ).

50.

Nesta ordem de ideias, no Acórdão Milivojević ( 28 ), o Tribunal de Justiça decidiu que está abrangido pelo artigo 24.o, ponto 1, do Regulamento n.o 1215/2012 um pedido de cancelamento da inscrição de uma hipoteca no registo predial. O Tribunal de Justiça considerou que a hipoteca, uma vez devidamente constituída segundo as regras formais e substantivas prescritas pela legislação nacional na matéria, é um direito real que produz efeitos erga omnes. Em contrapartida, não é da competência exclusiva do tribunal do Estado‑Membro onde o imóvel se situa um pedido de declaração da nulidade, por violação das regras nacionais em matéria de proteção dos consumidores, da escritura notarial de constituição dessa hipoteca. Com efeito, tal pedido baseia‑se, segundo o Tribunal de Justiça, num direito pessoal que só pode ser invocado contra o demandado no processo nos órgãos jurisdicionais nacionais ( 29 ).

51.

Por conseguinte, no que diz respeito à questão de saber se a ação em causa no processo principal está abrangida pelo artigo 24.o, ponto 1, do Regulamento n.o 1215/2012, sou da opinião de que o facto de o contrato de constituição da propriedade horizontal poder ser consultado no registo predial não dispensa o órgão jurisdicional nacional de verificar, pelas razões expostas nos n.os 40 a 45 das presentes conclusões, se o uso acordado nesse regulamento é oponível a qualquer pessoa. Se assim for, esta ação está, a priori, abrangida pela regra de competência estabelecida nesta disposição. Assim, resta apenas verificar se os objetivos da referida disposição militam a favor da interpretação segundo a qual uma ação destinada a que o uso estabelecido no regulamento do condomínio seja respeitado só é abrangida pela mesma disposição se tal uso for oponível a todos.

2.   Quanto aos objetivos da regra de competência em matéria de direitos reais sobre imóveis

52.

O Tribunal de Justiça decidiu reiteradamente que o âmbito de aplicação do artigo 24.o, ponto 1, do Regulamento n.o 1215/2012 não pode ser concebido de modo extensivo, num sentido que seria mais amplo do que os seus objetivos exigem ( 30 ). Assim, a determinação destes objetivos é essencial para circunscrever o âmbito de aplicação da regra de competência prevista nesta disposição.

53.

No que diz respeito às regras de competência exclusiva em geral, o Tribunal de Justiça considerou que a razão de ser destas regras é a existência de um elemento de conexão particularmente estreito entre a causa e um Estado‑Membro em benefício do qual a competência está estabelecida ( 31 ).

54.

Quanto à competência exclusiva em matéria de direitos reais sobre imóveis, está assente, desde o Acórdão Reichert e Kockler ( 32 ), que os órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro onde o imóvel se situa são os que estão em melhores condições para se pronunciarem sobre ações nesta matéria. Na sua jurisprudência, o Tribunal de Justiça indicou, em especial, que, por um lado, tais ações devem ser julgadas de acordo com as regras desse Estado‑Membro, o que reflete o princípio da lex rei sitae, e que, por outro lado, as impugnações a que dão lugar requerem frequentemente verificações, exames e peritagens que devem ser feitos no local ( 33 ). Por conseguinte, a atribuição de competência a esses órgãos jurisdicionais corresponde ao interesse de uma boa administração da justiça ( 34 ).

55.

Poder‑se‑á, assim, argumentar que um dos objetivos da regra de competência exclusiva enunciada no artigo 24.o, ponto 1, do Regulamento n.o 1215/2012 é estabelecer a competência dos órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro com o qual existe um elemento de conexão particularmente estreito no que respeita ao litígio, a fim de facilitar a boa administração da justiça. Todavia, considero que este objetivo assim definido, considerado isoladamente, constitui apenas uma das razões suscetíveis de explicar a escolha do legislador da União no que diz respeito à exclusividade da competência estabelecida por força desta regra.

a)   Argumento relativo ao exame das regras de competência não exclusiva

56.

Importa observar que as regras de competência não exclusiva utilizam igualmente fatores de conexão que permitem assegurar a proximidade entre um litígio e os órgãos jurisdicionais competentes para conhecer desse litígio e correspondem ao interesse de uma boa administração da justiça, sem implicar as repercussões características das regras de competência exclusiva.

57.

No que diz respeito, mais especificamente, ao âmbito do Regulamento n.o 1215/2012, o considerando 16 desse regulamento indica que «[o] foro do domicílio do requerido deve ser completado pelos foros alternativos permitidos em razão do vínculo estreito entre a jurisdição e o litígio ou com vista a facilitar a boa administração da justiça». Nesta ordem de ideias, o Tribunal de Justiça declarou reiteradamente que as regras de competência previstas no artigo 7.o, pontos 1 e 2, do referido regulamento se baseiam na existência de um elemento de conexão particularmente estreito, que justifica uma atribuição de competência aos órgãos jurisdicionais visados por esta disposição por razões de boa administração da justiça e de organização útil do processo ( 35 ).

58.

É certo que se pode sustentar que, diferentemente das regras de competência não exclusiva, no que diz respeito à regra de competência exclusiva em matéria de direitos reais sobre imóveis, o elemento de conexão particularmente estreito só existe entre o litígio e um único Estado‑Membro.

59.

A priori, esta interpretação permite explicar as razões pelas quais, no Acórdão ČEZ ( 36 ), o Tribunal de Justiça decidiu que uma ação de condenação numa prestação de facto negativo do direito austríaco («Eigentumsfreiheitsklage»), intentada pelo proprietário de um imóvel e destinada a fazer cessar as perturbações causadas a esse bem pela atividade de uma central nuclear situada no território de um Estado vizinho daquele onde o referido bem se situa, não está abrangida pela regra de competência exclusiva em matéria de direitos reais sobre imóveis. Segundo o Tribunal de Justiça, as verificações essenciais para conhecer dessa ação devem ser efetuadas tanto no Estado‑Membro onde se situa o primeiro bem imóvel como no Estado‑Membro onde se situa o segundo bem imóvel. Parece‑me que o Tribunal de Justiça se referiu a esta circunstância para sugerir que a referida ação está antes abrangida pela regra de competência em matéria extracontratual, prevista no artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1215/2012 ( 37 ). Esta regra de competência reconhece, por princípio, a distinção entre o lugar onde o dano ocorreu («Erfolgsort») e o do evento causal que está na origem desse dano («Handlungsort») ( 38 ).

60.

Ora, pode arguir‑se que determinadas ações que têm uma conexão mais estreita com um único Estado‑Membro do que com qualquer outro Estado são abrangidas pelas regras de competência não exclusiva. A título de ilustração, no que diz respeito aos órgãos jurisdicionais competentes em matéria contratual ao abrigo do artigo 5.o, n.o 1, da Convenção de Bruxelas, o Tribunal de Justiça decidiu que importa determinar um único lugar de execução da obrigação em causa ( 39 ). Contudo, esta disposição não estabelece uma competência exclusiva em benefício dos órgãos jurisdicionais desse lugar.

61.

Em contrapartida, o artigo 24.o, ponto 1, do Regulamento n.o 1215/2012 estabelece a competência exclusiva a favor dos tribunais de um único Estado‑Membro. Esta disposição tem por efeito excluir todas as outras regras de competência geral ou alternativa previstas no Regulamento n.o 1215/2012 e de privar as partes da escolha do foro que, de outra forma, seria o seu nos termos do artigo 25.o deste regulamento ( 40 ). Além disso, por derrogação ao princípio enunciado nos artigos 4.o e 7.o do referido regulamento, nos termos do qual os órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros são competentes para decidirem as ações dirigidas contra pessoas domiciliadas no território de um Estado‑Membro, esta regra de competência exclusiva aplica‑se independentemente do domicílio das partes. Dito isto, ao contrário do artigo 7.o, n.os 1 e 2, do mesmo regulamento, a referida regra de competência não restringe a faculdade de cada Estado‑Membro proceder à repartição das competências judiciárias no seu território ( 41 ). Poder‑se‑á argumentar que, embora a lógica do artigo 24.o, ponto 1, do mesmo regulamento se baseie no nexo particularmente estreito entre o objeto de um litígio e o foro, esse nexo não deverá determinar apenas a competência internacional de um Estado‑Membro, mas também a sua competência judiciária interna ( 42 ).

62.

O facto de, por um lado, a autonomia das partes quanto à escolha do foro que consideram ser o mais adequado para o litígio ser afastada e de, por outro, a competência ser inevitavelmente conferida a um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro, mesmo que as partes tenham domicílio num Estado terceiro, tende a indicar que um interesse considerável deve estar subjacente à decisão do legislador da União quanto ao caráter exclusivo da competência estabelecida nos termos do artigo 24.o, ponto 1, do Regulamento n.o 1215/2012. Tendo em conta que a competência de um dos Estados‑Membros é assegurada em detrimento dos elementos relativos aos indivíduos (partes), considero que este interesse reveste caráter público. Existe um interesse público, designadamente, quando se trata de direitos suscetíveis de afetar a situação jurídica de qualquer pessoa (erga omnes) ou do público em geral ( 43 ). Se esse interesse não for invocado numa ação, os objetivos do artigo 24.o, ponto 1, do Regulamento n.o 1215/2012 não exigem que o mesmo seja abrangido por esta disposição.

b)   Argumento baseado nos trabalhos preparatórios e na doutrina

63.

A consideração apresentada no n.o 62 das presentes conclusões é corroborada pela análise dos trabalhos preparatórios relativos à regra de competência exclusiva em matéria de direitos reais sobre imóveis e da doutrina consagrada a esta regra.

64.

As explicações que figuram no relatório de P. Jenard relativo à Convenção de Bruxelas ( 44 ) ilustram o facto de várias razões terem conduzido à introdução da regra de competência exclusiva em matéria de direitos reais sobre imóveis. A leitura destas explicações leva a pensar que a introdução desta regra se prende sobretudo com o facto de, em certos sistemas nacionais, tal regra ser considerada de ordem pública. Em contrapartida, o facto de a introdução da referida regra — equivalente à do artigo 24.o, ponto 1, do Regulamento n.o 1215/2012 — corresponder ao interesse de uma boa administração da justiça só foi evocado, nesse relatório, a título subsidiário no que diz respeito à introdução da mesma regra.

65.

Nesta ordem de ideias, a doutrina considera, por seu lado, que, na análise dos objetivos do artigo 24.o, ponto 1, do Regulamento n.o 1215/2012, que são suscetíveis de circunscrever o âmbito de aplicação desta disposição, não se deve limitar ao objetivo relativo à proximidade ou à boa administração da justiça. A este respeito, uma parte da doutrina considera que, para um Estado‑Membro, a importância da matéria a que se refere o artigo 24.o, ponto 1, do Regulamento n.o 1215/2012 é tal que este pretende assegurar a sua competência exclusiva no que respeita a esta matéria ( 45 ) e que a competência exclusiva nesta matéria protege os interesses desse Estado‑Membro ( 46 ).

c)   Aplicação ao caso em apreço

66.

É à luz de todas as considerações precedentes que há que verificar se os objetivos do artigo 24.o, ponto 1, do Regulamento n.o 1215/2012 exigem que a ação em causa no processo principal seja abrangida por esta disposição.

67.

A este respeito, devo observar que, nas suas observações escritas consagradas à segunda questão, SP indica que o contrato pelo qual adquiriu a propriedade de um apartamento no bem imóvel em causa no processo principal estipula que o bem adquirido se situa fora de uma zona afetada às residências secundárias e que, por conseguinte, existe uma proibição de arrendamento para fins turísticos. Não resulta claramente destas observações se essa proibição figura unicamente num contrato ou também na regulamentação do urbanismo. Em todo o caso, as referidas observações são formuladas à luz da competência em matéria contratual. Por outro lado, a Ellmes Property Services indica, de forma menos equívoca, que, embora o direito austríaco não imponha nenhuma afetação a um bem em regime de propriedade horizontal, esta pode, todavia, ser determinada no contrato de constituição da propriedade horizontal.

68.

Nestas circunstâncias, não me parece que os objetivos do artigo 24.o, ponto 1, do Regulamento n.o 1215/2012 exijam que a ação em causa no processo principal seja abrangida por esta disposição no caso de o uso acordado no regulamento do condomínio só ser oponível às pessoas que consentiram sujeitar‑se a esse regulamento. Com efeito, não penso que, para o Estado‑Membro onde se situa esse bem, a importância do respeito das convenções contratuais entre condóminos relativos à afetação de um bem imóvel seja tal, que esse Estado‑Membro deva assegurar a sua competência exclusiva nesta matéria. Não será esse o caso, porém, se essas convenções produzirem efeitos suscetíveis de implicar um interesse diverso do puramente privado das partes nessas convenções contratuais.

69.

O facto de, para conhecer de uma ação como a que está em causa no processo principal, terem de ser efetuadas determinadas verificações no lugar onde se situa o imóvel sujeito ao regime de propriedade horizontal não põe em causa esta consideração. Com efeito, após ter declarado, no Acórdão Lieber ( 47 ), que um pedido de indemnização pela fruição de um imóvel não diz respeito a um direito real que produz efeitos erga omnes, mas sim a um direito pessoal, o Tribunal de Justiça não atribuiu uma importância decisiva à circunstância de o tribunal do Estado‑Membro contratante onde se encontrava o imóvel poder facilmente determinar o montante da indemnização devida. Pelo contrário, o Tribunal de Justiça indicou que, para determinar esse montante, um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro diferente daquele onde se situa o imóvel tinha a possibilidade de recorrer a um perito para obter as informações necessárias ( 48 ).

3.   Conclusão relativa à primeira questão prejudicial

70.

Tendo em conta o que precede, proponho que se responda à primeira questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio que o artigo 24.o, ponto 1, do Regulamento n.o 1215/2012 deve ser interpretado no sentido de que uma ação de um condómino destinada a obter a cessação da utilização turística de um apartamento por outro condómino, com o fundamento de que esse uso não corresponde ao convencionado no contrato de constituição da propriedade horizontal, só está abrangida por esta disposição se tal uso for igualmente oponível a qualquer pessoa que não seja parte no contrato. Compete ao juiz nacional efetuar as verificações finais a este respeito.

71.

Tendo em conta a resposta que proponho que seja dada à primeira questão, há que proceder à análise da segunda questão.

C. Quanto à segunda questão prejudicial, relativa ao artigo 7.o, ponto 1, alínea a), do Regulamento n.o 1215/2012

72.

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende determinar se a ação de um condómino com vista à cessação da utilização turística de um apartamento por outro condómino, pelo facto de esse uso não corresponder ao convencionado no contrato de constituição da propriedade horizontal, está abrangida pelo artigo 7.o, ponto 1, alínea a), do Regulamento n.o 1215/2012. Se for esse o caso, esse órgão jurisdicional pretende conhecer a obrigação em que se baseia essa ação, na aceção desta disposição. Interroga‑se igualmente sobre a questão de saber se o lugar de cumprimento da obrigação corresponde ao lugar onde se situa o apartamento.

1.   Observações preliminares

73.

Devo formular as seguintes observações antes de proceder à análise da segunda questão.

74.

Antes de mais, devo observar que esta questão tem expressamente por objeto a interpretação do artigo 7.o, ponto 1, alínea a), do Regulamento n.o 1215/2012. O órgão jurisdicional de reenvio considera, portanto, que o artigo 7.o, ponto 1, alínea b), deste regulamento, que diz unicamente respeito à venda de bens e à prestação de serviços, não é aplicável ao processo principal. Com efeito, nada indica que no processo principal estejam em causa a venda de mercadorias ou a prestação de serviços ( 49 ). A distinção entre estas duas disposições afeta a determinação dos tribunais competentes em matéria contratual. O artigo 7.o, ponto 1, alínea b), do Regulamento n.o 1215/2012 define de forma autónoma os critérios de conexão para os contratos de venda de bens e de prestação de serviços. Em contrapartida, ao preservar o princípio decorrente do Acórdão Industrie Tessili Italiana Como ( 50 ), o artigo 7.o, ponto 1, alínea a), deste regulamento prevê, por um lado, que pode ser intentada uma ação no tribunal do lugar de cumprimento da obrigação em que se baseia essa ação e, por outro, que esse lugar deve ser determinado em conformidade com a lei que rege essa obrigação contratual controvertida, segundo as regras de conflito do órgão jurisdicional chamado a decidir ( 51 ).

75.

Em seguida, observo que SP alega que os condóminos acordaram que um órgão jurisdicional austríaco era material e territorialmente competente independentemente do seu domicílio. Todavia, o órgão jurisdicional de reenvio não parece atribuir importância a esta convenção e, em todo o caso, não pede ao Tribunal de Justiça que clarifique a eventual incidência da referida convenção na determinação do órgão jurisdicional competente.

76.

Por último, existe uma certa contradição entre a formulação da segunda questão e a exposição de motivos do pedido de decisão prejudicial. Com efeito, a formulação desta questão pode levar a pensar que o órgão jurisdicional de reenvio parte da premissa de que essa ação está necessariamente abrangida pelo artigo 7.o, ponto 1, alínea a), do Regulamento n.o 1215/2012 e interroga‑se sobre a determinação da obrigação em que se baseia a referida ação, na aceção desta última disposição. Em contrapartida, a exposição de motivos do pedido de decisão prejudicial parece sugerir que o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto à questão de saber se a ação em causa no processo principal pode estar abrangida pela referida disposição. Ora, para dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio e face à impossibilidade de eliminar esta ambiguidade, proponho que a segunda questão seja entendida em conformidade com a formulação que figura no n.o 72 das presentes conclusões.

2.   Apreciação

77.

Para que o artigo 7.o, ponto 1, alínea a), do Regulamento n.o 1215/2012 possa aplicar‑se à ação em causa no processo principal, deve considerar‑se que esse processo está abrangido pelo conceito de «matéria contratual» na aceção desta disposição. Trata‑se de um conceito autónomo do direito da União ( 52 ) que o Tribunal de Justiça interpretou inicialmente de forma negativa, a saber, que este conceito não pode ser entendido no sentido de que visa uma situação em que não existe nenhum compromisso livremente assumido por uma parte perante a outra ( 53 ).

78.

Uma vez que essa situação nunca tenha sido apresentada nos órgãos jurisdicionais austríacos chamados a pronunciar‑se no processo principal, a ação em causa é suscetível de ser abrangida por esta disposição. Com efeito, o órgão jurisdicional de reenvio indica que os condóminos se encontram, por força do contrato de constituição da propriedade horizontal, numa relação contratual livremente consentida. Além disso, à luz da jurisprudência mencionada no n.o 44 das presentes conclusões, a circunstância de essa relação existir igualmente com um condómino que não era parte no contrato de constituição da propriedade horizontal, tal como celebrado pelos condóminos iniciais, não afeta a aplicação do artigo 7.o, ponto 1, alínea a), do Regulamento n.o 1215/2012 ( 54 ).

79.

No que diz respeito à identificação da «obrigação em questão» na aceção desta disposição, o órgão jurisdicional de reenvio parece considerar, reproduzindo as palavras que utilizou na exposição dos fundamentos do pedido de decisão prejudicial, que está abrangida pela obrigação contratual de um condómino a utilização, do modo acordado, do seu bem em regime de propriedade horizontal. Nesta ordem de ideias, para SP, trata‑se de uma «obrigação de fazer», isto é, no caso em apreço, de utilizar esse bem em conformidade com a sua afetação, conforme prevista no contrato de constituição da propriedade horizontal relativamente ao referido bem. Em contrapartida, a Ellmes Property Services alega que se trata de uma «obrigação de não fazer», a saber, uma obrigação de se abster de arrendar um bem em regime de propriedade horizontal para fins turísticos, que não comporta nenhuma limitação geográfica e que se caracteriza por uma multiplicidade dos locais onde foi ou devia ser cumprida. Por conseguinte, à luz do Acórdão Besix ( 55 ), o artigo 7.o, ponto 1, alínea a), do Regulamento n.o 1215/2012 não é aplicável ao processo principal.

80.

Constitui jurisprudência constante que o conceito de «obrigação», constante do artigo 7.o, ponto 1, alínea a), do Regulamento n.o 1215/2012, remete para a obrigação que corresponde ao direito contratual invocado para justificar a ação judicial ( 56 ). Na medida em que, no caso em apreço, se trata de uma ação de cessação de um comportamento, considero que a obrigação contratual controvertida consiste numa obrigação de não fazer e, mais especificamente, de não alterar, de maneira não conforme com o contrato de constituição da propriedade horizontal, a afetação de um bem no lugar onde este se situa. Esta consideração é corroborada pelo facto de um condómino não poder exigir que outro condómino faça uso do seu bem quando se abstenha de o fazer.

81.

Contudo, não me convence a posição da Ellmes Property Services de que a obrigação contratual controvertida, que consiste numa obrigação de não fazer, deve ser executada sem qualquer limitação geográfica, pelo que a aplicação do artigo 7.o, ponto 1, alínea a), do Regulamento n.o 1215/2012 está excluída.

82.

Com efeito, as circunstâncias do presente processo não são comparáveis às que estiveram subjacentes ao Acórdão Besix ( 57 ). Nesse processo, como resulta da redação da questão submetida ao Tribunal de Justiça, a obrigação contratual controvertida consistia no compromisso de agir exclusivamente com uma parte contratante com vista à apresentação de uma oferta conjunta no âmbito de um concurso público e de não se associar a outro parceiro. O órgão jurisdicional de reenvio no referido processo determinou, antes de mais, o lugar de cumprimento da obrigação em causa em conformidade com o princípio decorrente do Acórdão Industrie Tessili Italiana Como ( 58 ), segundo o qual esse lugar é determinado pela lei designada pelas normas de conflito de leis do Estado do foro. Em seguida estabeleceu, com base na lei designada aplicável à referida obrigação, que a mesma devia ser executada em qualquer parte do mundo ( 59 ). Em contrapartida, no caso vertente, o órgão jurisdicional de reenvio não identificou definitivamente a obrigação em que se baseia a ação de SP nem, a fortiori, o lugar em que essa obrigação deva ser executada.

83.

Por outro lado, o argumento da Ellmes Property Services, de que uma obrigação de não fazer, como a que está em causa no caso em apreço, não tem lugar de execução específica, não parece ter em conta o princípio decorrente do Acórdão Industrie Tessili Italiana Como ( 60 ). Com efeito, este argumento não faz nenhuma referência às soluções existentes no direito austríaco, que esta sociedade parece considerar aplicável à obrigação contratual controvertida. Contudo, não é de excluir que a lei aplicável a esta obrigação permita identificar o lugar de execução da referida obrigação e que esse lugar corresponda ao lugar em que se situa o apartamento sujeito ao regime de propriedade horizontal ( 61 ). Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio realizar as verificações a este respeito, no cumprimento do princípio decorrente desse acórdão.

84.

Por último, por uma questão de exaustividade, quero acrescentar que, na minha opinião, o Tribunal de Justiça não dispõe dos elementos de facto e de direito necessários para fornecer esclarecimentos suplementares quanto à aplicação deste princípio nas circunstâncias do caso em apreço. Com efeito, uma das partes no processo principal alega que contrato de constituição da propriedade horizontal data de 1978. É, portanto, pouco provável que a lei aplicável à obrigação contratual controvertida seja designada por normas de conflitos que o Tribunal de Justiça possa interpretar.

VI. Conclusão

85.

Pelos motivos expostos, proponho que o Tribunal de Justiça responda do seguinte modo às questões submetidas pelo Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal, Áustria):

1)

O artigo 24.o, ponto 1, do Regulamento (UE) n.o 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que uma ação de um condómino destinada a obter a cessação da utilização turística de um apartamento por outro condómino, com o fundamento de que esse uso não corresponde ao convencionado no contrato de constituição da propriedade horizontal, só está abrangida por esta disposição se essa utilização for oponível a todos. Compete ao juiz nacional efetuar as verificações finais a este respeito.

2)

O artigo 7.o, ponto 1, alínea a), deste regulamento deve ser interpretado no sentido de que, no caso de o uso acordado no regulamento do condomínio não ser oponível a todos, essa ação está abrangida pelo conceito de «matéria contratual» na aceção desta disposição. Nestas condições, a obrigação contratual controvertida consiste numa obrigação de não fazer e, mais especificamente, de não alterar, de maneira não conforme com o regulamento do condomínio, a afetação de um bem no lugar onde este se situa. Para verificar se o lugar de cumprimento desta obrigação corresponde ao lugar onde se situa o apartamento sujeito ao regime de propriedade horizontal, cabe ao juiz nacional determinar esse lugar de cumprimento em conformidade com a lei que regula esta obrigação, segundo as normas de conflitos do órgão jurisdicional chamado a decidir.


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2012, L 351, p. 1).

( 3 ) BGBl. I, 70/2002.

( 4 ) V., igualmente, neste sentido, Faber, W., «National Report on the Transfer of Movables in Austria», sob a direção de Faber, W., Luger, B., National Reports on the Transfer of Movables in Europe: Volume 1, Austria, Estonia, Italy, Slovenia, Sellier. European Law Publishers, Munich, 2008, p. 17.

( 5 ) V., igualmente, Stabentheiner, J., Vonkilch, A., Kersting, J., sob a direção de Van Der Merwe, C., European Condominium Law, Cambridge University Press, Cambridge, 2015, p. 133.

( 6 ) Convenção de 27 de setembro de 1968, relativa à Competência Judiciária e à Execução de Decisões em matéria civil e comercial (JO 1972, L 299, p. 32; EE 01 F1 p. 186), conforme alterada pela Convenção de 9 de outubro de 1978, relativa à adesão do Reino da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte (JO 1978, L 304, p. 1, e — texto modificado — p. 77; EE 01 F2 p. 131 e — texto modificado — p. 207), pela Convenção de 25 de outubro de 1982, relativa à adesão da República Helénica (JO 1982, L 388, p. 1; EE 01 F3 p. 234) e pela Convenção de 26 de maio de 1989, relativa à adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa (JO 1989, L 285, p. 1; a seguir «Convenção de Bruxelas»).

( 7 ) Regulamento do Conselho de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2001, L 12, p. 1).

( 8 ) V. Acórdão de 16 de novembro de 2016, Schmidt (C‑417/15, EU:C:2016:881, n.o 26). Por uma questão de exaustividade, noto que foram feitas duas alterações à formulação do proémio do artigo 24.o do Regulamento n.o 1215/2012 em relação ao do artigo 22.o do Regulamento n.o 44/2001. A primeira alteração diz respeito à precisão de que o artigo 24.o do Regulamento n.o 1215/2012 apenas se refere aos órgãos jurisdicionais de um Estado‑Membro. Esta precisão não afeta o sentido desta disposição no que diz respeito ao exercício da competência para conhecer de ações relativas a imóveis situados, como no litígio no processo principal, no território dos Estados‑Membros. A segunda diz respeito ao aditamento dos termos «das partes» (esta disposição aplica‑se «independentemente do domicílio das partes»), o que também não parece alterar o sentido do artigo 22.o do Regulamento n.o 44/2001, que previa que esta disposição se aplicava «qualquer que seja o domicílio». Sublinhados meus. V., no que diz respeito à segunda alteração, Hess, B., «The Brussels I Regulation: Recent case law of the Court of Justice and the Commission’s proposed recast», Common Market Law Review, 2012, vol. 49, pp. 1105 e 1106.

( 9 ) V., recentemente, Acórdão de 14 de fevereiro de 2019, Milivojević (C‑630/17, EU:C:2019:123, n.o 97 e jurisprudência aí referida), e Despacho de 15 de maio de 2019, MC (C‑827/18, não publicado, EU:C:2019:416, n.o 23).

( 10 ) V., recentemente, Acórdão de 14 de fevereiro de 2019, Milivojević (C‑630/17, EU:C:2019:123, n.o 100). Além disso, segundo o n.o 166 do Relatório Schlosser sobre a Convenção relativa à adesão do Reino da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte à Convenção relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial, bem como sobre o protocolo relativo à sua interpretação pelo Tribunal de Justiça (JO 1979, C 59, p. 71), a consequência jurídica que caracteriza um direito real que produz efeitos erga omnes é a faculdade de o titular desse direito poder reivindicar o bem onerado com esse direito a qualquer pessoa que não possua um direito real de classificação mais elevada.

( 11 ) Acórdão de 17 de dezembro de 2015 (C‑605/14, EU:C:2015:833, n.o 29).

( 12 ) V., neste sentido, Acórdão de 18 de maio de 2006, ČEZ (C‑343/04, EU:C:2006:330, n.o 32).

( 13 ) V., recentemente, Acórdão de 10 de julho de 2019, Reitbauer e o. (C‑722/17, EU:C:2019:577, n.o 45 e jurisprudência aí referida).

( 14 ) V. Acórdãos de 3 de abril de 2014, Weber (C‑438/12, EU:C:2014:212, n.o 42), e de 16 de novembro de 2016, Schmidt (C‑417/15, EU:C:2016:881, n.o 40).

( 15 ) V. Acórdão de 17 de maio de 1994, Webb (C‑294/92, EU:C:1994:193, n.o 15), e Despacho de 5 de abril de 2001, Gaillard (C‑518/99, EU:C:2001:209, n.o 18).

( 16 ) Acórdão de 18 de maio de 2006, ČEZ (C‑343/04, EU:C:2006:330, n.o 34).

( 17 ) Acórdão de 18 de maio de 2006 (C‑343/04, EU:C:2006:330).

( 18 ) Acórdão de 3 de abril de 2014, Weber (C‑438/12, EU:C:2014:212, n.o 45).

( 19 ) Acórdão de 3 de abril de 2014 (C‑438/12, EU:C:2014:212).

( 20 ) Acórdão de 8 de maio de 2019 (C‑25/18, EU:C:2019:376, n.o 29).

( 21 ) Despacho de 19 de novembro de 2019 (C‑200/19, não publicado, EU:C:2019:985, n.o 29).

( 22 ) Acórdão de 8 de maio de 2019, Kerr (C‑25/18, EU:C:2019:376, n.o 29), e Despacho de 19 de novembro de 2019, INA e o. (C‑200/19, não publicado, EU:C:2019:985, n.o 29).

( 23 ) Acórdão de 8 de maio de 2019 (C‑25/18, EU:C:2019:376, n.o 29).

( 24 ) Despacho de 19 de novembro de 2019 (C‑200/19, não publicado, EU:C:2019:985, n.o 29).

( 25 ) V., a contrario, Acórdãos de 17 de maio de 1994, Webb (C‑294/92, EU:C:1994:193, n.o 15); e de 9 de junho de 1994, Lieber (C‑292/93, EU:C:1994:241, n.o 15), bem como Despacho de 5 de abril de 2001, Gaillard (C‑518/99, EU:C:2001:209, n.o 18).

( 26 ) Acórdão de 16 de novembro de 2016 (C‑417/15, EU:C:2016:881, n.o 40).

( 27 ) Acórdão de 16 de novembro de 2016, Schmidt (C‑417/15, EU:C:2016:881, n.os 34 e 43).

( 28 ) Acórdão de 14 de fevereiro de 2019 (C‑630/17, EU:C:2019:123, n.o 102).

( 29 ) Acórdão de 14 de fevereiro de 2019, Milivojević (C‑630/17, EU:C:2019:123, n.o 101).

( 30 ) V., neste sentido, recentemente, Despacho de 15 de maio de 2019, MC (C‑827/18, não publicado, EU:C:2019:416, n.o 20).

( 31 ) V., igualmente, em geral, no que diz respeito às regras de competência exclusiva previstas no artigo 16.o da Convenção de Bruxelas, Acórdão de 13 de julho de 2000, Group Josi (C‑412/98, EU:C:2000:399, n.o 46).

( 32 ) Acórdão de 10 de janeiro de 1990 (C‑115/88, EU:C:1990:3, n.o 9). O Tribunal de Justiça estabeleceu anteriormente uma interpretação análoga no que diz respeito às ações em matéria de arrendamento de imóveis no Acórdão de 14 de dezembro de 1977, Sanders (73/77, EU:C:1977:208, n.os 11 e 12).

( 33 ) V. Acórdãos de 10 de janeiro de 1990, Reichert e Kockler (C‑115/88, EU:C:1990:3, n.o 10); de 17 de dezembro de 2015, Komu e o. (C‑605/14, EU:C:2015:833, n.o 31); e de 16 de novembro de 2016, Schmidt (C‑417/15, EU:C:2016:881, n.o 29).

( 34 ) V., neste sentido, Acórdãos de 17 de dezembro de 2015, Komu e o. (C‑605/14, EU:C:2015:833, n.o 30); e de 16 de novembro de 2016, Schmidt (C‑417/15, EU:C:2016:881, n.o 37).

( 35 ) V., recentemente, no que diz respeito à competência em matéria contratual, Acórdão de 4 de outubro de 2018, Feniks (C‑337/17, EU:C:2018:805, n.o 36), e, no que diz respeito à competência em matéria extracontratual, Acórdão de 17 de outubro de 2017, Bolagsupplysningen e Ilsjan (C‑194/16, EU:C:2017:766, n.os 26 e 27).

( 36 ) Acórdão de 18 de maio de 2006 (C‑343/04, EU:C:2006:330).

( 37 ) V. Acórdão de 18 de maio de 2006, ČEZ (C‑343/04, EU:C:2006:330, n.o 38).

( 38 ) Ainda que, em determinadas situações, os conceitos de «Handlungsort» e de «Erfolgsort» não possam ser distinguidos [v. as minhas Conclusões no processo Universal Music International Holding, (C‑12/15, EU:C:2016:161, n.o 38)], a regra de competência prevista no artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1215/2012 diz respeito a ações que, em princípio, permitem operar tal distinção.

( 39 ) V., neste sentido, Acórdão de 19 de fevereiro de 2002, Besix (C‑256/00, EU:C:2002:99, n.o 29). Ora, não é evidente que esta interpretação seja transponível para o artigo 7, ponto 1, alínea a), do Regulamento n.o 1215/2012. V. Acórdão de 27 de novembro de 2014 da High Court of Justice (England and Wales) [Tribunal Superior de Justiça (Inglaterra e País de Gales), Reino Unido] no processo Canon Offshore Ltd v GDF Suez E&P Nederland BV [2014] EWHC 3810 (Comm), n.o 49 e segs.). Por outro lado, no que respeita à evolução da jurisprudência relativa ao artigo 7.o, ponto 1, alínea b), deste regulamento e à multiplicação dos foros competentes nos termos desta disposição, v. Beaumont, P., Yüksel, B., «Cross‑Border Civil and Commercial Disputes Before the Court of Justice of the European Union», sob a direção de Beaumont, P., Danov, M., Trimmings, K., Yüksel, B., Cross‑border Litigation in Europe, Hart Publishing, Oxford Portland, 2017, pp. 514 e segs.

( 40 ) V. Acórdão de 17 de dezembro de 2015, Komu e o. (C‑605/14, EU:C:2015:833, n.o 24).

( 41 ) Acórdão de 28 de abril de 2009, Apostolides (C‑420/07, EU:C:2009:271, n.os 48 e 50).

( 42 ) V. igualmente, neste sentido, Lehmann, M., The Brussels I Regulation Recast, Dickinson, A., Lein, E. (eds.), Oxford University Press, Oxford, 2015, p. 259, n.o 8.10.

( 43 ) Por uma questão de exaustividade, esclareço que o artigo 24.o, ponto 1, do Regulamento n.o 1215/2012 engloba igualmente os arrendamentos de imóveis. É certo que estes não são comparáveis aos direitos reais sobre imóveis e que os objetivos subjacentes ao caráter exclusivo da competência no que respeita aos arrendamentos de imóveis podem distinguir‑se dos que subjazem ao da competência em matéria de direito reais sobre imóveis. Todavia, segundo a minha leitura da jurisprudência, a razão pela qual os arrendamentos imobiliários são igualmente abrangidos por uma regra de competência exclusiva assentam em considerações económicas, sociais e políticas, na medida em que estas fundamentam o caráter imperativo das legislações relativas ao controlo do nível das rendas e à proteção dos direitos dos arrendatários e dos agricultores. V., neste sentido, Acórdãos de 26 de fevereiro de 1992, Hacker (C‑280/90, EU:C:1992:92, n.o 8); e de 6 de julho de 1988, Scherrens (158/87, EU:C:1988:370, n.o 9), bem como Despacho de 15 de maio de 2019, MC (C‑827/18, não publicado, EU:C:2019:416, n.o 27).

( 44 ) Relatório sobre a Convenção de 27 de setembro de 1968 relativa à competência judiciária e a execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 1979, C 59, p. 1).

( 45 ) V., neste sentido, Lehmann, M., op. cit., p. 259, n.o 8.11.

( 46 ) V., neste sentido, Van Calster, G., European Private International Law, Hart Publishing, Oxford, Portland, 2016, p. 73.

( 47 ) Acórdão de 9 de junho de 1994 (C‑292/93, EU:C:1994:241, n.o 15).

( 48 ) Acórdão de 9 de junho de 1994, Lieber (C‑292/93, EU:C:1994:241, n.o 21).

( 49 ) Parece‑me evidente que o processo principal não diz de modo algum respeito à venda de mercadorias. Esse processo também não diz respeito aos serviços, que implicam, segundo jurisprudência constante, que a parte que os presta efetua uma atividade determinada em contrapartida de uma remuneração [v. Acórdão de 8 de maio de 2019, Kerr (C‑25/18, EU:C:2019:376, n.o 39 e jurisprudência aí referida)]: no caso em apreço, falta o elemento relativo à remuneração.

( 50 ) Acórdão de 6 de outubro de 1976 (12/76, EU:C:1976:133).

( 51 ) V., no que diz respeito o artigo 5, ponto 1, alínea a), do Regulamento n.o 44/2001, cuja redação corresponde à do artigo 7, ponto 1, alínea a), do Regulamento n.o 1215/2012, Acórdão de 23 de abril de 2009, Falco Privatstiftung e Rabitsch (C 533/07, EU:C:2009:257, n.os 46 a 57).

( 52 ) V., recentemente, Acórdão de 26 de março de 2020, Primera Air Scandinavia (C‑215/18, EU:C:2020:235, n.o 41).

( 53 ) Acórdão de 17 de junho de 1992, Handte (C‑26/91, EU:C:1992:268, n.o 15).

( 54 ) V. Acórdão de 8 de maio de 2019, Kerr (C‑25/18, EU:C:2019:376, n.o 29). V., igualmente, Despacho de 19 de novembro de 2019, INA e o. (C‑200/19, não publicado, EU:C:2019:985, n.o 29).

( 55 ) Acórdão de 19 de fevereiro de 2002 (C‑256/00, EU:C:2002:99).

( 56 ) V., neste sentido, Acórdãos de 6 de outubro de 1976, De Bloos (14/76, EU:C:1976:134, n.o 13); e de 23 de abril de 2009, Falco Privatstiftung e Rabitsch (C‑533/07, EU:C:2009:257, n.o 47).

( 57 ) Acórdão de 19 de fevereiro de 2002 (C‑256/00, EU:C:2002:99).

( 58 ) Acórdão de 6 de outubro de 1976 (12/76, EU:C:1976:133).

( 59 ) Acórdão de 19 de fevereiro de 2002, Besix (C‑256/00, EU:C:2002:99, n.os 16 a 20).

( 60 ) Acórdão de 6 de outubro de 1976 (12/76, EU:C:1976:133).

( 61 ) Com efeito, existem numerosos argumentos que me levam a pensar que a lei aplicável devia reconhecer a pertinência da localização de um bem cuja afetação não pode ser alterada. Além disso, esta solução é justificada por considerações relativas à proximidade entre o litígio e o foro competente, bem como as que se destinam a evitar o recurso excessivo ao forum actoris. Todavia, atendendo à natureza do reenvio para um direito material, no qual assenta o artigo 7, ponto 1, alínea a), do Regulamento n.o 1215/2012, não se pode excluir que a lei aplicável determine o lugar da execução da obrigação contratual controvertida por referência ao domicílio de um devedor ou de um credor. V., neste sentido, Mankowski, P., «Artigo 7.o», sob a direção de Magnus, U., Mankowski, P., Brussels I bis Regulation, Otto Schmidt, Colónia, 2016, p. 253, n.o 208.