CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MICHAL BOBEK

apresentadas em 23 de setembro de 2020 ( 1 )

Processos apensos C‑83/19, C‑127/19 e C‑195/19

Asociaţia «Forumul Judecătorilor din România»

contra

Inspecţia Judiciară

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunalul Mehedinţi (Tribunal Regional de Mehedinţi, Roménia)]

e

Asociaţia «Forumul Judecătorilor din România»,

Asociaţia «Mişcarea pentru Apărarea Statutului Procurorilor»

contra

Consiliul Superior al Magistraturii

[pedido de decisão prejudicial apresentado pela Curtea de Apel Alba Iulia (Tribunal de Recurso de Alba Iulia, Roménia)]

e

PJ

contra

QK

[pedido de decisão prejudicial apresentado pela Curtea de Apel Bucureşti (Tribunal de Recurso de Bucareste, Roménia)]

Processo C‑291/19

SO

contra

TP e o.

[pedido de decisão prejudicial apresentado pela Curtea de Apel Braşov (Tribunal de Recurso de Braşov, Roménia)]

Processo C‑355/19

Asociaţia «Forumul Judecătorilor din România»,

Asociaţia «Mişcarea pentru Apărarea Statutului Procurorilor»,

OL

contra

Parchetul de pe lângă Înalta Curte de Casaţie şi Justiţie — Procurorul General al României

[pedido de decisão prejudicial apresentado pela Curtea de Apel Piteşti (Tribunal de Recurso de Piteşti, Roménia)]

«Reenvio prejudicial — Tratado de Adesão da República da Bulgária e da Roménia à União Europeia — Decisão da Comissão 2006/928/CE que estabelece um Mecanismo de Cooperação e de Verificação (MCV) — Natureza e efeitos legais do MCV e dos relatórios elaborados pela Comissão com base nele — Nomeação provisória da direção da Inspeção Judicial — Regras nacionais relativas à criação e à organização de uma secção do Ministério Público de investigação das infrações cometidas no âmbito do sistema judiciário — Artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE — Estado de Direito — Independência judicial»

Índice

 

I. Introdução

 

II. Quadro jurídico

 

A. Direito da União

 

1. Direito primário

 

2. Decisão MCV

 

B. Direito romeno

 

1. Constituição romena

 

2. Disposições relativas à Inspeção Judicial

 

a) Lei n.o 317/2004

 

b) Decreto urgente n.o 77/2018

 

3. Disposições relativas à secção de investigação de infrações cometidas no âmbito do sistema judiciário

 

a) Lei n.o 207/2018

 

b) Decreto urgente n.o 90/2018

 

c) Decreto urgente n.o 92/2018

 

d) Decreto urgente n.o 7/2019

 

e) Decreto urgente n.o 12/2019

 

III. Matéria de facto, tramitação do processo nacional e questões prejudiciais

 

A. Processo C‑83/19

 

B. Processo C‑127/19

 

C. Processo C‑195/19

 

D. Processo C‑291/19

 

E. Processo C‑355/19

 

F. Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

 

IV. Análise

 

A. Admissibilidade das questões submetidas

 

1. C‑83/19

 

2. C‑127/19 e C‑355/19

 

3. C‑195/19 e C‑291/19

 

4. Conclusão provisória sobre admissibilidade

 

B. Direito da União pertinente e critérios de referência

 

1. MCV

 

a) A Decisão MCV e os relatórios MCV constituem atos da União Europeia?

 

b) O Tratado de Adesão constitui uma base jurídica adequada?

 

1) Base jurídica formal

 

2) Conteúdo e objetivos

 

3) Duração do MCV

 

4) Conclusão provisória

 

c) Efeitos jurídicos do MCV

 

1) Os efeitos jurídicos da Decisão MCV

 

2) Os efeitos jurídicos dos relatórios MCV

 

d) As medidas nacionais em questão são abrangidas pelo âmbito de aplicação do MCV?

 

2. Princípio da independência dos juízes: artigo 47.o da Carta e/ou artigo 19.o, n.o 1, TUE

 

a) Artigo 47.o da Carta

 

b) Artigo 19.o, n.o 1, TUE

 

c) Artigo 19.o, n.o 1, TUE e os perigos das portas demasiado abertas

 

3. Critérios e natureza da apreciação

 

a) Os critérios de referência: os aspetos externos da independência judicial e a teoria das aparências

 

b) A natureza da avaliação: o que deve ser determinado

 

C. Apreciação das disposições nacionais em causa

 

1. Contexto geral

 

2. Nomeação provisória da direção da Inspeção Judicial

 

a) O despacho de reenvio e a posição das partes

 

b) Análise

 

c) Conclusão provisória

 

3. SIIJ

 

a) Os despachos de reenvio e as posições das partes

 

b) Análise

 

i) Justificação

 

– Justificação inequívoca e acessível?

 

– Justificação genuína?

 

ii) Garantias

 

iii) Contexto e funcionamento prático

 

iv) Prazo razoável

 

c) Conclusão provisória

 

V. Conclusão

I. Introdução

1.

Os presentes processos dizem respeito a dois aspetos institucionais do sistema judicial romeno que foram recentemente alterados através da reforma das chamadas «Leis sobre a Justiça» ( 2 ) nesse Estado‑Membro. No essencial, os cinco pedidos de decisão prejudicial apreciados em conjunto nas presentes conclusões são relativos, por um lado, à nomeação provisória do chefe da Inspecția Judiciară (Inspeção Judicial, Roménia) e, por outro, à criação de uma secção no Ministério Público responsável pela investigação de infrações cometidas no âmbito do sistema judiciário ( 3 ).

2.

Existem, contudo, duas questões prejudiciais que são comuns a todos estes processos e que devem ser desde logo analisadas. A primeira diz respeito à natureza e aos efeitos jurídicos do «Mecanismo de Cooperação e Verificação» (a seguir «MCV») ( 4 ), estabelecido pela Decisão 2006/928/CE da Comissão ( 5 )?

3.

Com base no MCV, a Comissão Europeia elabora relatórios periódicos. No seu relatório publicado em 2018 ( 6 ), a Comissão identificou vários aspetos problemáticos relativos às recentes reformas do sistema judicial romeno, que são objeto dos presentes pedidos de decisão prejudicial. Neste contexto, os órgãos jurisdicionais de reenvio pedem esclarecimentos sobre o estatuto jurídico do MCV e os relatórios da Comissão, nomeadamente para determinar se as recomendações constantes desses relatórios são vinculativas para as autoridades romenas.

4.

Além disso, ao mesmo tempo que questionam a compatibilidade das alterações legislativas nacionais com os princípios do Estado de Direito, da tutela jurisdicional efetiva e da independência do poder judicial, as questões submetidas dizem respeito a uma série de disposições de direito primário, especialmente o artigo 2.o TUE, o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE e o artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»). A segunda questão prejudicial que carece de clarificação consiste, portanto, em saber quais destas disposições são aplicáveis nos presentes processos, especificamente no contexto pós‑adesão da Roménia, no qual o MCV continua a ser aplicável.

II. Quadro jurídico

A. Direito da União

1.   Direito primário

5.

Em conformidade com o artigo 4.o, n.o 3, do Tratado relativo à adesão da República da Bulgária e da Roménia à União Europeia (a seguir «Tratado de Adesão») ( 7 ), as instituições da União podem adotar antes da adesão as medidas previstas, nomeadamente, nos artigos 37.o e 38.o do Ato relativo às condições de adesão da República da Bulgária e da Roménia (a seguir «Ato de Adesão») ( 8 ).

6.

O artigo 2.o do Ato de Adesão prevê que, a partir da data da adesão, as disposições dos Tratados originários e os atos adotados pelas instituições antes da adesão vinculam a Roménia e são aplicáveis nos termos dos Tratados e do Ato de adesão.

7.

O artigo 37.o do Ato de Adesão dispõe que:

«Se a Bulgária ou a Roménia não tiver dado cumprimento a compromissos assumidos no contexto das negociações de adesão, incluindo os assumidos em qualquer das políticas setoriais que dizem respeito às atividades económicas com incidência transfronteiriça, dando assim origem a uma grave perturbação ou a um risco de grave perturbação do funcionamento do mercado interno, a Comissão pode, mediante pedido fundamentado de um Estado‑Membro ou por iniciativa própria, tomar medidas adequadas, durante um período máximo de três anos a contar da adesão.

As medidas devem ser proporcionadas, dando‑se prioridade às que causem menor perturbação no funcionamento do mercado interno e, se adequado, à aplicação dos mecanismos setoriais de salvaguarda existentes. Essas medidas de salvaguarda não devem ser invocadas como meio de discriminação arbitrária ou de restrição dissimulada do comércio entre Estados‑Membros. A cláusula de salvaguarda pode ser invocada mesmo antes da adesão, com base nas conclusões do acompanhamento, devendo as medidas adotadas entrar em vigor logo no primeiro dia da adesão, a menos que estabeleçam uma data posterior. As medidas não podem ser mantidas por um período superior ao estritamente necessário e devem ser, de qualquer modo, levantadas quando tiver sido cumprido o compromisso em causa, podendo, porém, ser aplicadas para além do período especificado no primeiro parágrafo enquanto não forem cumpridos os compromissos pertinentes. Em resposta aos progressos efetuados pelo novo Estado‑Membro em causa no cumprimento dos seus compromissos, a Comissão pode adaptar as medidas conforme for adequado. A Comissão deve informar o Conselho em tempo útil antes de revogar as medidas de salvaguarda, tendo devidamente em conta quaisquer observações do Conselho a este respeito».

8.

O artigo 38.o do Ato de Adesão declara:

«Se na Bulgária ou na Roménia se verificarem ou houver um risco iminente de se verificarem lacunas graves na transposição, no estado da aplicação ou na execução das decisões‑quadro ou de quaisquer outros compromissos, instrumentos de cooperação e decisões relativos ao reconhecimento mútuo no domínio do direito penal adotados ao abrigo do título VI do Tratado UE e das diretivas e regulamentos relacionados com o reconhecimento mútuo em matéria civil ao abrigo do título IV do Tratado CE, a Comissão pode, mediante pedido fundamentado de um Estado‑Membro ou por sua própria iniciativa, e após consulta aos Estados‑Membros, tomar as medidas adequadas e especificar as condições e regras de aplicação dessas medidas durante um período máximo de três anos a contar da adesão.

Essas medidas podem assumir a forma de suspensão temporária da aplicação das disposições e decisões relevantes nas relações entre a Bulgária ou a Roménia e quaisquer outros Estados‑Membros, sem prejuízo da continuação de uma estreita cooperação judiciária. A cláusula de salvaguarda pode ser invocada mesmo antes da adesão, com base nas conclusões do acompanhamento, devendo as medidas adotadas entrar em vigor logo no primeiro dia da adesão, a menos que estabeleçam uma data posterior. As medidas não podem ser mantidas por um período superior ao estritamente necessário e devem ser, de qualquer modo, levantadas quando as lacunas tiverem sido colmatadas, podendo, porém, ser aplicadas para além do período especificado no primeiro parágrafo enquanto subsistirem as referidas lacunas. Em resposta aos progressos efetuados pelo novo Estado‑Membro em causa na retificação das lacunas detetadas, a Comissão pode adaptar as medidas conforme for adequado, após consulta aos Estados‑Membros. A Comissão deve informar o Conselho em tempo útil antes de revogar as medidas de salvaguarda, tendo devidamente em conta quaisquer observações do Conselho a este respeito».

2.   Decisão MCV

9.

A Decisão MCV foi adotada, segundo o considerando 5, com base nos artigos 37.o e 38.o do Ato de Adesão.

10.

Nos termos do considerando 6 da Decisão MCV, «[a]s restantes questões relativas à responsabilidade e eficácia do sistema judiciário e dos organismos responsáveis pela aplicação da lei justificam o estabelecimento de um mecanismo de cooperação e verificação dos progressos realizados na Roménia relativamente a objetivos de referência específicos nos domínios da reforma judiciária e da luta contra a corrupção».

11.

O artigo 1.o da Decisão MCV dispõe que a Roménia deve apresentar anualmente à Comissão um relatório sobre os progressos realizados relativamente a cada um dos objetivos de referência previstos no anexo a essa decisão. De acordo com o artigo 2.o, a Comissão comunicará ao Parlamento Europeu e ao Conselho as suas observações e conclusões relativas à Roménia, num relatório a elaborar pela primeira vez em junho de 2007, e posteriormente, consoante as necessidades, pelo menos com uma periodicidade semestral. O artigo 3.o prevê que a Decisão MCV «entra em vigor sob reserva e na data de entrada em vigor do Tratado de Adesão». Nos termos do artigo 4.o, os Estados‑Membros são os destinatários da referida decisão.

12.

O anexo à Decisão MCV contém os «objetivos de referência a atingir pela Roménia, referidos no artigo 1.o». Os primeiro, terceiro e quarto objetivos de referência nele estabelecidos são, respetivamente, os seguintes: «[g]arantir processos judiciais mais transparentes e eficazes, nomeadamente mediante o reforço das capacidades e da responsabilização do Conselho Superior da Magistratura. […]»; «[c]ontinuar, com base nos progressos já efetuados, a realizar inquéritos profissionais e imparciais sobre as alegações de corrupção de alto nível» e «[t]omar medidas suplementares para prevenir e combater a corrupção, nomeadamente no âmbito da administração local».

B. Direito romeno

1.   Constituição romena

13.

O artigo 115.o, n.o 4, da Constituția României (Constituição romena) prevê que «o Governo pode adotar decretos urgentes unicamente em situações extraordinárias cuja regulamentação não possa ser adiada, estando obrigado a especificar as razões da sua urgência».

14.

Segundo o artigo 133.o, n.o 1, da Constituição romena, «[o] Conselho Superior da Magistratura é o garante da independência do poder judicial».

15.

Nos termos do artigo 132.o, n.o 1, da Constituição da Roménia, «os procuradores devem exercer a sua atividade em conformidade com o princípio da legalidade, da imparcialidade e da fiscalização hierárquica, sob a tutela do Ministro da Justiça».

2.   Disposições relativas à Inspeção Judicial

a)   Lei n.o 317/2004

16.

Segundo o artigo 65.o da Lei n.o 317/2004, Relativa ao Conselho Superior da Magistratura:

«1)   A Inspeção Judicial é constituída como um órgão dotado de personalidade jurídica, no âmbito do [CSM], com sede em Bucareste, por reorganização da mesma inspeção.

2)   A Inspeção Judicial é dirigida por um inspetor-chefe, assistido por um inspetor-chefe-adjunto, nomeados na sequência de um concurso organizado pelo [CSM].

3)   A Inspeção Judicial atua no respeito do princípio da independência operacional, exercendo, por intermédio dos inspetores judiciais nomeados nos termos da lei, funções de análise, verificação e controlo nos domínios específicos de atividade.»

17.

Nos termos do artigo 67.o da Lei n.o 317/2004:

«1.   O inspetor-chefe e o inspetor-chefe-adjunto são nomeados pelo Plenário do [CSM] de entre os inspetores judiciais em funções, na sequência de um concurso que consiste na apresentação de um projeto relativo ao exercício das atribuições específicas do lugar de gestão em causa, numa prova escrita que avalie os conhecimentos em matéria de gestão, de comunicação, de recursos humanos, a capacidade do candidato para tomar decisões e assumir responsabilidades, a sua resistência ao stress, bem como num teste psicológico.

2.   O concurso é organizado pelo [CSM] em conformidade com o regulamento aprovado por decisão do Plenário do em conformidade com o regulamento aprovado por decisão do Plenário do [CSM], publicada no Monitorul Oficial al României, parte I.

3.   A organização dos concursos para os lugares de inspetor-chefe e de inspetor-chefe-adjunto é anunciada com uma antecedência mínima de três meses.

4.   O mandato do inspetor-chefe e o do inspetor‑chefe-adjunto é de três anos, podendo ser renovado uma única vez, em conformidade com o disposto no n.o 1.

5.   O inspetor‑chefe e o inspetor‑chefe-adjunto podem ser destituídos pelo Plenário do [CSM], caso não cumpram ou cumpram inadequadamente as suas atribuições de gestão. A destituição é decidida com base no relatório anual de auditoria previsto no artigo 68.o

6.   A decisão de destituição tomada pelo Plenário do [CSM] pode ser objeto de recurso, interposto no prazo de quinze dias a contar da sua comunicação, para a secção do contencioso administrativo e fiscal da Înalta Curte de Casație și Justiție (Tribunal Superior de Cassação e Justiça, Roménia). O recurso suspende a execução da decisão do [CSM]. A decisão proferida em sede de recurso é irrevogável.»

b)   Decreto urgente n.o 77/2018

18.

O artigo I do Decreto urgente n.o 77/2018 do Governo, que complementa o artigo 67.o da Lei n.o 317/2004, Relativa ao CSM (a seguir «Decreto Urgente n.o 77/2018») ( 9 ) aditou dois novos números ao artigo 67.o da Lei n.o 317/2004:

«7.   Quando o lugar de inspetor-chefe ou, consoante o caso, de inspetor-chefe-adjunto da Inspeção Judicial fica vago na sequência do termo do mandato, a substituição interina é assegurada pelo inspetor-chefe ou, consoante o caso, pelo inspetor‑chefe-adjunto cujo mandato tenha expirado, até à data em que tal lugar seja provido nos termos da lei.

8.   Quando o mandato do inspetor‑chefe cesse por uma causa diferente do termo do mandato, a substituição desse lugar é assegurada pelo inspetor-chefe-adjunto até à data em que o lugar seja provido nos termos da lei. Quando o mandato do inspetor-chefe-adjunto cessa por uma causa diferente do termo do mandato, a substituição é assegurada por um inspetor judicial nomeado pelo inspetor-chefe até à data em que esse lugar seja provido nos termos da lei.»

19.

Nos termos do artigo II do Decreto urgente n.o 77/2018, o disposto no artigo 67.o, n.o 7, da Lei n.o 317/2004 «é igualmente aplicável às situações em que o lugar de inspetor-chefe ou, consoante o caso, de inspetor-chefe-adjunto da Inspeção Judicial esteja vago na data de entrada em vigor do presente decreto urgente.»

3.   Disposições relativas à secção de investigação de infrações cometidas no âmbito do sistema judiciário

a)   Lei n.o 207/2018

20.

Através do artigo I, n.o 45, da Lei n.o 207/2018, que altera e complementa a Lei n.o 304/2004, Relativa à Organização do Sistema Judiciário (a seguir «Lei n.o 207/2018») ( 10 ), foi aditada, a seguir o artigo 88, uma nova secção que regula a investigação das infrações cometidas no âmbito do sistema judiciário (a seguir «SIIJ»), que incluía os artigos 881 a 889 da Lei n.o 304/2004.

21.

O artigo 881 da Lei n.o 304/2004, conforme alterada, tem a seguinte redação:

«1.   No âmbito do Parchetul de pe lângă Înalta Curte de Casație și Justiție (Ministério Público junto do Tribunal Superior de Cassação e Justiça), é instituída a [SIIJ], que tem competência exclusiva para o exercício da ação penal relativamente a infrações cometidas por juízes e procuradores, incluindo juízes e procuradores militares e os que tenham a qualidade de membros do [CSM].

2.   A [SIIJ] mantém a sua competência para o exercício da ação penal no caso de serem acusadas outras pessoas, além das referidas no n.o 1.

[…]

4.   A [SIIJ] é dirigida por um procurador‑chefe da secção, assistido por um procurador‑chefe-adjunto, nomeados para essas funções pelo Plenário do [CSM], nas condições previstas pela presente lei.

5.   O procurador‑geral do Parchetul de pe lângă Înalta Curte de Casație și Justiție (Ministério Público junto do Tribunal Superior de Cassação e Justiça) regula os conflitos de competência entre a [SIIJ] e as outras estruturas ou unidades do Ministério Público.

[…]»

22.

Em conformidade com o artigo 882 da Lei n.o 304/2004, conforme alterada:

«1.   A [SIIJ] exerce a sua atividade de acordo com os princípios da legalidade, da imparcialidade e da fiscalização hierárquica.

2.   É proibido delegar ou destacar procuradores para a [SIIJ].

3.   A [SIIJ] opera com um número máximo de quinze procuradores.

4.   O número de lugares na [SIIJ] pode ser alterado, em função do volume de atividade, por despacho do procurador‑geral do Parchetul de pe lângă Înalta Curte de Casație și Justiție (Ministério Público junto do Tribunal Superior de Cassação e Justiça), a pedido do procurador‑chefe da [SIIJ], mediante parecer favorável do Plenário do [CSM]».

23.

Os artigos 883 e 884 da Lei n 304/2004, conforme alterada, regulam, respetivamente, o procedimento de nomeação do procurador‑chefe e do procurador‑chefe-adjunto da [SIIJ], incluindo a composição do júri de seleção do concurso para o cargo de procurador‑chefe e os requisitos para participar no concurso. Especialmente, o n.o 1 do artigo 883 dispõe que «[o] procurador‑chefe da [SIIJ] é nomeado para as suas funções pelo Plenário do Conselho Superior da Magistratura, na sequência de um concurso que consista na apresentação de um projeto relativo ao desempenho das funções específicas do cargo de gestão em questão, que visa avaliar as competências em matéria de gestão, a gestão eficiente dos recursos, a capacidade de tomar decisões e de assumir responsabilidades, as competências em matéria de comunicação e a resistência ao stress, bem como a integridade do candidato, a sua atividade enquanto procurador e a sua relação com valores específicos desta profissão, como a independência da justiça ou o respeito dos direitos e liberdades fundamentais». Além disso, em conformidade com o artigo 883, n.o 7, «o Plenário do [CSM] destitui o procurador‑chefe da [SIIJ] caso este não cumpra as atribuições específicas do seu cargo ou se tiver sido objeto de uma sanção disciplinar nos últimos três anos, sob proposta do comité referido no n.o 2». Nos termos do artigo 883, n.o 8, «o procurador‑geral da [SIIJ] é nomeado para o seu cargo por um período de três anos, renovável uma única vez».

24.

O artigo 885 da Lei n.o 304/2004, conforme alterada, regula o processo de seleção dos procuradores da SIIJ e as regras do concurso, que inclui uma entrevista perante o Plenário do CSM e uma avaliação das atividades dos candidatos. Em conformidade com o n.o 1, os procuradores são nomeados pelo Plenário do CSM na sequência de um concurso, por um período de três anos, renovável por um período máximo de nove anos. No seguimento do n.o 3, para poderem candidatar‑se a esse concurso, os procuradores devem satisfazer os seguintes requisitos cumulativos: «a) não terem sido objeto de uma sanção disciplinar nos últimos três anos; b) possuírem pelo menos o grau necessário para exercer funções num ministério público junto de um tribunal de recurso; c) terem uma antiguidade efetiva de, pelo menos 18 anos, na função de procurador; d) terem recebido formação profissional adequada; e) terem uma conduta moral irrepreensível».

25.

O artigo 888, n.o 1, dispõe que as atribuições da SIIJ são, nomeadamente, as seguintes: a) exercer a ação penal relativamente às infrações da sua competência; b) submeter os processos aos órgãos jurisdicionais para que estes tomem as medidas previstas na lei e julguem os processos relativos às infrações previstas na alínea a); c) criar e atualizar a base de dados relativa às infrações abrangidas pela sua competência, e d) exercer outras atribuições previstas pela lei. Nos termos do artigo 888, n.o 2, «as audiências nos processos que são da competência da secção, a participação é assegurada por procuradores da secção do Parchetul de pe lângă Înalta Curte de Casație și Justiție (ministério público junto do Tribunal Superior de Cassação e Justiça) ou por procuradores do Ministério Público junto do tribunal chamado a pronunciar‑se».

26.

O artigo III da Lei n.o 207/2018 dispõe:

«1)   A [SIIJ] inicia as suas atividades no prazo de três meses a contar da data de entrada em vigor da presente lei.

2)   Os processos que são da competência da [SIIJ] que estejam pendentes numa das secções do Ministério Público e que não tenham sido dirimidos antes da data em que a secção esteja operacional serão submetidos à SIIJ logo que esta esteja operacional.»

b)   Decreto urgente n.o 90/2018

27.

O Decreto urgente n.o 90/2018 do Governo relativo às medidas que regem o funcionamento da [SIIJ] (a seguir «Decreto urgente n.o 90/2018») ( 11 ), foi adotado a fim de tornar a SIIJ operacional dentro do prazo estipulado no n.o 1 do artigo III da Lei n.o 207/2018. Segundo o seu preâmbulo, uma vez que, à data da sua adoção, o C S M não tinha concluído o procedimento para tornar a SIIJ operacional, o governo considerou necessário adotar medidas legislativas urgentes que estabeleçam um procedimento simples, em derrogação do disposto nos novos artigos 883 a 885 da Lei n.o 304/2004, para a nomeação provisória do procurador‑geral, do procurador‑chefe-adjunto e de pelo menos um terço dos procuradores da secção.

28.

O artigo I do Decreto urgente n.o 90/2018 introduz a seguinte alteração ao artigo 882, n.o 3, da Lei n.o 304/2004: «[a] [SIIJ] dispõe de quinze cargos de procurador para exercer a sua atividade».

29.

O artigo II do Decreto urgente n.o 90/2018 estabelece um procedimento derrogatório dos artigos 883 a 885 da Lei n.o 304/2004, para efeitos de nomeação provisória do procurador‑chefe e de, pelo menos, um terço dos procuradores da SIIJ. Especialmente, segundo o n.o 1 da referida disposição, antes de concluídos os concursos organizados para efeitos de nomeação para o lugar de procurador‑chefe da SIIJ e para os lugares executivos de procurador da referida secção, as funções do procurador‑chefe e, pelo menos, um terço dos papéis executivos do procurador serão exercidos provisoriamente por procuradores que reúnam as condições previstas na lei para a nomeação para esses lugares, selecionados pelo júri responsável pela organização do concurso instituído nos termos do n.o 2 do artigo 883 da Lei n.o 304/2004. Em conformidade com o n.o 2 [do artigo II], os candidatos são selecionados pelo júri responsável pela organização do referido concurso, que exerce a sua atividade na presença de, pelo menos, três membros, em conformidade com um procedimento iniciado pelo presidente do CSM e que decorre no prazo de cinco dias consecutivos a contar da data do seu início. Nos termos do n.o 11, «[a] SIIJ avoca, a partir da data que se torne operacional, os processos da sua competência que se encontrem pendentes na Direcţia Naţională Anticorupţie [(Direção Nacional Anticorrupção Roménia, a seguir “DNA”)] ou noutras secções do ministério público, bem como os autos de processos relativos às infrações previstas no artigo 881, n.o 1, da Lei n.o 304/2004, republicada, conforme alterada e completada sucessivamente, que tenha sido encerrados antes da data de entrada em que a referida secção se tornou operacional.»

c)   Decreto urgente n.o 92/2018

30.

O Decreto urgente n.o 92 do Governo, de 15 de outubro de 2018, que altera e completa alguns atos normativos no domínio da justiça (a seguir «Decreto urgente n.o 92/2018») ( 12 ) alterou, designadamente, a Lei n.o 304/2004 introduzindo um novo n.o 5 ao artigo 882, que refere que os procuradores da SIIJ têm, enquanto prestarem os seus serviços na referida secção, o estatuto de procuradores destacados. O artigo 885, n.o 5 é alterado no sentido de prever que a entrevista no âmbito do processo de seleção dos procuradores da SIIJ tem lugar perante o comité de seleção, e não perante o Plenário do CSM.

d)   Decreto urgente n.o 7/2019

31.

O Decreto urgente n.o 7 do Governo, de 20 de fevereiro de 2019, que prevê determinadas medidas temporárias respeitantes ao concurso de admissão ao Direcţia Naţională Anticorupţie [(Instituto Nacional da Magistratura, Roménia)], à formação inicial de juízes e dos procuradores, ao exame de graduação do Instituto Nacional da Magistratura, ao estágio e ao exame de aptidão dos juízes e dos procuradores estagiários e altera e completa a da Lei n.o 303/2004, a Lei n.o 304 e a Lei n.o 317/2004 ( 13 ) que, designadamente, altera e completa a Lei n.o 304/2004. Adita um novo n.o 6 ao seu artigo 881, segundo o qual, quando o Codul de procedură penală (Código de Processo Penal) ou qualquer outra lei especial se refere ao «procurador hierarquicamente superior» em processos relativos a crimes que são da competência da SIIJ, tal expressão deve ser entendida no sentido de se referir ao procurador‑geral da SIIJ, incluindo as decisões adotadas antes desta secção se tornar operacional.

32.

Introduziu também, após o n.o 11 do artigo 885, dois novos n.os 111 e 112, que alteram o procedimento de nomeação previsto na referida disposição. Segundo o n.o 111, os membros do júri de seleção mencionado no artigo 885 conservam o seu voto no Plenário do CSM. O n.o 112 dispõe que os júris de seleção previstos nos artigos 883 e 885, respetivamente, exercem a sua atividade de maneira regular quando um mínimo de três dos seus membros estejam presentes.

33.

O decreto altera igualmente o artigo 888, ao prever, no n.o 1, alínea d), uma nova atribuição da SIIJ, que consiste em intentar ou desistir de ações nos processos que são da competência da secção, incluindo os processos pendentes nos tribunais ou dirimidos definitivamente antes de a secção se tornar operacional.

e)   Decreto urgente n.o 12/2019

34.

O Decreto urgente n.o 12 do Governo, de 5 de março de 2019, que altera e complementa determinados atos normativos no domínio da justiça (a seguir «Decreto urgente n.o 12/2019») ( 14 ), alterou a Lei n.o 303/2004 relativa ao estatuto dos juízes e dos procuradores e introduziu os artigos 8810 e 8811 na Lei n.o 304/2004. O artigo 8810 prevê o destacamento de agentes da Polícia Judiciária para a SIIJ, a pedido do procurador‑chefe desta secção, por decisão do Ministro da Administração Interna. A duração de tais destacamentos pode ser por um máximo de três anos, prorrogáveis pelo mesmo período.

III. Matéria de facto, tramitação do processo nacional e questões prejudiciais

A. Processo C‑83/19

35.

Em 27 de agosto de 2018, a Asociația «Forumul Judecătorilor din România» (Associação «Fórum dos Juízes da Roménia», a seguir «Associação Fórum dos Juízes» ou «demandante») apresentou um pedido de comunicação de informações de interesse público à Inspeção Judicial (a seguir «demandada»). As informações solicitadas eram relativas à atividade da Inspeção Judiciária durante o período de 2014 a 2018. Diziam especificamente respeito a informações estatísticas sobre os processos tramitados por aquele organismo, a origem e as consequências da aplicação de sanções disciplinares, bem como informações relativas à celebração de um protocolo entre o Serviciul Român de Informații (Serviço de Informações romeno) e a Inspeção Judicial e à participação destes serviços nas investigações.

36.

Em 24 de setembro de 2018, considerando que a demandada respondeu apenas parcialmente a esse pedido, a demandante intentou uma ação no Tribunalul Olt (Tribunal de Olt, Roménia). A demandante pediu que fosse ordenado à demandada que comunicasse certas informações que foram objeto do pedido de 27 de agosto de 2018.

37.

Na contestação, apresentada em 26 de outubro de 2018, a demandada sustenta que os direitos individuais da demandante não foram violados e considera que a ação deve ser julgada improcedente. A contestação foi assinada pelo juiz Lucian Netejoru.

38.

L. Netejoru foi nomeado inspetor‑chefe da Inspeção Judicial por decisão do Plenário do CSM n.o 702, de 30 de junho de 2015, por um mandato de três anos (de 1 de setembro de 2015 a 1 de setembro de 2018). No momento da apresentação da contestação no processo principal, L. Netejoru atuava na qualidade de inspetor‑chefe interino, com base no Decreto urgente n.o 77/2018, adotado em 5 de setembro de 2018.

39.

Na sua réplica, a demandada suscitou uma objeção alegando que não fora provado que o signatário da contestação, L. Netejoru, tem poderes de representação da demandada, e isso por duas razões. Em primeiro lugar, não foi adotado nenhum ato administrativo pela autoridade competente para nomear o inspetor‑chefe da Inspeção Judicial, o Plenário do CSM, que ateste do respeito dos requisitos legais exigidos para o exercício interino desta função.

40.

Em segundo lugar, as disposições do Decreto urgente n.o 77/2018 são inconstitucionais. A demandante alegou que a prorrogação dos mandatos de gestão da Inspeção Judicial mediante o referido decreto representa uma ingerência por parte do Governo nas competências constitucionais do CSM. A demandante baseou a sua objeção nas conclusões do Relatório da Comissão sobre o MCV de 2018, segundo calas quais «o facto de o Ministro da Justiça ter decidido intervir, prorrogando os mandatos da atual direção, pode ser considerado uma ingerência nas competências do CSM», alegando que o Decreto urgente n.o 77/2018 viola a garantia de independência consagrada no artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE. Sustentou ainda que, caso se verifique que o MCV, e o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, impõem obrigações vinculativas à Roménia que não foram cumpridas, tal significará que L. Netejoru não tem o direito de agir na qualidade de representante legal, o que tem assim por efeito a anulação do ato processual da contestação junta aos autos (incluindo os fundamentos da contestação, os elementos de prova apresentados e as exceções suscitadas).

41.

A demandada alegou que a Decisão n.o 702/2015 do CSM, que nomeia L. Netejoru como inspetor‑chefe, consta do sítio internet da Inspeção Judicial. Por outro lado, invocou o Decreto de Emergência n.o 77/2018 com base no qual defende que a exceção suscitada pela demandante seja julgada improcedente.

42.

Nestas circunstâncias, o Tribunalul Olt (Tribunal de Olt, Roménia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1.

Deve o [MCV], estabelecido pela [Decisão MCV], ser considerado um ato adotado por uma instituição da União, na aceção do artigo 267.o TFUE, que pode ser submetido à interpretação do [Tribunal de Justiça]?

2.

O conteúdo, a natureza e a duração do [MCV], estabelecido pela [Decisão MCV], são abrangidos pelo âmbito de aplicação do [Tratado de Adesão]? As exigências formuladas nos relatórios elaborados no âmbito do referido mecanismo têm caráter obrigatório para a Roménia?

3.

Deve o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, [TUE] ser interpretado no sentido de que obriga os Estados‑Membros a estabelecer as medidas necessárias para assegurar uma tutela jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo direito da União, a saber, garantias de processos disciplinares independentes para os juízes romenos, afastando todos os riscos associados à influência política sobre a tramitação desses processos, como a nomeação direta pelo Governo da direção da Inspecția Judiciară (Inspeção Judicial, Roménia), ainda que a título provisório?

4.

Deve o artigo 2.o [TUE] ser interpretado no sentido de que os Estados‑Membros são obrigados a respeitar os critérios do Estado de Direito, exigidos igualmente pelos relatórios elaborados no âmbito do [MCV,] estabelecido pela [Decisão MCV], no caso dos procedimentos de nomeação direta pelo Governo da direção da Inspecția Judiciară (Inspeção Judicial, Roménia), ainda que a título provisório?»

B. Processo C‑127/19

43.

As recorrentes no presente processo são a Associação Fórum dos Juízes e a Asociația «Mișcarea pentru Apărarea Statutului Procurorilor» (Associação «Movimento para a Defesa do Estatuto dos Procuradores»). Em 13 de dezembro de 2018, as recorrentes interpuseram um recurso na Curtea de Apel Pitești (Tribunal de Recurso de Pitești, Roménia), pedindo a anulação de duas decisões do Plenário do CSM: A Decisão n.o 910/19.9.2018, que aprova o Regulamento relativo à nomeação e à destituição de funções dos procuradores com cargos de direção na SIIJ ( 15 ) e a Decisão n.o 911/19.9.2018, que aprova o Regulamento sobre a nomeação, a continuação e a destituição de funções dos procuradores com cargos executivos na SIIJ ( 16 ).

44.

Estas decisões foram adotadas com base na Lei n.o 207/2018. O artigo I, n.o 45 dessa lei introduziu os artigos 881 a 889 na sequência do artigo 88 da Lei n.o 304/2004, criando e estabelecendo o funcionamento da SIIJ. Segundo o novo artigo 885, n.o 12, «os procedimentos de nomeação, continuação da atividade e destituição dos cargos de direção e executivos ocupados na secção constam de regulamento aprovado pelo Plenário do CSM». Ambas as decisões, cuja anulação é pedida no presente processo, foram aprovadas com base na referida disposição.

45.

As recorrentes alegaram que estas duas decisões administrativas são inconstitucionais tendo em conta as disposições da Constituição romena segundo as quais esse Estado‑Membro deve cumprir as obrigações que lhe incumbem nos termos dos Tratados de que é parte (artigos 11.o e 148.o, n.o 2, da Constituição romena). As recorrentes alegaram igualmente que determinadas disposições dos atos legislativos controvertidos são contrárias a normas jurídicas hierarquicamente superiores, nomeadamente a lei, a Constituição e o TFUE. As recorrentes fizeram ainda referência ao MCV. Consideram que a criação da SIIJ produz efeitos diretos no âmbito das competências DNA, uma entidade que alcançou resultados significativos no MCV, segundo os relatórios da Comissão. A criação da SIIJ permite que dezenas de processos de corrupção mediáticos que se encontram pendentes na DNA sejam remetidos à SIIJ mediante a simples apresentação de denúncias falsas contra um magistrado, desapossando pura e simplesmente a DNA de uma parte significativa da sua atividade.

46.

Por Acórdão n.o 33, de 23 de janeiro de 2018, a Curtea Constituțională a României (Tribunal Constitucional romeno) examinou as disposições da Lei n.o 207/2018 no âmbito da fiscalização prévia da constitucionalidade. Decidiu que as ações intentadas no que diz respeito aos efeitos da criação da SIIJ sobre as competências da DNA eram improcedentes e que não existiam atos vinculativos do direito da União suscetíveis de sustentar as queixas de inconstitucionalidade baseadas no artigo 148.o, n.os 2 e 4, da Constituição.

47.

O órgão jurisdicional de reenvio observa que a instituição da SIIJ foi criticada nos relatórios do Grupo de Estados contra a Corrupção (a seguir «GRECO») e pela Comissão Europeia para a Democracia através do Direito (a seguir «Comissão de Veneza»). A Comissão referiu‑se a estes relatórios em conexão com os seus relatórios MCV. O órgão jurisdicional de reenvio precisa que, uma vez que o MCV e os relatórios elaborados no seu âmbito comportam uma obrigação de cumprimento por parte do Estado, tal obrigação incumbe, não só ao poder legislativo do Estado mas também às autoridades administrativas, no presente processo, o CSM, que adota a legislação secundária de execução, e aos tribunais.

48.

Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio observa que a Curtea Constituțională (Tribunal Constitucional) declarou no seu Acórdão n.o 104, de 6 de março de 2018, que a Decisão MCV não foi interpretada pelo Tribunal de Justiça «quanto ao seu conteúdo, natureza e duração, ou quanto à questão de saber se tais aspetos são abrangidos pelo âmbito de aplicação do Tratado de Adesão». Por conseguinte, considera que a resolução do litígio exige esclarecimento no que respeita à natureza e ao valor jurídico desses atos.

49.

Nestas circunstâncias, a Curtea de Apel Pitești (Tribunal de Recurso de Pitești, Roménia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1.

Deve o [MCV], estabelecido pela Decisão [MCV], ser considerado um ato adotado por uma instituição da União, na aceção do artigo 267.o TFUE, que pode ser submetido à interpretação do [Tribunal de Justiça]?

2.

O conteúdo, a natureza e a duração do [MCV], estabelecido pela [Decisão MCV], são abrangidos pelo âmbito de aplicação do [Tratado de Adesão]? As exigências formuladas nos relatórios elaborados no âmbito do referido mecanismo têm caráter obrigatório para a Roménia?

3.

Deve o artigo 2.o, conjugado com o artigo 4.o, n.o 3, TUE, ser interpretado no sentido de que a obrigação da Roménia de respeitar as exigências impostas pelos relatórios elaborados no âmbito do [MCV], estabelecido pela [Decisão MCV], faz parte da obrigação do Estado‑Membro de respeitar os princípios do Estado de Direito?

4.

O artigo 2.o TUE, particularmente a obrigação de respeitar os valores do Estado de Direito, opõe‑se a uma legislação pela qual é criada e organizada a [SIIJ], no quadro do Parchetul de pe lângă Înalta Curte de Casație și Justiție [(Ministério Público junto do Tribunal Superior de Cassação e Justiça)], em razão da possibilidade de exercer pressão indireta sobre os magistrados?

5.

O princípio da independência dos juízes, consagrado no artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE e no artigo 47.o da [Carta], conforme interpretado pela jurisprudência do [Tribunal de Justiça] (Acórdão de 27 de fevereiro de 2018, Associação Sindical dos Juízes Portugueses, C‑64/16, EU:C:2018:117), opõe‑se à criação da [SIIJ], no quadro do Parchetul de pe lângă Înalta Curte de Casație și Justiție [(Ministério Público junto Tribunal Superior de Cassação e Justiça)], atendendo às modalidades de nomeação/destituição dos procuradores que fazem parte da referida secção, às modalidades de exercício das funções no âmbito da mesma bem como à forma pela qual a competência é determinada, associadas ao número reduzido de lugares nessa secção?»

C. Processo C‑195/19

50.

O recorrente, PJ, interpôs recurso relativo a um litígio em matéria fiscal, que o recorrido, que era juiz nesse processo, julgou improcedente. O recorrente considerou que o recorrido não cumpriu o seu dever de fundamentação da decisão no prazo legal de 30 dias, impedindo assim o lesado de procurar as soluções legais. O recorrente apresentou, por conseguinte, uma queixa‑crime no Parchetul de pe lângă Curtea de Apel București (Ministério Público no Tribunal de Recurso de Bucareste, Roménia), em que pediu que fosse imputada responsabilidade penal ao recorrido pelo crime de abuso de poder.

51.

O procurador do Parchetul de pe lângă Curtea de Apel București (Ministério Público junto Tribunal de Recurso de Bucareste) que conheceu do processo decidiu instaurar um processo penal que foi posteriormente encerrado com o fundamento de que o abuso de que o juiz foi acusado não existia.

52.

Após a entrada em vigor da Lei n.o 207/2018, nos termos do artigo III da referida lei e em conformidade com o novo artigo 881 da Lei n.o 304/2004, o Parchetul de pe lângă Curtea de Apel București (Ministério Público junto do Tribunal de Recurso de Bucareste) remeteu a queixa à SIIJ, uma vez que esta dizia respeito a um membro da do poder judicial. O procurador‑chefe-adjunto da SIIJ rejeitou igualmente a queixa por falta de fundamento. O recorrente interpôs para a Curtea de Apel București (o órgão jurisdicional de reenvio) recurso do despacho inicial do Ministério Público junto do referido tribunal), tal como confirmado pelo despacho do procurador‑chefe-adjunto da SIIJ.

53.

O órgão jurisdicional de reenvio refere que pode negar ou conceder provimento ao recurso. Neste último caso, a sua decisão terá por efeito anular os despachos dos procuradores e remeter o processo ao procurador. Em conformidade com a secção 21 da Lei n.o 304/2004, o procurador de grau superior que apreciou a legalidade e o mérito do despacho proferido pelo procurador que conheceu do processo era membro da SIIJ. Por conseguinte, se o recurso for julgado procedente, tanto o procurador que conheceu do processo como o procurador de grau superior serão membros da mesma SIIJ especial.

54.

Nestas circunstâncias, o órgão jurisdicional de reenvio vê‑se obrigado a apreciar se o direito da União se opõe a uma legislação nacional que institui a SIIJ. O órgão jurisdicional nacional recorda que o Relatório MCV da Comissão de 2018 fez uma recomendação no sentido de «suspender imediatamente a aplicação das Leis sobre a Justiça e dos subsequentes decretos de emergência» e «rever as leis sobre a Justiça, tendo em plena consideração as recomendações do MCV emitidas pela Comissão de Veneza e pelo GRECO».

55.

O órgão jurisdicional de reenvio observa que, se o artigo 67.o, n.o 1, TFUE, o primeiro período do artigo 2.o e o primeiro período do artigo 9.o TUE se opuserem à legislação nacional em causa, isso exigiria que todos os atos processuais praticados pela SIIJ no processo principal fossem declarados nulos e sem efeito. O órgão jurisdicional de reenvio deve ter igualmente em conta a resposta do Tribunal de Justiça ao designar a secção do Ministério Público competente, caso o recurso seja julgado procedente.

56.

Nestas circunstâncias, a Curtea de Apel București (Tribunal de Recurso de Bucareste, Roménia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1.

O [MCV], estabelecido pela Decisão [MCV], e as exigências formuladas nos relatórios elaborados no âmbito do referido mecanismo têm caráter obrigatório para a Roménia?

2.

O artigo 67.o, n.o 1, TFUE bem como o artigo 2.o, primeiro período, e o artigo 9.o, primeiro período, TUE, opõem‑se a uma regulamentação nacional que institui uma secção do Ministério Público que é exclusivamente competente para investigar qualquer tipo de infração cometida por juízes ou procuradores?

3.

O princípio do primado do direito europeu, conforme consagrado pelo Acórdão de 15 de julho de 1964, Costa (6/64, EU:C:1964:66), e pela subsequente jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, opõe‑se a uma regulamentação nacional que permite a uma instituição político‑jurisdicional, como a Curtea Constituțională a României (Tribunal Constitucional da Roménia), violar o referido princípio através de decisões que não são suscetíveis de nenhuma via de recurso?»

D. Processo C‑291/19

57.

Através de quatro queixas‑crime apresentadas em dezembro de 2015 e fevereiro de 2016, SO, a recorrente, informou que quatro procuradores tinham cometido o crime de abuso de poder, e que um advogado, membro da Ordem dos Advogados de Brașov, tinha cometido o crime de tráfico de influências. Posteriormente, a recorrente apresentou uma queixa‑crime contra dois juízes da Judecătoria Brașov (Tribunal de Primeira Instância de Brașov, Roménia) e do Tribunalul Brașov (Tribunal de Brașov, Roménia), alegando que faziam parte de uma organização criminosa e que a tinham condenado em diversos processos.

58.

Por Despacho de 8 de setembro de 2017, a secção de combate às infrações relativas aos crimes de corrupção na DNA mandou arquivar o processo.

59.

A recorrente interpôs um recurso do Despacho de 8 de setembro de 2017 junto do procurador hierarquicamente superior, o procurador‑geral da secção de combate às infrações relativas aos crimes de corrupção na DNA. Este negou provimento ao recurso por Despacho de 20 de outubro de 2017.

60.

Em 11 de setembro de 2018, a recorrente interpôs recurso do despacho original, conforme confirmado pelo Despacho de 20 de outubro de 2017 na Curtea de Apel Brașov (Tribunal de Recurso de Brașov, Roménia), o órgão jurisdicional de reenvio,

61.

Uma vez que o recurso nele pendente exige a participação de um procurador nas audiências, o órgão jurisdicional de reenvio refere que um procurador da DNA participou inicialmente nas audiências. Na sequência da entrada em vigor das alterações à Lei n.o 304/2004 e do Acórdão n.o 3 da Înalta Curte de Casație și Justiție (Tribunal Superior de Cassação e Justiça) de 26 de fevereiro de 2019, o procurador da DNA foi substituído na audiência por um procurador do Parchetul de pe lângă Curtea de Apel Brașov, Romania (Ministério Público junto do Tribunal de Recurso de Brașov, Roménia).

62.

O órgão jurisdicional de reenvio refere que o andamento do processo principal implica a participação dos procuradores da SIIJ. Afirma também que, caso se conclua que o recurso interposto pela recorrente é procedente, deve remeter o processo à SIIJ para exercício da ação penal. Nestas circunstâncias, o órgão jurisdicional de reenvio considera que é necessário determinar se o direito da União se opõe a uma legislação nacional que institui a SIIJ, tendo em conta o Relatório MCV da Comissão de 2018. Mais especificamente, no caso de o Tribunal de Justiça considerar que os relatórios MCV são vinculativos, o órgão jurisdicional nacional pretende saber se o alcance dessa obrigação abrange apenas as conclusões dos referidos relatórios ou se o tribunal nacional também deve ter em conta as suas conclusões, incluindo as provenientes dos documentos da Comissão de Veneza e do GRECO.

63.

Por estes motivos, a Curtea de Apel Brașov (Tribunal de Recurso de Brașov) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1.

Deve o [MCV], estabelecido pela [Decisão MCV], ser considerado um ato adotado por uma instituição da União Europeia, na aceção do artigo 267.o TFUE, que pode ser submetido à interpretação do Tribunal de Justiça?

2.

Os requisitos estabelecidos nos relatórios elaborados no âmbito do referido mecanismo são vinculativos para a Roménia, em especial (mas não só) no que respeita à necessidade de proceder a alterações legislativas que sejam conformes com as conclusões do MCV, com as recomendações formuladas pela Comissão de Veneza e pelo [GRECO]?

3.

Deve o artigo 2.o, conjugado com o artigo 4.o, n.o 3, do Tratado da União Europeia, ser interpretado no sentido de que a obrigação do Estado‑Membro de respeitar os princípios do Estado de Direito abrange igualmente a exigência de que a Roménia cumpra os requisitos estabelecidos nos relatórios elaborados no âmbito do [MCV], estabelecido pela [Decisão MCV]?

4.

O princípio da independência dos juízes, consagrado no artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE e no artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, conforme interpretado pela jurisprudência do [Tribunal de Justiça] (Grande Secção, Acórdão de 27 de fevereiro de 2018, Associação Sindical dos Juízes Portugueses, C‑64/16,EU:C:2018:117), opõe‑se à criação da [SIIJ], no quadro do Parchetul de pe lângă Înalta Curte de Casație și Justiție (Ministério Público junto Tribunal Superior de Cassação e Justiça), atendendo às modalidades de nomeação/destituição dos procuradores que fazem parte da referida secção, às modalidades de exercício das funções no âmbito da mesma bem como à forma pela qual a competência é determinada, associadas ao número reduzido de lugares nessa secção?

5.

O artigo 47.o [segundo parágrafo] da [Carta], relativo ao direito a um processo equitativo, através do julgamento da causa num prazo razoável, opõe‑se à criação da [SIIJ], no quadro do Parchetul de pe lângă Înalta Curte de Casație și Justiție (Ministério Público junto Tribunal Superior de Cassação e Justiça), atendendo às modalidades de exercício das funções no âmbito desta última e [à] forma pela qual a competência é determinada, associadas ao número reduzido de lugares do quadro nessa secção?»

E. Processo C‑355/19

64.

As recorrentes neste processo são a Associação Fórum dos Juízes, a Associação «Movimento de Defesa do Estatuto dos Procuradores» e OL, uma pessoa singular (a seguir «recorrentes»).

65.

Em 23 de janeiro de 2019, as recorrentes apresentaram à Curtea de Apel Pitești (Tribunal de Recurso de Pitești), um recurso de anulação do Despacho n.o 252, de 23 de outubro de 2018, proferido pelo Parchetul de pe lângă Înalta Curte de Casaţie şi Justiţie — Procurorul General al României (procurador‑geral do Ministério Público junto do Tribunal Superior de Cassação e Justiça, a seguir «recorrido») ( 17 ). Este despacho diz respeito à organização e ao funcionamento da SIIJ. Foi proferido com base na Lei n.o 207/2018, que criou a SIIJ, nos termos do artigo II, n.os 10 e 11, do Decreto urgente n.o 90/2018.

66.

As recorrentes alegaram, em primeiro lugar, que o referido despacho é inconstitucional tendo em conta as disposições da Constituição romena segundo as quais esse Estado‑Membro é obrigado a cumprir as obrigações que lhe incumbem por força dos Tratados nos quais é parte (artigos 11.o e 148.o, n.o 2, da Constituição romena). Em segundo lugar, criticaram o texto do despacho com o fundamento de que algumas das suas disposições são contrárias a determinados atos legislativos de grau superior (a lei, a Constituição, o Tratado da União Europeia). Mais especificamente, as recorrentes alegaram que este despacho não atende às recomendações formuladas pela Comissão nos relatórios elaborados no âmbito do MCV.

67.

Nestas circunstâncias, e na sequência de um raciocínio análogo ao apresentado pelo órgão jurisdicional de reenvio no processo C‑127/19, a Curtea de Apel Pitești (Tribunal de Recurso de Pitești) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1.

Deve o [MCV], estabelecido pela [Decisão MCV], ser considerado um ato adotado por uma instituição da União Europeia, na aceção do artigo 267.o TFUE, que pode ser submetido à interpretação do Tribunal de Justiça?

2.

O conteúdo, a natureza e a duração do [MCV], estabelecido pela [Decisão MCV], são abrangidos pelo âmbito de aplicação do [Tratado de Adesão]? As exigências formuladas nos relatórios elaborados no âmbito do referido mecanismo têm caráter obrigatório para a Roménia?

3.

Deve o artigo 2.o do [TUE] ser interpretado no sentido de que os Estados‑Membros são obrigados a respeitar os critérios do Estado de Direito, impostos também pelos relatórios elaborados no âmbito do [MCV], estabelecido pela [Decisão MCV], em caso de criação, com caráter de urgência, de uma secção do Ministério Público encarregada de investigar exclusivamente as infrações cometidas por magistrados, que suscita preocupações concretas no que diz respeito à luta contra a corrupção e pode ser utilizada como um instrumento adicional para intimidar e exercer pressão sobre os magistrados?

4.

Deve o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, do [TUE] ser interpretado no sentido de que os Estados‑Membros são obrigados a tomar as medidas necessárias para assegurar uma tutela jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo direito da União, eliminando qualquer risco de influência política sobre os processos penais contra magistrados, [em] caso de criação, com caráter de urgência, de uma secção do Ministério Público encarregada de investigar exclusivamente as infrações cometidas por magistrados, que suscita preocupações concretas no que diz respeito à luta contra a corrupção e pode ser utilizada como um instrumento adicional para intimidar e exercer pressão sobre os magistrados?»

F. Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

68.

Os processos C‑83/19, C‑127/19 e C‑195/19 foram apensados por decisão do presidente do Tribunal de Justiça de 21 de março de 2019. Essa decisão indeferiu o pedido dos órgãos jurisdicionais de reenvio de submeter os referidos processos a tramitação acelerada nos termos do artigo 105.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, mas concedeu aos três processos tratamento prioritário nos termos do artigo 53.o, n.o 3, do Regulamento de Processo.

69.

Por cartas de 11 e 20 de fevereiro de 2019, os demandantes nos processos C‑83/19 e C‑127/19 pediram, respetivamente, a adoção de medidas provisórias ao abrigo do artigo 279.o TFUE e do artigo 160.o, n.os 2 e 7, do Regulamento de Processo. O Tribunal de Justiça respondeu que não era competente para a adoção de tais medidas em processos prejudiciais.

70.

Na sequência da Decisão de 8 de fevereiro de 2019 da Curtea de Apel Craiova (Tribunal de Recurso de Craiova, Roménia), o Tribunalul Olt (Tribunal Regional de Olt), por Despacho de 12 de fevereiro de 2019, transferiu para o Tribunalul Mehedinţi (Tribunal Regional de Mehedinţi, Roménia) o processo principal que deu origem ao processo C‑83/19. Todavia, o Tribunalul Olt informou o Tribunal de Justiça de que se mantinham todos os atos processuais, incluindo o pedido de decisão prejudicial. Na sequência da Decisão de 10 de junho de 2020 da Înalta Curte de Casaţie şi Justiţie (Tribunal Superior de Cassação e Justiça), a Curtea de Apel Pitești (Tribunal de Recurso de Pitești) remeteu o processo principal que deu origem ao processo C‑127/19 à Curtea de Apel Alba Iulia (Tribunal de Recurso de Alba Iulia, Roménia). O Tribunal de Recurso de Pitești informou o Tribunal de Justiça de que se mantinham todos os atos processuais.

71.

Foi igualmente pedida pelos órgãos jurisdicionais de reenvio a tramitação acelerada no processo C‑355/19. O pedido foi indeferido por decisão do presidente do Tribunal de Justiça de 27 de junho de 2019. Foi concedido tratamento prioritário nesse processo bem como no processo C‑291/19 por decisão do presidente do Tribunal de Justiça de 18 de setembro de 2019.

72.

Foram apresentadas observações escritas nos processos C‑83/19, C‑127/19 e C‑195/19 pela Inspeção Judicial, pelos Governos da Bélgica, dos Países Baixos, da Polónia e da Roménia, bem como pela Comissão. O Governo sueco apresentou observações escritas nos processos C‑83/19 e C‑127/19. O CSM e a Associação «Movimento de Defesa do Estatuto dos Procuradores» apresentaram observações escritas no processo C‑127/19.

73.

Foram apresentadas observações escritas no processo C‑291/19 pelos Governos dos Países Baixos, da Polónia, da Roménia e da Suécia, bem como pela Comissão.

74.

No processo C‑355/19, apresentaram observações escritas a Associação Fórum dos Juízes, o procurador‑geral do Ministério Público junto do Tribunal Superior de Cassação e Justiça; a seguir «procurador‑geral»), os Governos dos Países Baixos, da Polónia, da Roménia e da Suécia, bem como a Comissão.

75.

Em 20 e 21 de janeiro de 2020, realizou‑se uma audiência de alegações comum na qual foram ouvidas as seguintes partes interessadas: a Associação Fórum dos Juízes, a Associação «Movimento de Defesa do Estatuto dos Procuradores», o Conselho Superior da Magistratura, OL, o procurador‑geral, os Governos da Bélgica, da Dinamarca, dos Países Baixos, da Roménia e da Suécia, e a Comissão.

IV. Análise

76.

As presentes conclusões estão estruturadas da seguinte forma. Começarei por examinar as exceções de inadmissibilidade suscitadas nos diferentes processos perante o Tribunal de Justiça (A). A seguir, apresentarei o quadro jurídico da União aplicável e os critérios de referência à luz dos quais deve ser efetuada a análise nos presentes processos (B). Finalmente, irei proceder à apreciação das disposições nacionais em questão (C).

A. Admissibilidade das questões submetidas

77.

Diversas partes interessadas, que apresentaram observações nos diversos processos, alegaram que o Tribunal de Justiça não deveria responder, partia algumas ou a nenhuma das questões prejudiciais submetidas nos presentes processos. Os principais «temas» suscitados no que diz respeito aos diferentes processos poderiam, no essencial, ser «reagrupados» para abranger exceções relativas à falta de competências da União nos domínios visados pelas questões submetidas, especialmente, i) a organização interna do sistema de justiça; ii) a incompetência do Tribunal de Justiça para interpretar a Decisão MCV; iii) a falta de pertinência das respostas a dar pelo Tribunal de Justiça para a decisão de cada um dos processos submetidos aos órgãos jurisdicionais de reenvio e iv) o facto de algumas das questões suscitadas terem ficado desprovidas de objeto.

78.

Todas estas exceções foram suscitadas como exceções à admissibilidade das questões prejudiciais. Contudo, parece‑me que os argumentos relativos à i) falta de competência da União em matéria de organização judiciária dos Estados‑Membros e à ii) natureza jurídica do MCV dizem efetivamente respeito à apreciação da competência do Tribunal de Justiça.

79.

Além disso, tais elementos de competência coincidem amplamente com a análise substancial dessas disposições. O facto de as disposições nacionais em causa nos presentes processos, relativas à organização do sistema judiciário, se enquadrarem no âmbito de aplicação do direito da União, está indissociavelmente ligado às respostas que devem ser dadas às questões submetidas, que se referem especificamente ao âmbito, requisitos e efeitos do artigo 2.o e do artigo 19.o, n.o 1, TUE, bem como do artigo 47.o da Carta ( 18 ). Conforme o Tribunal de Justiça observou no Acórdão A.K. e o., no que se refere a argumentos semelhantes, estas questões dizem respeito à interpretação das disposições em causa e, por essa razão, são da competência do Tribunal de Justiça nos termos do artigo 267.o TFUE ( 19 ).

80.

Por estas razões, debruçar‑me‑ei sobre ambas as exceções de incompetência do Tribunal de Justiça na secção B das presentes conclusões, na qual determinarei as disposições que são efetivamente aplicáveis nos presentes processos e o tipo de exame exigido. Nesta secção, secção A das presentes Conclusões, abordarei apenas o que se afiguram efetivamente como exceções de inadmissibilidade, suscitadas por várias partes no que respeita a determinadas questões submetidas em cada um dos processos.

81.

Observo que o Governo romeno alegou nas suas observações escritas que as questões submetidas eram, na sua maioria, inadmissíveis em todos os processos submetidos ao Tribunal de Justiça ( 20 ). Contudo, na audiência, a posição desse governo mudou consideravelmente, o que, a meu ver, se deve ao facto de, entretanto, na sequência da mudança de governo a nível nacional, ter também mudado a política do novo governo ( 21 ).

82.

No entanto, o Governo romeno não retificou expressamente as suas alegações na audiência nem os argumentos apresentados relativamente à admissibilidade. Por conseguinte, considero que subsiste a obrigação do Tribunal de Justiça de responder aos argumentos invocados pelo Governo romeno nas suas observações escritas relativas à admissibilidade.

83.

Desde logo, quanto aos processos considerados individualmente nesta secção, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, compete exclusivamente ao órgão jurisdicional nacional, que assume a responsabilidade pela decisão judicial no processo principal, apreciar quer a necessidade de uma decisão prejudicial, quer a pertinência das questões submetidas. O Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se sempre que as questões digam respeito à interpretação das disposições do direito da União. As questões submetidas para decisão prejudicial gozam de uma presunção de pertinência. Consequentemente, o Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se em circunstâncias limitadas, designadamente, quando os requisitos do artigo 94.o do Regulamento de Processo não forem respeitados ou quando for manifesto que a interpretação do direito da União em causa não tem nenhuma relação com a realidade dos factos, ou quando as questões forem hipotéticas ( 22 ). É à luz destes princípios que irei apreciar as exceções relativas à inadmissibilidade nos presentes processos.

1.   C‑83/19

84.

Foram suscitados dois tipos de exceções contra a admissibilidade neste processo. A primeira diz respeito à falta de necessidade ou de pertinência das questões para o processo principal. A segunda diz respeito à alegação de que o processo tenha ficado desprovido de objeto.

85.

Em primeiro lugar, a Inspeção Judicial alegou que as questões submetidas no processo C‑83/19 não são pertinentes para a decisão do litígio no processo principal. Este argumento foi também avançado, relativamente às primeira e segunda questões, pelo Governo romeno nas suas observações escritas, o qual referiu ainda que o órgão jurisdicional de reenvio não tinha explicado as razões pelas quais considerava necessário o reenvio prejudicial.

86.

Em segundo lugar, a Comissão alegou que o processo principal ficou desprovido do seu objeto, pelo que as questões prejudiciais deixaram de ser pertinentes. Sustenta que, a 15 de maio de 2019, L. Netejoru foi nomeado pelo Plenário do CSM como inspetor‑chefe da Inspeção Judicial para um novo mandato de três anos, com base nas disposições da Lei n.o 317/2004. A Comissão considera, portanto, que as questões submetidas perderam a sua pertinência. A nomeação ex post da mesma pessoa, na sequência de um concurso legalmente organizado, porá fim a qualquer ingerência do poder executivo na independência judicial.

87.

No que diz respeito à sua falta de capacidade para representar a Inspeção Judicial antes de 15 de maio de 2019, incluindo a data das alegações apresentadas por L. Netejoru em nome da Inspeção Judicial, a Comissão considera que a situação pode ser sanada através do artigo 82.o, n.o 1, do Codul de procedură civilă al României (Código de Processo Civil romeno). Esta disposição estabelece que «o tribunal, quando conclui que não foi provada a qualidade de representante da pessoa que tenha agido em nome da parte, concede um prazo curto para que a irregularidade seja sanada […]». Por conseguinte, as questões submetidas para decisão prejudicial são hipotéticas e devem ser julgadas inadmissíveis.

88.

A meu ver, nenhuma destas exceções de inadmissibilidade é convincente.

89.

Em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio explicou a pertinência das questões submetidas para efeitos do processo principal. Segundo o despacho de reenvio, o juiz nacional deve pronunciar‑se a título preliminar, nos termos das disposições processuais nacionais, sobre as exceções processuais que podem privar de efeito útil a produção de prova ou a apreciação do mérito da causa ( 23 ). Nesta fase, a instância foi suspensa precisamente em razão da referida exceção processual, com base no facto de L. Netejoru, que, na sua qualidade de inspetor‑chefe, ao abrigo do Decreto urgente n.o 77/2018 assinou o articulado de defesa em nome da Inspeção Judicial, carecia dos poderes pertinentes de representação.

90.

Resulta bastante claro que tipo de «efeito dominó» qualquer eventual resposta dada pelo Tribunal de Justiça poderia ter nos processos nacionais. Se a exceção prévia fosse acolhida pelo órgão jurisdicional de reenvio, isso levaria a excluir o articulado de defesa e, por conseguinte, das provas e exceções nela invocadas. É evidente que esta decisão teria repercussões na decisão do litígio no processo nacional, relativo ao pedido do Fórum da Associação de Juízes no sentido de que seja ordenada a comunicação de determinadas informações pela Inspeção Judicial.

91.

Admito que o conteúdo das questões submetidas suscitadas no presente processo de certa forma afasta‑se, com efeito, do objeto do processo principal, que continua a ser a ação relativa ao pedido de informação. Além disso, pode parecer de algum modo artificial apresentar toda esta questão da nomeação, potencialmente problemática, do inspetor‑chefe de maneira substancial no processo principal.

92.

No entanto, o litígio, para o qual se pretende obter a opinião do Tribunal de Justiça, é a questão prévia relativa à qualidade de representante de L. Netejoru, suscitada como incidente no processo principal. O facto de este processo dizer respeito a uma questão prévia não significa falta de pertinência e, portanto, a inadmissibilidade do pedido de decisão prejudicial. Com efeito, o Tribunal de Justiça, ao apreciar se uma questão submetida é necessária para permitir ao órgão jurisdicional de reenvio proceder «ao julgamento da causa» na aceção do segundo parágrafo do artigo 267.o, segundo parágrafo, TFUE, adotou uma interpretação lata deste conceito. Abrange, nomeadamente, «todo o processo que conduz à decisão do órgão jurisdicional de reenvio, de modo a que o Tribunal de Justiça possa interpretar o conjunto das disposições processuais do direito da União que o órgão jurisdicional de reenvio deve aplicar para o julgamento da causa» ( 24 ). Tal interpretação permitiu declarar admissíveis questões processuais relativas a todo o processo de tomada de decisão, incluindo todas as questões relativas às custas processuais, ou à obtenção de provas ( 25 ). Além disso, o Tribunal de Justiça tem demonstrado, em ocasiões anteriores, ser tradicionalmente bastante generoso ao não com rigor excessivo a proximidade material das questões suscitadas no âmbito do processo principal ( 26 ).

93.

Em segundo lugar, a exceção suscitada pela Comissão também deve ser julgada improcedente. É certo que, segundo jurisprudência constante, o processo de reenvio prejudicial pressupõe que o litígio esteja efetivamente pendente no órgão jurisdicional de reenvio ( 27 ). Isto significa que se o litígio ficou desprovido de objeto, tornando assim as questões suscitadas hipotéticas ou alheias a um litígio real, o Tribunal de Justiça não tem de se pronunciar sobre o pedido de decisão prejudicial ( 28 ).

94.

No entanto, não resulta, no caso em apreço, dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe, que a questão prévia no processo principal ou o próprio processo principal tenham ficado desprovidos de objeto. Não há nada que indique que a subsequente nomeação legal de L. Netejoru para o cargo de inspetor‑chefe teria alguma incidência sobre a validade dos atos de representação praticados antes dessa nomeação.

95.

Embora valorizando a assistência da Comissão na identificação da legislação nacional potencialmente aplicável na matéria, não compete ao Tribunal de Justiça interpretar tais disposições. Além disso, decorre do despacho de reenvio que o órgão jurisdicional de reenvio se considera obrigado a pronunciar‑se sobre a exceção processual suscitada pela demandante, e que deve apreciar a legalidade da representação da Inspeção Judicial no momento em que a contestação foi apresentada ( 29 ). Deste ponto de vista, cuja exatidão cabe apenas ao(s) órgão(s) jurisdicional(nacionais) nacional(nacionais) verificar, o facto de uma determinada pessoa ter sido nomeada para o mesmo cargo depois desse momento pode não ter o efeito de sanar a anterior falta de poderes de representação.

96.

À luz das considerações precedentes, considero que as questões submetidas no processo C‑83/19 são efetivamente admissíveis.

2.   C‑127/19 e C‑355/19

97.

No processo C‑127/19, o Governo romeno alegou nas suas observações escritas que as primeira, segunda e terceira questões, respeitantes à natureza jurídica e aos efeitos da decisão MCV, não têm nenhuma relação com o objeto do processo principal. Do mesmo modo, mas suscitando uma exceção geral de inadmissibilidade de todas as questões submetidas no processo C‑127/19, o CSM sustentou que as questões suscitadas pelo órgão jurisdicional de reenvio não dizem respeito à interpretação do direito da União mas antes pedem ao Tribunal de Justiça que aplique o direito da União ao caso em apreço e que solicite um parecer consultivo sobre as disposições nacionais. Na audiência, o CSM acrescentou que as questões são irrelevantes para o objeto do processo principal, que diz respeito à legalidade dos dois atos administrativos adotados pelo próprio CSM e não à lei que criou a SIIJ. Uma vez que o órgão jurisdicional de reenvio não tem competências no que diz respeito à análise do direito nacional, que é uma matéria pendente na Curtea Constituțională a României (Tribunal Constitucional romeno), as questões devem ser declaradas inadmissíveis.

98.

No processo C‑355/19, o Governo romeno alegou nas suas observações escritas que o órgão jurisdicional de reenvio não demonstrou a pertinência das primeira, segunda e quarta questões para efeitos do processo principal.

99.

O processo C‑127/19 diz respeito à anulação das Decisões n.o 910 e n.o 911 do Plenário do CSM de 19 de setembro de 2018. O órgão jurisdicional de reenvio refere que tais atos foram adotados tendo em vista a aplicação das alterações introduzidas pela Lei n.o 207/2018, e que visam, portanto, facilitar o funcionamento da SIIJ. Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio considera necessário clarificar a interpretação do MCV, do artigo 2.o, do artigo 4.o, n.o 3, r do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE e do artigo 47.o da Carta, a fim de se pronunciar sobre a compatibilidade destas disposições com a criação da SIIJ pela Lei n.o 207/2018. Esta lei constitui a base jurídica dos atos cuja anulação é pedida no processo principal.

100.

Resulta daqui que existe um vínculo funcional claro entre os atos em causa no processo principal e a Lei n.o 207/2018 que institui a SIIJ. Uma conclusão de que a instituição da SIIJ é incompatível com o direito da União terá inevitavelmente impacto na apreciação dos atos administrativos que estão em causa processo principal. Simplificando, se a base for considerada incompatível, o mesmo acontecerá com os atos subsequentes que implementam essa base.

101.

A meu ver, isto demonstra claramente a pertinência das questões submetidas no processo C‑127/19 para efeitos de interposição do recurso de anulação no órgão jurisdicional de reenvio no processo principal. As exceções de inadmissibilidade suscitadas no caso vertente devem, portanto, ser julgadas improcedentes.

102.

De modo semelhante, o processo C‑355/19 diz respeito à anulação de um ato administrativo adotado com vista a aplicar as alterações introduzidas pela Lei n.o 207/2018 e a facilitar o funcionamento da SIIJ. Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio considera necessário clarificar a interpretação do MCV, do artigo 2.o, do artigo 4.o, n.o 3 e do artigo 19.o, n.o 1, TUE e do artigo 47.o da Carta, a fim de se pronunciar sobre a compatibilidade destas disposições com a instituição da SIIJ pela Lei n.o 207/2018, que está na origem da adoção dos atos, cuja anulação é pedida no processo principal.

103.

Estas questões são admissíveis pelas mesmas razões que as do processo C‑127/19: trata‑se novamente da lógica de implementação. Se, com efeito, a base, designadamente, para a instituição da SIIJ pela Lei n.o 207/2018 dever ser declarada incompatível, o mesmo se verificará quanto ao ato administrativo em causa no processo principal adotado com vista à sua implementação.

104.

Por conseguinte, as primeira, segunda e quarta questões do processo C‑355/19 são também admissíveis.

3.   C‑195/19 e C‑291/19

105.

Nas suas observações escritas, o Governo romeno contestou a admissibilidade da primeira questão no processo C‑195/19 e das primeira, segunda e terceira questões no processo C‑291/19. Segundo este governo, as questões relativas à natureza jurídica da Decisão MCV e dos relatórios da Comissão não são pertinentes para efeitos do processo principal nos referidos processos.

106.

O processo C‑195/19 diz respeito a um processo pendente em que a responsabilidade penal de um juiz está em questão. O órgão jurisdicional de reenvio refere que, se o recurso for julgado procedente, tanto o procurador que incumbido do processo como o procurador de grau superior que supervisiona aquele outro procurador serão membros da mesma SIIJ especial. É neste contexto que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar se o direito da União se opõe a uma legislação nacional que institui a SIIJ. É para este efeito que se interroga sobre a compatibilidade dessa legislação nacional com o MCV e, na segunda questão no processo C‑195/19, também com o artigo 2.o TUE. O órgão jurisdicional de reenvio observa que, caso se conclua que o direito da União se opõe à legislação nacional que institui a SIIJ, tal conduziria à anulação de todos os atos processuais elaborados pela SIIJ no processo principal. O órgão jurisdicional de reenvio deve também ter em conta a resposta do Tribunal de Justiça ao designar a secção do Ministério Público competente, no caso de o recurso ser julgado procedente.

107.

Estas razões revelam claramente a pertinência para o processo principal das primeira e segunda questões no processo C‑195/19 para o processo principal, na medida em que a segunda questão diz respeito ao artigo 2.o TUE.

108.

Quanto à admissibilidade das primeira, segunda e terceira questões no processo C‑291/19, o órgão jurisdicional de reenvio referiu que a pertinência das questões submetidas nesse processo é motivada pelo facto de o seguimento do processo principal implicar a participação dos procuradores da SIIJ. É, portanto, necessário determinar se o direito da União se opõe ou não à legislação nacional que institui a SIIJ. Caso se conclua que o recurso interposto pela demandante é procedente, o órgão jurisdicional de reenvio deve remeter o processo à SIIJ para efeitos de exercício da ação penal.

109.

À luz destes esclarecimentos, pelas mesmas razões que acabo de expor quanto à primeira questão e parcialmente quanto à segunda questão no processo C‑195/19, considero que as primeira, segunda e terceira questões do processo C‑291/19 são também admissíveis.

110.

Estou, no entanto, de acordo com o Governo romeno quanto ao facto de a segunda questão prejudicial no processo C‑195/19, na parte em que se refere aos artigos 9.o TUE e 67.o, n.o 1, TFUE, bem como a terceira questão no referido processo, deverem ser declaradas inadmissíveis. No que diz respeito à terceira questão no processo C‑195/19, o Governo romeno alegou que a questão de saber se o princípio do primado se opõe a uma legislação nacional que permite à Curtea Constituțională (Tribunal Constitucional) não respeitar esse princípio através de decisões que não são suscetíveis de recurso, tem um caráter «teórico e geral» e, como tal, não tem nenhuma relação com o objeto do processo principal.

111.

No que respeita à segunda questão prejudicial no processo C‑195/19, o despacho de reenvio não contém nenhuma explicação que demonstre especificamente em que medida o artigo 9.o TUE (que proclama o princípio da igualdade dos cidadãos da União) e o artigo 67.o, n.o 1, TFUE (declarando que a União deve constituir um espaço de liberdade, segurança e justiça) podem ser pertinentes para o caso em apreço. Na medida em que invoca estas disposições, a segunda questão prejudicial não cumpre os requisitos previstos no artigo 94.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça. Com efeito, segundo jurisprudência constante, é indispensável que o juiz nacional forneça um mínimo de explicações sobre os motivos da escolha das disposições do direito da União cuja interpretação pede e sobre o nexo que estabelece entre estas disposições e a legislação nacional aplicável ao litígio que lhe é submetido ( 30 ).

112.

A terceira questão prejudicial submetida no processo C‑195/19 padece, a meu ver, do mesmo vício, ao qual acresce outro. Em primeiro lugar, esta questão, conforme o Governo romeno acertadamente observou, está também longe de cumprir os requisitos do artigo 94.o do Regulamento de Processo. Pretende‑se, nessa questão, saber, no essencial, se o princípio do primado se opõe a uma legislação nacional que permite ao Curtea Constituțională (Tribunal Constitucional), na essência, não respeitar esse princípio através de decisões que não são passíveis de recurso. Contudo, o despacho de reenvio não menciona, em parte alguma, as disposições específicas que são consideradas problemáticas e por que razão o são. O órgão jurisdicional de reenvio limitou‑se a referir alguns excertos de acórdãos do Curtea Constituțională (Tribunal Constitucional) em que este órgão jurisdicional se pronuncia sobre o MCV em vários processos, sem fornecer nenhum contexto ou explicação sobre se tais acórdãos dizem respeito a quaisquer disposições nacionais relacionadas com o processo principal.

113.

Em segundo lugar, tal como formulada, esta questão também contém uma avaliação implícita (aliás, não inteiramente favorecedora) da jurisprudência da Curtea Constituțională a României (Tribunal Constitucional), convidando o Tribunal de Justiça a subscrever uma determinada leitura dessa jurisprudência em vários processos sem ligação entre eles, em que apenas poucas informações são (seletivamente) disponibilizadas e, ao fazê‑lo, questionar a autoridade institucional de um tribunal nacional superior. Contudo, certamente não é esse o papel do Tribunal de Justiça no âmbito do processo de reenvio prejudicial ( 31 ).

114.

Por conseguinte, considero que a segunda questão submetida no processo C‑195/19, na parte em que se refere ao artigo 9.o TUE e ao artigo 67.o, n.o 1, TFUE, bem como a terceira questão submetida no mesmo processo, são inadmissíveis.

4.   Conclusão provisória sobre admissibilidade

115.

Considero que a segunda questão prejudicial no processo C‑195/19, na parte em que se refere ao artigo 9.o TUE e ao artigo 67.o, n.o 1, TFUE, e a terceira questão prejudicial nesse processo, devem ser declaradas inadmissíveis. As restantes questões suscitadas nos presentes cinco processos são, a meu ver, admissíveis.

116.

Contudo, por uma questão de clareza, reagruparia todas as questões submetidas nos presentes processos em questões relativas ao direito aplicável que, uma vez decididas, constituirão o quadro dos dois elementos materiais sobre os quais estes processos incidem.

117.

Em primeiro lugar, os órgãos jurisdicionais de reenvio nos presentes processos formularam as suas questões a respeito de atos do direito da União. Por um lado, foram submetidas questões relativas à natureza, ao valor e aos efeitos jurídicos do MCV ( 32 ) e à questão de saber se as normas nacionais em causa são abrangidas por esse mecanismo ( 33 ). Por outro lado, as questões dizem respeito à interpretação do artigo 47.o da Carta, bem como do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, e dos artigos 2.o e 4.o, n.o 3, TUE ( 34 ).

118.

Em segundo lugar, as questões relativas ao quadro legislativo de análise adequado são suscitadas com o objetivo de obter uma interpretação do direito da União que permitirá aos tribunais nacionais apreciar a compatibilidade das disposições nacionais em causa, relativas à nomeação provisória da direção da Inspeção Judicial ( 35 ) e à instituição da SIIJ ( 36 ), com a regulamentação da União.

119.

Portanto, analisarei a seguir, nas presentes conclusões, em primeiro lugar as disposições pertinentes do direito da União (a Decisão MCV, o artigo 47.o da Carta e o artigo 2.o e o artigo 19.o, n.o 1, TUE) e os critérios de referência que estabelecem para efeitos dos presentes processos (B). Aplicarei então os requisitos decorrentes dessas disposições, no contexto das disposições nacionais em causa, a fim de prestar assistência aos órgãos jurisdicionais de reenvio nas questões de fundo sobre os quais são chamados a pronunciar‑se (C).

B. Direito da União pertinente e critérios de referência

1.   MCV

120.

Os vários despachos de reenvio em todos os processos examinados nas presentes conclusões suscitaram várias questões relativas à natureza, ao valor e aos efeitos jurídicos da Decisão MCV e dos relatórios adotados com base na mesma.

121.

Em primeiro lugar, constituem a Decisão MCV e os relatórios da Comissão atos adotados pelas instituições da União para efeitos do artigo 267.o TFUE, que podem ser submetidos à interpretação do Tribunal de Justiça? ( 37 ) Em segundo lugar, o conteúdo, a natureza e a duração do MCV são abrangidos pelo âmbito de aplicação do Tratado de Adesão? ( 38 ) Em terceiro lugar, os órgãos jurisdicionais de reenvio pretendem saber se as exigências formuladas no MCV ( 39 ) e nos relatórios da Comissão elaborados no âmbito do referido mecanismo têm caráter obrigatório ( 40 ). Em quarto lugar, pergunta‑se ainda se deve o artigo 2.o, conjugado com o artigo 4.o, n.o 3, TUE, ser interpretado no sentido de que a obrigação da Roménia de respeitar as exigências impostas pelos relatórios elaborados no âmbito MCV faz parte da obrigação de respeitar o Estado de Direito ( 41 ) e se essa obrigação abrange a nomeação a título provisório da direção da Inspeção Judicial ( 42 ) e à instituição da SIIJ ( 43 ).

122.

Abordarei todas estas questões sucessivamente como se segue. Em primeiro lugar, começarei por confirmar que a Decisão MCV e os relatórios adotados pela Comissão com base nessa decisão, com efeito, atos da União Europeia; Em segundo lugar, examinarei se o Tratado de Adesão constitui a base jurídica adequada para a Decisão MCV; Em terceiro lugar, debruçar‑me‑ei sobre a questão do valor e dos efeitos jurídicos do MCV e dos relatórios da Comissão adotados no seu âmbito; Em quarto lugar, concluirei esta secção analisando a questão de saber se as medidas nacionais em questão nos presentes processos são abrangidas pelo âmbito de aplicação do MCV.

a)   A Decisão MCV e os relatórios MCV constituem atos da União Europeia?

123.

Todas as partes interessadas, tendo apresentado observações a este respeito ( 44 ), com exceção do CSM, concordam em defender que esta questão deve ser respondida de modo afirmativo. O CSM alegou nas suas observações escritas que a Decisão MCV representava um instrumento de cooperação da Comissão e não um ato legislativo da competência do Tribunal de Justiça nos termos do artigo 267.o TFUE. Contudo, na audiência, o mesmo órgão afirmou que a Decisão MCV é um ato vinculativo, embora as recomendações nele contidas não tenham caráter vinculativo.

124.

Na minha opinião, é indiscutível, não obstante a questão do caráter eventualmente obrigatório da Decisão MCV e dos relatórios adotados com base na mesma, que ambos são atos de direito da União e que o Tribunal de Justiça tem competência para os interpretar no âmbito do processo de reenvio prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE.

125.

Em primeiro lugar, a Decisão MCV é uma decisão para efeitos do artigo 288.o, quarto parágrafo, TFUE. Foi adotada pela Comissão com base nos artigos 37.o e 38.o do Ato de Adesão. Portanto, não vejo de que modo se pode considerar que não é um «ato das instituições» para efeitos do artigo 267.o TFUE.

126.

Em segundo lugar, o mesmo se aplica aos relatórios adotados pela Comissão com base na Decisão MCV. Mais uma vez, deixando de lado a questão do seu caráter (não) obrigatório, que é uma questão diferente, o artigo 267.o TFUE atribui ao Tribunal de Justiça competência para decidir, a título prejudicial, sobre a validade e a interpretação dos atos adotados pelas instituições da União, sem qualquer exceção ( 45 ). A competência do Tribunal de Justiça não se limita, portanto, aos atos com efeitos obrigatórios ( 46 ), tal como foi confirmado pelo Tribunal de Justiça nas diversas ocasiões em que se pronunciou, a título prejudicial, sobre a interpretação de recomendações ou outros atos atípicos de soft law atípico ( 47 ).

127.

Por conseguinte, deve responder‑se à primeira questão nos processos C‑83/19, C‑127/19, C‑291/19 e C‑355/19 que a Decisão MCV, bem como os relatórios elaborados pela Comissão com base nessa decisão, são atos adotados por uma instituição da União, na aceção do artigo 267.o TFUE, e, portanto, podem ser submetidos à interpretação do Tribunal de Justiça nos termos da referida disposição.

b)   O Tratado de Adesão constitui uma base jurídica adequada?

128.

Várias das questões submetidas perguntam se os «o conteúdo, a natureza e a duração» do MCV são «abrangidos pelo âmbito de aplicação do Tratado de Adesão» ( 48 ). Considero que estas questões visam essencialmente esclarecer se a Decisão MCV, tendo em conta a sua natureza, o seu âmbito de aplicação e a sua versão atualmente em vigor, podia validamente basear‑se no Tratado de Adesão. Formulada deste modo, a questão da interpretação aproxima‑se bastante de contestação disfarçada da validade de um ato legislativo da União ( 49 ).

129.

Segundo os argumentos aduzidos no decurso dos presentes processos, não vejo razão para que a atual Decisão MCV não pudesse ter sido adotada com base no Tratado de Adesão e no Ato de Adesão da Roménia e da Bulgária. É assim no que diz respeito 1) à sua base jurídica formal; 2) ao seu conteúdo e os seus objetivos; 3) e à sua duração.

1) Base jurídica formal

130.

No que diz respeito à sua base jurídica formal, a Decisão MCV foi adotada como medida de salvaguarda com base nos artigos 37.o e 38.o do Ato de Adesão. O artigo 4.o, n.o 3, do Tratado de Adesão autoriza as instituições da União a adotar as medidas previstas, nomeadamente, nos artigos 37.o e 38.o do Ato de Adesão, antes da adesão dos Estados‑Membros em causa. Segundo as referidas disposições, conhecidas como «cláusulas de salvaguarda», tais medidas entram em vigor apenas sob reserva e na data da entrada em vigor do Tratado de Adesão. O artigo 2.o, n.o 2, do Tratado de Adesão estabelece que as disposições do Ato de Adesão fazem parte integrante desse Tratado.

2) Conteúdo e objetivos

131.

Do ponto de vista do conteúdo das medidas que podem ser tomadas com base nos artigos 37.o e 38.o do Ato de Adesão, estas disposições autorizam a Comissão a adotara pedido de um Estado‑Membro ou por iniciativa própria, respetivamente, «medidas adequadas» em duas situações.

132.

Em primeiro lugar, a «cláusula de salvaguarda relativa ao mercado interno» constante do artigo 37.o, pode ser invocada se a Roménia não tiver dado cumprimento a compromissos assumidos no contexto das negociações de adesão, dando assim origem a uma grave perturbação ou a um risco de grave perturbação do funcionamento do mercado interno. Em segundo lugar, o artigo 38.o pode ser invocado se se verificarem ou houver um risco iminente de se verificarem lacunas graves na transposição, no estado da aplicação ou na execução dos instrumentos de cooperação e decisões relativos ao reconhecimento mútuo no espaço de liberdade, segurança e justiça ( 50 ).

133.

Uma análise dos objetivos e do conteúdo da Decisão MCV revela que esta pode ser facilmente incluída no tipo de medidas previstas pelos artigos 37.o e 38.o do Ato de Adesão.

134.

Relativamente aos objetivos da Decisão MCV, o seu quarto considerando refere as deficiências que justificam o recurso às medidas de salvaguarda dos artigos 37.o e 38.o do Ato de Adesão. Embora reconheça os esforços envidados pela Roménia para completar os preparativos para ser membro da União, esse considerando revela que a Comissão identificou, no seu relatório de 26 de setembro de 2006 ( 51 ), «questões pendentes» relativas, especialmente, à responsabilidade e eficácia do sistema judicial e dos organismos responsáveis pela aplicação da lei. Foram considerados necessários mais progressos para assegurar a sua capacidade de «executar e aplicar as medidas adotadas para estabelecer o mercado interno e o espaço de liberdade, segurança e justiça». Ao recordar no quinto considerando que as medidas previstas nos artigos 37.o e 38.o do Ato de Adesão poderiam ser tomadas em caso de «risco iminente», a Comissão considerou que se verificava a existência de tais riscos. O sexto considerando explica assim que as «questões pendentes» relativas à responsabilidade e eficácia do sistema judicial e dos organismos responsáveis pela aplicação da lei justificam o estabelecimento do MCV, a fim de avaliar os progressos realizados na Roménia relativamente a objetivos de referência específicos nos domínios da reforma judicial e do combate à corrupção.

135.

A motivação do MCV assenta, portanto, na existência de um risco iminente para o funcionamento do mercado interno e do ELSJ devido às lacunas encontradas no sistema judicial e no domínio da luta contra a corrupção e a criminalidade organizada na Roménia. Este objetivo parece estar em plena conformidade com os artigos 37.o e 38.o do Ato de Adesão.

136.

Em segundo lugar, do ponto de vista do conteúdo das medidas que podem ser tomadas com base nessas disposições, resulta da redação dos artigos 37.o e 38.o do Ato de Adesão que o termo «medidas» é suficientemente amplo de modo a abranger um ato como a Decisão MCV. Nenhuma das disposições contém uma lista exaustiva do tipo de medidas que podem ser tomadas com base nas mesmas. A única medida expressamente mencionada é a suspensão do reconhecimento mútuo nos termos do artigo 38.o do Ato de Adesão. Assim, os artigos 37.o e 38.o do Ato de Adesão estabelecem simplesmente limites negativos a que as medidas devem obedecer — devendo estas respeitar o princípio da proporcionalidade e não ser discriminatórias.

137.

Se os artigos 37.o e 38.o do Ato de Adesão podem legitimamente ser utilizados para (em última análise) suspender o reconhecimento mútuo ou certos elementos do mercado interno, e nenhum deles contém uma lista taxativa do tipo de medidas que podem ser adotadas em conformidade com a mesma, então não existe apenas uma medida possível, mas uma série delas. Por outras palavras, se é possível suspender, então também deve ser possível, em nome de proporcionalidade expressamente prevista nessa disposição, a fortiori, instituir simplesmente uma medida muito mais leve e, nesse sentido, muito mais proporcionada de cooperação e de verificação. O facto de poderem ser tomadas medidas adicionais e mais restritivas de aplicação dos artigos 37.o e 38.o não impede que medidas que já são menos restritivas, como o MCV, possam ser adotadas com base nessas disposições e em conformidade com o princípio da proporcionalidade.

3) Duração do MCV

138.

Os artigos 37.o e 38.o do Ato de Adesão contêm as mesmas limitações temporais. Em primeiro lugar, segundo estas disposições, as medidas podem ser tomadas, em princípio, durante um período máximo de três anos a contar da adesão. No entanto, ambas as disposições também estabelecem i) que a cláusula de salvaguarda pode ser invocada mesmo antes da adesão, com base nas conclusões do acompanhamento, devendo as medidas adotadas entrar em vigor logo no primeiro dia da adesão, a menos que estabeleçam uma data posterior, e ii) que as medidas podem ser aplicadas para além do período de três anos, enquanto subsistirem as referidas lacunas. Apesar da possibilidade de manter as medidas por um período de tempo indeterminado, ambos os artigos 37.o e 38.o do Ato de Adesão indicam expressamente iii) que as medidas já não podem ser mantidas por um período superior ao estritamente necessário e devem ser, de qualquer modo, levantadas quando tiver sido cumprido o compromisso em causa.

139.

Mais uma vez, nenhum argumento foi avançado no decurso dos presentes processos que sugerisse que a Decisão MCV não cumpriu estas exigências. Em primeiro lugar, foi adotada vários dias antes da adesão, em 13 de dezembro de 2006, com base nas conclusões do Relatório de 26 de setembro de 2006, conforme referido no quarto considerando da Decisão MCV i). Em segundo lugar, as medidas foram mantidas por um período superior a três anos a na sequência da adesão com base na constatação da subsistência das lacunas que conduziram à adoção da Decisão MCV ii). Em terceiro lugar, o considerando 9 indica que a decisão será revogada quando todos os objetivos de referência forem alcançados satisfatoriamente. A este respeito, é de referir que, o levantamento do MCV estava previsto no relatório de 2017, e só foi interrompido após as conclusões negativas no relatório de 13 de novembro de 2018, a que se referem os presentes processos iii).

140.

Considero que a análise nesta matéria deve ficar por aqui. Coloca‑se, naturalmente, uma questão de fundo mais importante que se prende com a proporcionalidade, questão essa que surge ocasionalmente em argumentos sobre em que medida é adequado e/ou necessário manter o que estava destinado a ser um sistema provisório de pós‑adesão 13 anos depois ou mais. Mas, esta caixa de Pandora pode permanecer intacta em segurança no contexto dos presentes processos, porquanto nenhuma das partes sugeriu que as condições materiais para a aplicabilidade contínua da Decisão MCV, estabelecidas nos dois números anteriores, deixariam de estar preenchidas.

4) Conclusão provisória

141.

A análise da primeira parte da segunda questão suscitada nos processos C‑83/19, C‑127/19 e C‑355/19 não revelou nenhum elemento suscetível de pôr em causa o facto de a Decisão MCV, na sua versão atualmente em vigor, ter sido validamente adotada, sendo suscetível de ser mantida com base no Tratado de Adesão.

c)   Efeitos jurídicos do MCV

142.

Os órgãos jurisdicionais de reenvio nos presentes processos perguntaram ainda se a Decisão MCV (1) e os relatórios da Comissão adotados com base na mesma (2) têm caráter obrigatório para a Roménia.

1) Os efeitos jurídicos da Decisão MCV

143.

Os Governos da Bélgica e dos Países Baixos alegaram que a Decisão MCV é obrigatória em todos os seus elementos. Da mesma forma, o Governo sueco nas suas observações escritas, bem como a Associação Fórum dos Juízes e o procurador‑geral na audiência, afirmaram que a Decisão MCV e os seus objetivos de referência anexos são juridicamente vinculativos na Roménia.

144.

O Governo romeno alegou nas suas observações escritas que a única obrigação imposta à Roménia pela Decisão MCV foi a de informar periodicamente a Comissão sobre os progressos realizados no que respeita aos objetivos de referência constantes do anexo dessa decisão. O referido governo alterou a sua posição na audiência, tendo alegado que os objetivos de referência constantes do anexo da Decisão MCV concretizam as condições do Tratado de Adesão, em conformidade com os valores e princípios dos artigos 2.o e 19.o TUE.

145.

A Decisão MCV é uma decisão para efeitos do artigo 288.o, quarto parágrafo, TFUE. Segundo esta disposição, uma decisão é obrigatória em todos os seus elementos para os seus destinatários. Nos termos do artigo 4.o da Decisão MCV, os seus destinatários são os Estados‑Membros. No momento da sua adoção, a Roménia ainda não era membro, mas, neste contexto específico, o caráter vinculativo dos atos da União adotados antes da adesão decorre (também) do artigo 2.o do Ato de Adesão: «A partir da data da adesão, as disposições dos Tratados originários e os atos adotados pelas Instituições e pelo Banco Central Europeu antes da adesão vinculam a Bulgária e a Roménia e são aplicáveis nesses Estados nos termos desses Tratados e do presente Ato».

146.

Assim, a Decisão MCV é claramente vinculativa. A verdadeira questão é, pelo contrário, saber quais são exatamente as obrigações impostas à Roménia pela Decisão MCV.

147.

A obrigação jurídica inequivocamente redigida que recai sobre a Roménia consta do artigo 1.o da Decisão MCV: «A Roménia deve, até 31 de março de cada ano, […], apresentar à Comissão um relatório sobre os progressos realizados relativamente a cada um dos objetivos de referência previstos no anexo». Há, portanto, uma obrigação de apresentação de relatórios.

148.

No entanto, as obrigações impostas à Roménia com base no artigo 1.o da Decisão MCV certamente não se limitam à transmissão de relatórios anuais dentro de um determinado prazo. Com efeito, a obrigação imposta pelo artigo 1.o não consiste apenas em relatar mediante a apresentação de relatórios, mas também em comunicar os progressos realizados relativamente a cada um dos objetivos de referência enumerados no Anexo da Decisão MCV. Assim, o artigo 1.o da Decisão MCV também estabelece a obrigação de atingir os objetivos de referência contidos no anexo dessa decisão. Além disso, o segundo parágrafo do artigo 1.o, que confere à Comissão o direito de prestar assistência técnica através de diferentes atividades ou de recolher e trocar informações sobre os objetivos de referência e de enviar missões de peritos com esta finalidade, também prevê que as autoridades romenas darão o apoio necessário neste contexto.

149.

Apresentar um relatório sobre os progressos realizados exige que sejam envidados alguns esforços no sentido de se avançar numa determinada direção. A lógica desta disposição dificilmente seria respeitada ao relatar anualmente de forma mecânica que as circunstâncias se mantêm praticamente inalteradas. Neste contexto, não atribuiria demasiada importância ao argumento literal extraído do Anexo à Decisão MCV. Com efeito, em algumas versões linguísticas, o anexo refere‑se, de uma forma um tanto vaga, aos «objetivos de referência [a serem abordados] pela Roménia» ( 52 ). Por outro lado, outras versões linguísticas contêm uma linguagem claramente evocadora de uma obrigação de atingir esses objetivos ( 53 ).

150.

Além disso, o caráter vinculativo da obrigação de cumprir gradualmente os objetivos de referência enumerados no Anexo à Decisão MCV é claramente enfatizado pelo lugar que a Decisão MCV ocupa no contexto das obrigações decorrentes do Tratado de Adesão. A Decisão MCV tornou a adesão possível, apesar de subsistirem preocupações graves sobre as principais lacunas relativas à reforma judicial e ao combate da corrupção na Roménia. Não admira, portanto, que a Decisão MCV contenha uma obrigação específica para a Roménia no sentido de alcançar os objetivos de referência constantes do anexo. Longe de ser entendida como uma mera recomendação, a Decisão MCV foi adotada com base nos artigos 37.o e 38.o do Ato de Adesão como medida de salvaguarda, que era essencial para permitir a adesão até 1 de janeiro de 2007.

151.

Geralmente, os objetivos de referência do MCV estão ligados e especificam o requisito do Estado de Direito do artigo 2.o do TUE, ao qual o artigo 49.o TUE faz referência como condição prévia para a adesão. Segundo o artigo 49.o TUE, apenas os Estados que respeitem os valores referidos no artigo 2.o e estejam empenhados em promovê‑los podem pedir para se tornar membros da União Europeia. O preâmbulo da Decisão MCV destaca o papel central do Estado de Direito para a União e, especialmente, para o espaço de liberdade, segurança e justiça, e a necessidade implícita de todos os Estados‑Membros disporem de um sistema judicial e administrativo imparcial e, independente equipado para combater a corrupção ( 54 ).

152.

O papel do MCV no processo de adesão tem sido crucial neste contexto. As preocupações acerca do sistema de justiça e do combate à corrupção persistiram durante as negociações que antecederam a adesão e foram expressamente mencionadas no anexo IX do Ato de Adesão no âmbito da lista de compromissos específicos assumidos e requisitos aceites pela Roménia aquando da conclusão das negociações de adesão em 14 de dezembro de 2004 ( 55 ). Segundo o artigo 39.o, n.o 2, do Ato de Adesão, o incumprimento de tais compromissos poderia ter levado o Conselho a adiar a data de adesão por um ano. Como o Governo belga observou, os objetivos de referência refletem os compromissos assumidos pela Roménia nas negociações de adesão, conforme ilustrado no anexo IX do Ato de Adesão. Pode, portanto, considerar‑se, como o Governo dinamarquês alegou na audiência, que o MCV era uma condição essencial no quadro da assinatura do Tratado de Adesão por todos os Estados‑Membros, atendendo ao facto de que continuavam a existir deficiências significativas. Estas deficiências, conforme identificadas no último relatório de pré‑adesão da Comissão sobre a Roménia, fornecem a base para a adoção da Decisão MCV.

153.

Num contexto histórico e legislativo, uma interpretação da Decisão MCV segundo a qual os objetivos de referência incluídos no seu anexo não são vinculativos para a Roménia significaria que todo o MCV dá à Roménia carta branca para não observar os requisitos essenciais de adesão.

154.

Um outro elemento que enfatiza o caráter vinculativo da obrigação de alcançar os do MCV, conforme assinalou o Governo sueco, diz respeito às consequências jurídicas significativas ligadas ao incumprimento. Tal como referido no considerando 7 da Decisão MCV, se os objetivos de referência não forem alcançados, a Comissão declara que pode aplicar medidas de salvaguarda adicionais com base nos artigos 37.o e 38.o do Ato de Adesão, incluindo a suspensão do reconhecimento mútuo. Além disso, as consequências jurídicas específicas de uma violação hipotética que pode resultar do regime MCV específico não impedem por si só o recurso aos títulos executivos comuns através de ações por incumprimento no caso de não cumprimento por parte da Roménia das suas obrigações com base na Decisão MCV ( 56 ).

155.

Resumindo, considero que, embora fazendo uso da linguagem dos objetivos de referência, a Decisão MCV é, quanto ao seu teor e conteúdo, vinculativa no âmbito do direito da União. Num contexto de pré‑adesão, a avaliação comparativa pode fazer parte da condicionalidade política para medir o progresso que conduz à adesão. Num contexto de pós‑adesão, torna‑se uma norma jurídica adotada por meio de um instrumento jurídico vinculativo, uma decisão que impõe obrigações específicas, e cuja violação pode acarretar consequências jurídicas. As consequências do incumprimento, além da possibilidade de declarar e punir uma eventual infração através vias habituais do direito da União, podem também ter um impacto significativo na participação da Roménia no mercado interno e no espaço de liberdade, segurança e justiça.

156.

Quanto ao conteúdo dessas obrigações, existe, além da obrigação de comunicar, também claramente a obrigação de envidar todos os esforços para cumprir os objetivos de referência estabelecidos no Anexo à Decisão MCV.

2) Os efeitos jurídicos dos relatórios MCV

157.

Os órgãos jurisdicionais de reenvio também perguntaram se os relatórios emitidos pela Comissão com base na Decisão MCV, bem como as recomendações da Comissão de Veneza e do GRECO são juridicamente vinculativos.

158.

A Associação Fórum dos Juízes e OL sustentaram na audiência que as recomendações nos relatórios da Comissão, consideradas em conjunto com a Decisão MCV, têm efeitos jurídicos vinculativos. No mesmo sentido, o Governo romeno afirmou na audiência que, apesar da sua natureza sui generis e de serem desprovidas de caráter vinculativo, as recomendações constantes dos relatórios não podem ser desconsideradas, devendo antes, à luz da obrigação de cooperação leal prevista no artigo 4.o, n.o 3, TUE, ser respeitadas e mesmo tornar‑se vinculativas nos casos em que a Roménia toma medidas legislativas ou administrativas nos domínios abrangidos pelos do Anexo à Decisão MCV.

159.

Em contrapartida, a Comissão e o procurador‑geral alegaram que a natureza jurídica dos relatórios da Comissão no âmbito do MCV não é a de uma recomendação do artigo288.o, n.o 5, e do artigo 292.o TFUE, uma vez que são atos jurídicos sui generis adotados com base na Decisão MCV.

160.

Decorre desta perspetiva que, no contexto do papel específico que desempenham no sistema estabelecido pela Decisão MCV, as recomendações constantes do relatório MCV correspondem a algo mais do que uma recomendação «tradicional». Conforme observado pelos Governos dos Países Baixos e da Suécia, os relatórios MCV são instrumentos de avaliação adotados com base no artigo 2.o da Decisão MCV, tendo como destinatários, conforme a Comissão assinala, o Parlamento e o Conselho. De acordo com esta disposição, a Comissão «comunicará ao Parlamento Europeu e ao Conselho as suas observações e conclusões relativas à Roménia, num relatório a elaborar». Os relatórios preveem, portanto, o quadro metodológico para avaliar esses progressos. As medidas contidas nas recomendações constantes dos relatórios concretizam os objetivos de referência de uma forma que permite avaliar os progressos da Roménia, que levará, em última instância, ao fim do MCV.

161.

Por conseguinte, os efeitos legais dos relatórios no que respeita à Roménia resultam das obrigações decorrentes do princípio da cooperação leal consagrado no artigo 4.o, n.o 3, TUE. Com efeito, os relatórios constituem a base para avaliar se a Roménia cumpre as suas obrigações no que diz respeito aos MCV. Estes relatórios contêm recomendações específicas para orientar os esforços envidados pela Roménia. Conforme a Comissão assinala, o propósito das recomendações é apoiar os esforços da Roménia com vista a alcançar os objetivos da Decisão MCV. Uma vez que os objetivos de referência são a concretização específica das condições do Tratado de Adesão e tendo em conta que a Decisão MCV foi adotada com base nesse Ato, a Roménia tem uma obrigação reforçada de cooperação com base no MCV. Por conseguinte, a cooperação leal não se limita à simples comunicação dos progressos, prevendo antes a obrigação de ter em conta as recomendações ao adotar medidas legislativas ou administrativas nos domínios abrangidos pelos objetivos de referência da Decisão MCV.

162.

Consequentemente, conforme alega o Governo belga, para cumprir os objetivos de referência da Decisão MCV, a Roménia pode adotar as medidas recomendadas ou outras medidas adequadas à realização desses objetivos. Em qualquer caso, o referido Estado‑Membro é obrigado a ter em conta os relatórios da Comissão, à luz do artigo 4.o, n.o 3, TUE. A obrigação de cooperação leal também implica a obrigação de cooperar com a Comissão no quadro do MCV e de se abster de tomar qualquer medida que possa pôr em perigo o alcance dos objetivos fixados nos objetivos de referência de referência.

163.

Na minha opinião, comparar os efeitos jurídicos dos relatórios MCV com os das recomendações ao abrigo do artigo 288.o TFUE e, em seguida, argumentar qual delas é mais sui generis, talvez não seja um exercício inteiramente útil ( 57 ). No que se segue, portanto, prefiro descrever brevemente, qual deve ser, a meu ver, o papel adequado dos relatórios MCV.

164.

Em primeiro lugar, subscrevo a abordagem geral dos Governos belga, dinamarquês e sueco. Também sou de opinião que os relatórios da Comissão não são vinculativos quanto ao seu conteúdo específico. Devem ser lidos e estudados e, neste sentido, tidos em consideração pela Roménia ao procurar atingir os objetivos de referência definidos no MCV. Porém, isso não significa que todas ou quaisquer recomendações especificamente contidas nesses relatórios devam ser seguidas. Há um dever de se empenhar nesse sentido, mas nenhuma obrigação de as reproduzir integralmente.

165.

Em segundo lugar, isso inclui naturalmente a possibilidade de não as seguir. A Roménia, como qualquer Estado‑Membro, conserva o direito de conceber as suas instituições e procedimentos nacionais da forma que considerar mais adequada. Contudo, ao conceber esses outros modelos e procedimentos, a Roménia deve ser capaz de demonstrar de que forma esses outros modelos contribuem para alcançar os objetivos de referência constantes do anexo da Decisão MCV, ou pelo menos avançar uma hipótese plausível a esse respeito.

166.

Em terceiro lugar, ao contrário do que já foi afirmado a respeito da Decisão MCV ( 58 ), as recomendações específicas constantes dos relatórios não são exequíveis como uma obrigação jurídica autónoma. Logicamente, uma vez que os relatórios MCV não contêm obrigações jurídicas vinculativas, não podem por si só ser aplicados e executados, quer perante juízos tribunais da União quer perante tribunais nacionais.

167.

Porém, isso não obsta a que esses relatórios, tal como quaisquer outros tipos de fontes, possam ser tidos em consideração e tomados por referência quando se considera que esclarecem a interpretação das medidas da União ou nacionais. Isso pode acontecer naturalmente, da mesma forma que acontece com qualquer outra autoridade puramente persuasiva (por oposição a vinculativa), que pode ir das atas do Conselho Europeu, atravessar a obra de Immanuel Kant e chegar, nas culturas jurídicas mais discursivas, para não dizer tagarelas, às citações memoráveis de Terry Pratchett ou Alice no País das Maravilhas.

168.

Contudo, vale a pena salientar no contexto das presentes questões submetidas que, devido ao facto de os relatórios MCV estarem desprovidos de caráter juridicamente vinculativo, os juízes nacionais não podem, à luz do direito da União, invocar as recomendações constantes esses relatórios para afastar a aplicação de disposições nacionais que considerem contrárias a tais recomendações.

169.

Por fim, quanto a um assunto conexo, a segunda questão no Processo C‑291/19 prende‑se com a obrigação da Roménia de proceder a alterações legislativas que sejam conformes com as recomendações formuladas pela Comissão de Veneza e pelo GRECO.

170.

Os relatórios da Comissão de Veneza e do GRECO são frequentemente mencionados nos relatórios MCV da Comissão. À luz do direito da União, tais relatórios são, neste contexto, uma fonte útil de informação e servem de orientação persuasiva no que diz respeito às normas pertinentes para avaliar a conformidade com os objetivos de referência do MCV. Ambos os organismos internacionais fornecem relatórios que constituem um precedente em áreas estreitamente ligadas aos objetivos de referência respeitantes à eficiência do sistema de justiça e à luta contra a corrupção.

171.

No entanto, à luz das considerações relativas à inexistência de efeitos jurídicos vinculativos dos próprios relatórios MCV, ao fazer referência aos relatórios desses organismos, os relatórios MCV não podem tornar obrigatórios os relatórios emitidos por esses outros organismos internacionais. As suas conclusões, na medida em que são visadas especificamente pelos relatórios da Comissão, podem apenas desencadear o mesmo tipo de obrigações ligadas à cooperação leal que as recomendações contidas nos próprios relatórios ( 59 ).

172.

Todavia, as considerações anteriores fornecem a resposta que deve ser dada tendo em conta o direito da União. Isso não obsta nem afeta a possibilidade de ser reconhecido a esses relatórios um estatuto diferente ao abrigo do direito nacional (constitucional), no respeito das obrigações de direito internacional assumidas de forma independente pelos Estados‑Membros.

d)   As medidas nacionais em questão são abrangidas pelo âmbito de aplicação do MCV?

173.

Por último, conforme realçado no n.o 117 das presentes conclusões, coloca‑se ainda uma última questão relativa ao papel da Decisão MCV nos presentes processos que importa clarificar: as medidas nacionais em causa nos presentes processos são abrangidas pelo âmbito de aplicação desse instrumento de direito da União?

174.

Ao ser interrogada sobre esta questão na audiência, a Comissão confirmou que, em sua opinião, as alterações das Leis sobre a Justiça que estão em causa nos presentes processos são abrangidas na íntegra pelo âmbito de aplicação da Decisão MCV.

175.

Concordo.

176.

Para apreciar se as medidas nacionais em causa nos presentes processos são abrangidas pelo MCV, destacam‑se três objetivos de referência do anexo à Decisão MCV: 1) «Garantir processos judiciais mais transparentes e eficazes, nomeadamente mediante o reforço das capacidades e da responsabilização do Conselho Superior da Magistratura. […]»; 3) «Continuar, com base nos progressos já efetuados, a realizar inquéritos profissionais e imparciais sobre as alegações de corrupção de alto nível» e 4) «tomar medidas adicionais para prevenir e lutar contra a corrupção, em particular dentro do governo local».

177.

O texto do primeiro objetivo é particularmente amplo. Praticamente qualquer questão relativa à conceção institucional do sistema judiciário poderia ser incluída na fórmula de garantir «processos judiciais mais transparentes e eficazes». O alcance extraordinário deste objetivo não é, no entanto, de modo algum surpreendente quando considerado à luz da situação especial dos Estados‑Membros aos quais o MCV se aplica ( 60 ).

178.

Neste contexto e, especialmente, à luz do primeiro objetivo de referência não restam dúvidas de que as disposições em causa nos presentes processos, relativas à nomeação de cargos de direção na Inspeção Judicial, bem como as disposições relativas à instituição e funcionamento da SIIJ, são abrangidas pelo âmbito de aplicação da Decisão MCV. Estas disposições foram introduzidas através de alteração de alguns aspetos institucionais fulcrais das «Leis sobre a Justiça», que no seu conjunto formam o quadro legislativo de base para a organização do sistema de justiça na Roménia.

179.

Em primeiro lugar, a Inspeção Judicial é um organismo dotado de personalidade jurídica no seio do CSM, cuja responsabilidade e transparência são expressamente enunciadas como um objetivo no primeiro parâmetro de referência. Em segundo lugar, a Inspeção Judicial desempenha um papel crucial nos processos disciplinares instaurados contra magistrados, estando diretamente ligada ao objetivo de reforçar a responsabilidade e, portanto, a eficácia do sistema de justiça. Em terceiro lugar, o atual acordo institucional da Inspeção Judicial está intimamente ligado às recomendações do MCV. Conforme resulta dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe, foi em ligação com as informações dos relatórios MCV de 2010 e 2011 ( 61 ) que a Inspeção Judicial foi reorganizada em 2012 e estabelecida como um órgão distinto com personalidade jurídica e independência operacional no seio do CSM, estando sob a direção de um inspetor‑chefe e um inspetor‑chefe-adjunto nomeados mediante concurso ( 62 ).

180.

Por razões semelhantes, considero que a instituição da SIIJ também é abrangida pelo primeiro objetivo de referência do Anexo à Decisão MCV. A instituição da SIIJ afeta o regime de responsabilidade penal dos juízes que, juntamente com os procedimentos disciplinares aplicáveis aos juízes, não só está intrinsecamente ligado à responsabilização dos magistrados, como também é provável que esteja ligado à eficácia do processo judicial.

181.

Além disso, a instituição da SIIJ também está ligada aos terceiro e quarto objetivos de referência do Anexo à Decisão MCV, segundo os quais a Roménia concorda em continuar a realizar inquéritos sobre as alegações de corrupção de alto nível, com base nos progressos já efetuados, e tomar medidas suplementares para prevenir e combater a corrupção. Com efeito, uma das principais preocupações expressas pelos despachos de reenvio nos processos C‑127/19, C‑195/19, C‑291/19 e C‑355/09 é precisamente que, estruturalmente, a criação da SIIJ produz efeitos significativos sobre os poderes da secção do Ministério Público de combate às infrações relativas aos crimes de corrupção, a DNA. A este respeito, como foi confirmado pelo Governo romeno na audiência, a consolidação da DNA foi uma exigência do MCV e do seu terceiro objetivo de referência.

182.

Resumindo, não há dúvida de que ambas as questões substantivas abordadas pelos presentes pedidos de decisão prejudicial são abrangidas pela Decisão MCV. Em resultado, o direito da União torna‑se aplicável aos casos vertentes, sendo atribuída competência ao Tribunal de Justiça. Contudo, uma série de outras disposições do direito da União foram igualmente invocadas pelos órgãos jurisdicionais de reenvio como sendo eventualmente aplicáveis nos presentes processos, pelo que me irei agora debruçar sobre esta questão.

2.   Princípio da independência dos juízes: artigo 47.o da Carta e/ou artigo 19.o, n.o 1, TUE

183.

As várias questões nos cinco pedidos reenvios prejudiciais de que tratam as presentes conclusões, seguem a mesma estrutura: além de pretenderem obter esclarecimentos sobre a natureza e os efeitos jurídicos da Decisão MCV e dos relatórios adotados no seu âmbito, os órgãos jurisdicionais de reenvio interrogam‑se sobre a compatibilidade das disposições nacionais com várias disposições do direito da União. A maioria das questões submetidas identifica os artigos 2.o, 4.o, n.o 3 e 19.o, n.o 1, TUE como sendo as disposições pertinentes do direito da União ( 63 ), sendo que apenas algumas das questões invocam o artigo 47.o da Carta ( 64 ). Estas questões refletem a incerteza quanto aos diferentes âmbitos de aplicação e à articulação entre os artigos 2.o e 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, por um lado, e o artigo 47.o da Carta, por outro.

184.

As partes interessadas que apresentaram observações manifestaram diferentes pontos de vista quanto às disposições pertinentes do direito da União que devem ser tidas como ponto de referência. A divergência de opiniões diz respeito principalmente à aplicabilidade do artigo 47.o da Carta. As partes interessadas, com exceção da Polónia, concordam em unanimidade com a aplicabilidade do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE.

185.

Explicarei a seguir a razão pela qual considero que a Decisão MCV suscita a aplicabilidade da Carta, incluindo do seu artigo 47.o, permitindo, assim, que o artigo 47.o da Carta seja tido como o principal ponto de referência (a). No entanto, tendo em conta a forma como o artigo 19.o, n.o 1, TUE tem sido interpretado e aplicado até agora pelo Tribunal de Justiça, é inegável que esta disposição também seria aplicável aos presentes processos (b). Terminarei, porém, com algumas sugestões prudentes quanto ao motivo pelo qual assentar toda a avaliação destes processos exclusivamente no artigo 19.o, n.o 1, TUE pode não ser necessariamente a melhor abordagem (c).

a)   Artigo 47.o da Carta

186.

Os interessados tomaram posições diferentes quanto à eventual aplicabilidade da Carta e do seu artigo 47.o O Governo polaco e o CSM alegaram, em substância, que os presentes processos dizem respeito a questões relativas à organização interna do poder judiciário, que são da competência exclusiva dos Estados‑Membros, sendo que a União Europeia não tem qualquer competência ( 65 ). Por conseguinte, o artigo 47.o da Carta não seria aplicável, tendo devidamente em conta o artigo 51.o, n.os 1 e 2, da Carta e o artigo 6.o, n.o 1, TUE.

187.

No que respeita à quinta questão no processo C‑291/19, a Comissão observou, embora sem suscitar qualquer exceção expressa de incompetência do Tribunal de Justiça, que o artigo 47.o da Carta só seria aplicável no caso de o processo principal ser relativo à aplicação do direito da União. Seria esse o caso, por exemplo, se tivessem por objeto a prática de um crime harmonizado nos termos das medidas adotadas ao abrigo do artigo 83.o, n.os 1 e 2, TFUE, ou se fosse abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 325.o TFUE.

188.

Pelo contrário, a Associação Fórum dos Juízes e os Governos belga e sueco defendem a tese segundo a qual a Decisão MCV torna a Carta aplicável.

189.

Concordo com esta última posição.

190.

Considero que a Carta se tornou aplicável no momento em que as medidas nacionais em causa nos processos no Tribunal de Justiça caíram no âmbito de aplicação da Decisão MCV e do Ato de Adesão. Assim, a adoção de tais medidas nacionais que, conforme referido no n.o 178 das presentes conclusões, dizem respeito a certos aspetos institucionais fulcrais do quadro legislativo de base para a organização do sistema de justiça na Roménia, constitui um exemplo de «aplicação» do direito da União na aceção do artigo 51.o, n.o 1, da Carta.

191.

Conforme o Governo belga salientou na audiência, mesmo que a Roménia tenha de uma margem de discricionariedade considerável para cumprir as suas obrigações ao abrigo do MCV, tal não prejudica a aplicabilidade da Carta. Segundo jurisprudência assente, o âmbito de aplicação da Carta, tal como definido no seu artigo 51.o, n.o 1, também abrange as situações em que o direito da União concede aos Estados‑Membros uma margem de apreciação que é parte integrante do regime estabelecido por esse ato da União ( 66 ). A natureza do MCV, baseada no acompanhamento dos objetivos de referência cuja realização é vinculativa, é um exemplo de tal «discricionariedade circunscrita». Com efeito, a jurisprudência recente sublinhou a imposição de uma obrigação específica decorrente do direito da União como um dos elementos mais pertinentes que conduzem à aplicação da Carta ( 67 ). No entanto, tais obrigações são frequentemente definidas em termos amplos e bastante vagos ( 68 ).

192.

No entanto, os presentes processos e a aplicabilidade da Carta aos mesmos segue uma lógica um pouco diferente. O Acórdão Florescu é bastante ilustrativo a este respeito, porquanto no processo que deu origem ao referido acórdão, o Tribunal de Justiça considerou que a adoção de legislação nacional no quadro do cumprimento das condições, amplamente definidas no Memorando de Entendimento relativo à assistência financeira da União Europeia a um Estado‑Membro, é abrangida pelo âmbito de aplicação do direito da União para efeitos de aplicação da Carta ( 69 ).

193.

Ao nível da especificidade dos compromissos (tais como a redução da massa salarial no setor público ou a reforma do sistema de pensões a fim de melhorar a sustentabilidade a longo prazo, que foram fundamentais para o Tribunal de Justiça se pronunciar sobre a aplicabilidade da Carta no Acórdão Florescu) ( 70 ), não há, efetivamente, grande diferença entre o Memorando de Entendimento de Florescu e os objetivos de referência constantes da Decisão MCV.

194.

Assim, ao adotar medidas estreitamente ligadas à realização dos objetivos de referência do anexo, um Estado‑Membro está a agir em «aplicação» do direito da União na aceção do artigo 51.o, n.o 1, da Carta. O facto de as obrigações impostas pela Decisão MCV serem amplas é a consequência lógica da natureza, dos objetivos e do conteúdo do próprio instrumento jurídico. Na verdade, se a Carta é supostamente a «sombra» do direito da União ( 71 ), essa sombra reflete necessariamente o tamanho e a forma da estrutura sobre a qual recai.

195.

O Governo dos Países Baixos alegou, no entanto, que, mesmo que a Carta fosse de aplicação geral, segundo os critérios previstos no artigo 51.o, n.o 1, o artigo 47.o da Carta não o é, porquanto tal disposição pressupõe, para ser aplicável, a existência de um direito substantivo que o é objeto processo judicial. Esta exigência não está preenchida nos presentes processos.

196.

Tanto quanto seja do meu conhecimento, este argumento encontra a sua base no facto de o primeiro parágrafo do artigo 47.o da Carta estabelecer que o «direito a uma ação perante um tribunal» é aplicável a «toda a pessoa cujos direitos e liberdades garantidos pelo direito da União tenham sido violados». Com efeito, conforme sugeri nas minhas Conclusões no processo El Hassani, para que o artigo 47.o, primeiro parágrafo, da Carta seja aplicável a um particular, devem estar preenchidas duas condições cumulativas. Em primeiro lugar, a situação em causa deve estar abrangida pelo âmbito de aplicação do direito da União para que a Carta seja, como um todo, aplicável segundo o seu artigo 51.o, n.o 1, e, em segundo lugar, o requerente deve ter um «direito ou liberdade» concreto garantido pelo direito da União que possa desencadear a aplicação específica do artigo 47.o, primeiro parágrafo ( 72 ).

197.

Não posso, portanto, deixar de partilhar da opinião do Governo dos Países Baixos segundo a qual, se uma determinada pessoa deseja invocar ela própria o artigo 47.o da Carta para reivindicar um direito processual garantido por essa disposição, essa pessoa deve ter um «direito ou uma liberdade» efetivos garantidos pelo direito da União que essa pessoa pretenda invocar perante um tribunal. É difícil conceber de que forma o artigo 47.o da Carta poderia ser invocado para fazer cumprir um direito individual inexistente.

198.

No entanto, os presentes processos são, em termos estruturais, bastante diferentes. A Carta não é invocada como fonte de direitos individuais para litigantes específicos. Está a ser invocada como um critério de referência objetivo de fiscalização da constitucionalidade quanto ao leque admissível de soluções normativas adotadas por um Estado‑Membro no âmbito das obrigações que lhe incumbem na aplicação do direito da União decorrentes da Decisão MCV e do Ato de Adesão.

199.

As disposições nacionais em causa entraram no alcance do direito da União por constituírem a aplicação nacional, em primeiro lugar, da Decisão MCV e, a título subsidiário, também do Ato de Adesão ( 73 ). Assim, a Carta é aplicável, acompanhando e supervisionando o exercício do poder público nacional sendo aplicada a fim de dar cumprimento às obrigações dos Estados‑Membros da União. Tal não significa, obviamente, que a Decisão MCV ou o Ato de Adesão, mesmo desencadeando a aplicabilidade da Carta nos termos do seu artigo 51.o, n.o 1, seriam a base de um «direito ou uma liberdade» efetivos de particulares.

200.

Mas, dentro desse espaço aberto pela Decisão MCV e pelo Ato de Adesão, a Carta, incluindo o seu artigo 47.o, pode certamente ser utilizada como um critério de referência objetivo e geral de constitucionalidade a nível da União. O papel dos direitos fundamentais como parâmetros objetivos de fiscalização utilizados na fiscalização abstrata da constitucionalidade levada a cabo em vários sistemas jurídicos nacionais está também presente no direito da União. Não só o direito da União pode ser invocado como critério de referência em processos nacionais relativos à fiscalização abstrata das disposições jurídicas nacionais ( 74 ), mas também os direitos consagrados na Carta, que têm o mesmo valor que os Tratados, ao abrigo do artigo 6.o, n.o 1, TUE estão a ser utilizados como parâmetros de fiscalização dos atos e disposições do direito da União ( 75 ), também quando se trata de avaliar o comportamento dos Estados‑Membros nos domínios abrangidos pelo direito da União ( 76 ).

201.

Resumindo, existem, pelo menos, dois tipos de casos em que as disposições da Carta podem ser invocadas. Em primeiro lugar, existe a aplicação clássica, de baixo para cima, de um direito fundamental específico garantido a um determinado particular, espelhando de certa forma o que tem sido tradicionalmente chamada de fiscalização concreta da constitucionalidade. O direito da pessoa X foi infringido nas circunstâncias de um caso específico? Em segundo lugar, existe a apreciação de cima para baixo, abstrata, na medida em que o que se analisa é a compatibilidade de certas soluções legislativas, em grande parte dissociadas de um caso concreto. Uma determinada solução legislativa é compatível com este ou aquele direito fundamental? Isto corresponde a uma fiscalização abstrata da constitucionalidade.

202.

O que está, em substância, a ser pedido nos presentes processos é uma fiscalização abstrata da constitucionalidade a nível da União de duas soluções legislativas nacionais, sendo que o princípio da independência dos juízes decorre, nomeadamente, do direito a um processo equitativo consagrado no segundo parágrafo do artigo 47.o da Carta. Com o direito da União a ser desencadeado e com a aplicabilidade da Carta, nos termos do seu artigo 51.o, n.o 1, a ser acionada pela Decisão MCV e pelo Ato de Adesão, uma vez que todas essas soluções nacionais se inserem claramente no âmbito destes últimos instrumentos, a Carta fornece um critério de referência para essa apreciação. Isto resulta, não necessariamente de quaisquer direitos individuais de pessoas específicas, mas sim do facto de que isso reflete as escolhas legislativas nacionais adotadas no âmbito da aplicação do direito da União.

203.

De qualquer forma, debruçar‑me‑ei a seguir sobre a eventualidade de o Tribunal de Justiça não seguir a minha abordagem e se pronunciar no sentido de que o artigo 47.o da Carta não se aplica nos presentes processos, sendo neste caso aplicável o artigo 19.o TUE, à luz da jurisprudência recente.

b)   Artigo 19.o, n.o 1, TUE

204.

No que respeita ao artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, o Governo polaco insistiu no facto de, diversamente do Acórdão do Tribunal de Justiça proferido no processo Associação Sindical dos Juízes Portugueses ( 77 ), em que o órgão jurisdicional nacional decidiu sobre um recurso de anulação interposto por particulares que alegavam a violação do princípio da independência do poder judicial por certas disposições nacionais, os casos em apreço têm um caráter puramente nacional. É apresentado um argumento semelhante em relação ao artigo 2.o TUE, observando que os princípios gerais decorrentes desta disposição são aplicáveis apenas nos casos em que se aplica o direito da União.

205.

Os argumentos do Governo polaco não podem ser acolhidos.

206.

O artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE obriga os Estados‑Membros a estabelecerem as vias de recurso necessárias para assegurar uma tutela jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo direito da União. O Tribunal de Justiça esclareceu que esta disposição se aplica independentemente da situação em que os Estados‑Membros apliquem esse direito, na aceção do artigo 51.o, n.o 1, da Carta ( 78 ). Consequentemente, o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE é aplicável na circunstância de uma instância nacional poder ser chamada a pronunciar‑se, na qualidade de órgão jurisdicional, sobre questões relativas à aplicação ou à interpretação do direito da União, e, assim, relacionadas com os domínios abrangidos por este direito ( 79 ).

207.

Uma vez que seria bastante difícil encontrar um órgão jurisdicional nacional que não pudesse, por definição, ser chamado a pronunciar‑se em matéria de direito da União ( 80 ), afigura‑se que o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE é ilimitado quer do ponto de vista institucional (no que diz respeito a todos os órgãos jurisdicionais, ou mesmo organismos, que aplicam potencialmente o direito da União) quer substantivo.

208.

No que diz respeito ao seu alcance substantivo, o alcance do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, pelo menos no atual estado da jurisprudência, abrange todas e quaisquer regras e práticas nacionais que possam ter um impacto negativo na obrigação dos Estados‑Membros de estabelecerem vias de recursos efetivas, incluindo a independência e a imparcialidade desses sistemas judiciais. Além disso, o âmbito de aplicação do referido artigo não parece ter limites quantitativos internos. Não existe nenhuma regra de minimis. Assim, não há exclusão com base na área, nem com base na gravidade. Todos e cada um dos aspetos, por insignificantes que sejam, quer da organização, procedimento ou prática judiciais nacionais, são potencialmente abrangidos pelo artigo 19.o, n.o 1, TUE ( 81 ).

209.

Atualmente, a única condição limitativa diz respeito à admissibilidade: é necessário que haja um nexo funcional. A decisão prejudicial solicitada deve ser necessária ao julgamento da causa pelo órgão jurisdicional de reenvio ( 82 ). Por conseguinte, deve existir «entre o referido litígio e as disposições do direito da União cuja interpretação é solicitada um nexo de ligação tal que essa interpretação responda a uma necessidade objetiva para a decisão que o órgão jurisdicional de reenvio tem de tomar» ( 83 ).

210.

Como já foi referido nas presentes conclusões no que respeita à admissibilidade ( 84 ), a decisão da causa nos presentes processos está substancialmente ligada ao artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, sobre o qual as questões submetidas incidem ( 85 ).

211.

Por conseguinte, no que diz respeito ao âmbito de aplicação do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, considero que os presentes processos preenchem deão mesmo tempo o critério da admissibilidade e o critério (inexistente) da competência do Tribunal de Justiça por força do referido artigo. Os processos dizem todos respeito a diferentes elementos do sistema judicial romeno que são geralmente aplicáveis e que, sem dúvida, implicam riscos para a independência do poder judicial considerado considerando no seu conjunto, afetando assim os órgãos jurisdicionais que são suscetíveis de se pronunciar em domínios abrangidos pelo direito da União. Os pedidos foram apresentados no contexto de processos para os quais a resposta do Tribunal de Justiça com base no artigo 19.o, n.o 1, TUE é, com efeito, objetivamente necessária para que o tribunal nacional tome uma decisão.

c)   Artigo 19.o, n.o 1, TUE e os perigos das portas demasiado abertas

212.

Dito isto, nas circunstâncias dos casos em apreço, aconselho o Tribunal de Justiça a não se basear exclusivamente no artigo 19.o, n.o 1, TUE. Na verdade, haveria, na minha opinião, argumentos sólidos para apreciar estes processos com base na Decisão MCV em conjugação com o Ato de Adesão, considerados em conjunto com a Carta, com o artigo 19.o, n.o 1, TUE apenas permanecendo na periferia, por assim dizer, se necessário.

213.

Quanto às normas aplicáveis, esta discussão pode parecer bastante teórica em processos relativos a elementos «estruturais» que afetam a independência do poder judicial. Tais processos estruturais, desde que preencham o requisito da admissibilidade e do nexo de ligação, inserem‑se, em qualquer caso, no âmbito de aplicação do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, como acaba de ser referido. A exigência de independência dos tribunais e imparcialidade dos juízes é, afinal, um elemento essencial do princípio da tutela jurisdicional efetiva consagrado tanto no segundo parágrafo do n.o 1 do artigo 19.o do TUE, como no artigo 47.o da Carta. Além disso, a jurisprudência recente mostra que o conteúdo do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE coincide com as garantias exigidas pelo artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta, pelo menos no que diz expressamente respeito aos elementos de independência e imparcialidade do poder judicial ( 86 ). Este princípio é, por sua vez, essencial para a proteção do conjunto de direitos concedidos pelo direito da União, bem como para a preservação dos valores enunciados no artigo 2.o TUE, nomeadamente o valor do Estado de Direito ( 87 ).

214.

Existem, contudo, elementos no contexto dos presentes processos, bem como as consequências práticas de invocar exclusivamente o artigo 19.o, n.o 1, TUE, que merecem ser sublinhados.

215.

O primeiro e mais importante é que os Estados‑Membros encontram‑se, no âmbito do MCV, numa posição específica, caracterizada pela sua submissão a um quadro jurídico bastante rebuscado e detalhado, especialmente no que diz respeito aos seus compromissos relativos à organização eficaz do sistema judiciário e ao combate à corrupção. Essa posição específica significa que existe uma ampla base jurídica, tanto primária como secundária, para examinar quaisquer aspetos da sua estrutura judicial, desde que se possa dizer que está diretamente relacionada com os critérios de referência e condições estabelecidos na Decisão MCV e no Ato de Adesão.

216.

Em segundo lugar, de modo semelhante, a Carta é um instrumento muito mais elaborado e detalhado do que o artigo 19.o, n.o 1, TUE. O artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta é dotado de um conteúdo sólido que se refere expressamente à independência dos tribunais. Esse conteúdo jurídico é ainda reforçado pela ligação vinculativa à proteção concedida pela Convenção Europeia dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»), uma vez que, segundo o artigo 52.o, n.o 3, da Carta, o artigo 47.o deve garantir um nível de proteção que não viola o garantido nos artigos 6.o e 13.o da CEDH ( 88 ). Além disso, o papel crucial do artigo 47.o da Carta no que respeita ao requisito de independência do poder judicial é confirmado pela jurisprudência recente, segundo a qual o conteúdo normativo do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE é identificado por referência a essa disposição. Acresce que, do ponto de vista dos seus efeitos jurídicos, a jurisprudência confirmou que o artigo 47.o da Carta é dotado de efeito direto ( 89 ).

217.

Consequentemente, parece‑me um desvio desnecessário insistir no artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE como principal, ou mesmo único, objetivo de referência para uma análise que acabará por conduzir à aplicação das normas do artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta num caso em que tal disposição seja, de qualquer forma, aplicável por si só.

218.

É certo que a utilização do artigo 19.o, n.o 1, TUE pelo Tribunal de Justiça num passado recente levou a concluir, por razões de economia processual, que o exame do artigo 47.o da Carta é desnecessário ( 90 ). Isso é, a meu ver, bastante compreensível quando se trata de processos relativos a medidas transversais e horizontais que irão, por definição, afetar o funcionamento dos tribunais nacionais ao abrigo do direito da União ( 91 ).

219.

Contudo, diversamente da situação no Acórdão Associação Sindical dos Juízes Portugueses, a análise da aplicabilidade do artigo 47.o da Carta afigura‑se inevitável nos presentes processos. Por um lado, os casos em apreço incluem uma questão sobre um aspeto específico do artigo 47.o da Carta, nomeadamente o direito a um processo equitativo, através do julgamento da causa num prazo razoável ( 92 ). Isto torna inevitável a apreciação da aplicabilidade do artigo 47.o da Carta aos presentes processos. Por outro lado, a análise exigida pelas questões submetidas relativas à natureza, ao âmbito de aplicação e aos efeitos jurídicos do MCV no que diz respeito às disposições nacionais em questão constitui desde logo uma base sólida para a confirmação de que a Carta é aplicável aos presentes processos ( 93 ).

220.

Por estas razões, no contexto dos presentes processos, a economia processual milita antes no sentido de basear a análise no quadro jurídico mais específico e sólido — o da Decisão MCV e do artigo 47.o da Carta. Com efeito, conforme exemplificado pela jurisprudência recente, quando uma conclusão positiva sobre a aplicabilidade da Carta é inevitável, o artigo 47.o da Carta deve ser o critério de referência relevante, sendo, portanto, desnecessário efetuar uma análise separada com base nos artigos 2.o e 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE ( 94 ).

221.

Em terceiro e último lugar, além do duplo argumento da lex specialis, que torna desnecessária a invocação (exclusiva) de algo muito mais geral e básico, há a questão geral de saber se o caminho que parece ser o mais fácil é efetivamente o mais seguro de percorrer, especialmente se o que se afigura como sendo o caminho mais fácil, não for muito bem traçado.

222.

O alcance que se afigura atualmente ilimitado, do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE é não só o ponto forte desta disposição como também o seu ponto mais fraco. Estará o Tribunal de Justiça disposto, no futuro, a fiscalizar quaisquer questões ou elementos levados ao seu conhecimento pelos seus homólogos nacionais, alegando que este ou aquele elemento da estrutura ou procedimento judicial nacional poderia, certamente na sua visão subjetiva, suscitar problemas em termos do grau de independência judicial que considerem adequado? O número de questões é infinito: desde o nível de autonomia administrativa e judicial desejado; até ao regime de atribuição de processos num sistema nacional; e à questão da não promoção de certos juízes a presidentes de secções; ou, às questões favoritas desde sempre que se prendem com os salários judiciais, majorações, gratificações, e subsídios de Natal. Devem todos estes elementos ser redigidos apenas em termos «estruturais», a fim de serem abrangidos pelo artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE ( 95 )? É certamente possível. Trata‑se simplesmente de formular adequadamente a questão. Ou também é admissível uma «autodefesa judicial» individual ( 96 ) contra uma medida específica ou mesmo contra um presidente problemático de um tribunal? Em caso negativo, então exatamente de que forma é que se pode estabelecer essa deficiência estrutural, tendo em conta o facto de o Tribunal de Justiça ter previamente dissociado quaisquer mecanismos formalizados, como é o caso do procedimento do Artigo 7.o TUE ( 97 ), no sentido de deixarem de constituir uma condição necessária para a verificação de uma falha (sistémica) no caso concreto?

223.

É bastante provável que o Tribunal de Justiça tenha de voltar a analisar o alcance ilimitado do artigo 19.o, n.o 1, TUE, desta vez talvez com um olhar mais restritivo. Mas isto apenas enfatiza a verdadeira natureza do artigo 19.o, n.o 1, TUE, que deveria continuar a ser um instrumento extraordinário para situações extraordinárias. Em contrapartida, o MCV possibilitou expressamente uma ampla gama de questões (talvez nem todas tão extraordinárias) relativas a aspetos que se prendem com a eficácia do processo judicial e a independência dos juízes, certamente no contexto do combate à corrupção.

224.

Neste contexto, basear‑se principalmente na Decisão MCV e na Carta proporciona uma base sólida para um conter em consideração de modo detalhado todas estas questões, respeitando simultaneamente a igualdade dos Estados‑Membros perante os Tratados. Certamente, todos os Estados‑Membros devem respeitar as suas obrigações decorrentes do Artigo 19.o, n.o 1, TUE. Porém, alguns de entre eles são sujeitos a regras muito mais detalhadas e exigentes do MCV devido às suas condições específicas de adesão. Acredita‑se que a injustiça surge não só quando situações comparáveis são tratadas de forma diferente, mas também quando situações objetivamente diferentes são tratadas de forma semelhante ( 98 ). Os Estados‑Membros sujeitos ao MCV simplesmente não se encontram na mesma situação objetiva que os restantes Estados‑Membros.

225.

Por último, por uma questão de exaustividade, acrescentaria que, por razões semelhantes às que acabam de ser apresentadas no que diz respeito à articulação entre o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE e a Carta, não se afigura necessário efetuar uma análise separada do artigo 2.o TUE. O Estado de Direito constitui um dos valores em que se funda a União, pelo que é salvaguardado através da garantia do direito a uma tutela jurisdicional efetiva e do direito fundamental a um processo equitativo, que por sua vez tem como uma das suas componentes inerentes essenciais o princípio da independência dos tribunais ( 99 ). O artigo 47.o da Carta, bem como o artigo 19.o TUE, conferem assim uma expressão mais precisa ao valor do Estado de Direito consagrado no artigo 2.o TUE ( 100 ).

3.   Critérios e natureza da apreciação

226.

Tendo a Decisão MCV, juntamente com o artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta, possivelmente em conjugação com o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, sido identificada como o quadro jurídico pertinente nos presentes processos, ainda estão por esclarecer os elementos substantivos decorrentes das disposições que devem servir de critérios de referência, bem como a natureza da apreciação das disposições nacionais em questão.

a)   Os critérios de referência: os aspetos externos da independência judicial e a teoria das aparências

227.

A organização interna do sistema judiciário, incluindo as disposições institucionais para a instituição de órgãos disciplinares para juízes e respetivos procedimentos, é da competência dos Estados‑Membros, em conformidade com o princípio predefinido da autonomia institucional. Isto também se aplica a um Estado‑Membro sujeito ao MCV.

228.

No entanto, a Roménia é obrigada a cumprir as suas obrigações nos termos da Decisão MCV, especialmente no que respeita à realização dos primeiro, terceiro e quarto objetivos de referência do anexo a essa decisão, para garantir processos judiciais mais transparentes e eficazes, para conduzir investigações relativas a alegações de corrupção de alto nível, e para tomar medidas para prevenir e combater a corrupção.

229.

Ao estruturar as suas instituições e procedimentos judiciais de modo a cumprir esses objetivos, esse Estado‑Membro é além disso obrigado a respeitar as suas obrigações de direito da União decorrentes do artigo 47.o da Carta, cujo âmbito de aplicação e conteúdo devem ser interpretados à luz do artigo 6.o, n.o 1, da CEDH, bem como do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE ( 101 ).

230.

O princípio da independência do poder judicial não impõe aos Estados‑Membros um determinado modelo constitucional que regule as relações e a interação entre os diferentes poderes estatais ( 102 ), desde que, é claro, seja mantida alguma separação básica de poderes, característica do Estado de Direito ( 103 ). Não existe um modelo ou sistema válido preconcebido ou singular, mas ao invés, uma variedade de sistemas e estruturas. A jurisprudência procura antes identificar os requisitos mínimos a que os sistemas nacionais devem obedecer. Estes requisitos são relativos a aspetos internos e externos da independência do poder judicial, bem como à exigência de imparcialidade que resulta da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (a seguir «TEDH»).

231.

É, especialmente, o elemento externo da independência do poder judicial, intimamente ligado à exigência de imparcialidade, que requer «que a instância em causa exerça as suas funções com total autonomia, sem estar submetida a nenhum vínculo hierárquico ou de subordinação em relação a nenhuma entidade e sem receber ordens ou instruções de nenhuma proveniência, estando assim protegida contra intervenções ou pressões externas suscetíveis de afetar a independência de julgamento dos seus membros e influenciar as suas decisões» ( 104 ). Tal inclui não apenas a influência direta, sob a forma de instruções, mas também «as formas de influência mais indireta suscetíveis de orientar as decisões dos juízes em causa» ( 105 ).

232.

Como o Tribunal de Justiça observou, recordando a jurisprudência do TEDH relativa ao artigo 6.o, n.o 1, da CEDH, para determinar o elemento de «independência», alguns dos elementos relevantes a considerar são, designadamente, o método de nomeação e a duração do mandato dos juízes, a existência de proteção contra pressões externas, bem como a questão de saber se o órgão em causa tem uma «aparência de independência», uma vez que o que está em causa é a própria confiança que qualquer tribunal deve inspirar aos particulares numa sociedade democrática ( 106 ). As aparências são também um elemento importante na apreciação objetiva da imparcialidade que consiste em perguntar se, independentemente da conduta pessoal do juiz, determinados factos verificáveis permitem suspeitar da sua imparcialidade ( 107 ).

233.

O aspeto externo da independência do poder judicial, associado à teoria das aparências, constitui assim a base para a apreciação, que é efetivamente uma fiscalização abstrata, da compatibilidade dos modelos judiciais nacionais escolhidos com esses requisitos. Este tipo de exame gira frequentemente em torno da questão de saber se existem salvaguardas adequadas integradas num sistema, o que impede, pelo menos em grau razoável, que sejam exercidas pressões externas e influências políticas.

234.

No entanto, a natureza bastante vaga de tais critérios de referência, juntamente com a natureza abstrata da fiscalização de compatibilidade a ser realizada, exigem clareza sobre o que deve ser exatamente analisado, com que grau de detalhe, e com base em que tipos de argumentos, um aspeto sobre a qual me irei debruçar a seguir.

b)   A natureza da avaliação: o que deve ser determinado

235.

Em primeiro lugar, é necessário haver clareza quanto ao tipo de processo submetido ao Tribunal de Justiça. Um primeiro esclarecimento diz, portanto, respeito à diferenciação entre dois eventuais tipos de processos em que podem surgir questões relativas à independência do poder judicial.

236.

Por um lado, uma questão de independência do poder judicial pode ser suscitada por um particular, como uma questão incidental que surge numa situação tipicamente relativa à violação de direitos protegidos pelo direito da União num caso individual. Em tal caso, deficiências na independência do poder judicial podem dar origem a uma violação dos direitos consagrados no artigo 47.o da Carta. Tal situação pode sugerir uma natureza disfuncional geral das regras ( 108 ) mas pode também dizer respeito a uma falha individual num sistema, de resto, funcional.

237.

Por outro lado, há também casos que dizem respeito à avaliação estrutural de diferentes elementos de um sistema judicial. Tal apreciação incide, no essencial, sobre a compatibilidade de certas soluções legislativas adotadas nos Estados‑Membros com os requisitos do direito da União. Esta situação pode surgir, como é aqui o caso, quando o processo principal tem por objeto alegadas deficiências num sistema judicial, mas que não estão (todas) necessariamente ligadas a um caso concreto de violação do direito subjetivo a um processo equitativo. Numa tal situação, a análise exige uma avaliação abstrata da compatibilidade desse sistema com os parâmetros do direito da União ( 109 ).

238.

Esta segunda situação surgiu recentemente perante o Tribunal de Justiça, sob a forma de ações por incumprimento ( 110 ). Verificou‑se também em processos em que, devido à inexistência de um nexo de ligação com a questão de fundo a ser tratada pelo órgão jurisdicional de reenvio no processo principal, a ação acabou por ser declarada inadmissível ( 111 ). Contudo, é reconhecidamente verdade que, no passado, houve processos em que tal fiscalização abstrata de elementos estruturais constituiu o núcleo do processo principal, para o qual foi considerada necessária uma resposta por parte do Tribunal de Justiça ( 112 ).

239.

Este último tipo de casos de fiscalização abstrata da compatibilidade de certas soluções institucionais ou processuais nacionais com os requisitos do direito da União é certamente possível no âmbito do MCV. Conforme anteriormente explicado em pormenor ( 113 ), este mecanismo permite uma fiscalização abstrata de certos modelos adotados pela Roménia, sem que haja necessariamente uma alegada violação de um direito subjetivo que emana do direito da União em cada caso específico. Ora a este respeito resta ver qual é exatamente a situação no presente ao abrigo do artigo 19.o, n.o 1, TUE depois de a Grande Secção se ter recentemente pronunciado no Acórdão Miasto Łowicz ( 114 ).

240.

O que talvez possa ser de valor transversal para efeitos dos presentes processos, bem como para outras eventuais questões relativas ao grau adequado de independência do poder judicial nos Estados‑Membros, é esclarecer que tipos de argumentos devem ser invocados no âmbito deste tipo de fiscalização abstrata, seja ao abrigo da Decisão MCV e da Carta, ou mesmo ao abrigo do artigo 19.o, n.o 1, TUE. A este respeito, distinguiria três cenários diferentes.

241.

Em primeiro lugar, a configuração institucional ou processual, já considerada de forma geral e abstrata, é problemática. O próprio «projeto matriz», considerado por si só, e mesmo sem quaisquer exemplos específicos da sua aplicação, afigura‑se errado. Seria suscetível de utilização indevida, porquanto resulta claro que não pode garantir o grau adequado de independência externa ou cumprir os requisitos da teoria das aparências, conforme exigido pelo artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta, ou pelo artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE. Esta primeira opção pode ser chamada de «avaliação apenas no papel».

242.

Em segundo lugar, existe a situação em que o compromisso institucional talvez não seja problemático em si mesma, mas há argumentos claros, ou mesmo provas produzidas em tribunal, ou neste Tribunal de Justiça, que demonstram que tais problemas ou o potencial para utilização indevida existem na prática. Isto pode acontecer em dois cenários: por um lado, o projeto matriz surge no contexto de outros projetos matriz. Este será o caso quando uma regra nacional, quando considerada isoladamente e no papel, não parece ser problemática, mas se torna extremamente problemática quando conjugada com outras regras dentro desse sistema. Por outro lado, os defeitos de um determinado modelo podem não ser visíveis necessariamente no papel mas sim na sua aplicação efetiva. Assim, o tema comum do segundo cenário vai além da esfera do simples projeto, ao analisar «teorias combinados» ou a «teoria posta em prática».

243.

Em terceiro lugar, pode também haver uma situação em que o acordo institucional, tal como equacionado «no papel», parece cumprir os requisitos legais do artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta, ou do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE. Há, no entanto, indícios de que, num ambiente específico e em conjugação com um contexto jurídico e institucional particular um Estado‑Membro, um modelo, de resto, sólido esteja, com efeito, a ser utilizado indevidamente. Este cenário, que é efetivamente o mais problemático para a avaliação a que procede qualquer tribunal internacional ou outra instituição internacional, com efeito, refere‑se, «unicamente à prática», ou infelizmente mais propriamente ao facto de que «no papel, não tem valor».

244.

É necessário salientar que, no segundo e terceiro cenários, o contexto nacional e a aplicação real são de particular relevância sob dois aspetos. Em primeiro lugar, as disposições em causa devem ser analisadas no contexto do panorama institucional de um Estado‑Membro. É, portanto, necessário considerar, na medida do possível, o contexto institucional e estrutural global e a forma como as regras em questão interagem com outros conjuntos de regras conexas. Com efeito, ainda que uma determinada disposição seja tida como correta quando considerada isoladamente, poderá ser altamente problemática quando considerada em conjugação com outros elementos relevantes do sistema ( 115 ).

245.

Em segundo lugar, existe, é claro, o aspeto delicado da verificação das afirmações relativas aplicação real e da prática nacional real que se baseia nos autos e nos argumentos apresentados ao Tribunal de Justiça. Certamente é possível e necessário ter em conta a prática nacional. Com efeito, a jurisprudência do Tribunal de Justiça confirmou repetidas vezes que o que se considera geralmente pertinente para uma análise da compatibilidade com o direito da União não é apenas o direito nacional enquanto tal, mas também a jurisprudência e a prática ( 116 ).

246.

No entanto, se tais circunstâncias contextuais e baseadas na prática forem invocadas em tribunal, e especialmente no Tribunal de Justiça, devem ser devidamente explicadas, demonstradas e discutidas, quer pelo órgão jurisdicional nacional, quer pelas partes e intervenientes no Tribunal de Justiça. Por outras palavras, caso se afirme que um determinado sistema ou acordo institucional opera, na realidade, de uma forma diferente da indicada na «lei no papel» é necessário que estes argumentos sejam devidamente demonstrados de forma razoável.

247.

Quero insistir no grau «razoável». Por um lado, seria completamente absurdo pedir a um órgão jurisdicional nacional, que por exemplo insinua no seu despacho de reenvio que o regime nacional de processos disciplinares está a ser indevidamente utilizado para exercer pressão política sobre os juízes, que forneça estatísticas exaustivas sobre todos os processos disciplinares que correm os seus trâmites nesse Estado‑Membro, bem como provas documentais sobre a forma exata como essa pressão está a ser exercida e de que modo exatamente influencia a tomada de decisões judiciais em casos concretos. Por outro lado, seria também problemático apenas insinuar qual o modelo nacional e sugerir, em abstrato, que, a menos que esse modelo seja substituído por um modelo diferente, o mesmo poderia ser utilizado indevidamente.

248.

Tudo pode ser utilizado indevidamente. A simples potencial utilização indevida não é argumento suficiente para abolir toda uma estrutura ou um modelo. Também não é proibida a utilização de facas ou de carros, embora, em mãos menos responsáveis, possam ser utilizados com propósito diferentes dos de cortar pão ou conduzir para o trabalho. Assim, mesmo na esfera da independência externa do poder judicial e das aparências, deve haver algum argumento convincente apresentado ao Tribunal de Justiça sobre a forma concreta e específica como um determinado modelo é suscetível de ser indevidamente utilizado ou, certamente, exemplos ilustrativos de como isso já está a ser feito na prática, constituindo assim um problema estrutural.

C. Apreciação das disposições nacionais em causa

249.

Visto este detalhado roteiro, passarei agora finalmente à apreciação das duas questões institucionais controvertidas. Começarei com uma visão geral do contexto jurídico nacional (1). Apreciarei então as questões relativas à nomeação da direção da Inspeção Judicial submetidas no Processo C‑83/19 (2), antes de abordar as questões submetidas nos processos C‑127/19, C‑195/19, C‑291/19 e C‑355/19, que dizem respeito à instituição da SIIJ (3).

1.   Contexto geral

250.

Os presentes processos são relativos a diferentes elementos das chamadas Leis sobre a Justiça: Lei n.o 303/2004 Relativa ao Estatuto dos Juízes e dos Procuradores; Lei n.o 304/2004 Relativa à Organização Judicial e Lei n.o 317/2004 Relativa ao CSM. Estas leis foram adotadas no âmbito das negociações para a adesão da Roménia à União Europeia com o objetivo de aumentar a independência e a eficácia do aparelho judicial ( 117 ).

251.

Estas leis e as suas alterações subsequentes foram acompanhadas de perto ao abrigo do MCV após a adesão. Com base nestas leis e nas referidas alterações, a Comissão apresentou periodicamente relatórios sobre os progressos da Roménia no que respeita à independência e ao funcionamento eficaz do aparelho judicial, bem como sobre os progressos realizados na luta contra a corrupção. Estes progressos levaram a Comissão a estabelecer algumas recomendações finais no seu relatório MCV de 2017, o que podia ter levado a pôr fim ao MCV ( 118 ). Contudo, os progressos foram revertidos no período de 2017 a 2018, todas as Leis sobre a Justiça foram alteradas por diferentes leis ( 119 ), adotadas pelo Parlamento através de um procedimento com tramitação acelerada, o que implicou um debate limitado nas duas câmaras do Parlamento ( 120 ). Estas leis foram adotadas no meio de uma grande controvérsia política e de protestos públicos ( 121 ). Posteriormente, entre setembro de 2018 e março de 2019, o Governo romeno adotou cinco decretos urgentes que alteraram e aditaram novas disposições às Leis sobre a Justiça ( 122 ).

252.

As alterações incluem outros elementos que não são objeto dos presentes processos, tais como um novo regime de reforma antecipada, restrições à liberdade de expressão dos juízes e motivos alargados para a destituição de membros do CSM ( 123 ). Introduziram também as alterações que constituem a base dos processos submetidos ao Tribunal de Justiça, tais como o procedimento para a nomeação provisória da direção da Inspeção Judicial e a instituição da SIIJ, bem como alterações às disposições sobre a responsabilidade material dos juízes, que analiso numas Conclusões apresentadas separadamente no Processo C‑397/19.

253.

Essas alterações foram avaliadas negativamente nos relatórios MCV de 2018 e 2019. Algumas delas também foram mencionadas em relatórios de vários organismos internacionais, nomeadamente a Comissão de Veneza ( 124 ), e o GRECO ( 125 ), que alertaram para os riscos que esses elementos poderiam apresentar, nomeadamente o de prejudicar a independência, bem como a eficácia e a qualidade do aparelho judicial. A Comissão de Veneza também mostrou preocupação no que diz respeito ao uso generalizado de decretos urgentes ( 126 ).

254.

Uma característica comum importante que merece ser mencionada como uma questão de contexto geral é o papel proeminente dos decretos urgentes adotados pelo Governo romeno a fim de alterar aspetos importantes das várias Leis sobre a Justiça. A questão de saber se tal utilização de um instrumento, pelo menos à primeira vista extraordinário, é ou não admissível ao abrigo do direito constitucional nacional não é da competência do Tribunal de Justiça mas sim do órgão ou órgãos jurisdicionais nacionais.

255.

No entanto, o facto de, tal como reconhecido pelo Governo romeno na audiência, a técnica legislativa dos decretos urgentes ter sido utilizada extensivamente na esfera da reforma judicial, sem que haja sempre uma justificação clara para essa prática em termos de urgência, constitui um elemento importante no contexto global. As leis que é suposto estruturalmente regerem o terceiro poder no Estado deveriam, num sistema que respeite a verdadeira separação de poderes, ser adotadas apenas após a devida reflexão e deliberação, dando voz a todos os órgãos legislativos e judiciais competentes que normalmente estão envolvidos na elaboração de legislação. Em fim de contas, essas leis deveriam, idealmente, ser mais do que efémeras.

256.

Resumindo, o facto de «reger o aparelho judicial mediante decretos urgentes», embora não constitua em si uma violação do direito da União, fornece certamente um importante elemento contextual que deveria ser tido em conta na apreciação das disposições nacionais em causa.

2.   Nomeação provisória da direção da Inspeção Judicial

a)   O despacho de reenvio e a posição das partes

257.

O despacho de reenvio exprime várias preocupações relativas ao procedimento jurídico e às circunstâncias contextuais da adoção do Decreto urgente n.o 77/2018, bem como às suas consequências.

258.

Em primeiro lugar, verifica‑se que o decreto urgente não tem como efeito colmatar uma pretensa «lacuna legislativa», como se indica no preâmbulo do decreto, mas antes privar o CSM de uma das atribuições que decorrem do seu papel constitucional de garante da independência do poder judicial. Além disso, o referido decreto torna possível exercer um cargo de direção indefinidamente, mediante a prorrogação automática, por efeito indiferenciado da lei, de um mandato que termina, por efeito sem que o CSM tenha qualquer possibilidade de exercer o poder de apreciação que faz parte da essência do seu papel constitucional.

259.

Em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio explica que, por força do artigo 133.o, n.o 1, da Constituição romena, o CSM é responsável pela salvaguarda da independência judicial. Sugere‑se ainda que a solução adotada pela Decreto urgente n.o 77/2018 constitui uma exceção injustificada à regra geral das nomeações provisórias que consistem na delegação de uma pessoa num cargo de direção, interferindo, portanto, nas competências do CSM.

260.

Perante o Tribunal de Justiça, a Associação Fórum dos Juízes alegou, em consonância com os argumentos já anteriormente formulados no órgão jurisdicional de reenvio e por este confirmados, que o Decreto urgente n.o 77/2018 tem o efeito de privar o CSM de uma das suas atribuições que decorrem do seu papel constitucional de garante da independência do poder judicial. Na audiência, a demandante esclareceu também que o sistema de delegação tinha sido utilizado no passado para o cargo de inspetor‑chefe da Inspeção Judicial. Além disso, a adoção de regras relativas ao estatuto dos juízes e dos procuradores, incluindo a organização e funcionamento da Inspeção Judicial, exige um parecer do CSM. Nenhum parecer foi solicitado no que diz respeito ao decreto urgente em questão.

261.

Os Governos dos Países Baixos e da Suécia estão de acordo no sentido de que os processos disciplinares aplicáveis aos juízes, incluindo o procedimento para nomeação da Inspeção Judicial, devem respeitar o princípio da independência do poder judicial, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça e do TEDH. O Governo dos Países Baixos observa que o Decreto urgente n.o 77/2018, conforme descrito pelo despacho de reenvio, não parece respeitar esse princípio. O Governo sueco observa que compete ao órgão jurisdicional nacional proceder a essa apreciação.

262.

A Comissão alegou na audiência que uma intervenção do Governo romeno na nomeação da direção da Inspeção Judicial é suscetível de suscitar dúvidas quanto às garantias de independência da justiça, tendo em conta, especialmente, que a competência para tal nomeação pertence ao CSM. Existem, portanto, indícios de violação do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE.

263.

O Governo romeno alegou na audiência que o artigo 19.o TUE se opõe às disposições nacionais segundo as quais a direção da Inspeção Judicial é nomeada, mesmo ad interim, por meio de um despacho urgente, na medida em que isso pode dar a impressão de influência política ou pressões políticas. O referido governo não contesta a urgência, mas afirma que não podia ter sido utilizada a possibilidade de delegação prevista no artigo 57.o da Lei n.o 303/2004, por se tratar exclusivamente de delegação no âmbito dos tribunais e do Ministério Público. O atual Governo romeno afirma, no entanto, que o governo anterior podia ter adotado outro mecanismo para evitar o bloqueio institucional, por exemplo, através de uma nomeação provisória a curto prazo, incluindo o CSM no procedimento.

264.

Pelo contrário, a Inspeção Judicial alegou que, conforme indica o preâmbulo desse instrumento, a medida encontra a sua razão de ser na situação criada pelo facto de o mandato da direção anterior ter expirado em 1 de setembro de 2018 sem que tenha sido organizado um novo concurso pelo órgão competente. Além disso, o mesmo diploma prevê que só podem ser nomeadas pessoas que já tenham sido aprovadas no concurso e que já tenham exercido as funções de inspetor‑chefe e inspetor‑chefe-adjunto. Por fim, uma vez que o concurso foi de facto organizado pelo SCM, o mesmo inspetor‑chefe obteve a vaga com excelente classificação.

b)   Análise

265.

Nem o artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta, nem o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE impõem um modelo específico no que respeita à organização dos sistemas disciplinares para. No entanto, a exigência de independência impõe que as regras que regem o regime disciplinar dos juízes «apresentem as garantias necessárias para evitar qualquer risco de utilização desse regime enquanto sistema de controlo político do conteúdo das decisões judiciais» ( 127 ). Por esse motivo, o Tribunal de Justiça identificou a intervenção de um órgão independente e o estabelecimento de um processo que garanta plenamente os direitos consagrados nos artigos 47.o e 48.o da Carta, designadamente os direitos de defesa, como garantias essenciais para efeitos de preservação da independência judicial ( 128 ). Esta afirmação significa inequivocamente que as normas dos artigos 47.o e 48.o da Carta se aplicam aos processos disciplinares instaurados contra magistrados ( 129 ).

266.

Há que constatar que estas normas se aplicam aos próprios órgãos disciplinares (normalmente a câmara disciplinar que decide sobre a infração disciplinar), e não à entidade que apresenta o pedido (designadamente o «procurador disciplinar»). A Inspeção Judicial não está investida de autoridade para tomar a decisão final quanto existência de uma infração disciplinar. Tal é reservado à secção competente do CSM, que é o órgão disciplinar.

267.

No entanto, a Inspeção Judicial, conforme esclarecido pelo Governo romeno na audiência e assinalado pela demandante, desempenha um papel crucial no âmbito do processo disciplinar. Procede à abertura de um inquérito relativo a verificações preliminares com base no qual decide se deve ou não instaurar uma ação disciplinar na secção competente do CSM para proferir uma decisão ( 130 ). Tem também importantes funções na instauração dos processos que conduzem à determinação de um erro judicial ( 131 ). Acrescente‑se que, tal como explicado pelo órgão jurisdicional de reenvio, o inspetor‑chefe tem poderes‑chave que também foram reforçados por alterações recentes ( 132 ): nomeia os inspetores com cargos de direção; gere a atividade da inspeção e os procedimentos disciplinares; organiza a atribuição dos processos; define as áreas específicas de atividade em que são exercidas ações de fiscalização; é o principal emissor de instruções e tem a capacidade de instaurar ele próprio um processo disciplinar.

268.

Neste contexto, é bastante claro que tais poderes de abertura de inquéritos e de «desencadear» processos disciplinares já são suscetíveis, independentemente das garantias oferecidas pelo órgão que profere a decisão final sobre o processo disciplinar, de exercer pressão sobre as pessoas que têm a função de dirimir o litígio ( 133 ). É a fortiori o caso quando os poderes para iniciar uma investigação e instaurar uma ação disciplinar parecem ser confiados a uma instituição que, de facto, é especializada na inspeção e investigação de juízes.

269.

Por essa razão, o órgão encarregado de instaurar procedimentos disciplinares, como é o caso da Inspeção Judicial, deve demonstrar pelo menos algum grau de independência operacional e investigativa. Mais uma vez, o nível de independência esperado não pode certamente ser o exigido aos próprios órgãos disciplinares. Contudo, tendo em conta tanto o papel da Inspeção Judicial no seio do CSM como os poderes do inspetor‑chefe, o procedimento para a nomeação para esse cargo não pode ser suscetível de suscitar preocupações sobre os poderes e funções desse órgão a serem utilizados como instrumento para exercer controlo político e pressão sobre a atividade judicial.

270.

De que modo uma regra que prevê um sistema de nomeação provisória que consiste na extensão do mandato do titular se encaixa neste quadro? Vista em abstrato e separada de qualquer contexto, tal regra dificilmente poderia ser considerada contrária, per se, aos requisitos de independência do poder judicial impostos pelo direito da União.

271.

Em primeiro lugar, nem todos os casos de participação do poder executivo na nomeação para cargos no aparelho judicial dão automaticamente origem a uma relação de subordinação que viola o princípio da independência, se existirem garantias de que os nomeados não estarão sujeitos a nenhuma pressão nem receberão instruções no exercício das suas funções após a nomeação ( 134 ). Antes pelo contrário, na realidade: a separação de poderes opera nos dois sentidos.

272.

Esta conclusão aplica‑se igualmente, a meu ver, à nomeação para cargos de direção de um órgão como a Inspeção Judicial. Neste contexto, tal como alega a Inspeção Judicial, o Governo romeno não nomeou diretamente o inspetor‑chefe da Inspeção Judicial por decisão individual. O Decreto urgente n.o 77/2018 regulamenta um procedimento para assegurar a direção provisória da Inspeção Judicial.

273.

Em segundo lugar, o artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta tão pouco se opõe, em princípio, a um sistema em que a direção provisória de um órgão como a Inspeção Judicial seja assegurada pelo inspetor‑chefe e inspetores‑chefes-adjuntos em exercício até que uma nova direção seja nomeada através dos procedimentos normais. Conforme também alegado pela Inspeção Judicial, tal pode, com efeito, assegurar que os ocupantes do cargo provisório já tenham sido aprovados no concurso previsto por lei e possuam experiência no exercício da função. Um tal sistema pode efetivamente ser necessário e está presente em diversas ordens jurídicas no que diz respeito a certos cargos‑chave, incluindo nomeações judiciais ( 135 ).

274.

No entanto, aqui o problema não reside nos detalhes, mas no contexto. Os dois elementos aparentemente não problemáticos que acabam de ser mencionados perdem rapidamente o seu caráter isento de controvérsia quando se analisa o regime específico para a nomeação provisória da direção da Inspeção Judicial, tal como previsto no Decreto de Emergência n.o 77/2018, e o resultado específico que alcançou no caso concreto.

275.

Em conformidade com o artigo II desse decreto, o regime de nomeação provisória é também aplicável na situação em que o cargo de direção da Inspeção Judicial esteja vago na data em que o decreto urgente entra em vigor, o que foi precisamente o caso quando o Decreto urgente n.o 77/2018 foi adotado ( 136 ). Em termos práticos, isto significa que a regra introduzida por um decreto urgente, sem consultar o órgão que normalmente deveria ser consultado sobre tal nomeação, não se destina apenas a assegurar a continuidade no cargo mas o seu efeito prático é a reintegração ex post facto em funções de uma pessoa cujo mandato já expirou, através de um procedimento diferente daquele que foi concebido por lei, bem como contornar os agentes que normalmente estão envolvidos nesse procedimento.

276.

Esse elemento contextual e de funcionamento prático de uma regra aparentemente neutra é, por si só, suficiente para concluir que o sistema de nomeação provisória da direção da Inspeção Judicial estabelecido pelo Decreto urgente n.o 77/2018 pode suscitar dúvidas quanto ao interesse do Governo romeno em nomear uma determinada pessoa para chefiar o órgão responsável pelos processos disciplinares contra magistrados. Por conseguinte, tal sistema não parece conter garantias adequadas para dissipar dúvidas razoáveis no espírito dos indivíduos quanto à impermeabilidade dos órgãos judiciais a fatores externos e à sua neutralidade no que diz respeito aos interesses sobre os quais se pronunciam.

277.

Na minha opinião, a análise pode e deve realmente ficar por aqui. O órgão jurisdicional de reenvio e, sobretudo, as partes (nacionais) no presente processo, apresentaram outros argumentos contextuais, relativos não só às questões da divisão (nacional) de competências, mas também aos indivíduos e às entidades envolvidas e aos seus alegados interesses particulares. Não creio que seja necessário nem adequado que o Tribunal de Justiça tenha em conta qualquer um destes outros elementos contextuais, visto que o argumento que acaba de ser apresentado é por si só claro e conclusivo.

278.

Resumindo, é razoável uma regra neutra estabelecida ex ante, que, em nome da continuidade das instituições, estabeleça que uma pessoa manter‑se‑á em funções até que seja devidamente nomeado um sucessor. Já o uso de tal regra aparentemente neutra, cujo único efeito é a reintegração de uma determinada pessoa num cargo após o termo do seu mandato, em contravenção aos procedimentos normais de nomeação, nem é acertado nem é razoável.

c)   Conclusão provisória

279.

Por conseguinte, sugiro que a resposta à terceira questão no processo C‑83/19 deveria ser a seguinte: o artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta, bem como o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, devem ser interpretados no sentido de que se opõem às disposições nacionais segundo as quais o governo adota, em derrogação das normas jurídicas normalmente aplicáveis, um sistema de nomeação provisória para cargos de direção do órgão encarregado de levar a cabo investigações disciplinares no âmbito do sistema judiciário, que têm por efeito prático a reintegração em funções de uma pessoa cujo mandato já tenha expirado.

3.   SIIJ

a)   Os despachos de reenvio e as posições das partes

280.

Quatro dos cinco processos examinados nas presentes conclusões referem‑se às disposições legais que estabelecem e regem a SIIJ. No processo principal nos processos C‑127/19 e C‑355/19, submetidos pelo mesmo órgão jurisdicional nacional, está em causa a legalidade de vários atos administrativos de execução das disposições que introduzem a SIIJ. Os processos C‑195/19 e C‑291/19 foram apresentados no âmbito de processos penais pendentes contra juízes e procuradores, em que a SIIJ é chamada a intervir.

281.

É neste contexto que as quarta e quinta questões no processo C‑127/19; a quarta questão no processo C‑291/19 e a quarta questão no processo C‑355/19 são formuladas no sentido de saber, essencialmente, se o princípio da independência do poder judicial consagrado no artigo 19.o, n.o 1, TUE e no artigo 47.o da Carta, bem como a obrigação de respeitar os valores do Estado de Direito ao abrigo do artigo 2.o TUE, obstam à instituição da SIIJ. A quinta questão no processo C‑291/19 é formulada no sentido de saber se o artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta, relativo ao direito a um processo equitativo através do julgamento da causa num prazo razoável, se opõe à instituição da SIIJ, tendo em conta o número limitado de cargos nessa secção.

282.

Os despachos de reenvio suscitam assim, retomando em larga medida os argumentos apresentados pelas partes no processo principal, várias questões relativas à instituição e funcionamento da SIIJ. Estes argumentos foram desenvolvidos por algumas das partes interessadas que apresentaram observações no Tribunal de Justiça, especialmente a Associação Fórum dos Juízes, a Associação «Movimento de Defesa do Estatuto dos Procuradores», o procurador‑geral e OL.

283.

À luz dos elementos apresentados nos despachos de reenvio, os Governos dos Países Baixos e da Suécia, bem como a Comissão, consideraram que existem fatores significativos que demonstram que as regras relativas à instituição e ao funcionamento da SIIJ não estão em conformidade com os requisitos de independência e de imparcialidade judicial.

284.

O Governo romeno, que, nas suas observações escritas defendeu a compatibilidade da SIIJ com essas normas, alterou a sua posição durante a audiência. Informou o Tribunal de Justiça de que, pelas razões expostas num memorando aprovado pelo governo a 27 de dezembro de 2019, o governo atual apoia a abolição da SIIJ, seguindo as recomendações dos relatórios MCV, bem como os relatórios da Comissão de Veneza e do GRECO.

285.

O referido governo explicou alguns dos elementos nos quais a sua nova posição se baseia. Vou referir apenas três deles, mencionados por esse governo e discutidos pelas partes interessadas no Tribunal de Justiça. Em primeiro lugar, as disposições relativas à composição dos comités de seleção, conforme posteriormente alteradas, parecem desrespeitar o princípio estabelecido no direito romeno da separação das carreiras de juízes e procuradores, segundo o qual a nomeação de procuradores é da competência das secções do CSM. Em segundo lugar, afigura‑se que a criação do SIIJ resultou num risco de imunidade de facto dos procuradores pertencentes a essa secção. Em terceiro lugar, a regra relativa ao conceito de «procurador hierarquicamente superior» é controversa, tendo em conta o princípio constitucional da fiscalização hierárquica.

286.

Assim, em última instância, verifica‑se que é apenas o CSM que defende a criação e o funcionamento da SIIJ. O CSM explicou que a criação da SIIJ se justifica pela necessidade de proteger os magistrados ( 137 ). A SIIJ visa proporcionar garantias adicionais a uma categoria de pessoas à luz do papel importante que desempenham na sociedade e assegurar um elevado grau de profissionalismo dos que lidam com os seus processos. A SIIJ reforça, portanto, a independência do sistema judicial, assegurando proteção contra pressões e abusos resultantes de queixas e ações arbitrárias contra.

287.

Na audiência, o CSM salientou que o sistema é também solicitado, por excessos cometidos contra os magistrados, pela DNA, que, antes da instituição da SIIJ, investigou mais de metade dos juízes da Roménia, conforme revelado num relatório elaborado pela Inspeção Judicial e aprovado pelo CSM em outubro de 2019 ( 138 ). Além disso, essa finalidade «protetora» foi confirmada pela Curtea Constituțională (Tribunal Constitucional) no seu Acórdão n.o 33/2018 ( 139 ).

288.

O CSM alegou ainda que a criação da SIIJ foi acompanhada de um sistema de garantias capaz de dissipar qualquer dúvida quanto à sua independência face às pressões políticas. Salvaguardas adicionais fortaleceram os procedimentos para a nomeação do procurador‑chefe da SIIJ e para a seleção dos procuradores dessa secção ( 140 ). O procurador‑chefe da SIIJ é nomeado pelo Plenário do CSM, ao contrário dos chefes das outras secções do Ministério Público que são nomeados por concurso organizado pelo Ministro da Justiça, cabendo ao CSM emitir apenas um parecer consultivo. Observou também, no que se refere aos procuradores da SIIJ, que as garantias adicionais de independência consistem na exigência de pelo menos 18 anos de experiência como procurador, sendo a seleção feita sem influência política por meio de procedimento transparente; e há um exame rigoroso dos últimos cinco anos da atividade profissional dos procuradores; e não há possibilidade de delegação a essa secção.

b)   Análise

289.

Os argumentos apresentados pelos órgãos jurisdicionais de reenvio, bem como as preocupações manifestadas pelas partes que apresentaram observações no Tribunal de Justiça, são extensos e complexos. Relacionam‑se com diferentes elementos relativos às normas nacionais que regem a criação da SIIJ, a sua composição e competências, a seleção da sua gestão, os seus efeitos institucionais mais amplos em termos do seu impacto na competência de outras secções do Ministério Público e a forma como esse órgão exerce as suas funções na prática.

290.

Em conformidade com a recente jurisprudência do Tribunal de Justiça ( 141 ), entendo que tais elementos, mesmo que devessem escapar às críticas quando considerados individualmente, devem ser sujeitos a uma avaliação global, a fim de determinar o impacto da criação e funcionamento do SIIJ sobre os requisitos da independência judicial.

291.

Como ponto de partida, tendo em devida conta os efeitos que a instituição de uma secção específica do Ministério Público «para juízes» pode ter na perceção pública do sistema judiciário a criação de tal secção deve necessariamente corresponder a uma justificação de peso, transparente e genuína (i). Uma vez preenchido esse critério, é ainda imperativo que a composição, organização e funcionamento de tal secção cumpra garantias adequadas para evitar o risco de pressões externas sobre o poder judicial (ii). Finalmente, as circunstâncias específicas em torno da criação da SIIJ, bem como o testemunho da forma como essa entidade exerceu as suas funções, são também pertinentes para o discernimento do contexto pertinente (iii).

i) Justificação

292.

De modo semelhante ao que já foi descrito ( 142 ), os requisitos da União, de imparcialidade e independência do poder judicial, consagrados no artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta, bem como no artigo 19.o, n.o 1, do TUE, não impõem aos Estados‑Membros a obrigação de adotar uma estrutura ou modelo específico no que diz respeito à configuração institucional do Ministério Público. Na verdade, a estrutura da procuradoria nos Estados europeus é extraordinariamente variada ( 143 ).

293.

No entanto, a criação de uma secção do Ministério Público com competência exclusiva para as infrações cometidas por magistrados tem um impacto potencial claro na perceção pública da independência e imparcialidade judicial. Destaca a magistratura judicial como um grupo profissional para o qual é necessária uma estrutura administrativa separada do Ministério Público. Conforme assinalado pela Comissão, isto pode criar a impressão de haver crime generalizado ou mesmo corrupção no interior do sistema judicial. Tem o efeito de colocar as infrações cometidas por juízes (que podem ser de qualquer tipo) num nível de gravidade equivalente ao da corrupção, crime organizado ou terrorismo, que são as únicas matérias para as quais existem secções especializadas no âmbito do Ministério Público romeno ( 144 ). Esta «aparência de criminalidade» afeta um dos elementos cruciais na avaliação do impacto de uma dada medida na independência do poder judicial, nomeadamente a confiança que os tribunais de uma sociedade democrática devem inspirar aos particulares ( 145 ).

294.

Mais uma vez, é difícil sustentar que a criação de secções do Ministério Público especiais ou mesmo separadas, é, per se, proibida. Existem, com efeito, estruturas específicas da procuradoria nos Estados‑Membros, baseadas quer na necessidade de proteção especial de um certo grupo de pessoas (como os menores); quer no estatuto especial de certas pessoas (como os serviços militares da procuradoria); ou relativas a uma questão particularmente avançada que necessita de conhecimentos especializados ou de competências especiais (como crimes económicos complexos, cibersegurança, etc.).

295.

Contudo, tendo em conta o impacto significativo de tal medida institucional na perceção do poder judicial, é vital que a sua justificação seja baseada em razões genuínas e suficientemente fortes que, além disso, devem ser patentes aos olhos do público de uma forma inequívoca e acessível.

296.

Existiam razões suficientemente fortes para justificar a criação da SIIJ? O CSM explicou que a criação da SIIJ se justifica pela necessidade de proteção dos magistrados.

297.

A necessidade de proteger o poder judicial de pressões indevidas poderia, com efeito, em termos gerais, constituir uma razão legítima e suficientemente forte para estabelecer uma estrutura do Ministério Público destinada a atenuar esse risco, em razão das circunstâncias específicas adequadas a um determinado Estado‑Membro, e tendo em devida conta os requisitos de independência e imparcialidade do poder judicial.

– Justificação inequívoca e acessível?

298.

Contudo, quando a criação de uma secção como a SIIJ não está ligada a razões relativas à luta contra a criminalidade, mas sim à necessidade de proteger o próprio aparelho judicial, tal justificação deve ser imperativamente tornada pública de forma inequívoca e acessível, de modo a não abalar a confiança dos particulares no sistema judicial.

299.

O Governo romeno salientou na audiência que as razões para a instituição da SIIJ não foram explicadas no preâmbulo da Lei n.o 207/2018. O relatório da Inspeção Judicial sobre os excessos da DNA, em que o CSM se baseia para justificar a criação da SIIJ, só foi adotado após a publicação da lei, que entrou em vigor a 23 de julho de 2018. Assim, é dificilmente concebível que pudesse ter sido a sua motivação. Por último, o Governo romeno assinalou na audiência que uma justificação invocando a necessidade de proteger pessoas específicas devido à natureza e importância das suas funções não é válida, quando o mesmo tratamento não é aplicado a outras pessoas importantes, tais como senadores ou deputados.

300.

À luz destes elementos, é difícil determinar se o objetivo de proteger o poder judicial de pressões indevidas foi, de qualquer forma, o que motivou a criação da SIIJ. Por conseguinte, não se pode estabelecer, a meu ver, que a criação dessa secção do Ministério Público tenha ficado patente aos olhos do público em virtude de uma justificação inequívoca e acessível.

– Justificação genuína?

301.

O ponto‑chave mais controverso do debate entre as partes que apresentaram observações no Tribunal de Justiça diz respeito à questão de saber se a justificação «protetora» para a instituição da SIIJ é genuína. A Associação Fórum dos Juízes, a Associação «Movimento de Defesa do Estatuto dos Procuradores», o procurador‑geral e OL apresentaram argumentos bastante detalhados que sustentam a alegação de que a criação da SIIJ foi, na realidade, inspirada por motivos diferentes. Essas partes invocaram, para esse efeito, as consequências práticas da conceção da SIIJ. Como o procurador‑geral observou na audiência, estes elementos podem dar ao público a impressão de que o objetivo da criação da SIIJ foi de facto debilitar o combate à corrupção.

302.

Em primeiro lugar, a Associação «Movimento de Defesa do Estatuto dos Procuradores» e o procurador‑geral contestaram a verdadeira natureza do objetivo «protetor». Isto deve‑se, primeiro, ao baixo número de processos instaurados contra magistrados antes da criação da SIIJ ( 146 ). Além disso, o número de processos instaurados contra magistrados aumentou em vez de diminuir desde que a SIIJ se tornou operacional. Em segundo lugar, a instituição da SIIJ não foi acompanhada do estabelecimento de quaisquer garantias adicionais. A SIIJ aplica as mesmas regras processuais que outras secções do Ministério Público e é obrigada, com base no princípio da legalidade, a registar e investigar qualquer queixa apresentada que cumpra os requisitos formais do Código de Processo Penal. Pelo contrário, há uma falta de instrumentos adequados, o que se traduz em menos garantias, principalmente devido ao número limitado de procuradores, e atendendo a que, ao contrário de outras secções do Ministério Público, regista‑se a falta de uma estrutura territorial adequada a nível nacional, uma vez que todos os procuradores da SIIJ estão sediados em Bucareste.

303.

O Governo romeno concordou com este último ponto na audiência. Observou que a competência exclusiva da SIIJ em relação a qualquer tipo de crime cometido por magistrados não garante que os procuradores tenham a especialização necessária, especialmente, no que diz respeito a crimes de corrupção, sendo esse facto ainda mais alarmante dado que a SIIJ não tem nenhuma estrutura territorial.

304.

Em segundo lugar, vários elementos sugerem que a criação da SIIJ leva na realidade ao enfraquecimento do combate da corrupção de alto nível. Segundo os artigos 881, n.os 1 e 2, da Lai n.o 304/2004, a SIIJ tem competência exclusiva para processos relativos a magistrados e conserva essa competência quando também outras pessoas são perseguidas. A Associação «Movimento de Defesa do Estatuto dos Procuradores» e o procurador‑geral explicaram que processos que estão a ser tratados por outras secções do Ministério Público serão transferidos para a SIIJ pela simples razão de que são apresentadas queixas fictícias contra um magistrado. Alega‑se também que isto afetará sobretudo os casos que caem na competência da DNA, uma vez que alguns casos de corrupção podem também envolver juízes. A Associação «Movimento de Defesa do Estatuto dos Procuradores» esclareceu na audiência que a SIIJ poderia solicitar qualquer processo invocando elementos de conexão com um dos processos investigados pela SIIJ. Além disso, em conformidade com a alteração introduzida ao artigo 888, n.o 1, alínea d) pelo Decreto urgente n.o 7/2009, a SIIJ é competente para desistir de recursos interpostos por outras secções do Ministério Público. OL defendeu na audiência que a primeira ação levada a cabo pela SIIJ foi a desistência de processos significativos de corrupção que se encontravam na fase de recurso.

305.

Note‑se ainda que o risco de que a SIIJ seja entendida como um organismo cuja instituição e funcionamento são motivados por razões políticas foi suscitado em relatórios MCV, pela Comissão de Veneza e pelo GRECO ( 147 ). Este risco foi também expressamente reconhecido pelo Governo romeno na audiência.

306.

Tendo em conta estas considerações, apesar da legitimidade teórica e da seriedade do objetivo protetor defendido pelo CSM, parece‑me que não se pode dizer que a criação da SIIJ foi justificada de forma clara, inequívoca e acessível, de modo a não abalar a confiança pública no poder judiciário. Além disso, e sob reserva da verificação pelo órgão jurisdicional nacional, os elementos que acabam de ser delineados, relativos aos efeitos prejudiciais sistemáticos sobre a competência de outras secções do Ministério Público, não só lançam sérias dúvidas sobre o caráter genuíno da justificação invocada pelo CSM mas também são suscetíveis de originar desconfiança quanto à imparcialidade do sistema judicial e à sua impermeabilidade a pressões externas, especialmente, dando a impressão de que a criação e o funcionamento da SIIJ são motivados politicamente.

307.

Simplificando, quando são reunidas todas as ameaças, a imagem que emerge não é necessariamente a de proteção reforçada dos juízes. O que ao invés se destaca de forma preocupante é uma superestrutura poderosa, que poderia, é claro, proteger, mas que também poderia controlar e assim influenciar. Aí reside talvez o paradoxo desta ideia: uma vez que os juízes estão alegadamente a ser sujeitos a pressões devido a queixas difusamente apresentadas, é necessário criar uma unidade centralizada com competência exclusiva nestas matérias. No entanto, em termos de potencial estrutural para uma utilização indevida, ter uma unidade centralizada e especializada torna‑se então ainda mais perigoso. Sistemas difusos e descentralizados são por vezes talvez descoordenados, mas, em geral, muito mais resilientes. Pelo contrário, em sistemas centralizados, apenas é necessário dominar o centro.

ii) Garantias

308.

Apesar da conclusão a que acaba de se chegar, o CSM alegou que a instituição da SIIJ foi acompanhado de um sistema de garantias capaz de dissipar qualquer dúvida quanto à sua independência em relação às pressões políticas ( 148 ).

309.

Não considero necessário encetar um longo debate sobre os elementos pormenorizados do direito nacional que, em todo o caso, cabem ao órgão jurisdicional nacional apreciar. Gostaria simplesmente de referir que, neste ponto, o CSM foi contestado pelo Governo romeno, que reconheceu na audiência que muitas das garantias a que o CSM se refere foram substancialmente enfraquecidas pelas subsequentes reformas adotadas num curto espaço de tempo pelo governo através de decretos urgentes.

310.

Como o Governo romeno admitiu na audiência, a urgência na adoção dos decretos urgentes que alteram as disposições relativas à SIIJ nem sempre se demonstrou. Embora algumas razões tenham sido expostas no que respeita aos Decretos urgentes n.o 90/2018 ( 149 ) e n.o 12/2019 ( 150 ), Governo romeno observou que os Decretos urgentes n.o 92/2018 e n.o 7/2019 não continham qualquer tipo de justificação relativa à urgência ou à necessidade de alterar as disposições relativas à SIIJ.

311.

Das observações apresentadas ao Tribunal de Justiça decorre que os decretos urgentes alteraram repetidamente as disposições relativas ao processo de seleção, flexibilizando os requisitos para a composição do comité de seleção ( 151 ). O Governo romeno salientou na audiência que, apesar do facto de ter aduzido nas suas observações escritas que o procedimento para nomeação dos procuradores da SIIJ constituía uma garantia adicional, omitiu qualquer menção às alterações subsequentes introduzidas pelo Decreto urgente n.o 90/2018. Além disso, o artigo II do Decreto urgente n.o 90/2018 derrogou as disposições sobre o procedimento de nomeação, a fim de assegurar a nomeação provisória do procurador‑chefe e de pelo menos um terço dos procuradores da SIIJ.

312.

Além da alteração do procedimento de seleção suprarreferida, estes decretos urgentes introduziram e alteraram disposições‑chave relativas aos poderes e à estrutura institucional da secção. Em primeiro lugar, o Decreto urgente n.o 7/2019 aditou o n.o 6 ao artigo 888. Em conformidade com esta alteração, quando o Código de Processo Penal ou qualquer outra lei especial se refere ao «procurador hierarquicamente superior» em casos relativos a infrações dentro da competência da SIIJ, tal expressão deve ser entendida no sentido de se referir ao procurador‑geral da SIIJ, incluindo as decisões adotadas antes desta secção se tornar operacional ( 152 ). Em segundo lugar, o decreto alterou também o artigo 887.o, ao conferir, no n.o 1, alínea d), uma nova atribuição ao SIIJ, que consiste em intentar ou desistir de ações nos casos que são da competência da secção, incluindo os casos de litígios pendentes nos tribunais ou dirimidos definitivamente antes da sua entrada em funcionamento.

313.

Afigura‑se, portanto, que o Governo romeno adotou num curto período de tempo, nada menos que quatro decretos urgentes que alteram aspetos das disposições introduzidas pela Lei n.o 207/2018 relativamente à SIIJ. Isto aconteceu, especialmente, no que diz respeito ao procedimento de nomeação e de seleção do seu procurador‑chefe e dos procuradores, mas também em relação a outros elementos importantes dos poderes da secção e do seu estatuto no âmbito do Ministério Público, sem sempre prever uma justificação para a urgência da intervenção do governo.

314.

Conforme alega a Comissão, estes elementos confirmam existia existência de um sério risco de ingerência na independência do sistema judicial, agravado pela intervenção rápida e direta do governo através de decretos urgentes, afetando gravemente assim também a perceção pública da influência política sobre o poder judiciário.

315.

Todos estes elementos levam‑me a concluir que, ao contrário do que sustenta o CSM, o regulamento da SIIJ não oferece garantias suficientes para eliminar qualquer risco de influência política no seu funcionamento e na sua composição. Quanto ao seu conteúdo, as garantias a que se refere o CSM foram posteriormente enfraquecidas através de decretos urgentes, que também alteraram reiteradamente o modelo institucional da secção, as suas regras de nomeação de procuradores e as suas relações com outras secções do Ministério Público. Por fim, tudo isto aconteceu no contexto do modelo já bastante questionável da SIIJ, que pelas razões delineadas na secção anterior, não era muito sólido em termos de sua perceção externa da independência.

iii) Contexto e funcionamento prático

316.

Na minha opinião, as considerações acima expostas são suficientes para dar uma resposta útil às questões submetidas ao Tribunal de Justiça. No entanto, ao decidirem em última instância sobre a compatibilidade do direito nacional com o direito da União, os órgãos jurisdicionais nacionais também podem legitimamente ter em conta, ao avaliarem o grau suficiente das garantias que devem ser fornecidas, como acima referido, as circunstâncias factuais e contextuais em que a SIIJ desempenhou as suas funções após ter sido instituída.

317.

Em primeiro lugar, a respeito dos efeitos práticos das regras (frequentemente alteradas) sobre a seleção e a nomeação do procurador‑chefe e dos procuradores da SIIJ, OL salientou na audiência que a competência de nomeação e destituição estava na prática limitada a um pequeno grupo de membros do CSM que eram apoiantes do governo da época. Especialmente, a Associação «Movimento de Defesa do Estatuto dos Procuradores» salientou que tanto o procurador‑chefe interino como o procurador‑chefe nomeado a seguir são pessoas com ligações especiais ao governo da época.

318.

Em segundo lugar, em relação às ações empreendidas pela SIIJ desde a sua instituição, a Associação Fórum dos Juízes e a Associação «Movimento de Defesa do Estatuto dos Procuradores» forneceram uma descrição detalhada da forma como a SIIJ tem exercido as suas funções. As partes interessadas observaram que a SIIJ abriu investigações e reabriu processos arquivados contra magistrados que se opuseram publicamente às alterações legislativas, incluindo juízes e procuradores de grau elevado ( 153 ). Observam também que foram iniciadas investigações contra procuradores que iniciaram investigações contra membros do partido no governo na altura em que as regras da SIIJ foram aprovadas. Observa‑se ainda que a SIIJ desistiu, sem motivo, dos recursos relativos à corrupção e de outros processos que diziam respeito a membros importantes do anterior partido no governo, e procurou obter competência em relação a processos tratados por outras secções do Ministério Público relativos a membros desse partido. Outros elementos, tais como a fuga de informação, a publicação de avisos sem a devida anonimização, ou a divulgação oficial de informação incorreta foram também apresentados como argumento confirmando a premissa do uso da SIIJ para outros fins que não a prossecução imparcial da ação penal.

319.

Não cabe ao Tribunal de Justiça apreciar os elementos factuais acima enumerados. No entanto, como parte dos critérios de apreciação geral das disposições nacionais em questão ( 154 ), considero que os órgãos jurisdicionais nacionais têm o direito de ter em conta elementos objetivos relativos às circunstâncias em que a SIIJ foi estabelecida, bem como o seu funcionamento prático, como fatores capazes de confirmar ou refutar os riscos de influência política. A confirmação de tal risco é suscetível de incutir dúvidas legítimas no espírito dos indivíduos quanto à impermeabilidade dos juízes, uma vez que compromete a impressão de neutralidade dos juízes em relação aos interesses que lhes são submetidos, especialmente quando estão em causa processos de corrupção.

iv) Prazo razoável

320.

Por último, a quinta questão no processo C‑291/19 destina‑se a saber se o artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta, que estipula que «toda a pessoa tem direito a que a sua causa seja julgada de forma equitativa, publicamente e num prazo razoável», se opõe à instituição da SIIJ, atendendo às modalidades de exercício das funções, bem como à forma pela qual a é estabelecida a sua competência, associadas ao número reduzido de lugares nessa secção.

321.

O órgão jurisdicional de reenvio considera que existe o risco de os processos não serem tramitados num período de tempo razoável devido à atividade da SIIJ, essencialmente porque, relativamente ao seu volume de processos, existe um número reduzido de lugares nessa secção. Por um lado, do seu já reduzido número de quinze procuradores, apenas seis lugares eram ocupados a partir de 5 de março de 2019. Por outro lado, na altura em que a SIIJ se tornou operacional, já tinha 1422 processos registados.

322.

O órgão jurisdicional de reenvio também observa que todos os anos são apresentadas contra magistrados milhares de denúncias fictícias que requerem, pelo menos, alguma investigação. Esse volume de processos, juntamente com a administração de outros expedientes gerais, bem como com a possibilidade (já materializada) de aceitar processos de outras secções do Ministério Público, acarreta sérias dúvidas quanto à capacidade da SIIJ para levar a cabo uma investigação eficaz num período razoável de tempo.

323.

Da mesma forma, a Associação Fórum dos Juízes, a Associação «Movimento de Defesa do Estatuto dos Procuradores», o procurador‑geral e OL afirmam que o número reduzido de procuradores da SIIJ conduz inevitavelmente a uma sobrecarga de trabalho. O procurador‑geral acrescentou ainda que, na altura da audiência, a SIIJ tinha sete procuradores e que havia aproximadamente 4000 processos pendentes, ao passo que, no decurso de 2019, essa secção podia tratar apenas 400 processos.

324.

Quero, desde já, assinalar que a presente questão é diferente das outras questões submetidas examinadas nesta secção, na medida em que diz exclusivamente respeito aos direitos processuais de magistrados, independentemente do seu impacto na sua independência ou imparcialidade. Por este motivo, a Comissão alega que a questão deve ser reformulada, no sentido de saber se nas circunstâncias específicas do processo principal, o artigo 47.o da Carta se opõe a que o órgão jurisdicional de reenvio remeta um processo à SIIJ, no caso de o recurso ser julgado procedente ( 155 ). A Comissão alega que, nos casos em que um órgão jurisdicional nacional deve remeter um processo ao Ministério Público, o artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta deve ser interpretado no sentido de que se opõe a esse órgão jurisdicional o faça se for altamente provável que o processo penal não será decidido num período razoável tempo.

325.

Não considero necessário que se proceda a tal reformulação. Na minha opinião, a questão suscitada pelo órgão jurisdicional de reenvio demonstra mais uma vez o duplo aspeto da função de fiscalização das disposições da Carta suprarreferido ( 156 ): o artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta serve de critério de referência para a fiscalização concreta da compatibilidade no caso específico, o que não impede que a Carta sirva também de critério de referência para a fiscalização abstrata das regras nacionais relativas à SIIJ.

326.

Além disso, estes dois aspetos fundem‑se efetivamente no contexto do caso em apreço. A abordagem específica (subjetiva) do artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta deve também, neste caso, ser efetuada por referência a uma análise abstrata (objetiva) do impacto das regras que regem a SIIJ sobre a eventual duração dos procedimentos. Com efeito, o órgão jurisdicional de reenvio não pretende saber se o processo já atingiu uma duração não razoável no caso particular da demandante, mas sim se o facto de o modelo institucional da SIIJ ser suscetível a conduzir a esse resultado constitui uma violação das garantias do artigo 47.o da Carta, segundo parágrafo.

327.

O artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta corresponde ao artigo 6.o, n.o 1, da CEDH. O seu alcance e conteúdo devem receber, segundo o artigo 52.o, n.o 3, da Carta, uma interpretação que não seja inferior àquela que resulta da CEDH.

328.

Em conformidade com a jurisprudência do TEDH, o «prazo razoável» referido no artigo 6.o, n.o 1, da CEDH começa a correr quando uma pessoa é «acusada» ( 157 ). O conceito de «acusação» tem sido interpretado pelo TEDH de forma flexível e substantiva. O momento a que se refere inclui o momento da notificação oficial por uma autoridade competente da alegação de que a pessoa cometeu uma infração penal, mas também quando a situação dessa pessoa foi substancialmente afetada por ações tomadas pelas autoridades com base numa suspeita ( 158 ). Tal como referido pela Comissão, esta interpretação é, por conseguinte, suscetível de abranger o inquérito preliminar ( 159 ).

329.

É certo que o TEDH analisa a razoabilidade da duração do processo à luz das circunstâncias específicas de cada caso por referência à sua complexidade, à conduta do demandante e das autoridades competentes, e ao que está em causa para o demandante ( 160 ). Contudo, tal não obsta, a meu ver, à análise das disposições institucionais que podem levar, quase inevitavelmente, a uma violação do requisito de «prazo razoável» nos processos em curso.

330.

No âmbito do presente processo, quando estiver em causa a apreciação da conformidade de uma estrutura institucional do Ministério Público, os elementos relevantes para essa apreciação serão tidos em conta em abstrato. A apreciação nesse contexto envolve, especialmente, a «conduta das autoridades competentes». O artigo 6.o, n.o 1, da CEDH impõe aos Estados o dever de organizarem os seus sistemas judiciais de tal forma que os seus tribunais possam reunir todos os requisitos ( 161 ). Estes requisitos incluem, evidentemente, o funcionamento e as ações do Ministério Público ( 162 ). Os atrasos causados pela acumulação de processos não são, portanto, uma justificação, uma vez que os Estados podem ser considerados responsáveis não só pelo atraso de um determinado processo «mas também pelo não aumento de recursos em resposta a uma acumulação de processos, ou por deficiências estruturais do seu sistema judicial que causam atrasos» ( 163 ).

331.

A meu ver, resulta destes elementos que o artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta inclui a obrigação dos Estados‑Membros de organizarem os seus sistemas judiciais de modo a torná‑los conformes com os requisitos relativos, designadamente, à duração razoável dos processos. Consequentemente, esta disposição opõe‑se a que Estados‑Membros criem uma secção do Ministério Público que não dispõe de um número suficiente de procuradores, tendo em conta o volume de processos resultantes da sua competência, de modo que o seu funcionamento operacional se traduzirá certamente numa duração não razoável dos processos penais, incluindo os instaurados contra juízes.

c)   Conclusão provisória

332.

À luz das considerações precedentes, sugiro que se responda às quarta e quinta questões no processo C‑127/19; à quarta questão no processo C‑291/19 e à quarta questão no processo C‑355/19 da seguinte forma: o artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta, bem como o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, devem ser interpretados no sentido de que se opõem à instituição de uma secção específica do Ministério Público com competência exclusiva para infrações cometidas por magistrados, se a criação dessa secção não for justificada por razões genuínas e suficientemente sólidas que tenham chegado ao conhecimento do público de forma inequívoca e acessível, e se não for acompanhada de garantias suficientes para dissipar qualquer risco de influência política sobre o seu funcionamento e a sua composição. Ao procederem à sua avaliação sobre se é efetivamente esse o caso, os órgãos jurisdicionais nacionais têm o direito de ter em conta elementos objetivos relativos às circunstâncias que rodeiam a instituição de tal secção do Ministério Público, bem como o seu posterior funcionamento prático.

333.

A resposta à quinta questão no processo C‑291/19 deve ser que o artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta relativo ao direito a um processo equitativo através do julgamento da causa num prazo razoável, opõe‑se a que os Estados‑Membros criem uma secção do Ministério Público que, tendo em conta o volume de processos resultante da sua competência, não dispõe de um número suficiente de procuradores, pelo que o seu funcionamento se traduzirá numa duração não razoável do processo penal. Cabe aos órgãos jurisdicionais de reenvio verificar, tendo em conta todos os fatores pertinentes que lhes são apresentados, se as disposições nacionais sobre a instituição, composição e funcionamento da SIIJ satisfazem esses requisitos.

V. Conclusão

334.

Proponho que o Tribunal de Justiça se pronuncie da seguinte forma:

A segunda questão no processo C‑195/19, na parte em que se refere ao artigo 9.o TUE e ao artigo 67.o, n.o 1, TFUE, bem como a terceira questão nesse processo, são inadmissíveis.

A primeira questão nos processos C‑83/19, C‑127/19, C‑291/19 e C‑355/19 deveria ser respondida da seguinte forma:

A Decisão da Comissão 2006/928/CE, de 13 de dezembro de 2006, que estabelece um mecanismo de cooperação e de verificação dos progressos realizados na Roménia relativamente a objetivos de referência específicos nos domínios da reforma judiciária e da luta contra a corrupção e a criminalidade organizada, bem como os relatórios elaborados pela Comissão Europeia com base nessa decisão são atos adotados por uma instituição da União na aceção do artigo 267.o TFUE e, portanto, suscetíveis de interpretação pelo Tribunal de Justiça.

A apreciação da primeira parte da segunda questão submetida nos processos C‑83/19, C‑127/19 e C‑355/19 não revelou nenhum fator suscetível de lançar dúvidas sobre se a Decisão 2006/928 na sua versão atualmente em vigor, foi validamente adotada com base no Tratado de Adesão.

A segunda parte da segunda questão nos processos C‑83/19, C‑127/19 e C‑355/19; a primeira questão no processo C‑195/19 e a segunda questão no processo C‑291/19 devem ser respondidas da seguinte forma:

A Decisão 2006/928 é juridicamente vinculativa. Os relatórios adotados pela Comissão no âmbito do Mecanismo de Cooperação e Verificação, não vinculam juridicamente a Roménia. No entanto, estes relatórios devem ser devidamente tidos em consideração pelo referido Estado‑Membro nos seus esforços para cumprir as suas obrigações no sentido de atingir os objetivos de referência previstos no Anexo da Decisão 2006/928, tendo devidamente em conta o requisito do princípio da cooperação leal do artigo 4.o, n.o 3, TUE.

A terceira questão no processo C‑83/19 deve ser respondida da seguinte forma:

O artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta dos Diretos Fundamentais da União Europeia e o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, devem ser interpretados no sentido de obstarem à aplicação das disposições nacionais pelas quais o governo adota, em derrogação das regras jurídicas normalmente aplicáveis, um sistema de nomeação provisória dos cargos de direção do órgão encarregado dos inquéritos disciplinares no âmbito do sistema judiciário, cujo efeito prático é a reintegração no cargo de pessoa cujo mandato já expirou.

As quarta e quinta questões no processo C‑127/19, a quarta questão no processo C‑291/19 e a quarta questão no processo C‑355/19 devem ser respondidas da seguinte forma:

O artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta, bem como o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, devem ser interpretados no sentido de que se opõem à instituição de uma secção específica do Ministério Público com competência exclusiva para infrações cometidas por magistrados, se a criação dessa secção não for justificada por razões genuínas e suficientemente fortes que tenham ficado patentes aos olhos do público de forma inequívoca e acessível, e se não for acompanhada de garantias suficientes para dissipar qualquer risco de influência política sobre o seu funcionamento e a sua composição. Ao procederem à sua avaliação sobre se é efetivamente esse o caso, os órgãos jurisdicionais nacionais têm o direito de ter em conta elementos objetivos relativos às circunstâncias que rodeiam a criação de tal secção do Ministério Público, bem como o seu posterior funcionamento prático.

A resposta à quinta questão no processo C‑291/19 é que o artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta relativo ao direito a um processo equitativo através do julgamento da causa num prazo razoável, opõe‑se à instituição pelos Estados‑Membros de uma secção do Ministério Público que, tendo em conta o volume de processos resultante da sua competência, não dispõe de um número suficiente de procuradores, de modo que o seu funcionamento se traduzirá numa duração não razoável do processo penal. Cabe aos órgãos jurisdicionais de reenvio verificar, tendo em conta todos os fatores pertinentes que lhes são apresentados, se as disposições nacionais sobre a instituição, composição e funcionamento da Secția pentru investigarea infracțiunilor din justiție (Secção de investigação de infrações cometidas no âmbito do sistema judiciário) podem efetivamente conduzir a esse resultado.


( 1 ) Língua original: inglês.

( 2 ) Legea nr. 303/2004 privind statutul judecătorilor și procurorilor (Lei n.o 303/2004 Relativa ao Estatuto dos Juízes e dos Procuradores, republicada em Monitorul Oficial n.o 826 de 13 de setembro de 2005, a seguir «Lei n.o 303/2004»), Legea nr. 304/2004 privind organizea IIJ, relativa à organização judiciária (Monitorul Oficial n.o 827 de 13 de setembro de 2005, a seguir «Lei n.o 304/2004»), e Legea nr. 317/2004 privind Consiliul Superior al Magistraturii, Monitorul (Lei n.o 317/2004 Relativa ao Conselho Superior da Magistratura (Monitorul Oficial n.o 628 de 1 de setembro de 2012, a seguir «Lei n.o 317/2004»).

( 3 ) Existe um outro pedido de decisão prejudicial apresentado em simultâneo no processo C‑397/19. Tem por objeto as alterações ao regime nacional de responsabilidade civil dos juízes. Apresento as minhas conclusões nesse processo em separado, na mesma data em que apresento as presentes conclusões.

( 4 ) Além do «MCV», tendo em conta o número de acrónimos empregues ao longo das presentes conclusões, considero útil enumerar os mais utilizados, para facilitar a referência: Direcția Națională Anticorupție (Direção Nacional Anticorrupção, Roménia, a seguir «DNA»); Consiliul Superior al Magistraturii (Conselho Superior da Magistratura, a seguir «CSM»); e Secția pentru investigarea infracțiunilor din justiție (Secção de investigação de infrações cometidas no âmbito do sistema judiciário, Roménia; a seguir «SIIJ»).

( 5 ) Decisão, de 13 de dezembro de 2006, que estabelece um mecanismo de cooperação e de verificação dos progressos realizados na Roménia relativamente a objetivos de referência específicos nos domínios da reforma judiciária e da luta contra a corrupção e a criminalidade organizada, JO 2006, L 354, p. 56 (a seguir «Decisão MCV»).

( 6 ) Relatório da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho sobre os progressos registados na Roménia no contexto do Mecanismo de Cooperação e de Verificação, COM(2018) 851 final de 13 de novembro de 2018 (a seguir «Relatório MCV de 2018»), acompanhado do documento de trabalho dos serviços da Comissão — Roménia: Relatório técnico SWD(2018) 551 final (a seguir «‘Relatório técnico MCV de 2018»).

( 7 ) JO 2005, L 157, p. 11.

( 8 ) JO 2005, L 157, p. 203.

( 9 ) Ordonanța de Urgență a Guvernului nr. 77/2018, din 5 septembrie 2018, pentru completarea art. 67 din Legea nr. 317/2004 privind Consiliul Superior al Magistraturii (Monitorul Oficial n.o 767 de 5 de setembro de 2018). Várias disposições foram modificadas posteriormente pela Legea nr. 234/2018 pentru modificarea și completarea Legii nr. 317/2004 privind CSM (Lei n.o 234/2018, destinada a alterar e a completar a Lei n.o 317/2004 Relativa ao CSM, Monitorul Oficial n.o 850 de 8 de outubro de 2018).

( 10 ) Legea nr. 207/2018 pentru modificarea și completarea Legii nr. 304/2004 privind organizarea judiciară (Monitorul Oficial, I parte, n.o 636 de 20 de julho de 2018).

( 11 ) Ordonanța de urgență a guvernului nr. 90/2018 privind unele măsuri pentru operaționalizarea Secției pentru investigarea infracțiunilor din justiție (Monitorul Oficial n.o 862 de 10 de outubro de 2018).

( 12 ) Ordonanța de urgență nr. 92 din 15 octombrie 2018 pentru modificarea și completarea unor acte normative în domeniul justiției (Monitorul Oficial n.o 874 de 16 de outubro de 2018).

( 13 ) Ordonanța de urgență nr. 7/2019 din 20 februarie 2019 privind unele măsuri temporare referitoare la concursul de admitere la Institutul Național al Magistraturii, formarea profesională inițială a judecătorilor și procurorilor, examenul de absolvire a Institutului Național al Magistraturii, stagiul și examenul de capacitate al judecătorilor și procurorilor stagiari, precum și pentru modificarea și completarea Legii nr. 303/2004 privind statutul judecătorilor și procurorilor, Legii nr. 304/2004 privind organizarea judiciară și Legii nr. 317/2004 privind Consiliul Superior al Magistraturii (Monitorul Oficial n.o 137 de 20 de fevereiro de 2019).

( 14 ) Ordonanța de urgență nr.12 din 5 martie 2019 pentru modificarea şi completarea unor acte normative în domeniul justiţiei (Monitorul Oficial n.o 185 de 7 de março de 2019).

( 15 ) Consiliului Superior al Magistraturii, CSM nr. 910/2018 din 19 septembrie 2018 pentru aprobarea Regulamentului privind numirea şi revocarea procurorilor cu funcţii de conducere din cadrul Secţiei pentru investigarea infracţiunilor din justiţie (Monitorul Oficial n.o 812 de 21 de setembro de 2018).

( 16 ) Consiliului Superior al Magistraturii, CSM nr. 911/2018 din 19 septembrie 2018 pentru aprobarea Regulamentului privind numirea, continuarea activităţii şi revocarea procurorilor cu funcţii de execuţie din cadrul Secţiei pentru investigarea infracţiunilor din justiţie (Monitorul Oficial, n.o 812 de 21 de setembro de 2018).

( 17 ) Ordinul procurorului general al Parchetului de pe lângă Înalta Curte de Casație și Justiție nr. 252 din 23 octombrie 2018 privind organizarea și funcționarea în cadrul Parchetului de pe lângă Înalta Curte de Casație și Justiție a Secției pentru investigarea infracțiunilor din justiție.

( 18 ) V., neste sentido, Acórdãos de 7 de março de 2017, X e X (C‑638/16 PPU, EU:C:2017:173, n.o 37), e de 26 de setembro de 2018, Belastingdienst/Toeslagen (Efeito suspensivo do recurso) (C‑175/17, EU:C:2018:776, n.o 24).

( 19 ) Acórdão de 19 de novembro de 2019A. K. e o. (Independência da Secção Disciplinar do Supremo Tribunal) (C‑585/18, C‑624/18 e C‑625/18, EU:C:2019:982, n.o 74).

( 20 ) Especificamente, a primeira e segunda questões no processo C‑83/19; a primeira e terceira questões no processo C‑127/19; a primeira questão no processo C‑195/19; a primeira e terceira questões no processo C‑291/19; a primeira, segunda e quarta questões no processo C‑355/19.

( 21 ) V., também, infra, n.os 144, 263, 284 e 285 das presentes conclusões.

( 22 ) V., a título de exemplo, Acórdãos de 25 de julho de 2018, Confédération paysanne e o. (C‑528/16, EU:C:2018:583, n.os 72 e 73 e jurisprudência referida), ou de 1 de outubro de 2019, Blaise e o. (C‑616/17, EU:C:2019:800, n.o 35).

( 23 ) Artigo 248.o da Legea nr. 134/2010 privind Codul de procedură civilă (Lei n.o 134/2010 Que Aprova o Código de Processo Civil), republicada no Monitorul Oficial n.o 247, de 10 de abril de 2015.

( 24 ) Acórdão de 17 de fevereiro de 2011, Weryński (C‑283/09, EU:C:2011:85, n.o 42).

( 25 ) Ibid., n.os 35 a 45. V., igualmente, sobre as diferentes constelações que se prendem com a admissibilidade das questões relativas a aspetos tais como a imputação das despesas, as minhas Conclusões no processo Pegaso e Sistemi di Sicurezza (C‑521/18, EU:C:2020:306, n.os 58 e segs.).

( 26 ) Para um exemplo recente, no já referido Acórdão de 1 de outubro de 2019, Blaise e o. (C‑616/17, EU:C:2019:800, n.os 31 a 39), o processo nacional que deu origem às questões submetidas era relativo, quanto ao seu mérito, a um processo penal por destruição dolosa de bens. Neste contexto, o Tribunal de Justiça analisou uma série de questões bastante complexas sobre a validade do Regulamento (CE) n.o 1107/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de outubro de 2009, relativo à colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado e que revoga as Diretivas 79/117/CEE e 91/414/CEE do Conselho e a autorização do glifosato, que poderiam também ser consideradas como algo afastadas, do ponto de vista material, das questões propriamente ditas suscitadas perante o órgão jurisdicional nacional.

( 27 ) V., a título de exemplo, Acórdão de 19 de junho de 2018, Gnandi (C‑181/16, EU:C:2018:465, n.o 31).

( 28 ) V., por exemplo, Despachos de 10 de janeiro de 2019, Mahmood e o. (C‑169/18, EU:C:2019:5, n.os 25 e 26); de 2 de maio de 2019, Faggiano (C‑524/16, não publicado, EU:C:2019:399, n.os 23 e 24); e de 1 de outubro de 2019, YX (Transmissão de uma sentença ao Estado‑Membro de nacionalidade do condenado) (C‑495/18, EU:C:2019:808, n.os 23 a 26).

( 29 ) O órgão jurisdicional de reenvio refere que, nos termos do artigo 208.o, n.o 2, do Código de Processo Civil romeno, «se não for apresentada a contestação dentro do prazo fixado por lei, o demandado perde o direito de apresentar provas e de suscitar objeções, salvo exceções de ordem pública, sob reserva de disposição legal em contrário».

( 30 ) V., por exemplo, Acórdão de 10 de março de 2016, Safe Interenvíos (C‑235/14, EU:C:2016:154, n.o 115), ou Despacho de 12 de maio de 2016, Security Service e o. (C‑692/15 to C‑694/15, EU:C:2016:344, n.o 20).

( 31 ) V., no mesmo sentido, no que se refere a questões formuladas de forma semelhante por um órgão jurisdicional nacional, as minhas Conclusões no processo Hochtief Solutions Magyarországi Fióktelepe (C‑620/17, EU:C:2019:340, n.os 36 e 50).

( 32 ) Questões 1 e 2 nos processos C‑83/19, C‑127/19, C‑291/19 e C‑355/19, bem como questão 1 no processo C‑195/19.

( 33 ) Na minha opinião, é isto que os órgãos jurisdicionais de reenvio pretendem saber com a questão 4 no processo C‑83/19, bem como com a questão 3 nos processos C‑127/19, C‑291/19 e C‑355/19. Os órgãos jurisdicionais de reenvio perguntam, em substância, se os Estados‑Membros são obrigados a cumprir os critérios do Estado de Direito nos termos do artigo 2.o TUE e se tais requisitos, também impostos pela Decisão MCV e pelos relatórios MCV, devem ser interpretados no sentido de se opor às medidas nacionais em questão. V., infra, n.os 121 e 173 das presentes conclusões.

( 34 ) Questão 3 no processo C‑83/19; questões 4 e 5 no processo C‑127/19; questão 2 no processo C‑195/19, no que respeita ao artigo 2.o TUE; questões 4 e 5 no processo C‑291/19 e questão 4 no processo C‑355/19 no que respeita ao artigo 2.o TUE; questões 4 e 5 no processo C‑291/19 e questão 4 no processo C‑355/19.

( 35 ) Questão 3 no processo C 83/19.

( 36 ) Questões 4 e 5 nos processos C 127/19 e C 291/19; questão 2 no processo C 195/19 e questão 4 no processo C 355/19.

( 37 ) Questão 1 nos processos C‑83/19, C‑127/19, C‑291/19 e C‑355/19.

( 38 ) Primeira parte da questão 2 nos processos C‑83/19, C‑127/19 e C‑355/19.

( 39 ) Questão 1 no processo C‑195/19.

( 40 ) Segunda parte da questão 2 nos processos C‑83/19; C‑127/19; C‑355/19 bem como questão 1 no processo C‑195/19; e questão 2 no processo C‑291/19.

( 41 ) Questão 3 nos processos C‑127/19 e C‑291/19.

( 42 ) Questão 4 no processo C‑83/19.

( 43 ) Questão 3 no processo C‑355/19.

( 44 ) A Associação «Movimento de Defesa do Estatuto dos Procuradores», a Associação Fórum dos Juízes, o procurador‑geral, a Comissão, bem como os Governos da Bélgica, dos Países Baixos, da Roménia e da Suécia.

( 45 ) V., por exemplo, Acórdãos de 13 de dezembro de 1989, Grimaldi (C‑322/88, EU:C:1989:646, n.o 8), e de 13 de junho de 2017, Florescu e o. (C‑258/14, EU:C:2017:448, n.o 30).

( 46 ) Acórdão de 27 de outubro de 2016, James Elliott Construction (C‑613/14, EU:C:2016:821, n.o 35 e jurisprudência referida).

( 47 ) Por exemplo, Acórdãos de 13 de dezembro de 1989, Grimaldi (C‑322/88, EU:C:1989:646, n.o 9 e jurisprudência referida), recentemente confirmado no Acórdão de 20 de fevereiro de 2018, Bélgica/Comissão (C‑16/16 P, EU:C:2018:79, n.o 44).

( 48 ) Primeira parte da questão 2 nos processos C‑83/19; C‑127/19 e C‑355/19.

( 49 ) A outra opção, caso o Tribunal de Justiça não acolha esta interpretação da primeira frase da questão 2 nos processos C‑83/19, C‑127/19 e C‑355/19, seria reformular essa questão no sentido de saber apenas se as exigências impostas pelo MCV e pelos relatórios adotados no âmbito do referido mecanismo têm caráter obrigatório para a Roménia. Atendendo à finalidade destas questões, esta parece ser a principal preocupação dos órgãos jurisdicionais de reenvio.

( 50 ) Ambas as disposições foram reproduzidas, supra, nos n.os 7 e 8 das presentes conclusões.

( 51 ) Comunicação da Comissão: Relatório de acompanhamento sobre o estado de preparação para a adesão à UE da Bulgária e da Roménia [COM(2006)] 549 final. Este relatório já contemplava a criação do MCV.

( 52 ) Como é o caso, por exemplo, da versão em língua inglesa, bem como das versões em língua checa, letã, lituana, maltesa, neerlandesa ou eslovaca.

( 53 ) Por exemplo, as versões búlgara, espanhola, dinamarquesa, alemã, italiana, húngara, polaca, portuguesa, francesa, romena, eslovena, finlandesa estoniana, ou sueca.

( 54 ) Considerandos 1, 2 e 3 da Decisão MCV.

( 55 ) V., especialmente, n.os 3 e 4 do anexo IX do Ato de Adesão. O n.o 3 diz respeito à adoção e implementação de um plano de ação e uma estratégia para a reforma do aparelho judicial, que incluam as medidas de implementação das Leis sobre a Justiça. O n.o 4 diz respeito à luta contra a corrupção, especialmente, «assegurando uma execução rigorosa da legislação anticorrupção e a independência efetiva do Departamento do Ministério Público de Combate à Corrupção […]».

( 56 ) Se algo puder ser executado, esse algo deve ser claramente vinculativo — V. ainda as minhas Conclusões no processo Bélgica/Comissão (C‑16/16 P, EU:C:2017:959, n.os 120 a 122).

( 57 ) Especialmente dado o alcance exato do dever das autoridades nacionais, principalmente dos juízes nacionais, de ter em consideração as recomendações na decisão dos litígios que lhes são submetidos, Acórdão de 13 de dezembro de 1989, Grimaldi (C‑322/88, EU:C:1989:646, n.o 18) não é, por si só, totalmente claro (V. as minhas Conclusões no processo Bélgica/Comissão (C‑16/16 P, EU:C:2017:959, n.os 97 a 101)).

( 58 ) Supra, n.o 155 das presentes Conclusões.

( 59 ) Tendo os argumentos constantes desses relatórios a mesma força persuasiva ao avaliar a conformidade com os requisitos do artigo 19.o TUE e do artigo 47.o da Carta. V., neste sentido, Acórdão de 24 de junho de 2019, Comissão/Polónia (Independência do Supremo Tribunal) (C‑619/18, EU:C:2019:531, n.o 82).

( 60 ) Conforme referido, supra, nos n.os 134, 135 e 152 das presentes Conclusões.

( 61 ) Relatório da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho sobre os progressos registados na Roménia no contexto do Mecanismo de Cooperação e de Verificação, COM(2010) 401 final, e Relatório da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho sobre os progressos registados na Roménia no contexto do Mecanismo de Cooperação e de Verificação, COM(2011) 460 final.

( 62 ) Artigo 65.o da Lei n.o 317/2004 na sua versão de 26 de janeiro de 2012.

( 63 ) Questões 3 e 4 no processo C‑83/19; questões 3, 4 e 5 no processo C‑127/19; questão 2 no processo C‑195/19; questões 3 e 4 no processo C‑291/19; e questões 3 e 4 no processo C‑355/19.

( 64 ) Questão 5 no processo C‑127/19 e questões 4 e 5 no processo C‑291/19.

( 65 ) O Governo polaco abordou nas suas observações escritas apenas a terceira questão no processo C‑83/19; questões 4 e 5 no processo C‑127/19; a segunda questão no processo C‑195/19; as questões 4 e 5 no processo C‑291/19; a questão 4 no processo C‑355/19. Estes argumentos foram essencialmente subscritos pelo Governo romeno nas suas observações escritas a respeito das questões 4 e 4 no processo C‑127/19; questões 4 e 5 no processo C‑291/19; questão 2 no processo C‑195/19; questão 4 no processo C‑355/19. No entanto, também por este motivo, o Governo romeno alterou a sua posição na audiência, apresentando observações sobre o mérito desses processos, aparentemente sem manter os fundamentos relativos à incompetência do Tribunal de Justiça.

( 66 ) V., por exemplo, Acórdãos de 21 de dezembro de 2011, N.S. e o. (C‑411/10 e C‑493/10, EU:C:2011:865, n.os 65 a 68); de 9 de março de 2017, Milkova (C‑406/15, EU:C:2017:198, n.os 52 e 51); ou de 13 de junho de 2017, Florescu e o. (C‑258/14, EU:C:2017:448, n.o 48).

( 67 ) V., por exemplo, Acórdão de 19 de novembro de 2019, TSN e AKT (C‑609/17 e C‑610/17, EU:C:2019:981, n.o 53 e jurisprudência referida), bem como Despacho de 24 de setembro de 2019, QR (Presunção de inocência) (C‑467/19 PPU, EU:C:2019:776, n.os 34 a 37).

( 68 ) V., por exemplo, Acórdãos de 26 de fevereiro de 2013, Åkerberg Fransson, C‑617/10, EU:C:2013:105, n.os 25 e 26), ou de 9 de novembro de 2017, Ispas (C‑298/16, EU:C:2017:843, n.o 27).

( 69 ) Acórdão de 13 de junho de 2017, Florescu e o. (C‑258/14, EU:C:2017:448, n.os 44 a 49).

( 70 ) V., igualmente, Conclusões do advogado‑geral H. Saugmandsgaard Øe no processo Associação Sindical dos Juízes Portugueses (C‑64/16, EU:C:2017:395, n.os 52 e 53).

( 71 ) Lenaerts, K., e Gutiérrez‑Fons, J.A., «The Place of the Charter in the EU Constitutional Edifice», in Peers, S., Hervey, T., Kenner, J., e Ward, A., The EU Charter of Fundamental Rights: A Commentary, C.H. Beck, Hart, Nomos, Oxford, 2014, pp. 1560 a 1593, em p. 1568. V., igualmente, as minhas Conclusões no processo Ispas (C‑298/16, EU:C:2017:650 n.os 58 a 65).

( 72 ) V., a respeito desta discussão, as minhas Conclusões (C‑403/16, EU:C:2017:659, n.os 74 a 83). Para uma opinião diferente, v. Prechal, S., «The Court of Justice and Effective Judicial Protection: What Has the Charter Changed?», in Paulussen, C., et al. (eds.), Fundamental Rights in International and European Law, TMC Asser Press, The Hague, 2016, pp. 143 a 157, ou Peers, S., e o., The EU Charter of Fundamental Rights A Commentary, C.H. Beck, Hart, Nomos, Oxford, 2014, p. 1199, V. também Acórdão de 16 de maio de 2017, Berlioz Investment Fund (C‑682/15, EU:C:2017:373, n.o 51), identificando o «direito» subjacente garantido pelo direito da União na «princípio da proteção contra as intervenções arbitrárias e desproporcionadas do poder público na esfera privada de qualquer pessoa, singular ou coletiva».

( 73 ) V. n.os 173 a 172, supra, das presentes Conclusões.

( 74 ) Por exemplo, Acórdãos de 23 de dezembro de 2015, Scotch Whisky Association e o. (C‑333/14, EU:C:2015:845, n.o 50), ou de 13 de novembro de 2019, Lietuvos Respublikos Seimo narių grupė (C‑2/18, EU:C:2019:962, n.os 70 e 82).

( 75 ) Para citar apenas alguns exemplos, v. Acórdãos de 27 de junho de 2006, Parlamento/Conselho (C‑540/03, EU:C:2006:429, n.os 76, 90 e 108); de 9 de novembro de 2010, Volker und Markus Schecke e Eifert (C‑92/09 e C‑93/09, EU:C:2010:662, n.os 86 a 89); de 1 de março de 2011, Association belge des Consommateurs Test‑Achats e o. (C‑236/09, EU:C:2011:100, n.os 30 a 33); ou de 8 de abril de 2014, Digital Rights Ireland e o. (C‑293/12 e C‑594/12, EU:C:2014:238, n.os 37 e 48 a 71).

( 76 ) Nota 73,supra, n.os 173 a 182 das presentes conclusões.

( 77 ) Acórdão de 27 de fevereiro de 2018 (C‑64/16, EU:C:2018:117).

( 78 ) Acórdãos de 27 de fevereiro de 2018, Associação Sindical dos Juízes Portugueses (C‑64/16, EU:C:2018:117, n.o 29); de 24 de junho de 2019, Comissão/Polónia (Independência do Supremo Tribunal) (C‑619/18, EU:C:2019:531, n.o 50); de 19 de novembro de 2019, A. K. e o. (Independência da Secção Disciplinar do Supremo Tribunal) (C‑585/18, C‑624/18 e C‑625/18, EU:C:2019:982, n.o 82); ou de 26 de março de 2020, Miasto Łowicz e Prokurator Generalny zastępowany przez Prokuraturę Krajową (Regime disciplinar dos juízes) (C‑558/18 e C‑563/18, EU:C:2020:234, n.o 33).

( 79 ) Acórdãos de 24 de junho de 2019, Comissão/Polónia (Independência do Supremo Tribunal) (C‑619/18, EU:C:2019:531, n.o 51); de 19 de novembro de 2019, A. K. e o. (Independência da Secção Disciplinar do Supremo Tribunal) (C‑585/18, C‑624/18 e C‑625/18, EU:C:2019:982, n.o 83); ou de 26 de março de 2020, Miasto Łowicz and Prokurator Generalny zastępowany przez Prokuraturę Krajową (Regime disciplinar dos juízes) (C‑558/18 e C‑563/18, EU:C:2020:234, n.o 34). O sublinhado é meu.

( 80 ) A aplicação nacional do direito da União não é obviamente limitada à aplicação direta das suas fontes, como é o caso dos regulamentos, mas também à aplicação da legislação nacional que transpõe o direito da União, como é o caso das diretivas, o que significa que a aplicação indireta das normas do direito da União é tida em conta na interpretação conforme.

( 81 ) Mas v., talvez em relação à sua lógica mas não necessariamente à sua redação, o recente Despacho de 2 de julho de 2020, S.A.D. Maler und Anstreicher OG (C‑256/19, EU:C:2020:523).

( 82 ) Acórdão de 26 de março de 2020, Miasto Łowicz and Prokurator Generalny zastępowany przez Prokuraturę Krajową (Regime disciplinar dos juízes) (C‑558/18 and C‑563/18, EU:C:2020:234, n.o 45), e Despacho de 2 de julho de 2020, S.A.D. Maler und Anstreicher OG (C‑256/19, EU:C:2020:523, n.o 43).

( 83 ) Acórdão de 26 de março de 2020, Miasto Łowicz and Prokurator Generalny zastępowany przez Prokuraturę Krajową (Regime disciplinar dos juízes) (C‑558/18 e C‑563/18, EU:C:2020:234, n.o 48), e Despacho de 2 de julho de 2020, S.A.D. Maler und Anstreicher OG (C‑256/19, EU:C:2020:523, n.o 45).

( 84 ) N.os 89 a 92, 99 a 104 e 106 a 109.

( 85 ) A contrario, Acórdão de 26 de março de 2020, Miasto Łowicz and Prokurator Generalny zastępowany przez Prokuraturę Krajową (Regime disciplinar dos juízes) (C‑558/18 e C‑563/18, EU:C:2020:234, n.o 49).

( 86 ) V., sobreposição da norma no que diz respeito ao artigo 19.o, n.o 1, TUE no Acórdão de 24 de junho de 2019, Comissão/Polónia (Independência do Supremo Tribunal) (C‑619/18, EU:C:2019:531, n.os 58, 72 a 74 e 112) com o Acórdão de 19 de novembro de 2019, A. K. e o. (Independência da Secção Disciplinar do Supremo Tribunal) (C‑585/18, C‑624/18 e C‑625/18, EU:C:2019:982, n.os 120 a 125).

( 87 ) Acórdão de 26 de março de 2020, Review Simpson e HG/Conselho e Comissão (C‑542/18 RX‑II e C‑543/18 RX‑II, EU:C:2020:232, n.o 71).

( 88 ) V., neste sentido, Acórdão de 19 de novembro de 2019, A. K. e o. (Independência da Secção Disciplinar do Supremo Tribunal) (C‑585/18, C‑624/18 e C‑625/18, EU:C:2019:982, n.os 116 a 118).

( 89 ) V. Acórdãos de 17 de abril de 2018, Egenberger (C‑414/16, EU:C:2018:257, n.o 78); de 29 de julho de 2019, Torubarov (C‑556/17, EU:C:2019:626, n.o 56); e de 19 de novembro de 2019, A. K. e o. (Independência da Secção Disciplinar do Supremo Tribunal) (C‑585/18, C‑624/18 e C‑625/18, EU:C:2019:982, n.o 162).

( 90 ) Acórdão de 27 de fevereiro de 2018 (C‑64/16, EU:C:2018:117, n.o 52). Porém, v., para uma abordagem diferente baseada na Carta, as Conclusões do advogado‑geral H. Saugmandsgaard Øe nesse processo (C‑64/16, EU:C:2017:395).

( 91 ) Conforme referi nas minhas Conclusões no processo Torubarov (C‑556/17, EU:C:2019:339, n.os 53 a 55).

( 92 ) Quinta questão no processo C‑291/19 relativa ao direito a um processo equitativo, através do julgamento da causa num prazo razoável.

( 93 ) Tal como referido nos n.os 128 a 182 das presentes conclusões.

( 94 ) V. Acórdão de 19 de novembro de 2019, A. K. e o. (Independência da Secção Disciplinar do Supremo Tribunal) (C‑585/18, C‑624/18 e C‑625/18, EU:C:2019:982, n.o 169).

( 95 ) O que, até agora, não parece ser o caso. No entanto, sugerindo uma tal abordagem, v. Conclusões do advogado‑geral E. Tanchev no processo Comissão/Polónia (Independência dos órgãos jurisdicionais de direito comum) (C‑192/18, EU:C:2019:529, n.o 115).

( 96 ) Com a tendência recente a ser, reconhecidamente, mais rigorosa do que anteriormente. Além do já referido Acórdão de 26 de março de 2020, Miasto Łowicz e Prokurator Generalny zastępowany przez Prokuraturę Krajową (Regime disciplinar dos juízes) (C‑558/18 e C‑563/18, EU:C:2020:234, n.os 43 a 49) (supra, n.os 209 e 210), v. igualmente Despacho de 2 de julho de 2020, S.A.D. Maler und Anstreicher OG (C‑256/19, EU:C:2020:523, n.os 45 a 48). Tal tendência não é imediatamente conciliável com a abordagem efetivamente bastante generosa de outro tipo de questões relativas à compatibilidade de procedimentos ou instituições nacionais com o direito da União que um juiz nacional é normalmente autorizado a submeter (v., especialmente, n.o 47 do referido despacho, comparado com o Acórdão de 17 de fevereiro de 2011, Weryński (C‑283/09, EU:C:2011:85, n.os 41 e 42) que aí é igualmente referido, e, com efeito, com muitas outras decisões do Tribunal de Justiça).

( 97 ) Acórdão de 25 de julho de 2018, Minister for Justice and Equality (Falhas do sistema judiciário) (C‑216/18 PPU, EU:C:2018:586, n.os 68 a 79).

( 98 ) Aristotle’s Nicomachean Ethics. A New Translation de Bartlett, R.C e Collins, S.D. University of Chicago Press, 2011, Livro 3.

( 99 ) V., neste sentido, Acórdãos de 24 de junho de 2019, Comissão/Polónia (Independência do Supremo Tribunal) (C‑619/18, EU:C:2019:531, n.o 58 e jurisprudência referida), e de 19 de novembro de 2019, A. K. e o. (Independência da Secção Disciplinar do Supremo Tribunal) (C‑585/18, C‑624/18 e C‑625/18, EU:C:2019:982, n.o 120).

( 100 ) V., neste sentido, Acórdãos de 24 de junho de 2019, Comissão/Polónia (Independência do Supremo Tribunal) (C‑619/18, EU:C:2019:531, n.o 47 e jurisprudência referida), e de 19 de novembro de 2019, A. K. e o. (Independência da Secção Disciplinar do Supremo Tribunal) (C‑585/18, C‑624/18 e C‑625/18, EU:C:2019:982, n.o 98).

( 101 ) V., neste sentido, Acórdãos de 24 de junho de 2019, Comissão/Polónia (Independência do Supremo Tribunal) (C‑619/18, EU:C:2019:531, n.o 52), e de 19 de novembro de 2019, A. K. e o. (Independência da Secção Disciplinar do Supremo Tribunal) (C‑585/18, C‑624/18 e C‑625/18, EU:C:2019:982, n.o 115).

( 102 ) V., a respeito, segundo parágrafo do artigo 47.o da Carta, Acórdão de 19 de novembro de 2019, A. K. e o. (Independência da Secção Disciplinar do Supremo Tribunal) (C‑585/18, C‑624/18 e C‑625/18, EU:C:2019:982, n.o 130 e jurisprudência referida).

( 103 ) Ibid., n.os 124 a 126 e jurisprudência referida.

( 104 ) Ibid., n.o 121 e jurisprudência referida. O sublinhado é meu.

( 105 ) Ibid., n.o 125 e jurisprudência referida.

( 106 ) Acórdão de 19 de novembro de 2019, A. K. e o. (Independência da Secção Disciplinar do Supremo Tribunal) (C‑585/18, C‑624/18 e C‑625/18, EU:C:2019:982, n.o 127) fazendo referência, neste sentido, ao Acórdão do TEDH de 6 de novembro de 2018, Ramos Nunes de Carvalho e Sá/Portugal, CE:ECHR:2018:1106JUD005539113, § 144 e jurisprudência referida), e ao Acórdão do TEDH de 21 de junho de 2011, Fruni/Eslováquia, CE:ECHR:2011:0621JUD000801407, § 141.

( 107 ) Acórdão de 19 de novembro de 2019, A. K. e o. (Independência da Secção Disciplinar do Supremo Tribunal) (C‑585/18, C‑624/18 e C‑625/18, EU:C:2019:982, n.o 128) fazendo referência aos Acórdãos do TEDH de 6 de maio de 2003, Kleyn e o./Países Baixos, CE:ECHR:2003:0506JUD003934398, § 191 e jurisprudência referida, e de 6 de novembro de 2018, Ramos Nunes de Carvalho e Sá/Portugal, CE:ECHR:2018:1106JUD005539113, §§ 145, 147 e 149 e jurisprudência referida.

( 108 ) Foi esse o caso no Acórdão de 19 de novembro de 2019, A. K. e o. (Independência da Secção Disciplinar do Supremo Tribunal) (C‑585/18, C‑624/18 e C‑625/18, EU:C:2019:982).

( 109 ) V., para esses dois tipos de situações, as minhas conclusões no processo Torubarov (C‑556/17, EU:C:2019:339, n.o 53).

( 110 ) Acórdãos de 24 de junho de 2019, Comissão/Polónia (Independência do Supremo Tribunal) (C‑619/18, EU:C:2019:531), e de 5 de novembro de 2019, Comissão/Polónia (Independência dos órgãos jurisdicionais de direito comum) (C‑192/18, EU:C:2019:924).

( 111 ) Acórdão de 26 de março de 2020, Miasto Łowicz and Prokurator Generalny zastępowany przez Prokuraturę Krajową (Regime disciplinar dos juízes) (C‑558/18 e C‑563/18, EU:C:2020:234).

( 112 ) Acórdãos de 27 de fevereiro de 2018, Associação Sindical dos Juízes Portugueses (C‑64/16, EU:C:2018:117), e de 7 de fevereiro de 2019, Escribano Vindel (C‑49/18, EU:C:2019:106).

( 113 ) N.os 198 a 202 das presentes conclusões.

( 114 ) V., igualmente, o já citado Despacho de 2 de julho de 2020, S.A.D. Maler und Anstreicher OG (C‑256/19, EU:C:2020:523).

( 115 ) Relativamente a esta abordagem, v., Acórdão de 19 de novembro de 2019, A. K. e o. (Independência da Secção Disciplinar do Supremo Tribunal) (C‑585/18, C‑624/18 e C‑625/18, EU:C:2019:982, n.os 152 e 153). V., igualmente, as minhas conclusões no processo PG (C‑406/18, EU:C:2019:1055) (sobre o prazo de sessenta dias para o tribunal decidir, se for considerado no contexto de outras regras processuais e restrições institucionais para o funcionamento de uma fiscalização jurisdicional efetiva das decisões sobre proteção internacional num Estado‑Membro).

( 116 ) V., por exemplo, no que respeita à jurisprudência, Acórdãos 19 de março de 2020, Sánchez Ruiz e o. (C‑103/18 e C‑429/18, EU:C:2020:219, n.o 80); ou a práticas administrativas, por exemplo, Acórdãos de 11 de junho de 2015, Zh. e o. (C‑554/13, EU:C:2015:377, n.o 75); de 17 de dezembro de 2015, Viamar (C‑402/14, EU:C:2015:830, nos 31 e 46); ou de 20 de junho de 2018, Enteco Baltic (C‑108/17, EU:C:2018:473, n.o 100).

( 117 ) Relatório periódico sobre os progressos realizados pela Roménia com vista à adesão, COM(2004) 657 final, p. 19.

( 118 ) V. Relatório MCV de 2018, p. 3.

( 119 ) Lei n.o 207/2018 (v. n.o 20 das presentes conclusões), bem como Legea nr. 234/2018 pentru modificarea și completarea Legii nr. 317/2004 privind CSM (Lei n.o 234/2018 que altera e complementa a Lei n.o 317/2004 Relativa ao CSM), Monitorul Oficial, n.o 850 de 8 de outubro de 2018 e Legea nr. 242/2018 pentru modificarea și completarea Legii nr. 303/2004 privind statutul judecătorilor și procurorilor (Lei n.o 242/2018 que altera e complementa a Lei n.o 303/2004 Relativa ao Estatuto dos Juízes e dos Procuradores, Monitorul Oficial, n.o 868, de 15 de outubro de 2018).

( 120 ) Relatório MCV de 2018, p. 9.

( 121 ) V. Relatório Ad hoc do GRECO sobre a Roménia (Regra 34). Adotado na sua 79a Reunião Plenária realizada em 23 de março de 2018 (2018/2).

( 122 ) Decretos urgentes n.o 77/2018; n.o 90/2018; n.o 92/2018; n.o 7/2019 e n.o 12/2019. V. n.os 18 e 27 a 34 das presentes conclusões.

( 123 ) V., igualmente, Relatório MCV de 2018, p. 3.

( 124 ) Comissão de Veneza, Parecer n.o 924/2018 sobre as alterações às Leis n.o 303/2004 Relativa ao Estatuto dos Juízes e dos Procuradores, n.o 304/2004 Relativa à Organização Judiciária e n.o 317/2004 Relativa ao Conselho Superior da Magistratura (Roménia) CDL‑AD(2018)017.

( 125 ) Relatório Ad hoc do GRECO sobre a Roménia (Regra 34). Adotado na sua 79a Reunião Plenária realizada em 23 de março de 2018 (2018/2).

( 126 ) Comissão de Veneza, Parecer n.o 950/2019 sobre os Decretos urgentes DUG n.o 7 e DUG n.o 12 que alteram as Leis sobre a Justiça (Roménia) CDL‑AD(2019)014.

( 127 ) Acórdão de 24 de junho de 2019, Comissão/Polónia (Independência do Supremo Tribunal) (C‑619/18, EU:C:2019:531, n.o 77).

( 128 ) Acórdão de 24 de junho de 2019, Comissão/Polónia (Independência do Supremo Tribunal) (C‑619/18, EU:C:2019:531, n.o 77).

( 129 ) A este respeito, é possível depreender que a Carta concede efetivamente um objetivo de proteção mais elevado do que o TEDH, apesar da recente evolução deste último em, por exemplo, TEDH, 9 de janeiro de 2013, Volkov/Ucrânia CE:ECHR:2013:0109JUD002172211, §§ 87 a 91; ECtHR, 23 de junho de 2016, Baka/Hungria, CE:ECHR:2016:0623JUD002026112 (Grande Câmara) §§ 107 e segs.; ECtHR, 23 de maio de 2017, Paluda/Eslováquia, CE:ECHR:2017:0523JUD003339212 (Terceira Secção), §§ 33 a 35; ECtHR, 25 de setembro de 2018, Denisov/Ucrânia, CE:ECHR:2018:0925JUD007663911 (Grande Câmara), §§ 44 e segs.

( 130 ) Segundo os esclarecimentos prestados pelo Governo romeno na audiência, as competências dos inspetores judiciais estão enumeradas no artigo 74.o, n.o 1, da Lei n.o 317/2004. Nos termos do artigo 45.o, n.o 1, da Lei n.o 317/2004, a Inspeção Judicial pode iniciar uma investigação oficiosamente, ou a pedido de qualquer pessoa interessada, incluindo o CSM. Nos termos do artigo 44(31) e 1 da referida lei, o Ministro da Justiça pode solicitar à Inspeção Judicial que estabeleça se existem indícios de infrações disciplinares por parte dos procuradores.

( 131 ) Segundo o artigo 74.o da Lei n.o 317/2004 e artigo 94.o da Lei n.o 303/2004. V. as minhas Conclusões no processo C‑397/19.

( 132 ) Resulta dos autos apresentados ao Tribunal de Justiça que esses poderes foram reforçados pela Lei n.o 234, de 4 de outubro de 2018 (Monitorul Oficial n.o 850 de 8 de outubro de 2018), que alterou o artigo 69.o da Lei n.o 317/2004, relativo aos poderes do inspetor‑chefe.

( 133 ) V., a respeito dos efeitos sobre a independência do poder judicial da mera eventual abertura de processos disciplinares, TEDH, 9 de fevereiro de 2012, Kinský/República Checa, CE:ECHR:2012:0209JUD004285606, §§ 97 a 99.

( 134 ) V., por exemplo, Acórdão de 19 de novembro de 2019, A. K. e o. (Independência da Secção Disciplinar do Supremo Tribunal) (C‑585/18, C‑624/18 e C‑625/18, EU:C:2019:982, n.o 133) que refere para o efeito: Acórdão de 31 de janeiro de 2013, D. e A. (C‑175/11, EU:C:2013:45, n.o 99), e TEDH de 28 de junho de 1984, Campbell e Fell/Reino Unido, CE:ECHR:1984:0628JUD000781977, § 79; de 2 de junho de 2005, Zolotas/Grécia, CE:ECHR:2005:0602JUD003824002, §§ 24 e 25de 9 de novembro de 2006, Sacilor Lormines/França, CE:ECHR:2006:1109JUD006541101, § 67; e de 18 de outubro de 2018, Thiam/França, CE:ECHR:2018:1018JUD008001812, § 80 e jurisprudência referida.

( 135 ) Apenas para citar o exemplo mais óbvio, v. artigo 5.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia.

( 136 ) O mandato inicial de L. Netejoru expirou em 1 de setembro de 2018, e o Decreto urgente n.o 77/2018 foi adotado em 5 de setembro de 2018.

( 137 ) Esta foi também a posição defendida pelo Governo romeno nas suas observações escritas.

( 138 ) O Governo romeno citou relatórios da Inspeção Judicial 5488/IJ/1365/DIP/2018 e 5488/IJ/2510/DIJ/2018.

( 139 ) N.o 141 do referido Acórdão.

( 140 ) Esta foi também a posição apresentada pelo Governo romeno nas suas observações escritas.

( 141 ) Acórdão de 19 de novembro de 2019, A. K. e o. (Independência da Secção Disciplinar do Supremo Tribunal) (C‑585/18, C‑624/18 e C‑625/18, EU:C:2019:982, n.os 141a 144). V., igualmente, supra, n.o 242 a 244 das presentes conclusões.

( 142 ) Supra, n.os 227 a 230 (geral) bem como n.o 265.

( 143 ) V., sobre esta variedade, por exemplo, o Relatório da Comissão de Veneza sobre as Normas Europeias relativas à Independência do Sistema Judicial: Parte II — o Ministério Público, aprovado na sua 85a sessão plenária (Veneza, 17‑18 de dezembro de 2010), [CDL‑AD(2010)040].

( 144 ) V. também, a este respeito, o Parecer da Comissão de Veneza n.o 924/2018 sobre as alterações à Lei n.o 303/2004 Relativa ao Estatuto dos Juízes e dos Procuradores, à Lei n.o 304/2004 Relativa à Organização Judiciária e à Lei n.o 317/2004 Relativa ao Conselho Superior da Magistratura (Roménia) CDL‑AD(2018)017.

( 145 ) Acórdão de 19 de novembro de 2019, A. K. e o. (Independência da Secção Disciplinar do Supremo Tribunal) (C‑585/18, C‑624/18 e C‑625/18, EU:C:2019:982, n.o 128 e jurisprudência do TEDH referida).

( 146 ) V., também, Parecer da Comissão de Veneza n.o 924/2018 sobre as alterações à Lei n.o 303/2004 Relativa ao Estatuto dos Juízes e dos Procuradores, à Lei n.o 304/2004 Relativa à Organização Judiciária e à Lei n.o 317/2004 Relativa ao Conselho Superior da Magistratura (Roménia) [CDL‑AD(2018)017], n.o 88.

( 147 ) V., por exemplo, Relatório Técnico do MCV de 2018, p. 24; Parecer da Comissão de Veneza n.o 950/2019 sobre os Decretos urgentes DUG n.o 7 e DUG n.o 12 que alteram as Leis sobre a Justiça (Roménia) CDL‑AD(2019)014, n.o 40; e Relatório ad hoc do GRECO sobre a Roménia (Regra 34) adotado na sua 79a Reunião Plenária de 23 de março de 2018 (2018/2), n.o 34.

( 148 ) V., supra, n.o 288.

( 149 ) Decreto urgente n.o 90/2018 (supra, n.o 27) que alterou as garantias do processo de seleção a fim de assegurar uma nomeação provisória da direção e de um terço dos procuradores da SISJ, estabeleceu um prazo de três meses, até 23 de outubro de 2018, para que a SISJ se tornasse operacional. O Governo romeno explicou na audiência que, com base no preâmbulo desse decreto, a partir dessa data, as outras secções do Ministério Público deixaram de ter competência sobre as violações abrangidas pela SISJ. Por conseguinte, foi considerado necessário criar por decreto urgente um procedimento derrogatório para assegurar a nomeação provisória da direção da secção e de um terço dos procuradores.

( 150 ) A urgência do Decreto urgente n.o 12/2019 (supra, n.o 34) foi justificada pela necessidade de estabelecer regras sobre o estatuto e as funções dos agentes das forças de segurança e dos especialistas que atuam em nome da SISJ.

( 151 ) Artigo 885, n.o 5 foi alterado pelo Decreto urgente n.o 92/2018 (reproduzido, supra, no n.o 30); Decreto urgente n.o 7/2019 introduziu dois novos números no artigo 885 (n.o 32, supra).

( 152 ) Como o Governo romeno constatou na audiência, o artigo 881(5) prevê que o procurador‑geral deve resolver os conflitos de competência. A Comissão de Veneza declarou que não é certo se esta garantia será eficaz, tendo em conta o eventual número de conflitos e os recursos do procurador‑geral da República para analisar todos os casos. Parecer da Comissão de Veneza n.o 950/2019 sobre os Decretos urgentes DUG n.o 7 e DUG n.o 12 que alteram as Leis sobre a Justiça (Roménia) [CDL‑AD(2019)014], n.o 40.

( 153 ) Incluindo o antigo procurador‑chefe, o antigo procurador‑geral da DNA, o presidente da Înalta Curte de Casație şi Justiție (Tribunal Superior de Cassação e Justiça) membros do CSM e juízes que submeteram questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça.

( 154 ) N.os 241 a 247, supra, das presentes conclusões.

( 155 ) Recordo que, tal como referido no n.o 187 das presentes conclusões, a Comissão considera que o artigo 47.o só é aplicável se o processo principal disser respeito a uma situação de «aplicação do direito da União».

( 156 ) V. n.os 198 a 202, supra.

( 157 ) V., por exemplo, TEDH, 5 de outubro de 2017, Kalēja/Letónia, CE:ECHR:2017:1005JUD002205908, § 36 e jurisprudência referida.

( 158 ) V., por exemplo, TEDH, 11 de junho de 2015, Tychko/Rússia, CE:ECHR:2015:0611JUD005609707, § 63. No contexto da Diretiva 2013/48/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2013, relativa ao direito de acesso a um advogado em processo penal e nos processos de execução de mandados de detenção europeus, e ao direito de informar um terceiro aquando da privação de liberdade e de comunicar, numa situação de privação de liberdade, com terceiros e com as autoridades consulares (JO 2013, L 294, p. 1), v. também Acórdão de 12 de março de 2020, VW (Direito de acesso a um advogado em caso de não comparência) (C‑659/18, EU:C:2020:201, n.os 24 a 27).

( 159 ) TEDH, 22 de maio de 1998, Hozee/Países Baixos (CE:ECHR:1998:0522JUD002196193), n.o 43, e de 18 de agosto de 2007, Šubinski/Eslovénia (CE:ECHR:2007:0118JUD001961104), §§ 65 a 68, e de 5 de outubro de 2017, Kalēja/Letónia (CE:ECHR:2017:1005JUD002205908), §§ 37 a 40 e jurisprudência referida.

( 160 ) Designadamente, TEDH, 10 de setembro de 2010, McFarlane/Irlanda, CE:ECHR:2010:0910JUD003133306, § 140.

( 161 ) TEDH, 25 de novembro de 1992, Abdoella/Países Baixos, CE:ECHR:1992:1125JUD001272887, § 24.

( 162 ) V., entre os muitos casos em que a conduta do Ministério Público levou à duração pouco razoável do processo, TEDH, 26 de novembro de 1992, Francesco Lombardo/Itália, CE:ECHR:1992:1126JUD001151985, §22.

( 163 ) TEDH, 10 de maio de 2011, Dimitrov e Hamanov/Bulgária, CE:ECHR:2011:0510JUD004805906, §72. V., igualmente, TEDH, 13 de julho de 1983, Zimmermann e Steiner/Suíça, CE:ECHR:1983:0713JUD000873779, §§ 29 a 32.