CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

GERARD HOGAN

apresentadas em 11 de março de 2021 ( 1 )

Processo de Parecer 1/19

Pedido de parecer apresentado pelo Parlamento Europeu

«Pedido de parecer apresentado ao abrigo do artigo 218.o, n.o 11, TFUE — Convenção para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e [à] Violência Doméstica (Convenção de Istambul) — Adesão da União — Competências externas da União — Bases jurídicas adequadas — Artigo 78.o, n.o 2, TFUE — Artigo 82.o, n.o 2, TFUE — Artigo 83.o, n.o 1, TFUE — Artigo 84.o TFUE — Cisão das decisões relativas à assinatura e à celebração da convenção segundo as bases jurídicas aplicáveis — Compatibilidade com os Tratados UE e FUE — Prática do “acordo comum” — Compatibilidade com os Tratados UE e FUE — Admissibilidade do pedido de parecer»

I. Introdução

1.

A recente jurisprudência do Tribunal de Justiça demonstra amplamente que a relação entre os Estados‑Membros e a União em matéria de celebração de acordos internacionais vinculativos para ambas as partes pode suscitar algumas das questões mais difíceis e complexas do direito da União. A delimitação das competências respetivas dos Estados‑Membros e da União (e a sua interação) envolve invariavelmente questões de difícil qualificação, que exigem frequentemente uma análise pormenorizada e precisa de um acordo internacional cuja redação nem sempre teve em conta as complexidades subtis da arquitetura institucional da União Europeia (e da sua repartição de competências).

2.

O mesmo se aplica, lamentavelmente, ao acordo internacional — a saber, a Convenção para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e [à] Violência Doméstica, adotada pelo Conselho de Ministros do Conselho da Europa, em 7 de abril de 2011 (a seguir «Convenção de Istambul») —, que constitui o objeto do presente pedido de parecer nos termos das disposições do artigo 218.o, n.o 11, TFUE. Embora esta convenção procure promover o objetivo nobre e desejável do combate à violência contra mulheres e crianças, a questão de saber se a celebração desta convenção específica é compatível com os Tratados da União Europeia suscita questões jurídicas complexas de alguma novidade que devem naturalmente ser examinadas de uma perspetiva jurídica, com distanciamento e serenidade. A questão coloca‑se da seguinte forma.

II. Contexto da Convenção de Istambul

3.

Em 1979, as Nações Unidas adotaram a Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (a seguir «CEDAW»). Esta convenção foi complementada por recomendações elaboradas pelo Comité CEDAW, nomeadamente a Recomendação Geral n.o 19 (1992), sobre a Violência contra as Mulheres, por sua vez atualizada pela Recomendação Geral n.o 35, sobre a Violência de Género contra as Mulheres (2017). Estas recomendações precisam que a violência de género constitui uma discriminação na aceção da CEDAW.

4.

O Conselho da Europa, numa recomendação dirigida aos seus membros, propôs pela primeira vez na Europa uma estratégia global para a prevenção da violência contra as mulheres e para a proteção das vítimas em todos os Estados que são membros do Conselho da Europa.

5.

Em dezembro de 2008, o Conselho da Europa criou um comité de peritos, denominado Grupo de Peritos sobre o Combate à Violência contra as Mulheres e [à] Violência Doméstica (a seguir «GREVIO»). Este órgão, composto por representantes dos governos dos Estados membros do Conselho da Europa, foi encarregado de elaborar um ou mais instrumentos jurídicos vinculativos «para prevenir e combater a violência doméstica, incluindo formas específicas de violência contra as mulheres, outras formas de violência contra as mulheres, e para proteger e apoiar as vítimas desses atos e processar criminalmente os seus autores».

6.

O GREVIO reuniu‑se nove vezes e finalizou o texto do projeto de convenção em dezembro de 2010. A União não participou nas negociações ( 2 ).

7.

O Comité de Ministros do Conselho da Europa adotou a Convenção para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e [à] Violência Doméstica, em 7 de abril de 2011. A convenção foi aberta à assinatura, em 11 de maio de 2011, por ocasião da 121.a sessão do Comité de Ministros em Istambul ( 3 ).

8.

Em 5 e 6 de junho de 2014, o Conselho da União Europeia, na sua formação «Justiça e Assuntos Internos», adotou conclusões em que convidava os Estados membros a assinar, celebrar e implementar essa convenção.

9.

A Comissão apresentou subsequentemente ao Conselho da União Europeia, em 4 de março de 2016, uma proposta de decisão do Conselho relativa à assinatura, em nome da União Europeia, da Convenção de Istambul. A proposta especifica que a celebração dessa convenção é da competência tanto da União como dos Estados‑Membros. No que respeita à União, a proposta da Comissão previa a assinatura da Convenção de Istambul através de uma única decisão baseada nos artigos 82.o, n.o 2, e 84.o TFUE.

10.

Juntamente com esta proposta de decisão do Conselho que autoriza a assinatura, em nome da União, da Convenção de Istambul, a Comissão apresentou ao Conselho uma proposta de decisão única do Conselho que autoriza a celebração, em nome da União, dessa convenção. A base jurídica proposta pela Comissão era a mesma que a indicada na proposta da Comissão relativa à assinatura, ou seja, os artigos 82.o, n.o 2, e 84.o TFUE.

11.

Durante as discussões sobre o projeto de decisão nas instâncias preparatórias do Conselho, verificou‑se que, em relação a certos domínios, a celebração da Convenção de Istambul pela União, tal como proposta pela Comissão, não iria obter o apoio da maioria qualificada dos membros do Conselho exigida. Por conseguinte, foi decidido limitar o âmbito da proposta de celebração da Convenção de Istambul pela União apenas aos poderes que, no entender dessas instâncias preparatórias, eram da competência exclusiva da União. Por conseguinte, as bases jurídicas da proposta foram alteradas, tendo sido suprimida a referência ao artigo 84.o TFUE e acrescentados os artigos 83.o, n.o 1, e 78.o, n.o 2, TFUE ao artigo 82.o, n.o 2, TFUE. Foi igualmente decidido cindir em duas partes a proposta de decisão do Conselho relativa à assinatura da Convenção de Istambul e adotar duas decisões a fim de ter em conta o caso específico da Irlanda e do Reino Unido, previsto no Protocolo n.o 21 anexo ao Tratado UE e ao Tratado FUE.

12.

Estas alterações, efetuadas na reunião do Comité dos Representantes Permanentes (COREPER) de 26 de abril de 2017, foram aprovadas pela Comissão.

13.

Em 11 de maio de 2017, o Conselho adotou duas decisões separadas relativas à assinatura da Convenção de Istambul, nomeadamente:

a Decisão (UE) 2017/865 do Conselho, de 11 de maio de 2017, relativa à assinatura, em nome da União Europeia, da Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e [à] Violência Doméstica no que diz respeito a matérias relativas à cooperação judiciária em matéria penal (JO 2017, L 131, p. 11). Esta decisão menciona os artigos 82.o, n.o 2, e 83.o, n.o 1, TFUE como bases jurídicas materiais;

a Decisão (UE) 2017/866 do Conselho, de 11 de maio de 2017, relativa à assinatura, em nome da União Europeia, da Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e [à] Violência Doméstica no que diz respeito ao asilo e à não repulsão (JO 2017, L 131, p. 13). Esta decisão indica o artigo 78.o, n.o 2, TFUE como base jurídica material.

14.

Os considerandos 5 a 7 de ambas as decisões indicam o seguinte:

«(5)

Tanto a União como os seus Estados‑Membros têm competência nos domínios abrangidos pela Convenção [de Istambul].

(6)

A Convenção [de Istambul] deverá ser assinada em nome da União no que respeita a matérias abrangidas pela competência da União, na medida em que a Convenção [de Istambul] possa afetar regras comuns ou alterar o alcance das mesmas. Isto aplica‑se, em particular, a certas disposições da Convenção [de Istambul] relativas à cooperação judiciária em matéria penal e às disposições da Convenção [de Istambul] relativas a asilo e não repulsão. Os Estados‑Membros mantêm as suas competências na medida em que a Convenção [de Istambul] não afete regras comuns nem altere o alcance das mesmas.

(7)

A União tem igualmente competência exclusiva para aceitar as obrigações estabelecidas na Convenção [de Istambul] no que respeita às suas próprias instituições e [A]dministração [P]ública.»

15.

De acordo com o considerando 10 da Decisão 2017/865, «[a] Irlanda e o Reino Unido estão vinculados [à Diretiva 2011/36/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de abril de 2011, relativa à prevenção e luta contra o tráfico de seres humanos e à proteção das vítimas, e que substitui a Decisão‑Quadro 2002/629/JAI do Conselho (JO 2011, L 101, p. 1), e [à] Diretiva 2011/93/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, relativa à luta contra o abuso sexual e a exploração sexual de crianças e a pornografia infantil, e que substitui a Decisão‑Quadro 2004/68/JAI do Conselho (JO 2011, L 335, p. 1)], pelo que participam na adoção da presente decisão».

16.

Segundo o considerando 10 da Decisão 2017/866, «[n]os termos dos artigos 1.o e 2.o do Protocolo n.o 21 relativo à posição do Reino Unido e da Irlanda em relação ao espaço de liberdade, segurança e justiça, anexo ao TUE e ao TFUE, e sem prejuízo do artigo 4.o do referido Protocolo, estes Estados‑Membros não participam na adoção da presente decisão e não ficam a ela vinculados nem sujeitos à sua aplicação».

17.

O considerando 11 de ambas as decisões indica que, «[n]os termos dos artigos 1.o e 2.o do Protocolo n.o 22 relativo à posição da Dinamarca, anexo ao TUE e ao TFUE, a Dinamarca não participa na adoção da presente decisão e não fica a ela vinculada nem sujeita à sua aplicação».

18.

Em conformidade com essas duas decisões relativas à assinatura da Convenção de Istambul, esta convenção foi assinada, em nome da União, em 13 de junho de 2017 ( 4 ). No entanto, não foi adotada nenhuma decisão relativamente à celebração da Convenção de Istambul.

19.

Em 9 de julho de 2019, o Parlamento Europeu apresentou ao Tribunal de Justiça, em conformidade com o artigo 218.o, n.o 11, TFUE, um pedido de parecer sobre a adesão da União Europeia à Convenção de Istambul. O pedido de parecer tem a seguinte redação ( 5 ):

«[1. a)]   Os artigos 82.o, n.o 2, e 84.o TFUE constituem as bases jurídicas adequadas para o ato do Conselho relativo à celebração, pela União Europeia, da Convenção de Istambul, ou

[1. b)]   Este ato deve ter como base os artigos 78.o, n.o 2, 82.o, n.o 2, e 83.o, n.o 1, TFUE e é necessário ou possível cindir as decisões relativas à assinatura e à celebração da Convenção em duas, em consequência desta escolha de base jurídica?

[2.]   A celebração, pela União Europeia, da Convenção de Istambul em conformidade com o artigo 218.o, n.o 6, TFUE é compatível com os Tratados, na ausência de um acordo comum de todos os Estados‑Membros sobre o seu consentimento em ficarem vinculados à referida Convenção?»

III. Admissibilidade do pedido de parecer do Parlamento Europeu

20.

Existem duas vias principais para submeter à apreciação do Tribunal de Justiça os acordos internacionais celebrados pela União. A primeira consiste no exame de um acordo internacional, pelo Tribunal de Justiça, no âmbito do seu mandato jurisdicional geral, por ocasião de um processo de fiscalização jurisdicional, de execução ou de reenvio prejudicial. A segunda, que é relevante para o caso em apreço, consiste no processo previsto no artigo 218.o, n.o 11, TFUE, nos termos do qual o Tribunal de Justiça está especificamente habilitado, a pedido de um Estado‑Membro, do Parlamento Europeu, do Conselho ou da Comissão, a dar um parecer sobre a compatibilidade de um acordo internacional com os Tratados, cuja celebração está prevista pela União ( 6 ).

21.

O artigo 218.o TFUE prevê um processo de aplicação geral relativo à negociação e à celebração de acordos internacionais que a União tem competência para celebrar nos seus domínios de atuação ( 7 ). O último número — artigo 218.o, n.o 11, TFUE — instaura o importante mecanismo de fiscalização constitucional prévia do acordo projetado. Este mecanismo é importante do ponto de vista legislativo, uma vez que, por força do artigo 216.o, n.o 2, TFUE, os acordos internacionais celebrados pela União vinculam as instituições da União e os Estados‑Membros e são, portanto, suscetíveis, em princípio, de determinar a legalidade dos atos adotados por essas instituições. Do ponto de vista político, esse mecanismo é também importante porque a própria apresentação de um pedido de parecer pode revelar eventuais impedimentos à celebração formal do acordo ( 8 ).

22.

Embora o recurso ao processo previsto no artigo 218.o, n.o 11, TFUE seja relativamente raro, os pareceres proferidos pelo Tribunal de Justiça com base nesta disposição têm tido geralmente uma importância prática considerável, sobretudo pela clarificação que forneceram quanto ao alcance das competências da União no domínio do direito internacional, dos acordos internacionais e das matérias conexas. Os pareceres do Tribunal de Justiça enunciaram assim princípios fundamentais do direito das relações internacionais, que vão desde a exclusividade das competências da União até ao princípio da autonomia e da sua aplicação, em especial, na resolução de litígios internacionais. Alguns desses pareceres estabeleceram importantes princípios constitucionais que vão além das questões colocadas ou até dos limites do direito relativo às relações internacionais da União ( 9 ).

23.

O Tribunal de Justiça explicou com clareza a razão de ser deste processo no Parecer 1/75 ( 10 ), que é:

«prevenir as complicações que resultariam de contestações em juízo relativas à compatibilidade com o Tratado dos acordos internacionais que obrigam a [União]. Com efeito, uma decisão judicial que eventualmente verificasse que esse acordo é, tendo em vista quer o seu conteúdo, quer o processo adotado para a sua celebração, incompatível com as disposições do Tratado não deixaria de criar não só a nível [da União], mas também a nível das relações internacionais sérias dificuldades e correria o risco de provocar prejuízos a todas as partes interessadas, incluindo os países terceiros.

A fim de evitar estas complicações, o Tratado recorreu ao processo excecional de audição prévia do Tribunal, para que possa ser tirado a claro, antes da conclusão do acordo, se este é compatível com o Tratado.»

24.

Como o Tribunal de Justiça salientou ( 11 ), uma decisão judicial que declare eventualmente, após a celebração de um acordo internacional que vincula a União, que este é, em virtude do seu conteúdo ou do procedimento de celebração adotado, incompatível com as disposições dos Tratados não deixaria efetivamente de criar, quer ao nível da União quer ao nível das relações internacionais, sérias dificuldades de ordem jurídica e prática, correndo‑se o risco de provocar prejuízos a todas as partes interessadas, incluindo os Estados terceiros.

25.

O parecer solicitado ao Tribunal de Justiça no presente caso exige que este examine importantes questões preliminares relativas à admissibilidade das questões que lhe são apresentadas no contexto deste processo excecional.

A.   Exceções de inadmissibilidade suscitadas pelas partes

26.

Algumas das partes puseram em causa a admissibilidade do pedido de parecer, sob vários aspetos.

27.

Desde logo, no que respeita à alínea a) da primeira questão, o Conselho, juntamente com a Irlanda e o Governo húngaro, consideram que a mesma é inadmissível por ser extemporânea. Alegam que, uma vez que o Parlamento poderia ter contestado as decisões de assinar a Convenção de Istambul e, nessa ocasião, a validade das bases jurídicas escolhidas, já não pode submeter esta questão ao Tribunal de Justiça, dado que isso equivaleria a contornar as regras relativas aos prazos de interposição de um recurso de anulação e, desse modo, distorceria o objeto do processo de parecer.

28.

No que respeita à alínea b) da primeira questão, o Conselho contesta a sua admissibilidade no que toca à assinatura da Convenção de Istambul, uma vez que as decisões relativas à assinatura se tornaram definitivas.

29.

O Conselho alega também que a segunda questão é inadmissível por ser hipotética. Além da sua formulação geral, esta questão baseia‑se ainda na premissa de que o Conselho agiu de acordo com uma regra autoimposta, que consiste, no caso de um acordo misto, em aguardar que todos os Estados‑Membros tenham celebrado esse acordo antes de a União o fazer, sem que o Parlamento tenha demonstrado a existência de tal regra de conduta.

30.

Em termos mais gerais, o Conselho e os Governos espanhol e húngaro contestam a admissibilidade do pedido no seu todo. Salientam, antes de mais, que o processo decisório ainda se encontra numa fase preparatória e, em particular, ainda não chegou à fase em que o Conselho deve obter o acordo do Parlamento. Assim, uma vez que o Parlamento ainda tem a oportunidade de apresentar observações sobre a proposta de decisão de celebrar a Convenção de Istambul, o pedido de parecer é inadmissível por ser prematuro.

31.

Além disso, o Conselho considera que, na realidade, o Parlamento contesta a lentidão do processo de celebração. Por conseguinte, o Parlamento deveria ter intentado uma ação por omissão nos termos do artigo 265.o TFUE. Uma vez que o processo de parecer tem um objetivo distinto e não pode ser utilizado para obrigar outra instituição a agir, o pedido deve ser declarado inadmissível também com este fundamento. Os Governos espanhol, húngaro e eslovaco partilham deste ponto de vista.

32.

Por último, o Conselho, o Governo búlgaro, a Irlanda e os Governos grego, espanhol, húngaro e polaco consideram que, através do seu pedido de parecer, o Parlamento pretende, na realidade, contestar a decisão do Conselho de limitar o âmbito da celebração da Convenção de Istambul pela União às disposições abrangidas pelas competências exclusivas da União e, consequentemente, contestar a repartição exata de competências entre a União e os Estados‑Membros. Uma vez que o processo de parecer só pode tratar da validade de uma decisão de celebrar um acordo, o pedido de parecer deve ser declarado inadmissível.

B.   Análise

33.

Importa começar por salientar que, tendo em conta o significado jurídico e político do processo previsto no artigo 218.o, n.o 11, TFUE, tal como acima descrito, há que reconhecer, em princípio, que o processo de parecer tem um âmbito relativamente amplo ( 12 ).

34.

As questões que podem ser submetidas ao Tribunal de Justiça nos termos deste processo podem, portanto, dizer respeito à validade, quer formal quer substancial, da decisão de celebrar o acordo ( 13 ), estando sujeitas, na minha opinião, a três limites que se destinam a garantir, no essencial, que o Tribunal não responderá a uma questão sem interesse concreto para a celebração de um acordo específico ( 14 ).

35.

Em primeiro lugar, as questões levantadas devem necessariamente respeitar a um acordo internacional cuja celebração esteja iminente ou seja razoavelmente previsível, salvo se o processo previsto no artigo 218.o, n.o 11, for desencadeado ( 15 ). Isto decorre da própria redação do artigo 218.o, n.o 11, TFUE, que trata da compatibilidade de um «projeto de acordo» com os Tratados. Por conseguinte, o Parlamento (ou, de resto, qualquer outro requerente qualificado que esteja referido no artigo 218.o, n.o 11, TFUE) não pode, por exemplo, invocar o processo do artigo 218.o, n.o 11, TFUE para pedir ao Tribunal de Justiça que se pronuncie, numa base puramente abstrata ou inteiramente hipotética, sobre a questão de saber se a celebração de determinado acordo internacional viola o direito da União, quando a celebração desse acordo nunca tenha sido projetada ou a União tenha deixado claro que não o celebrará.

36.

No entanto, em princípio, as questões colocadas podem dizer respeito a qualquer cenário possível que esteja relacionado com a celebração do acordo projetado, desde que o processo tenha por objetivo prevenir as complicações que possam resultar da declaração de invalidade do ato de celebração desse acordo internacional ( 16 ). Com efeito, uma vez que este processo não é contraditório e tem lugar antes de a União celebrar o acordo projetado, a jurisprudência segundo a qual o Tribunal de Justiça se deve abster de emitir pareceres consultivos sobre questões gerais ou hipotéticas não é manifestamente aplicável ( 17 ). Com efeito, visto que esta forma de fiscalização ex ante implica necessariamente um elemento hipotético, qualquer conclusão contrária equivaleria a privar o artigo 218.o, n.o 11, TFUE do seu effet utile geral. Só na situação específica de ainda não serem conhecidos certos elementos necessários para responder à questão submetida é que, em meu entender, uma questão colocada num pedido de parecer pode ser declarada inadmissível, não por ser hipotética, mas por ser materialmente impossível ao Tribunal de Justiça responder‑lhe tendo em conta o estado das negociações ou do processo.

37.

Em segundo lugar, o pedido deve ter por objeto a compatibilidade da celebração desse acordo com os Tratados ( 18 ). Dada a importância da finalidade prosseguida por este processo, a saber, prevenir as complicações que poderiam resultar da declaração de invalidade do ato de celebração de um acordo internacional, para a interpretação da própria disposição ( 19 ), a questão submetida só deve ter por objeto elementos que possam influir na validade do ato de celebração ( 20 ). Como o Tribunal de Justiça declarou no Parecer 1/75 (Acordo OCDE relativo a uma norma para as despesas locais), de 11 de novembro de 1975 (EU:C:1975:145), no processo de parecer «[i]mpõe‑se […] admitir […] todas as questões suscetíveis […] desde que essas questões sejam de molde a suscitar dúvidas quanto à validade material ou formal [da decisão que autoriza a celebração, em nome da União, de um] acordo [internacional] relativamente ao Tratado» ( 21 ). No entanto, embora um pedido de parecer possa dizer respeito à questão de saber se um acordo deve ser celebrado exclusivamente pelos Estados‑Membros, pela União ou por ambos, não cabe ao Tribunal de Justiça, em sede de processo de parecer, decidir sobre a delimitação precisa das competências de cada um. Com efeito, no Parecer 2/00 (Protocolo de Cartagena sobre a prevenção dos riscos biotecnológicos), de 6 de dezembro de 2001 (EU:C:2001:664), o Tribunal de Justiça declarou que, estando demonstrada a sua existência, o alcance das competências respetivas da União e dos Estados‑Membros na mesma matéria não pode, enquanto tal, refletir‑se na própria competência da União para celebrar um acordo internacional nem, de um modo mais geral, nessa validade material ou nessa regularidade formal deste último à luz do Tratado ( 22 ).

38.

Além destes dois requisitos materiais, é igualmente necessário ter em conta um requisito formal. Quando exista um projeto de acordo e o Tribunal de Justiça seja chamado a pronunciar‑se sobre a compatibilidade das disposições do acordo projetado com as normas do Tratado, é necessário que o Tribunal de Justiça disponha de elementos suficientes sobre o próprio conteúdo do referido acordo para poder assumir efetivamente o seu papel ( 23 ). Por conseguinte, se o pedido não contiver o grau de precisão necessário relativamente à natureza e ao conteúdo do acordo internacional, deve ser declarado inadmissível ( 24 ).

39.

As várias exceções de inadmissibilidade suscitadas pelas partes podem agora ser analisadas à luz destes princípios.

40.

No que respeita às duas primeiras exceções de inadmissibilidade, relativas, respetivamente, por um lado, à não contestação pelo Parlamento, na fase da assinatura, da escolha dos artigos 78.o, n.o 2, 82.o, n.o 2, e 83.o, n.o 1, TFUE como base jurídica e, por outro, à possibilidade de interrogar o Tribunal de Justiça sobre a validade das decisões de autorizar a assinatura, em nome da União, da Convenção de Istambul, as considerações que presidiram à adoção do Acórdão de 9 de março de 1994, TWD Textilwerke Deggendorf (C‑188/92, EU:C:1994:90), na medida em que respeitam ao princípio geral da segurança jurídica ( 25 ), são, na minha opinião, plenamente transponíveis por analogia para o processo de parecer. Consequentemente, uma vez que o Parlamento não contestou, como poderia ter feito, a validade das decisões de assinar e estas se tornaram, portanto, definitivas, não pode utilizar o processo de parecer para contornar os prazos que regem o recurso de anulação. Por conseguinte, na minha opinião, a alínea b) da primeira questão deve ser declarada inadmissível, mas apenas na medida em que diz respeito às decisões de assinar a Convenção de Istambul.

41.

Ao expressar este ponto de vista, não ignoro o facto de o Tribunal de Justiça ter declarado, no Parecer 2/92 (Terceira decisão revista da OCDE relativa ao tratamento nacional), de 24 de março de 1995 (EU:C:1995:83), que «[o] facto de determinadas questões poderem ser abordadas no quadro de outras espécies de processos, e, designadamente, do recurso de anulação […] não constitui um argumento que permita excluir que a questão seja submetida ao Tribunal, preventivamente, nos termos do artigo [218.o, n.o 11, TFUE]» ( 26 ).

42.

No entanto, como já referi, no que respeita ao presente pedido de parecer, é a decisão de assinar — por oposição a qualquer decisão de celebrar o acordo — que está fora de prazo. O Tribunal de Justiça já precisou que a decisão que autoriza a assinatura de um acordo internacional e aquela que decreta a sua celebração constituem dois atos jurídicos distintos que criam obrigações fundamentalmente distintas para as partes interessadas, não constituindo o segundo, de modo nenhum, uma confirmação do primeiro ( 27 ). Em todo o caso, é o que preveem os princípios gerais do direito internacional dos tratados. Por conseguinte, qualquer decisão que autorize a celebração da Convenção de Istambul em nome da União continua a ser passível de recurso.

43.

A terceira exceção suscitada refere‑se ao facto de a segunda questão assentar na premissa implícita de que o Conselho considerou erradamente estar obrigado a aguardar que todos os Estados‑Membros tenham celebrado a Convenção de Istambul, antes de estar autorizado a fazê‑lo. Afirma‑se que o recurso ao processo previsto para esse efeito no artigo 218.o, n.o 11, TFUE se baseia, assim, numa hipótese não demonstrada e que, em consequência, o pedido deve ser declarado inadmissível.

44.

A este respeito, tal como foi acima explicado, cabe salientar que as questões dirigidas ao Tribunal de Justiça no âmbito de um pedido de parecer podem dizer respeito a qualquer cenário possível relativo à celebração do acordo projetado, desde que o objetivo do processo seja prevenir as complicações que possam resultar da declaração de invalidade do ato de celebração de um acordo internacional.

45.

É verdade que, num recurso de anulação, um fundamento relativo à violação dos Tratados resultante de uma prática só pode conduzir à anulação da decisão recorrida se o recorrente conseguir demonstrar que o decisor se sentiu vinculado pela alegada prática ou, em alternativa, que a considerou vinculativa e que a prática constituiu, portanto, o motivo ou o fundamento dessa decisão ( 28 ). Todavia, no âmbito de um pedido de parecer, o Estado‑Membro ou a instituição que pediu o parecer não está sujeito a nenhum ónus da prova e qualquer questão pode ser submetida desde que diga respeito a situações que possam ter ocorrido ( 29 ). Com efeito, o processo de parecer destina‑se, pela própria natureza, a conhecer a posição do Tribunal de Justiça sobre situações hipotéticas, uma vez que, em princípio, só pode ter por objeto uma decisão de celebrar um acordo que ainda não foi adotado. Em consequência, o facto de o Parlamento não ter demonstrado que o Conselho se sentiu vinculado pela prática em causa não constitui um fundamento para que a segunda questão seja declarada inadmissível.

46.

Quanto à quarta exceção, que se refere ao caráter prematuro do pedido de parecer, há que recordar que o artigo 218.o, n.o 11, TFUE não estabelece nenhum prazo a este respeito ( 30 ). O único requisito temporal que esta disposição prevê é que a celebração de um acordo deve estar projetada. Daí resulta que um Estado‑Membro, o Parlamento, o Conselho ou a Comissão podem obter o parecer do Tribunal de Justiça sobre qualquer questão relacionada com a compatibilidade com os Tratados da decisão a adotar para celebrar um acordo internacional, na medida em que a sua celebração esteja projetada pela União ( 31 ), e isso enquanto esse acordo não tiver sido celebrado. Uma vez que um pedido de parecer deve ser considerado admissível mesmo quando o processo conducente à adoção da decisão de celebrar esse acordo se encontra ainda numa fase preparatória, esta exceção de inadmissibilidade não pode ser acolhida.

47.

No que respeita à quinta exceção, o argumento do Conselho de que o Parlamento deveria ter proposto uma ação por omissão em vez de apresentar um pedido de parecer, deve salientar‑se que o processo previsto no artigo 265.o TFUE visa obter a condenação de uma instituição europeia que se absteve ilegalmente de atuar, à luz do direito da União. No caso em apreço, embora certos elementos do dossiê do Tribunal de Justiça sugiram, efetivamente, que o Parlamento pretende acelerar a celebração da Convenção de Istambul, o facto é que nenhuma das questões submetidas pelo Parlamento se refere a uma possível omissão. Por conseguinte, o presente pedido de parecer não pode ser declarado inadmissível com este fundamento ( 32 ).

48.

Quanto à sexta exceção de inadmissibilidade, relativa ao facto de as questões submetidas versarem, na realidade, sobre a repartição de competências entre a União e os Estados‑Membros, importa observar que a mesma se refere, quando muito, à primeira questão, alínea a). Esta exceção assenta na premissa de que, uma vez que a resposta que o Tribunal de Justiça dará a essa questão não pode, de forma alguma, dizer respeito à validade da decisão de celebrar a convenção, a referida questão destina‑se, na realidade, a que o Tribunal de Justiça estabeleça a repartição precisa de competências entre os Estados‑Membros e a União.

49.

A este respeito, deve recordar‑se, como o Tribunal de Justiça salientou reiteradamente, que certas irregularidades relativas à escolha da base jurídica relevante não conduzem necessariamente à invalidade do ato em causa. Em vez disso, deve demonstrar‑se que essas irregularidades podem ter impacto no processo legislativo aplicável ( 33 ) ou na competência da União ( 34 ).

50.

A título de exemplo, no Acórdão de 18 de dezembro de 2014, Reino Unido/Conselho (C‑81/13, EU:C:2014:2449, n.o 67), o Tribunal de Justiça declarou que um «erro cometido no preâmbulo da decisão impugnada» (a omissão de uma base jurídica, entre as outras mencionadas) constituiu um vício meramente formal que não afetou a validade da decisão em causa. Do mesmo modo, no Acórdão de 25 de outubro de 2017, Comissão/Conselho (CMR‑15) (C‑687/15, EU:C:2017:803), embora tenha realçado a importância constitucional das bases jurídicas ( 35 ), o Tribunal de Justiça teve o cuidado de verificar se, nas circunstâncias daquele processo, a irregularidade em causa era suscetível de influir nas competências da Comissão e do Conselho, bem como nos seus papéis respetivos no processo de adoção do ato impugnado ( 36 ). Em especial, nos n.os 55 e 56 daquele acórdão, embora tenha considerado que a omissão de qualquer referência a uma base jurídica é suficiente para a anulação do ato em causa por falta de fundamentação, o Tribunal de Justiça sublinhou, porém, que a falta de indicação de uma disposição específica do Tratado — quando sejam mencionadas outras disposições — pode não constituir, em certos casos, um vício substancial.

51.

No caso em apreço, é verdade que as diferentes bases jurídicas referidas na alínea a) da primeira questão, a saber, o artigo 78.o, n.o 2, o artigo 82.o, n.o 2, o artigo 83.o, n.o 1, e o artigo 84.o TFUE, preveem a aplicação do processo legislativo ordinário e conduzem todas elas à adoção de uma decisão de celebrar um acordo segundo o mesmo processo, a saber, o processo previsto no artigo 218.o, n.o 6, alínea a), v), e n.o 8, TFUE.

52.

É verdade que, por um lado, o artigo 82.o, n.o 3, e o artigo 83.o, n.o 3, TFUE preveem que um Estado‑Membro que considere que um ato abrangido por essas bases jurídicas afeta aspetos fundamentais do seu ordenamento jurídico pode submeter a questão à apreciação do Conselho Europeu. Por outro lado, essas bases enquadram‑se no domínio a que os Protocolos n.o 21 e n.o 22 do Tratado UE e do Tratado FUE são aplicáveis.

53.

Todavia, em primeiro lugar, visto que a consulta do Conselho Europeu tem apenas por efeito suspender o processo legislativo, esta faculdade conferida aos Estados‑Membros de submeter o assunto ao Conselho Europeu não é inconciliável com os processos previstos nos artigos 78.o e 84.o TFUE. Em segundo lugar, o Tribunal de Justiça já declarou que os Protocolos n.o 21 e n.o 22 não são suscetíveis de ter influência, seja de que natureza for, na questão da base jurídica adequada ( 37 ). O Tribunal de Justiça reafirmou recentemente esta posição, relativamente ao Protocolo n.o 22, no Parecer 1/15 (Acordo PNR UE‑Canadá), de 26 de julho de 2017 (EU:C:2017:592) ( 38 ).

54.

Por conseguinte, em substância, embora estes protocolos possam certamente ter impacto nas regras de votação a seguir pelo Conselho relativamente à adoção do ato em causa, não o têm na escolha das suas bases jurídicas ( 39 ). Com efeito, o facto de uma parte de um ato estar abrangida pelo título V da parte III do Tratado FUE tem certamente como consequência que, salvo em casos particulares, as disposições relevantes desse ato não são vinculativas para a Irlanda nem para o Reino da Dinamarca. Todavia, isso não significa, por si só, que o domínio a que se referem as disposições desse ato abrangidas pelo âmbito de aplicação do título V da parte III do Tratado FUE deva ser considerado predominante, com a consequência de tornar obrigatória a menção das bases jurídicas correspondentes. Isso significa apenas que as regras de votação no Conselho previstas nesses protocolos terão de ser seguidas aquando da adoção das disposições em causa, mesmo que nenhuma base jurídica referente ao título V da parte III do Tratado FUE seja mencionada.

55.

Neste contexto, é portanto legítimo perguntar se a alínea a) da primeira questão não pretende, na realidade, obter a repartição precisa de competências entre a União e os Estados‑Membros. Se a resposta a essa questão for afirmativa, isso significa que parte da questão fica fora do âmbito do processo de parecer baseado no artigo 218.o, n.o 11, TFUE.

56.

Importa, todavia, referir que, para responder à alínea a) da primeira questão, é necessário não só analisar as bases jurídicas mencionadas pelo Parlamento na sua questão, mas também verificar se deve ser mencionada outra base jurídica na decisão de celebrar um acordo. Uma vez que não se pode excluir a relevância de uma base jurídica diferente das que foram mencionadas pelo Parlamento, também não se pode excluir que a resposta do Tribunal de Justiça às questões submetidas possa ter impacto na validade da decisão que autoriza a União a celebrar a Convenção de Istambul ( 40 ). Por conseguinte, a meu ver, não há razão para se declarar a alínea a) da primeira questão inadmissível com o fundamento de que diz respeito a aspetos não relacionados com a validade da decisão de celebrar a Convenção de Istambul.

57.

No que toca à alínea b) da primeira questão e à segunda questão, além do facto de essas questões nada terem que ver com a repartição de competências entre a União e os Estados‑Membros, considero que, em qualquer caso, visto o Tribunal de Justiça nunca ter examinado em pormenor se essas obrigações poderiam influenciar o conteúdo da decisão de celebrar um acordo internacional, é necessário responder a essas questões, precisamente, para se decidir sobre estes aspetos ( 41 ).

58.

Todavia, contrariamente ao que afirmam algumas das partes, a segunda questão não pode ser reinterpretada no sentido de que visa apenas saber se o Conselho pode aguardar que todos os Estados‑Membros tenham celebrado a Convenção de Istambul ( 42 ). Com efeito, mesmo que se considerasse essa prática incompatível com os Tratados, isso não conduziria à nulidade da decisão de celebrar esta convenção, uma vez que, repito, um atraso nesta matéria não é, em princípio, motivo de nulidade. A fim de preencher o critério de admissibilidade, esta questão deve, necessariamente, ser entendida exatamente como está formulada, ou seja, no sentido de que diz respeito à compatibilidade da decisão de celebrar a Convenção de Istambul com os Tratados, caso esta convenção fosse adotada antes de todos os Estados‑Membros a celebrarem.

59.

Por conseguinte, considero que todas as questões submetidas ao Tribunal de Justiça pelo Parlamento devem ser consideradas admissíveis, exceto a alínea b) da primeira questão, mas apenas na medida em que se refere à decisão de assinar a Convenção de Istambul.

IV. Quanto à primeira questão, alínea a): as bases jurídicas adequadas no que respeita à celebração da Convenção de Istambul

60.

Com a sua primeira questão, alínea a), o Parlamento pede ao Tribunal de Justiça que se pronuncie sobre a questão de saber se os artigos 82.o, n.o 2, e 84.o TFUE constituem as bases jurídicas adequadas para a decisão do Conselho relativa à celebração da Convenção de Istambul em nome da União ou se esse ato se deve fundar nos artigos 78.o, n.o 2, 82.o, n.o 2, e 83.o, n.o 1, TFUE.

61.

O Parlamento salienta que a proposta da Comissão de decisão de autorizar a assinatura, em nome da União, da Convenção de Istambul e a sua proposta de decisão de autorizar a União a celebrar essa convenção mencionava o artigo 218.o TFUE, como base jurídica processual, e os artigos 82.o, n.o 2, e 84.o TFUE, como base jurídica material. Todavia, quando o Conselho adotou a decisão de autorizar a assinatura da Convenção de Istambul, alterou essas bases jurídicas materiais pelos artigos 78.o, n.o 2, 82.o, n.o 2, e 83.o, n.o 1, TFUE.

62.

Tendo em conta os objetivos da Convenção de Istambul, que — como claramente indicam as disposições dos seus artigos 1.o, 5.o e 7.o e os seus capítulos III e IV — é proteger as mulheres vítimas de violência e prevenir tal violência, o Parlamento pergunta se a Comissão tinha razão ao identificar os artigos 82.o, n.o 2, e 84.o TFUE como os dois elementos predominantes dessa convenção. O Parlamento interroga‑se, portanto, sobre se o Conselho poderia abandonar o artigo 84.o TFUE como base jurídica material e substituí‑lo pelos artigos 78.o, n.o 2, e 83.o, n.o 1, TFUE, como fez quando adotou a decisão que autoriza a assinatura da Convenção de Istambul.

63.

O Parlamento tem dúvidas, em particular, em relação ao artigo 78.o, n.o 2, uma vez que esta base jurídica abrange apenas os artigos 60.o e 61.o da Convenção de Istambul. Interroga‑se sobre se estas duas disposições podem ser consideradas um elemento autónomo e predominante dessa convenção ou se constituem uma simples transposição, para o domínio específico do asilo, da preocupação geral de proteger todas as mulheres vítimas de violência. Se for esse o caso, essas duas disposições da Convenção de Istambul têm natureza acessória, pelo que não é necessário acrescentar uma base jurídica específica.

64.

No que diz respeito ao artigo 83.o, n.o 1, TFUE, o Parlamento observa que esta disposição só confere competência à União em matéria penal, em certos domínios que não incluem a violência contra as mulheres enquanto tal. Essa violência poderia, portanto, ser criminalizada a nível da União, no quadro do tráfico de seres humanos, da exploração sexual de mulheres e crianças ou do crime organizado, que são o principal objetivo da Convenção de Istambul. Além disso, uma vez que os Estados‑Membros mantiveram a sua competência para a maior parte do direito penal material abrangido pela Convenção de Istambul e que os elementos para os quais a União tem competência parecem ser de natureza secundária, não é necessário acrescentar uma base jurídica específica relativa ao direito penal.

65.

Resulta das considerações acima expostas que a primeira questão diz respeito à escolha das bases jurídicas e não, como podem sugerir certos argumentos desenvolvidos por algumas das partes, ao caráter exclusivo ou não exclusivo da competência da União para celebrar a Convenção de Istambul. É verdade que o caráter exclusivo ou não de certas competências irá ser examinado, mas apenas na medida necessária para responder a essa questão. A este respeito, pode ser conveniente fazer algumas observações sobre a escolha dos métodos, antes de examinar o conteúdo da Convenção de Istambul.

A.   Observações metodológicas

66.

Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a escolha da base jurídica de um ato da União, incluindo um ato adotado para a celebração de um acordo internacional, deve assentar em elementos objetivos, suscetíveis de fiscalização jurisdicional, entre os quais figuram a finalidade e o conteúdo desse ato ( 43 ).

67.

Se a análise de um ato da União demonstrar que ele prossegue uma dupla finalidade ou que tem uma componente dupla e se uma dessas finalidades ou componentes for identificável como principal ou preponderante, enquanto a outra é apenas secundária, esse ato deve ter uma única base jurídica, a saber, a que for exigida pela finalidade ou pela componente principal ou preponderante ( 44 ).

68.

A título excecional, se estiver assente que o ato prossegue simultaneamente várias finalidades ou tem várias componentes que estão indissociavelmente ligadas, sem que uma seja acessória da outra, de modo que diferentes disposições dos Tratados sejam aplicáveis, tal medida deve assentar nas diferentes bases jurídicas correspondentes ( 45 ). Todavia, o recurso a uma dupla base jurídica está excluído quando os processos previstos para uma e para outra dessas bases sejam incompatíveis ( 46 ).

69.

Por conseguinte, são as finalidades e as componentes de um ato que determinam a sua base jurídica — ou, por vezes, as suas múltiplas bases jurídicas —, e não o caráter exclusivo ou partilhado das competências da União relativamente a esse ato ( 47 ). Como explicarei adiante, é verdade que o caráter exclusivo ou partilhado dessas competências pode certamente, do ponto de vista do direito da União, influir no alcance da celebração de um acordo internacional e, por conseguinte, limitar as bases jurídicas disponíveis. Todavia, a escolha das bases jurídicas entre as que correspondem às competências exercidas dependerá unicamente das finalidades e das componentes do ato em causa.

70.

Como observou a advogada‑geral J. Kokott, essa abordagem não deve ser aplicada à repartição das competências detidas, respetivamente, pela União e pelos Estados‑Membros. Com efeito, «se a [União] apenas tiver competência relativamente a algu[mas] componentes específic[as] de um ato por ela previsto, ao passo que [a]s outr[a]s componentes estão abrangid[a]s pela competência dos Estados‑Membros […], a [União] não pode, por meio de uma ponderação d[a]s componentes preponderantes, declarar‑se, sem mais, competente para a totalidade desse ato. Caso contrário, a [União] esvaziaria de conteúdo o princípio da atribuição de competências […]» ( 48 ).

71.

A determinação, entre as competências detidas pela União, daquelas em que se deve basear a adoção do ato em causa e, por conseguinte, a determinação das bases jurídicas relevantes para a adoção desse ato podem suscitar preocupações semelhantes. O critério do centro de gravidade leva a que o processo aplicável à adoção de um ato seja determinado apenas com fundamento nas bases jurídicas principais. Por definição, portanto, esta abordagem implica procurar‑se apenas a principal ou as principais competências exercidas. Por conseguinte, é importante que as garantias processuais fundamentais, inerentes ao exercício de algumas outras competências — como um voto por unanimidade do Conselho — não sejam contornadas dessa forma. Com efeito, embora, se adotada isoladamente, uma disposição legal deva ter obrigatoriamente uma base jurídica específica, pode, se inserida num ato que contenha outras disposições, ser adotada com fundamento numa base jurídica diferente — a qual, por exemplo, prescreva outras regras de votação. Com efeito, isso pode conduzir a estratégias destinadas a introduzir alterações legislativas (cavalier législatif) ( 49 ).

72.

No entanto, na sua jurisprudência, o Tribunal de Justiça tem remetido sistematicamente para o critério das «finalidades e componentes preponderantes» (também designado de «critério do centro de gravidade»). Por exemplo, no seu Acórdão de 4 de setembro de 2018, Comissão/Conselho (Acordo com o Cazaquistão) (C‑244/17, EU:C:2018:662, n.o 38), o Tribunal de Justiça salientou novamente que se «[uma] decisão inclui diversas componentes ou prossegue várias finalidades, algumas das quais se inscrevem no âmbito da [política externa e de segurança comum], a regra de votação aplicável para a sua adoção deve ser determinada à luz da sua finalidade ou componente principal ou preponderante». Por conseguinte, embora um ato possa prosseguir vários objetivos e requerer a «mobilização» de diferentes competências, a base jurídica em que assenta a sua adoção não refletirá todas as competências exercidas para a adoção desse ato, mas apenas aquela(s) que corresponde(m) à(s) sua(s) finalidade(s) ou componente(s) principal(ais) ( 50 ). Além disso, o risco de contornar certas regras processuais, acima mencionado, diminuiu desde a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, que reduziu consideravelmente as especificidades de certos procedimentos.

73.

Em alguns acórdãos, a começar pelo Acórdão de 10 de janeiro de 2006, Comissão/Conselho (C‑94/03, EU:C:2006:2, n.o 55), é certo que o Tribunal de Justiça salientou que uma base jurídica podia servir não apenas para determinar o processo aplicável e verificar que a União era efetivamente, pelo menos em parte, competente para assinar o acordo em causa, mas também para informar terceiros acerca do âmbito da competência da União exercida ( 51 ) e da finalidade do ato em causa ( 52 ). Poderíamos, por isso, ser tentados a deduzir dessa corrente jurisprudencial que, para desempenhar esse papel, as bases jurídicas de um ato devem refletir todas as competências exercidas pela União para adotar o ato em causa. Em particular, esta abordagem pode parecer justificada quando um acordo internacional é abrangido por várias competências partilhadas entre a União e os Estados‑Membros, uma vez que a União pode decidir não exercer alguma(s) das suas competências, o que significa, consequentemente, que caberá aos Estados‑Membros aplicar a(s) disposição(ões) correspondente(s) desse acordo ( 53 ).

74.

No entanto, essa abordagem contraria aquela que o Tribunal de Justiça tem adotado até agora para evitar conflitos entre bases jurídicas ( 54 ). Por exemplo, no Parecer 1/15 (Acordo PNR UE‑Canadá), de 26 de julho de 2017 (EU:C.2017:592) — em que declarou que a decisão que autoriza a celebração, pela União, do acordo internacional em causa se deveria fundamentar em duas bases jurídicas —, o Tribunal de Justiça remeteu novamente para a jurisprudência já referida ( 55 ).

75.

Além disso, embora estas questões apresentem, evidentemente, uma importância fundamental para a ordem interna da União (e para a repartição de competências entre a União e os seus Estados‑Membros), não dizem diretamente respeito aos Estados terceiros, uma vez que, nos termos do artigo 27.o da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 23 de maio de 1969 (United Nations Treaty Series, vol. 1155, p. 331) — um tratado que codifica as regras do direito internacional consuetudinário relativo aos acordos internacionais e que vincula a União Europeia ( 56 ) —, uma parte num acordo internacional, seja um Estado ou uma organização internacional, não pode invocar as disposições do seu direito interno para justificar o incumprimento de um Tratado ( 57 ).

76.

No que se refere aos Estados‑Membros, embora lhes possa efetivamente interessar serem plenamente informados do alcance das competências exercidas pela União no momento da celebração de um acordo, as bases jurídicas de um ato não são o único modo de comunicação dessas informações. Com efeito, é jurisprudência constante que o dever de fundamentação, previsto no artigo 296.o, n.o 2, TFUE, deve ser apreciado em função do conteúdo do ato na sua globalidade ( 58 ), em especial dos seus considerandos ( 59 ). Consequentemente, apesar de ser importante que os Estados‑Membros possam determinar quais são os poderes exercidos pela União quando celebra determinado acordo, o facto de não ser possível deduzir dessa informação a base jurídica efetivamente escolhida como fundamento da adoção da decisão que autoriza a celebração desse acordo não parece decisivo.

77.

Neste contexto, embora haja muito a dizer sobre o argumento de que a base jurídica de um ato deve refletir fielmente as competências exercidas pela União para a adoção desse ato, pode, contudo, observar‑se que esta abordagem não é inteiramente coerente com o estado da jurisprudência ( 60 ).

78.

Consequentemente, no resto do presente parecer, proponho‑me seguir a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça segundo a qual, quando um ato prossegue várias finalidades ou tem várias componentes, esse ato deve basear‑se, em princípio, numa única base jurídica ou, excecionalmente, em várias bases jurídicas. Essas bases jurídicas devem ser as exigidas pelas finalidades ou componentes preponderantes, ou pelo menos principais, do acordo internacional. Consequentemente, a questão de saber se outras competências foram exercidas aquando da adoção do ato em causa é irrelevante, desde que essas competências digam respeito a finalidades ou a componentes acessórias ou secundárias.

79.

Importa igualmente observar que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça acima referida, as finalidades e componentes a ter em conta são as do ato da União em causa. Por conseguinte, no que diz respeito à celebração de um acordo internacional, as finalidades e o conteúdo preciso da decisão que autoriza essa celebração, e não o próprio acordo internacional, é que serão decisivos para determinar a escolha das bases jurídicas.

80.

É verdade que, na prática, o objetivo e o conteúdo dessa decisão serão, em grande parte, idênticos aos do acordo projetado, uma vez que tal ato se destina, pela sua própria natureza, a marcar o consentimento da União em ficar vinculada por esse acordo ( 61 ). No entanto, nem sempre é este o caso. De facto, a este respeito, importa ter presente a existência de uma diferença significativa de perspetiva entre o direito internacional e o direito da União, que é crucial para o presente processo.

81.

Do ponto de vista do direito internacional, em caso de acordo misto, considera‑se que a União e os Estados‑Membros se vinculam em conjunto, e não paralelamente ( 62 ). Em consequência, salvo se tiver sido formulada uma reserva relativamente à repartição de competências — o que pressupõe que o acordo não exclui essa possibilidade —, a celebração de um acordo pela União obriga‑a a aplicá‑lo na sua globalidade ( 63 ). As questões relativas às bases jurídicas escolhidas para a celebração desse acordo ou à natureza mista do mesmo são consideradas questões do ordenamento jurídico interno da União Europeia ( 64 ), que, enquanto tais, não podem eximi‑la da sua responsabilidade a nível internacional em caso de incumprimento injustificado ( 65 ).

82.

Todavia, do ponto de vista do direito da União, quando esta adere a uma convenção internacional, fá‑lo na medida das competências exercidas para adotar a decisão relativa à celebração dessa convenção ( 66 ). É verdade que a União deve exercer as suas competências externas exclusivas, mas, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a União não está obrigada a exercer competências partilhadas quando celebra um acordo ( 67 ). Assim, dependendo das competências partilhadas que a União optar por exercer nessa ocasião, o «centro de gravidade»da decisão de celebrar o acordo pode deslocar‑se, tendo por efeito uma alteração das bases jurídicas aplicáveis. Uma base jurídica que reflita, por exemplo, uma competência exclusiva, pode, portanto, em certa medida, ser ultrapassada por outra base jurídica que reflita uma competência partilhada que a União tenha optado por exercer.

83.

Uma vez que a decisão que autoriza a celebração de um acordo internacional em nome da União pode ter uma finalidade e um conteúdo mais restritivos do que os desse acordo, essa decisão pode ter de ser adotada com fundamento numa única base jurídica, ao passo que, por exemplo, se a União tivesse exercido todas as competências até então partilhadas com os Estados‑Membros, poderia ter sido necessário utilizar duas ou mais bases jurídicas, uma vez que essa decisão poderia ter abarcado outras finalidades e outras componentes importantes.

84.

Além disso, quando a União opte por não exercer a competência que abrangeria as principais finalidades e componentes do acordo internacional em causa, determinadas finalidades e componentes que seriam consideradas secundárias, do ponto de vista da decisão que autoriza essa celebração, tornar‑se‑ão predominantes. É por isso importante, do meu ponto de vista, distinguir entre as finalidades e componentes do acordo e aquelas que constam da decisão que autoriza a celebração de um acordo internacional, que podem ser mais limitadas.

85.

Trata‑se da questão central no presente caso, uma vez que é evidente que o Conselho pretende que a União só proceda a uma celebração parcial da Convenção de Istambul. Por conseguinte, é adequado apreciar, não toda a Convenção de Istambul mas apenas as partes dessa convenção que, do ponto de vista do direito da União, serão vinculativas para a União.

86.

No contexto de um recurso de anulação, esta questão não levanta dificuldades particulares, dado que o Tribunal de Justiça efetuará uma fiscalização ex post, uma vez adotado o ato legislativo em causa e, portanto, conhecidas as competências exercidas.

87.

No entanto, no âmbito de um pedido de parecer, em que, como no caso presente, ainda não existe um projeto de decisão, o facto de o Conselho poder exercer um maior ou menor número de competências partilhadas pode tornar a determinação das bases jurídicas um pouco mais complexa, ou mesmo impossível, uma vez que é pedido ao Tribunal de Justiça que aborde esta questão de maneira prospetiva.

88.

É certo que pode parecer adequado começar por examinar, em relação a cada parte do acordo, se é da competência exclusiva da União, na medida em que essa competência terá necessariamente de ser exercida. Contudo, uma vez efetuada essa análise, como é que se pode determinar qual será o centro de gravidade da decisão de celebrar esse acordo, uma vez que, como foi explicado acima, este centro dependerá também das competências partilhadas modificadas que a União optar voluntariamente por exercer? Com efeito, a menos que o Conselho já tenha votado um projeto de decisão e o Tribunal de Justiça seja interrogado paralelamente à transmissão desse projeto ao Parlamento, o alcance das competências partilhadas que serão exercidas não pode ser considerado como certo ( 68 ).

89.

Na minha opinião, nesta situação muito particular — que suscita uma questão nunca antes analisada pelo Tribunal de Justiça —, é necessário inferir do pedido (ou, pelo menos, das circunstâncias do caso) quais as competências partilhadas mais suscetíveis de serem exercidas pela União. Caso contrário, como expliquei na parte destas conclusões consagrada à admissibilidade, não vejo como é que o Tribunal de Justiça pode indicar, como lhe é pedido pelo Parlamento, qual a base jurídica em que deverá assentar a decisão de celebrar a Convenção de Istambul ( 69 ). No entanto, nestas circunstâncias, a resposta a dar pelo Tribunal de Justiça só será válida se o cenário previsto se concretizar efetivamente.

90.

No presente caso, resulta claramente da formulação da questão apresentada pelo Parlamento que a mesma se baseia na premissa de que, para a adoção da decisão que autoriza a celebração, em nome da União, da Convenção de Istambul, a União irá exercer, pelo menos, as competências que detém, primeiro, em matéria de cooperação judiciária em matéria penal e, segundo, em matéria de asilo e de imigração. A relevância desta premissa é, além disso, confirmada pelo conteúdo das decisões que autorizam a assinatura, em nome da União, da Convenção de Istambul, que, apesar da jurisprudência referida no n.o 42 das presentes conclusões, podem ser vistas no sentido de que antecipam, em certa medida, as competências que serão exercidas no momento da referida celebração.

91.

Contudo, tal premissa deve, pelo menos, ser compatível com a atual repartição de competências. Isto exige que se aprecie se, além dessas competências, o acordo versa sobre outras competências da União que tenham de ser exercidas, visto serem exclusivas. Como expliquei anteriormente, isso implica tomar em consideração não só as competências que a União pretende exercer mas também as competências que, por pertencerem exclusivamente à União, terão necessariamente de ser exercidas se esta deseja celebrar esse acordo.

92.

A este respeito, deve recordar‑se que o artigo 3.o, n.o 1, TFUE enuncia uma listagem das competências que, por natureza, são exclusivas. Além dessa listagem, o artigo 3.o, n.o 2, TFUE especifica que «[a] União dispõe igualmente de competência exclusiva para celebrar acordos internacionais quando tal celebração esteja prevista num ato legislativo da União, seja necessária para lhe dar a possibilidade de exercer a sua competência interna, ou seja suscetível de afetar regras comuns ou de alterar o alcance das mesmas» ( 70 ).

93.

Como resulta claramente da jurisprudência do Tribunal de Justiça, há um risco de violação de regras comuns da União através de compromissos internacionais, ou de alteração do alcance destas regras, que justifica a existência de uma competência externa exclusiva da União, quando esses compromissos se integrem no domínio de aplicação das referidas regras ( 71 ).

94.

A constatação desse risco não pressupõe uma total concordância entre o domínio abrangido pelos compromissos internacionais e o domínio abrangido pela regulamentação da União ( 72 ). Em particular, esses compromissos internacionais podem afetar regras da União ou alterar o seu alcance, quando se integrem num domínio já em grande parte coberto por essas regras ( 73 ).

95.

Contrariamente ao que sustenta a Comissão, não se pode inferir da jurisprudência do Tribunal de Justiça que se deva adotar uma abordagem global para determinar se, nos domínios abrangidos por um acordo, a União tem competência exclusiva ou partilhada. Pelo contrário, como a União apenas dispõe de competências de atribuição, a existência de uma competência, sobretudo de natureza exclusiva, deve basear‑se em conclusões resultantes de uma análise global e concreta da relação existente entre o acordo internacional projetado e o direito da União em vigor ( 74 ).

96.

Para determinar se o acordo é suscetível de pôr em causa a aplicação uniforme e coerente de certas regras comuns da União e o bom funcionamento do sistema que instituem, essa análise deve ter em consideração os domínios abrangidos pelas regras da União e pelas disposições do acordo projetado que serão vinculativas para a União, uma vez que correspondem a competências que a União optou por exercer no momento da adoção da decisão de celebração da referida convenção, bem como as perspetivas de evolução futuras dessas regras e dessas disposições ( 75 ).

97.

No que respeita a estas questões, a Irlanda afirma que, no seu pedido, o Parlamento não efetuou uma análise completa e detalhada sobre o impacto da Convenção de Istambul no direito derivado da União ( 76 ). Com efeito, o Tribunal de Justiça considerou que, para efeitos dessa análise, cabe à parte em causa apresentar os elementos suscetíveis de determinar o caráter exclusivo da competência externa da União que pretende invocar ( 77 ).

98.

É, contudo, significativo que o raciocínio desta corrente jurisprudencial figure em acórdãos proferidos no âmbito de um recurso de anulação. Nesses processos, o Tribunal de Justiça é chamado a pronunciar‑se com base em observações trocadas entre as diferentes partes. Este requisito não se aplica ao pedido de parecer, o qual se caracteriza por um espírito de colaboração entre o Tribunal de Justiça, as outras instituições da União e os Estados‑Membros e visa prevenir complicações numa fase ulterior ( 78 ). Com efeito, uma vez que este processo é simultaneamente ex ante e não contraditório, os argumentos baseados num sistema de fiscalização contraditório e ex post que o recurso de anulação implica têm pouca relevância neste contexto. Consequentemente, considero que o facto de o Parlamento não ter efetuado uma análise completa e detalhada do impacto da Convenção de Istambul no direito derivado da União não é, por si só, importante e que cabe ao Tribunal de Justiça efetuar essa análise.

99.

Todavia, cabe recordar que, segundo jurisprudência do Tribunal de Justiça, a adoção de um acordo internacional não afetará as regras comuns quando tanto as disposições do direito da União como as do acordo internacional em causa previrem apenas prescrições mínimas ( 79 ). Consequentemente, mesmo que um acordo internacional abranja os mesmos domínios que as regras comuns da União, esta jurisprudência sugere que o Tribunal de Justiça não irá concluir que as regras da União — e, portanto, a competência partilhada — são afetadas quando ambos prevejam normas mínimas ( 80 ).

100.

No caso da Convenção de Istambul, o artigo 73.o prevê que «[a]s disposições da presente Convenção não prejudicam o disposto no direito interno e noutros instrumentos internacionais vinculativos já em vigor ou que possam entrar em vigor, nos termos dos quais direitos mais favoráveis são ou seriam reconhecidos às pessoas em matéria de prevenção e de combate à violência contra as mulheres e à violência doméstica».

101.

Por conseguinte, neste contexto, para uma competência partilhada entre a União e os Estados‑Membros ser considerada exclusiva (ou seja, uma competência que o Conselho está obrigado a exercer), é necessário estabelecer, primeiro, que a União já adotou neste domínio regras comuns que não prescrevem normas mínimas e, segundo, que estas normas podem ser afetadas pela celebração da Convenção de Istambul.

102.

Quanto às duas decisões que autorizam a assinatura, em nome da União, da Convenção de Istambul, pode haver dúvidas sobre se o Conselho teve razão ao considerar que a União está obrigada a exercer essas competências em virtude da terceira hipótese prevista no artigo 3.o, n.o 2, TFUE.

103.

Por um lado, como a República da Polónia sublinhou, os artigos 82.o, n.o 2, e 83.o, n.o 1, TFUE, que dizem respeito à cooperação judiciária em matéria penal, preveem simplesmente a adoção de normas mínimas. Por conseguinte, as regras comuns adotadas neste domínio só podem validamente estabelecer normas mínimas.

104.

Por outro lado, no que diz respeito ao artigo 78.o, n.o 2, TFUE — que confere competência à União em matéria de asilo e de imigração —, parece, à primeira vista, que as regras comuns adotadas pela União neste domínio apenas estabelecem normas mínimas ou, quando não o fazem, é pouco provável, na minha opinião, que essas regras sejam afetadas pelas disposições da Convenção de Istambul.

105.

A este respeito, há efetivamente que salientar que a Convenção de Istambul contém três disposições que podem ser pertinentes em matéria de política de asilo e de imigração, nomeadamente os artigos 59.o a 61.o, que formam o capítulo VII dessa convenção.

106.

No que diz respeito ao artigo 59.o da Convenção de Istambul, relativo ao estatuto de residente das mulheres vítimas de violência, as regras estabelecidas pela União em matéria de residência preveem apenas exigências mínimas ( 81 ). Em especial, como mencionou o advogado‑geral Y. Bot nas suas Conclusões no processo Rahman e o. (C‑83/11, EU:C:2012:174, n.o 64), a Diretiva 2004/38 ( 82 ) introduz uma harmonização mínima, uma vez que se destina, em particular, a reconhecer, em certas situações, um direito de residência ao familiar de um residente na União, sem excluir a possibilidade de ser concedido um direito de residência noutros casos.

107.

É igualmente verdade que certos acórdãos relativos à Diretiva 2004/38, como os Acórdãos NA ( 83 ) ou Diallo ( 84 ), podem ter suscitado dúvidas quanto à natureza mínima de certas exigências previstas nesta diretiva. No entanto, estas decisões devem ser vistas no seu próprio contexto. Com efeito, uma vez que, no âmbito do processo de decisão prejudicial, o Tribunal de Justiça não tem competência para interpretar o direito nacional nem para aplicar o direito da União num determinado processo, quando profere uma decisão, fá‑lo sempre por referência à situação prevista na(s) questão(ões) submetida(s), que pode(m) abranger apenas certos aspetos do litígio. Por conseguinte, quando é pedido ao Tribunal de Justiça que se pronuncie sobre a interpretação de uma disposição específica de uma diretiva, mesmo que essa diretiva indique que prevê apenas normas mínimas, o Tribunal irá, a maior parte das vezes, pronunciar‑se, em função do modo como a questão lhe foi submetida, sobre a interpretação que deve ser dada à disposição em causa, independentemente da possibilidade de os Estados‑Membros adotarem critérios mais exigentes ( 85 ). A resposta dada a este tipo de situação não prejudica, portanto, a possibilidade de os Estados‑Membros concederem, apenas com base no seu direito nacional, um direito de entrada e de residência em condições mais favoráveis ( 86 ). Por conseguinte, uma vez colocadas no contexto do mecanismo da decisão prejudicial, as soluções adotadas nos Acórdãos NA ( 87 ) ou Diallo ( 88 ) não devem ser entendidas no sentido de que proíbem os Estados‑Membros de emitir uma autorização de residência nos casos objeto desses processos, mas no sentido de que não obrigam os Estados‑Membros a fazê‑lo ( 89 ).

108.

O artigo 60.o da Convenção de Istambul prevê, em substância, que as partes devem reconhecer que a violência contra as mulheres baseada no género pode ser reconhecida como uma forma de perseguição, na aceção da Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951, e como uma forma de dano grave que exige uma proteção complementar ou subsidiária.

109.

Mais uma vez, certas diretivas, principalmente as que são designadas de «diretivas de primeira geração», mencionam que apenas estipulam normas mínimas ( 90 ). É verdade que as diretivas mais recentes especificam que os Estados‑Membros só podem aprovar ou manter regras mais favoráveis «desde que essas normas sejam compatíveis com [essas] diretiva[s]», o que pode sugerir que não é permitido adotar normas mais favoráveis relativamente a certas disposições ( 91 ). No entanto, essas diretivas concedem direitos ou garantias processuais ou, alternativamente, obrigam os Estados‑Membros a tomar em consideração certas circunstâncias sem excluir a possibilidade de outros direitos ou garantias poderem ser concedidos ou tidos em conta. Em especial, nenhum dos fundamentos de exclusão do estatuto de refugiado ou de cessação ou revogação da proteção subsidiária previstos nesses instrumentos parece suscetível de violar as disposições da Convenção de Istambul.

110.

É claro que o direito da União harmoniza em certa medida os requisitos que devem ser preenchidos pelos nacionais de países terceiros ou os apátridas para obterem o estatuto de refugiados, ou pelas pessoas que, por outras razões, necessitem de proteção internacional, bem como o conteúdo desse estatuto ( 92 ). Todavia, esses requisitos são tais, que parece ser possível aplicá‑los em conformidade com o artigo 60.o da Convenção de Istambul. Em especial, no que respeita ao estatuto de refugiado, o artigo 2.o, alínea d), da Diretiva 2011/95 ( 93 ) define o conceito de refugiado como o nacional de um país terceiro que se encontre fora do país de que é nacional e não possa ou não queira pedir a proteção do seu Estado de nacionalidade, receando com razão ser perseguido, nomeadamente, em virtude da sua «pertença a um determinado grupo social», um conceito que é definido com grande amplitude no artigo 10.o da mesma diretiva como, nomeadamente, qualquer grupo cujos «membros […] partilham [de] uma característica inata» ( 94 ). Esse artigo estabelece ainda que, «[p]ara efeitos da determinação da pertença a um grupo social específico ou da identificação de uma característica desse grupo, são tidos devidamente em conta os aspetos relacionados com o género, incluindo a identidade de género».

111.

Por último, no que respeita ao artigo 61.o da Convenção de Istambul, pode salientar‑se que o mesmo prevê que as partes tomarão as medidas necessárias para respeitar o princípio da não repulsão, uma obrigação já prevista pelo direito da União ( 95 ).

112.

Seja como for, não me parece necessário, no presente caso, decidir definitivamente sobre a questão de saber se, como o Conselho considera, a União tem competência exclusiva para celebrar a Convenção de Istambul nestes dois domínios, nos termos do artigo 3.o, n.o 2, TFUE, e, consequentemente, se a União está obrigada a exercer essas competências. Com efeito, mesmo que se verifique que, não havendo o risco de as regras comuns da União relacionadas com este domínio serem afetadas pela celebração da Convenção de Istambul, tais competências continuam a ser partilhadas, o Conselho permanecerá, porém, livre de as exercer, o que, em princípio, acontecerá ( 96 ). Como expliquei acima, a questão submetida pelo Parlamento baseia‑se implicitamente na premissa de que a União irá exercer, pelo menos, as competências que detém em matéria de asilo e de imigração e de cooperação judiciária em matéria penal.

B.   Análise das finalidades e componentes da Convenção de Istambul

113.

Segundo o seu preâmbulo, o objetivo da Convenção de Istambul é «criar uma Europa livre de violência contra as mulheres e de violência doméstica». Como enuncia o artigo 1.o desta convenção, a realização desse objetivo está dividida em cinco subobjetivos, que são, nomeadamente:

«proteger as mulheres contra todas as formas de violência, e prevenir, processar criminalmente e eliminar a violência contra as mulheres e a violência doméstica;

contribuir para a eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres e promover a igualdade real entre mulheres e homens, incluindo o empoderamento das mulheres;

conceber um quadro global, políticas e medidas de proteção e assistência para todas as vítimas de violência contra as mulheres e violência doméstica;

promover a cooperação internacional, tendo em vista eliminar a violência contra as mulheres e a violência doméstica;

apoiar e assistir organizações e organismos responsáveis pela aplicação da lei para que cooperem de maneira eficaz, a fim de adotar uma abordagem integrada visando eliminar a violência contra as mulheres e a violência doméstica.»

114.

No que diz respeito ao seu conteúdo, a Convenção de Istambul contém 81 artigos repartidos por 12 capítulos cujos títulos são os seguintes:

«Capítulo I — Objetivos, definições, igualdade e não discriminação, obrigações gerais»;

«Capítulo II — Políticas integradas e recolha de dados»;

«Capítulo III — Prevenção»;

«Capítulo IV — Proteção e apoio»;

«Capítulo V — Direito substantivo»;

«Capítulo VI — Investigação, processamento, direito processual e medidas de proteção»;

«Capítulo VII — Migração e asilo»;

«Capítulo VIII — Cooperação internacional»;

«Capítulo IX — Mecanismo de monitorização»;

«Capítulo X — Relação com outros instrumentos internacionais»;

«Capítulo XI — Alterações à Convenção»;

«Capítulo XII — Cláusulas finais».

115.

O capítulo I da Convenção de Istambul contém disposições relativas aos objetivos, às definições e à relação desta convenção com a igualdade e a não discriminação, bem como a obrigações gerais. Concretamente, define os principais termos usados ao longo do texto ( 97 ), obriga as partes a condenarem todas as formas de discriminação, garantindo que o princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres é aplicado no seu ordenamento jurídico, e precisa que o recurso a medidas de discriminação positiva é expressamente autorizado ( 98 ). As partes estão também obrigadas a assegurar que os atores que agem em nome do Estado se absterão de cometer todo e qualquer ato de violência e agirão com a diligência devida a fim de prevenir, investigar, punir e proporcionar reparação por atos de violência cometidos por atores não estatais ( 99 ). Por último, este capítulo prevê que as partes se comprometerão, nomeadamente, a promover políticas de igualdade entre as mulheres e os homens e de empoderamento das mulheres ( 100 ).

116.

O capítulo II obriga as partes a implementarem políticas eficazes de resposta à violência contra as mulheres através de uma cooperação eficaz entre todas as agências, instituições e organizações relevantes, envolvendo, se for caso disso, todos os atores relevantes, tais como as agências governamentais, os parlamentos e as autoridades nacionais, regionais e locais, as instituições nacionais dos direitos do homem e as organizações da sociedade civil ( 101 ). As partes comprometem‑se igualmente a recolher dados estatísticos desagregados relevantes e a efetuar sondagens baseadas na população, a intervalos regulares, sobre os casos relativos a todas as formas de violência cobertas pelo âmbito de aplicação da Convenção de Istambul ( 102 ).

117.

O capítulo III estabelece detalhadamente as obrigações das partes no domínio da prevenção. Em substância, as partes são obrigadas a adotar uma abordagem multifacetada que inclui a sensibilização, a inclusão da igualdade entre as mulheres e os homens e da questão da violência nos currículos escolares oficiais, em todos os níveis de ensino, através de material didático e currículos adaptados, e a promoção da não violência e da igualdade entre as mulheres e os homens também nos estabelecimentos de ensino informal, assim como nas estruturas desportivas, culturais e de lazer e nos meios de comunicação social ( 103 ). As partes devem garantir a formação adequada dos profissionais que lidam com as vítimas ou os responsáveis pelos atos de violência ( 104 ). Devem igualmente ser implementados programas preventivos de intervenção e de tratamento ( 105 ), e o setor privado deve ser encorajado a participar na elaboração e implementação dessas políticas, assim como a estabelecer diretrizes e normas de autorregulação ( 106 ).

118.

O capítulo IV define as obrigações das partes no que respeita à proteção e ao apoio às vítimas ( 107 ). Essas obrigações incluem a prestação de informação adequada e atempada sobre os serviços de apoio e sobre as medidas legais disponíveis, numa língua que as vítimas compreendam ( 108 ), e o acesso a serviços de apoio geral, como cuidados de saúde e serviços sociais, aconselhamento jurídico e psicológico, assistência financeira, alojamento, educação, formação e assistência na procura de emprego ( 109 ), e a serviços especializados, que incluem abrigos, linhas de ajuda telefónica permanentes e gratuitas, apoio médico e forense específico a vítimas de violência sexual e a tomada em consideração das necessidades das crianças testemunhas ( 110 ). Além disso, as partes devem adotar medidas para encorajar qualquer pessoa que testemunhe a prática de atos de violência, ou que tenha razões sérias para acreditar que tal ato possa ser cometido ou que sejam expectáveis novos atos de violência, a assinalá‑los, bem como normas sobre as condições em que a denúncia, por parte dos profissionais, de atos de violência ou de atos expectáveis de violência não viola a sua obrigação geral de confidencialidade ( 111 ).

119.

O capítulo V, consagrado ao direito substantivo, contém as disposições mais pormenorizadas. Em primeiro lugar, impõe às partes que proporcionem às vítimas recursos civis adequados contra o autor de violência física e psicológica, incluindo uma compensação; que assegurem a anulabilidade, a anulação ou a dissolução dos casamentos forçados, sem encargos financeiros ou administrativos excessivos para a vítima; e que assegurem que, ao determinar a custódia e os direitos de visita das crianças, sejam tomados em consideração os incidentes de violência cobertos pelo âmbito de aplicação da Convenção de Istambul ( 112 ). Em segundo lugar, esse capítulo estabelece uma lista de condutas que necessitam de uma resposta penal, nomeadamente a violência psicológica através da coerção ou ameaça, a perseguição, a violência física, a violência sexual, incluindo violação, o casamento forçado, a mutilação genital feminina, o aborto e a esterilização forçados e o assédio sexual ( 113 ). Este capítulo obriga ainda as partes a criminalizarem os atos intencionais de ajuda, cumplicidade ou tentativa na prática das infrações, bem como o incitamento de terceiros à prática destes crimes ( 114 ). Em terceiro lugar, o capítulo V estipula que as partes devem assegurar que a «honra» não possa ser invocada como justificação para nenhum desses crimes ( 115 ) e que as infrações estabelecidas nos termos dessa convenção se aplicarão independentemente da relação entre a vítima e o autor da infração ( 116 ). Em quarto lugar, obriga as partes a tomarem as medidas legislativas ou outras necessárias para estabelecerem a sua competência judiciária relativamente a qualquer infração estabelecida nos termos dessa convenção, quando a infração for conexa com o seu território ou com um dos seus cidadãos ( 117 ). Em quinto lugar, obriga as partes a preverem sanções adequadas e dissuasivas ( 118 ) e a tratarem uma lista de situações como circunstâncias agravantes ( 119 ). Por último, o capítulo V permite que as partes tenham em conta as sentenças proferidas por outra parte em relação às infrações estabelecidas nos termos dessa convenção ( 120 ) e proíbe os processos obrigatórios alternativos de resolução de disputas ( 121 ).

120.

O capítulo VI diz respeito ao direito processual e às medidas de proteção durante as investigações e os processos judiciais ( 122 ). As partes devem garantir, nomeadamente, que os organismos responsáveis pela aplicação da lei ofereçam proteção imediata às vítimas, incluindo através da recolha de provas ( 123 ), e efetuem uma avaliação do risco de letalidade e da gravidade da situação ( 124 ). O acesso do autor dos atos de violência a armas de fogo deve ser objeto de especial atenção. Os ordenamentos jurídicos devem prever a possibilidade de se adotarem ordens de interdição de emergência ou ordens de restrição ou de proteção que não imponham à vítima encargos financeiros ou administrativos excessivos ( 125 ). Qualquer violação destas ordens deve ser objeto de sanções penais ou outras sanções legais efetivas, proporcionais e dissuasoras. As partes devem zelar por que as provas relativas aos antecedentes sexuais e à conduta da vítima só sejam permitidas quando tal for relevante e necessário ( 126 ) e que os crimes mais graves não dependam inteiramente de uma denúncia ou de uma queixa da vítima ( 127 ). As partes devem igualmente assegurar a possibilidade de organizações governamentais e não governamentais e conselheiros especializados em violência doméstica assistirem e/ou apoiarem as vítimas, a pedido destas, durante as investigações e processos judiciais relativamente às infrações estabelecidas nos termos da Convenção de Istambul. Neste capítulo, a convenção estabelece uma lista não exaustiva de medidas destinadas a proteger os direitos e interesses das vítimas, incluindo as suas necessidades enquanto testemunhas em todas as fases das investigações e dos processos judiciais. As necessidades especiais das crianças vítimas e testemunhas devem ser devidamente tidas em conta ( 128 ). Por último, as partes devem prever o direito ao apoio judiciário ( 129 ), e o prazo de prescrição deve ser interpretado de modo a permitir o início eficaz do processo depois de a vítima atingir a idade da maioridade, para os crimes mais graves ( 130 ).

121.

O capítulo VII prevê que as partes tomarão igualmente as medidas legislativas necessárias para evitar que o estatuto de residente das vítimas seja afetado por medidas de combate à violência ( 131 ) e que a violência contra as mulheres baseada no género possa ser reconhecida como uma forma de perseguição e de dano grave que exige uma proteção complementar/subsidiária na aceção da Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados, assinada em Genebra, em 28 de julho de 1951 ( 132 ). Além disso, as partes devem estabelecer procedimentos de asilo baseados no género. Este capítulo visa igualmente assegurar que, em todas as circunstâncias, o princípio da não repulsão seja aplicado às vítimas de violência contra as mulheres ( 133 ).

122.

O capítulo VIII destina‑se a assegurar a cooperação internacional entre as partes na implementação da Convenção de Istambul. Em especial, as partes devem assegurar que as vítimas possam apresentar queixa, no seu Estado de residência, por crimes cometidos no território de outra parte nessa convenção ( 134 ). Se uma pessoa se encontrar em risco imediato de ser sujeita a atos de violência, as partes devem informar‑se mutuamente, a fim de poderem ser tomadas medidas de proteção ( 135 ). Além disso, permite, em particular, que as partes requerentes sejam informadas do resultado final da ação tomada nos termos deste capítulo, mediante a organização de troca de informação sobre esta matéria entre as partes nesta convenção ( 136 ).

123.

O capítulo IX cria um mecanismo de monitorização da aplicação da Convenção de Istambul, cuja implementação está confiada ao GREVIO.

124.

O capítulo X precisa que a convenção não afetará as obrigações das partes decorrentes de outros instrumentos internacionais e que as partes poderão celebrar outros acordos internacionais relativos às questões reguladas pela convenção, com o fim de reforçar ou complementar as suas disposições.

125.

O capítulo XI estabelece o procedimento para introduzir alterações à Convenção de Istambul.

126.

O capítulo XII contém as cláusulas finais. Menciona especificamente que a Convenção de Istambul estará expressamente aberta à assinatura pela União Europeia ( 137 ). Este capítulo especifica também que só são possíveis reservas em casos limitados e sob certas condições ( 138 ).

127.

Como a Comissão observou na sua proposta de decisão do Conselho relativa à assinatura, em nome da União Europeia, da Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e [à] Violência Doméstica ( 139 ), a celebração da Convenção de Istambul pela União pode afetar um grande número de competências que a União detém sozinha ou em conjunto com os Estados‑Membros. Por conseguinte, teoricamente, várias bases jurídicas que figuram no Tratado FUE podem ser relevantes, tais como «o artigo 16.o (proteção dos dados), o artigo 19.o, n.o 1 (discriminação em razão do sexo), o artigo 23.o (proteção consular dos cidadãos de outro Estado‑Membro), os artigos 18.o, 21.o, 46.o, 50.o (livre circulação dos cidadãos, livre circulação dos trabalhadores e liberdade de estabelecimento), o artigo 78.o (asilo, proteção subsidiária e proteção temporária), o artigo 79.o (imigração), o artigo 81.o (cooperação judiciária em matéria civil), o artigo 82.o (cooperação judiciária em matéria penal), o artigo 83.o (definição das infrações penais na União Europeia e das sanções em domínios de criminalidade particularmente grave com dimensão transfronteiriça), o artigo 84.o (medidas não harmonizadas de prevenção da criminalidade) e o artigo 157.o (igualdade de oportunidades e igualdade de tratamento entre homens e mulheres em matéria de emprego e de trabalho)». A estas bases podem acrescentar‑se, embora não sejam mencionados pela Comissão, o artigo 165.o TFUE (desenvolvimento de uma educação de qualidade), o artigo 166.o TFUE (implementação de uma política de formação profissional) ou o artigo 336.o TFUE (condições de emprego dos funcionários e outros agentes da União Europeia) ( 140 ).

128.

Contudo, como já expliquei, a base ou as bases jurídicas de um ato não têm de refletir todas as competências exercidas para a sua adoção. A decisão que autoriza a União a celebrar a Convenção de Istambul deve fundar‑se apenas na base ou nas bases jurídicas correspondentes ao que será o centro de gravidade dessa decisão.

C.   Determinação das principais finalidades e componentes da decisão que autoriza a celebração da Convenção de Istambul em nome da União

129.

Se a resposta à primeira questão, alínea a), dependesse apenas das finalidades e do conteúdo da Convenção de Istambul, bastaria salientar que, apesar de esta convenção ter várias componentes, a finalidade da eliminação da discriminação de género é, não obstante, claramente, a sua finalidade e componente principais ( 141 ). Efetivamente, como expõe o Relatório Explicativo da Convenção de Istambul, esta convenção visa, de acordo com o seu preâmbulo, reconhecer a existência de uma «relação entre a erradicação da violência contra as mulheres e a realização da igualdade de género de facto e de direito» ( 142 ). Este relatório menciona ainda que «[a] definição de “violência contra as mulheres” indica claramente que, na perspetiva da convenção, deve entender‑se que a violência contra as mulheres constitui uma violação dos direitos humanos e uma forma de discriminação» ( 143 ). Consequentemente, na falta de uma base jurídica mais específica, a base jurídica relevante parece ser o artigo 3.o, n.o 3, TUE, que, conjugado com o artigo 19.o TFUE, confere competência à União para «tomar as medidas necessárias para combater a discriminação em razão do sexo».

130.

Todavia, tal como foi acima mencionado, para determinar a base jurídica que serve de fundamento à decisão que autoriza a celebração da Convenção de Istambul em nome da União, é necessário ter em conta não só as finalidades e componentes dessa convenção mas também as finalidades e componentes mais específicas da própria decisão.

131.

No caso em apreço, é mais ou menos dado como aceite que o Conselho não deseja que a União exerça outras competências além das que correspondem às disposições referidas na questão do Parlamento, as quais, neste caso, não incluem o artigo 3.o, n.o 3, TUE nem o artigo 19.o TFUE.

132.

Por conseguinte, a decisão que autoriza a celebração da Convenção de Istambul em nome da União só se pode basear nessas disposições se, pelo menos, se verificar que a União deve necessariamente exercer a competência externa correspondente.

133.

A este respeito, importa salientar que a eliminação da discriminação de género não é um dos domínios enunciados no artigo 3.o, n.o 1, TFUE, para os quais foi expressamente conferida competência exclusiva à União. No que se refere aos vários casos de competência externa exclusiva previstos no artigo 3.o, n.o 2, TFUE, apenas a terceira situação (a saber, que a União dispõe de competência externa exclusiva para celebrar acordos internacionais quando tal celebração seja suscetível de afetar as regras comuns da União) parece ser relevante.

134.

Conforme explicado anteriormente, uma vez que a Convenção de Istambul estabelece apenas normas mínimas, para ser conferida à União competência exclusiva devido à existência de regras comuns suscetíveis de ser afetadas pela celebração dessa convenção, é, portanto, necessário que essas regras comuns não se limitem a prever normas mínimas. Contudo, as regras comuns adotadas no domínio do combate à discriminação em razão do sexo que decorrem da Diretiva 2000/78 ( 144 ), da Diretiva 2004/113 ( 145 ), da Diretiva 2006/54 ( 146 ) ou da Diretiva 2010/41 ( 147 ) preveem apenas normas mínimas, uma vez que todas elas especificam que os Estados‑Membros podem aprovar ou manter disposições mais favoráveis.

135.

Tendo em conta o conteúdo atual das regras comuns em matéria de combate à discriminação em razão do sexo, cabe observar que a União não detém competência externa exclusiva nesse domínio. A União não está, portanto, obrigada a exercer a sua competência no combate à discriminação em razão do sexo para celebrar a Convenção de Istambul ( 148 ). Uma vez que a questão submetida assenta na premissa de que, em princípio, a União não exerceria outras competências além das relativas ao asilo e à cooperação judiciária em matéria penal, o artigo 3.o, n.o 3, TUE ou o artigo 19.o TFUE não constituem bases jurídicas adequadas para adotar a decisão de celebrar a Convenção de Istambul em nome da União.

136.

À luz do que precede, proponho agora que se examine se existem bases jurídicas que, embora não abranjam inteiramente a convenção, sejam suscetíveis de abranger partes importantes da mesma, correspondendo simultaneamente a competências que a União deverá ou tenciona exercer no momento da celebração dessa convenção. Na verdade, o facto de a União dever exercer outras competências que não as que correspondem às bases jurídicas mencionadas pelo Parlamento nas suas questões não é, em si mesmo, suficiente para que sejam tomadas em consideração para esse efeito; é igualmente necessário que essas competências abranjam componentes da Convenção de Istambul que sejam, pelo menos, tão importantes como as que estão abrangidas pelas bases jurídicas mencionadas pelo Parlamento.

137.

Para o efeito, começarei por examinar se existem outras competências, além das previstas pelo Parlamento na sua questão, que pareçam suficientemente relevantes e que a União deverá exercer para celebrar a Convenção de Istambul.

D.   Quanto à existência de outras bases jurídicas além das mencionadas pelo Parlamento na sua questão, que correspondam, por um lado, a competências que a União está obrigada a exercer e, por outro, às finalidades e componentes da Convenção de Istambul suscetíveis de ser consideradas, pelo menos, tão importantes como as que estão abrangidas pelas bases indicadas pelo Parlamento

138.

De entre as diferentes competências identificadas no n.o 127 das presentes conclusões, que podem ser afetadas pela Convenção de Istambul, apenas quatro parecem suficientemente relevantes para justificar uma apreciação mais aprofundada, a saber, o artigo 165.o TFUE (desenvolvimento de uma educação de qualidade), o artigo 166.o TFUE (implementação de uma política de formação profissional), o artigo 81.o TFUE (cooperação judiciária em matéria civil) e o artigo 336.o TFUE (condições de emprego dos funcionários e outros agentes da União Europeia).

Quanto aos aspetos da Convenção de Istambul relativos à educação e à formação profissional

139.

Segundo o artigo 6.o TFUE, a União apenas tem uma competência de apoio nos domínios da educação e da formação profissional. Essa competência não pode, pela sua própria natureza, ser exercida com efeito preclusivo (pre‑emption) por parte da União, pelo que esta nunca está obrigada a exercê‑la.

Quanto aos aspetos da Convenção de Istambul relativos à cooperação judiciária em matéria civil

140.

Nos termos do artigo 81.o, n.o 1, TFUE, a cooperação judiciária nas matérias civis com incidência transfronteiriça está abrangida pelas competências que a União partilha com os Estados‑Membros. O segundo período desta disposição precisa que essa cooperação pode incluir a adoção de medidas de aproximação das disposições legislativas e regulamentares dos Estados‑Membros ( 149 ). O artigo 81.o, n.o 2, TFUE estabelece uma lista exaustiva de objetivos que as medidas suscetíveis de ser adotadas pela União podem prosseguir.

141.

A União adotou várias regras com base nesta disposição. Algumas delas, como a Diretiva 2003/8, que se destina a melhorar o acesso à justiça nos litígios transfronteiriços, estabelecem apenas normas mínimas ( 150 ). Do mesmo modo, o artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 2008/52 ( 151 ) especifica que esta diretiva não é aplicável aos direitos e obrigações de que as partes não possam dispor ao abrigo do direito aplicável. Por conseguinte, esta diretiva não exclui a possibilidade de os Estados‑Membros poderem proibir o uso da mediação em determinados domínios ( 152 ).

142.

No entanto, outros instrumentos contêm regras que, claramente, não preveem prescrições mínimas ( 153 ). Em especial, o Tribunal de Justiça já declarou, no que respeita ao estabelecimento de mecanismos para o reconhecimento de decisões judiciais, que a União adquiriu uma competência externa ( 154 ).

143.

Na medida em que o artigo 62.o da Convenção de Istambul prevê que as partes signatárias cooperarão para aplicar as sentenças civis e penais relevantes proferidas pelas autoridades judiciárias das partes, incluindo as ordens de proteção, a União será definitivamente obrigada a exercer a sua competência externa exclusiva relativa à cooperação judiciária em matéria civil no que respeita a determinadas disposições da convenção, como o artigo 62.o, n.o 1, alínea a).

Quanto aos aspetos da convenção relativos à determinação das condições de trabalho dos funcionários da União e dos outros agentes

144.

Nos termos do artigo 336.o TFUE, o Parlamento Europeu e o Conselho, por meio de regulamentos adotados de acordo com o processo legislativo ordinário, estabelecem, após consulta às outras instituições interessadas, o Estatuto dos Funcionários da União Europeia e o Regime aplicável aos Outros Agentes da União.

145.

É certo que as condições de emprego de todo o pessoal da União não estão relacionadas com os domínios referidos nos artigos 3.o e 6.o TFUE. Por conseguinte, a União partilha essa competência com os Estados‑Membros, nos termos do artigo 4.o, n.o 1, TFUE. Todavia, importa observar que esta competência foi exercida com efeito preclusivo devido à adoção do Regulamento n.o 31 (CEE), n.o 11 (CEEA), que fixa o Estatuto dos Funcionários e o Regime aplicável aos Outros Agentes da Comunidade Económica Europeia e da Comunidade Europeia da Energia Atómica ( 155 ), pelo que se deve considerar que a União adquiriu, ao abrigo do artigo 3.o, n.o 2, TUE, competência externa exclusiva na matéria.

146.

Daqui resulta que, além das bases jurídicas mencionadas pelo Parlamento, é também necessário examinar os artigos 81.o e 336.o TFUE para determinar com que base ou bases jurídicas deve ser adotada a decisão que autoriza a celebração da Convenção de Istambul em nome da União.

147.

No que respeita às outras competências diferentes das quatro anteriormente examinadas e das previstas pelo Parlamento na sua questão, entendo que, embora certas disposições da Convenção de Istambul sejam abrangidas por essas competências, não podem influenciar o centro de gravidade de uma decisão da União de celebrar essa convenção, pelas razões que acabo de expor. Isso explica‑se pelo facto de a União não estar obrigada a exercer essas competências ou pela circunstância de, no caso vertente, as disposições em causa poderem ser consideradas acessórias por natureza.

E.   Apreciação final: quanto à relevância das bases jurídicas mencionadas pelo Parlamento e das bases jurídicas anteriormente identificadas como correspondentes a competências que devem ser exercidas e que abrangem finalidades e componentes suficientemente importantes da Convenção de Istambul

148.

Neste ponto, parece importante começar por sublinhar aquilo que torna este caso tão especial, nomeadamente, o facto de que a União não exercerá todas as competências que partilha com os Estados‑Membros. Mais precisamente, a União não terá de exercer a competência que se pode considerar que abrange as finalidades e componentes preponderantes da Convenção de Istambul, a saber, o combate à discriminação baseada no género ( 156 ).

149.

Consequentemente, outras bases jurídicas possíveis — que, de outro modo, seriam secundárias — podem tornar‑se relevantes. Todavia, deve ter‑se em mente que essas bases apenas cobrem parcialmente as finalidades e componentes da Convenção de Istambul. Por conseguinte, como já expliquei, é por comparação com as outras bases possíveis, e não de forma absoluta, que se deve determinar qual a base ou as bases jurídicas relevantes.

150.

Com a sua questão, o Parlamento pergunta se a decisão relativa à celebração da Convenção de Istambul se pode validamente basear, como prevê o Conselho, nos artigos 82.o, n.o 2, e 84.o TFUE, ou se se deve antes basear nos artigos 78.o, n.o 2, 82.o, n.o 2, e 83.o, n.o 1, TFUE. Além destas bases jurídicas, que se deve considerar que correspondem às competências que a União optou por exercer, importa igualmente tomar em consideração, pelas razões acima expostas, os artigos 81.o e 336.o TFUE. Proponho começar pelos artigos 82.o, n.o 2, 83.o, n.o 1, e 84.o TFUE, que figuram no capítulo 4 do título V da terceira parte do Tratado FUE e que respeitam à cooperação judiciária em matéria penal, bem como pelo artigo 81.o, n.o 1, TFUE.

151.

Pode começar por observar‑se que o artigo 82.o, n.o 2, TFUE confere à União competência para estabelecer regras mínimas destinadas a facilitar o reconhecimento mútuo das sentenças e decisões judiciais em matéria penal e a instaurar ou reforçar a cooperação policial e judiciária em matéria penal com dimensão transfronteiriça. O segundo parágrafo desta disposição precisa, contudo, que, na inexistência de uma decisão anterior do Conselho que identifique previamente quaisquer outros aspetos específicos do processo penal, essas medidas devem incidir sobre a admissibilidade mútua dos meios de prova entre os Estados‑Membros, os direitos individuais em processo penal ou os direitos das vítimas da criminalidade ( 157 ).

152.

Como já mencionei anteriormente, o capítulo VIII da Convenção de Istambul visa estabelecer uma cooperação judiciária internacional orientada para as matérias penais. As disposições estabelecidas neste capítulo podem, por conseguinte, estar abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 82.o, n.o 2, TFUE ( 158 ). Tendo em conta o facto de que os Estados‑Membros mantiveram, em larga medida, uma competência exclusiva em matéria penal, considero que, de todas as bases jurídicas possíveis, o artigo 82.o, n.o 2, TFUE constitui, comparativamente falando e na inexistência de qualquer intenção, por parte da União, de exercer a competência que detém em matéria de igualdade de tratamento, uma base jurídica suscetível de abranger o centro de gravidade jurídico do que será a decisão que autoriza a celebração da Convenção de Istambul em nome da União. A este respeito, é talvez significativo que as três instituições que apresentaram observações escritas — o Parlamento Europeu, o Conselho e a Comissão — sejam unânimes em considerar que o artigo 82.o, n.o 2, TFUE é uma das bases jurídicas materiais adequadas para a adoção da decisão que autoriza a União a celebrar a Convenção de Istambul.

153.

Nestas condições, o artigo 81.o, n.o 1, TFUE não pode, na minha opinião, constituir uma das bases jurídicas da decisão que autoriza a celebração da Convenção de Istambul em nome da União. Com efeito, resulta claramente da economia geral dessa convenção que as suas finalidades e componentes suscetíveis de ser abrangidas pela cooperação judiciária em matéria civil são acessórias do estabelecimento de uma cooperação internacional em matéria penal. Com efeito, resulta claramente das disposições do capítulo VIII (artigos 62.o a 65.o), bem como da estrutura geral desta convenção, que a mesma visa dar prioridade a uma resposta penal à violência contra as mulheres e que a cooperação internacional prevista reveste, sobretudo, caráter penal. Nestas circunstâncias, considero que as disposições da Convenção de Istambul relativas ao estabelecimento de uma cooperação judiciária em matéria civil são essencialmente acessórias da cooperação penal que a mesma convenção pretende estabelecer.

154.

Quanto ao artigo 83.o, n.o 1, TFUE, esta disposição atribui à União competência para estabelecer regras mínimas relativas à definição das infrações penais e das sanções em domínios de criminalidade particularmente grave com uma dimensão transfronteiriça resultante da natureza ou do impacto dessas infrações ou de uma necessidade especial de as combater numa base comum. No entanto, o segundo parágrafo enuncia uma lista exaustiva dos domínios em causa, a saber, o terrorismo, o tráfico de seres humanos e a exploração sexual de mulheres e crianças, o tráfico de droga e de armas, o branqueamento de capitais, a corrupção, a contrafação de meios de pagamento, a criminalidade informática e a criminalidade organizada. Embora o terceiro parágrafo preveja que o Conselho pode adotar uma decisão para ampliar esta lista, não parece que tenha usado essa possibilidade até à data ( 159 ).

155.

Tendo em conta a lista dos domínios atualmente abrangidos pelo artigo 83.o, n.o 1, TFUE, as disposições de direito penal substantivo contidas na Convenção de Istambul não estão abrangidas pela competência da União, mas antes pelas competências que os Estados‑Membros conservaram. Na minha opinião, o simples facto de, em alguns casos, a violência objeto da referida convenção poder encaixar‑se no tráfico de seres humanos ou na exploração sexual de mulheres e crianças não é, por si só, suficiente para permitir que se conclua que certas disposições da Convenção de Istambul são suscetíveis de ser abrangidas pela competência que a União retira do artigo 83.o, n.o 1, TFUE. Por conseguinte, o recurso a esta base jurídica parece‑me estar excluído em qualquer caso.

156.

No que respeita ao artigo 84.o TFUE, esta disposição tem por objetivo permitir à União estabelecer medidas para incentivar e apoiar a ação dos Estados‑Membros no domínio da prevenção da criminalidade, com exclusão de qualquer harmonização das disposições legislativas e regulamentares. A questão que se deve colocar é, portanto, saber se a Convenção de Istambul irá impor à União, caso venha a celebrar esta convenção, que adote medidas de apoio.

157.

A este respeito, a Convenção de Istambul obriga diretamente as partes signatárias a levarem a cabo um certo número de ações de prevenção e proteção. Todavia, parece‑me que o artigo 84.o TFUE não deve ser objeto de uma leitura demasiado restritiva, no sentido de que apenas permite a adoção de medidas destinadas aos Estados‑Membros, devendo antes ser entendido no sentido de que permite, como resulta claramente da sua redação, a adoção de medidas de apoio à ação dos Estados, ou seja, medidas que vêm acrescer às medidas adotadas pelos Estados, mas sem excluir que possam dizer diretamente respeito a pessoas singulares.

158.

Quanto à importância das finalidades e componentes da Convenção de Istambul relacionadas com a prevenção da criminalidade, uma vez que, como já expliquei, a União não exercerá todas as suas competências, em particular a sua competência em matéria de combate à discriminação baseada no género, a apreciação do caráter principal de uma base jurídica torna‑se relativa. Por outras palavras, o caráter preponderante ou principal de certas finalidades e componentes em causa deve ser examinado em comparação com as demais finalidades e componentes da Convenção de Istambul que serão vinculativas para a União porque esta optou por exercer as competências correspondentes.

159.

Nestas circunstâncias, uma vez que o Conselho pretende limitar o alcance das obrigações jurídicas que a União assume com a celebração da Convenção de Istambul, as finalidades e componentes da decisão que autoriza a União a celebrar esta convenção, suscetíveis de ser abrangidas pelo artigo 84.o TFUE, parecem‑me tão preponderantes como as abrangidas pelo artigo 82.o, n.o 2, TFUE. Além disso, tanto a cooperação judicial em matéria penal como a prevenção da violência contra as mulheres são, cada uma delas, objeto de um capítulo inteiro da referida convenção.

160.

No que respeita ao artigo 78.o, n.o 2, TFUE, o mesmo refere‑se à competência da União para estabelecer um sistema comum de asilo. É verdade que, tal como foi salientado pelo Parlamento, a Convenção de Istambul contém apenas três artigos que tratam da migração e do asilo. O artigo 59.o desta convenção obriga as partes a preverem na sua legislação nacional a possibilidade de as mulheres migrantes vítimas adquirirem uma autorização de residência autónoma, ao passo que os seus artigos 60.o e 61.o exigem, respetivamente, em substância, que as partes reconheçam a violência contra as mulheres como uma forma de perseguição, que apreciem os pedidos para reconhecimento do estatuto de refugiado com base numa interpretação sensível ao género e que respeitem o princípio da não repulsão das vítimas de violência contra as mulheres.

161.

Cabe, porém, salientar que, em primeiro lugar, estas três disposições formam um capítulo separado, o que revela que a Convenção de Istambul atribui tanta importância a estas questões como à cooperação judiciária ou às medidas preventivas. Em segundo lugar, estas disposições, contrariamente à maioria das disposições em relação às quais a União tem competência, não correspondem à lei atualmente em vigor na União. Na situação atual, o direito da União não prevê, de um modo geral, a obrigação de tomar em consideração a violência contra as mulheres como uma forma de perseguição que permite obter o estatuto de refugiado, e a adoção dessa obrigação expressa pode ter implicações práticas importantes. Em terceiro lugar, sobretudo, há que ter em mente que, visto o Conselho ter previsto uma celebração limitada a certas competências, um grande número de disposições da Convenção de Istambul não será vinculativo do ponto de vista do direito da União.

162.

Neste contexto, considero que o artigo 78.o, n.o 2, TFUE deve figurar entre as bases jurídicas da decisão de celebrar a Convenção de Istambul em nome da União, uma vez que abrange finalidades e componentes que, vistas, pelo menos, comparativamente com as outras finalidades e componentes que esta decisão terá, devem ser consideradas preponderantes. Mesmo que seja possível afirmar que certas finalidades ou componentes dessa convenção podem estar abrangidas por uma competência exclusiva da União que não mencionei, só terão, na melhor das hipóteses, caráter acessório.

163.

Por último, quanto às condições de emprego de todo o pessoal da União, parece‑me óbvio que, em princípio, o simples facto de que um acordo internacional pode igualmente dizer respeito aos agentes da União não basta para justificar a referência ao artigo 336.o TFUE como base jurídica: é necessário que a aplicação desse acordo a esses agentes constitua a finalidade ou a componente principal da decisão de celebrar esse acordo.

164.

No caso vertente, todavia, na medida em que a União não pretende exercer a sua competência em matéria de combate à discriminação em razão do sexo, observo que as outras bases jurídicas apenas cobrirão muito parcialmente o referido acordo. Uma parte importante das finalidades e componentes da Convenção de Istambul, em particular as que visam a criminalização de certos comportamentos, será da competência exclusiva dos Estados‑Membros. As obrigações que a União terá de assumir, se persistir na intenção de fazer uma adesão limitada, serão, de facto, bastante limitadas. Nessas circunstâncias, parece‑me que as finalidades e componentes desta convenção suscetíveis de ser abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 336.o TFUE serão, do ponto de vista da União, comparativamente tão importantes como as finalidades e componentes abrangidas pelos artigos 78.o, n.o 2, 82.o, n.o 2, e 84.o TFUE. Com efeito, no que se refere ao seu pessoal, a adesão da União à Convenção de Istambul produzirá plenamente os seus efeitos. Em consequência, as obrigações que a ratificação desta convenção implicará para a União em relação ao seu pessoal serão mais amplas ratione materiae do que as que decorrem, para os nacionais da União, do exercício das suas outras competências. Nessas circunstâncias, parece‑me que uma adesão limitada origina uma situação especial em que a componente relativa aos funcionários não pode ser considerada acessória das demais competências.

165.

É verdade que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a adoção de um ato deve, em princípio, fundar‑se numa única base jurídica. Porém, como expliquei acima, uma vez que, ao renunciar à sua competência no domínio do combate à discriminação baseada no género, a União pretende optar por uma adesão limitada, parece inevitável uma cumulação de bases jurídicas em razão da fragmentação das outras competências ( 160 ). Além disso, todas essas bases jurídicas preveem o mesmo procedimento no que respeita ao exercício das competências internas, a saber, o processo legislativo ordinário, que, no que se refere ao exercício de competências externas, conduz, nos termos do artigo 218.o TFUE, à aplicação das mesmas regras de votação. Estas bases jurídicas e o exercício da competência externa da União são, por conseguinte, totalmente compatíveis.

166.

Atendendo às considerações anteriores, proponho ao Tribunal de Justiça que responda à primeira questão no sentido de que, tendo em conta o alcance da celebração prevista pelo Conselho, a decisão que autoriza a União a proceder a essa celebração deve basear‑se nos artigos 78.o, n.o 2, 82.o, n.o 2, 84.o e 336.o TFUE.

V. Primeira questão, alínea b): saber se a celebração da Convenção de Istambul pode ser autorizada através de duas decisões separadas

167.

A primeira questão, alínea b), do Parlamento tem essencialmente por objeto saber se, no caso de, em consequência, nomeadamente, da escolha das bases jurídicas, a autorização para celebrar a Convenção de Istambul em nome da União tiver de ser concedida através de duas decisões separadas, essa autorização é inválida.

168.

O Parlamento salientou que a razão invocada para a adoção de duas decisões separadas na fase da assinatura foi que os artigos 60.o e 61.o da Convenção de Istambul se integram no domínio da política comum em matéria de asilo, de proteção subsidiária e de proteção temporária, referido no artigo 78.o TFUE. Isso criou dificuldades particulares no que diz respeito à aplicação do Protocolo n.o 21, uma vez que este prevê que a Irlanda não está vinculada às medidas adotadas nesse domínio nem sujeita à sua aplicação e, portanto, não participa na sua adoção, salvo quando decida fazê‑lo. Todavia, o Parlamento considera que as preocupações expressas em relação ao Protocolo n.o 21 são infundadas, visto que, no caso de a União celebrar a Convenção de Istambul, a Irlanda ficará vinculada por essa celebração no que respeita a todas as competências exercidas pela União nos termos da referida convenção. Não posso, todavia, concordar com este argumento, que equivale a afirmar que, nesse caso, o potencial impacto do Protocolo n.o 21 desapareceria dado que essas disposições da convenção dizem respeito, em grande parte, a regras comuns que a Irlanda aceitou.

169.

Começo por sublinhar que a questão do Parlamento diz respeito à futura validade formal da decisão de celebrar a Convenção de Istambul.

170.

A este respeito, deve recordar‑se que decorre do artigo 263.o TFUE que a validade formal de um ato só é suscetível de ser posta em causa no caso de preterição de formalidades essenciais. Pode, portanto, colocar‑se a seguinte questão: o que constitui uma formalidade essencial nesta aceção?

171.

Como expliquei anteriormente, essas formalidades incluem requisitos processuais e formais suscetíveis de exercer influência no conteúdo do ato em causa ( 161 ) ou, no que respeita ao dever de fundamentação, de gerar confusão quanto à natureza ou ao âmbito do ato impugnado ( 162 ). Assim, para que a adoção de duas decisões separadas — e não apenas uma — seja contrária ao direito da União, é necessário examinar, primeiro, se o que pode ser designado de «processo de cisão» viola alguma regra ou algum princípio e, seguidamente, se essa regra ou esse princípio podem ser considerados «essenciais» naquela aceção.

172.

No que respeita à existência dessa regra ou desse princípio, pode salientar‑se que nenhuma das disposições estabelecidas nos Tratados ou no regulamento interno do Conselho enuncia uma regra que proíba a cisão da decisão que autoriza a celebração de um acordo internacional em duas decisões separadas.

173.

É verdade que o artigo 218.o, n.o 6, TFUE faz referência, no que respeita ao procedimento para a celebração de um acordo, à adoção, pelo Conselho, de uma decisão de autorizar essa celebração. É, contudo, evidente que a utilização do artigo indefinido «uma» se refere ao conceito geral de «decisão», que designa a forma habitual de um ato do Conselho ou da Comissão que não seja um texto de alcance geral. Por conseguinte, esse artigo indefinido não se refere ao conceito, utilizado nos países de direito civil, de instrumentum (forma) por oposição a negotium (substância). Quando esta disposição é lida no seu próprio contexto, podemos, portanto, ter dúvidas sobre se os seus redatores pretenderam, através da mera utilização do artigo indefinido, excluir a possibilidade de essa decisão poder assumir a forma de dois atos separados.

174.

É igualmente difícil de entender como pode a cisão de uma decisão que autoriza a celebração de um acordo internacional em dois atos distintos violar o artigo 17.o, n.o 2, TUE ou o artigo 293.o TFUE. Embora ambas as disposições apenas digam respeito ao processo legislativo ( 163 ), decorre da localização do artigo 218.o no Tratado FUE — esta disposição surge no título V da parte V (dedicada à ação externa da União), e não na parte VI, título I, capítulo 2, secção 2, como sucede com o processo legislativo — assim como do conteúdo dessa disposição que o processo para a celebração de acordos internacionais é específico e especial. Com efeito, não só as diferentes instituições não dispõem das mesmas prerrogativas em cada um destes processos como a terminologia utilizada nos Tratados também não é idêntica. Por exemplo, o artigo 218.o, n.o 3, TFUE prevê, no que se refere à assinatura de um acordo internacional, que o processo começa por uma «recomendação», enquanto o artigo 294.o, n.o 2, TFUE menciona que o processo legislativo começa por uma «proposta» ( 164 ).

175.

Além disso, mesmo que se considerasse que uma destas disposições estabelece uma formalidade, não me parece que essa formalidade pudesse ser considerada «essencial» na aceção do artigo 263.o TFUE.

176.

Neste contexto, a única regra ou o único princípio suscetível de constituir um requisito processual ou formal essencial — e, portanto, que impediria o Conselho de cindir uma decisão que autoriza a celebração de um acordo internacional em dois atos distintos — consiste, simplesmente, em respeitar as prerrogativas das outras instituições e dos Estados‑Membros, bem como as regras de votação aplicáveis ( 165 ), uma vez que estas regras não estão à disposição das próprias instituições ( 166 ).

177.

Assim, por exemplo, no Acórdão Comissão/Conselho ( 167 ), comummente designado por «Acórdão do Ato Híbrido», o Tribunal de Justiça declarou que o Conselho e os representantes dos governos dos Estados‑Membros não podem fundir numa única decisão um ato que autoriza a assinatura de um acordo entre a União e Estados terceiros ou organizações internacionais e um ato relativo à aplicação provisória desse acordo pelos Estados‑Membros. Como o Tribunal de Justiça salientou, isto deve‑se ao facto de os Estados‑Membros não terem competência para adotar a primeira decisão e, inversamente, de o Conselho não desempenhar papel algum, enquanto instituição da União, na adoção do ato relativo à aplicação provisória de um acordo misto pelos Estados‑Membros. Este último ato continua a ser matéria do direito interno de cada um desses Estados ( 168 ). O Tribunal de Justiça observou ainda que esta prática poderia ter consequências para as regras de votação aplicadas, uma vez que o primeiro ato teria de ser adotado, em conformidade com o artigo 218.o, n.o 8, TFUE, por maioria qualificada do Conselho, ao passo que a aplicação provisória de um acordo misto pelos Estados‑Membros implica, enquanto matéria do direito interno de cada um desses Estados, um consenso e, portanto, o acordo unânime dos representantes desses Estados ( 169 ).

178.

Todavia, no presente caso, a celebração da Convenção de Istambul através de duas decisões, em vez de uma, não parece ser de natureza a suscitar preocupações semelhantes às identificadas pelo Tribunal de Justiça no Acórdão do Ato Híbrido.

179.

Em primeiro lugar, é dado assente que, independentemente do número de decisões que venham a ser adotadas, a sua adoção estará abrangida pela competência da União.

180.

Em segundo lugar, no que respeita às regras de votação, cabe referir que cindir uma decisão em dois atos separados pode viciar a celebração de um acordo internacional se o primeiro ato for adotado em conformidade com uma determinada regra de votação e o segundo ato, em conformidade com outra regra de votação, ao passo que, se fosse adotado um único ato, teria sido aplicada apenas uma regra ( 170 ). Todavia, no presente caso, pelas razões que expus anteriormente no âmbito da análise da admissibilidade, todas as bases jurídicas em causa conduzem à aplicação do mesmo procedimento.

181.

É certo que decorre da resposta à primeira questão, alínea a), que a assinatura — e, caso se venha a concretizar, a celebração — da Convenção de Istambul pela União implicou e implica que a União exercerá certas competências abrangidas pelo título V da parte III do Tratado FUE. Consequentemente, importa considerar que a adoção da decisão que autoriza a celebração dessa convenção pela União, tal como prevista pelo Parlamento, está abrangida pelas competências da União resultantes dos Protocolos n.o 21 e n.o 22. Todavia, contrariamente ao que alega o Parlamento, a cisão da celebração da convenção em dois atos separados terá o efeito de respeitar — e não de violar — as regras de votação aplicáveis e a posição especial da Irlanda assegurada pelo Protocolo n.o 21 ( 171 ).

182.

A este respeito, é obviamente necessário adotar duas decisões quando um ato prossegue várias finalidades ou tenha várias componentes, sem que uma seja acessória da outra, e essas bases diferentes sejam inconciliáveis entre si uma vez que conduzem à aplicação de regras de votação distintas ( 172 ). Em minha opinião, também é verdade que a adoção de vários atos separados será igualmente necessária quando um dos atos inclua componentes que possam ser abrangidas, pelo menos parcialmente, pelo âmbito dos Protocolos n.o 21 e n.o 22, e o outro não. Com efeito, devido ao Protocolo n.o 21, a Irlanda não participa na adoção, pelo Conselho, das medidas propostas nos termos da parte III, título V, do Tratado FUE, a menos que manifeste a intenção de o fazer ( 173 ). De acordo com o Protocolo n.o 22, o Reino da Dinamarca não participa na adoção, pelo Conselho, das medidas propostas nos termos da parte III, título V, do Tratado FUE, as quais não o vinculam, exceto se, após a sua adoção, decidir aplicá‑las ( 174 ).

183.

Uma vez que o Reino da Dinamarca não participa na adoção, pelo Conselho, de quaisquer medidas abrangidas pela parte III, título V, do Tratado FUE e que a Irlanda só participa nessa adoção se manifestar a intenção de o fazer, sempre que um ato da União deva ser adotado ao abrigo de várias bases jurídicas, algumas das quais estão abrangidas pela parte III, título V, do Tratado FUE e outras, por outras disposições do Tratado, poderá ser necessário cindir esse ato em várias decisões.

184.

No caso vertente, é certo que as competências que têm de ser exercidas ou cujo exercício está previsto pela União são todas abrangidas pela parte III, título V, do Tratado FUE. Consequentemente, o Reino da Dinamarca não estará vinculado por nenhuma dessas decisões e não participará na votação para a adoção de nenhuma dessas duas decisões. O Protocolo n.o 22 não é, portanto, suscetível de alterar as regras de votação aplicáveis.

185.

No que respeita à situação da Irlanda, o Parlamento considera que, na medida em que o acordo seria amplamente abrangido por regras comuns que a Irlanda aceitou, este Estado‑Membro ficaria necessariamente vinculado pelo futuro acordo e, consequentemente, obrigado a participar na votação.

186.

No entanto, como já indiquei, não partilho desta posição. Não só resulta da resposta à primeira questão que o direito derivado da União não cobre inteiramente os domínios correspondentes às competências que a União será obrigada a exercer para celebrar a convenção em causa nem as competências previstas pelo Parlamento no seu pedido, mas, a meu ver, o facto de a Irlanda já ter aceitado participar na adoção de certos elementos da legislação da União não a obriga a fazê‑lo no que respeita à celebração de um acordo internacional que teria o mesmo objeto. Em minha opinião, isso decorre do artigo 4.o‑A do Protocolo n.o 21, o qual prevê que as disposições do Protocolo «aplicam‑se também às medidas propostas ou adotadas ao abrigo do título V da parte III do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e que alterem uma medida existente à qual estejam vinculados» ( 175 ). Por conseguinte, na medida em que a celebração da Convenção de Istambul pode afetar certas medidas existentes em matéria de asilo, como foi mencionado na análise da primeira questão, alínea a), parece claro que, ao abrigo do Protocolo n.o 21, a Irlanda pode decidir não ficar vinculada pela decisão que autoriza a celebração da Convenção de Istambul e, portanto, pode não participar na sua votação.

187.

É verdade que, no Parecer 1/15, o Tribunal de Justiça considerou que a aplicação dos Protocolos n.o 21 e n.o 22 não tem influência nas regras de votação no Conselho ( 176 ). No entanto, esse raciocínio deve ser entendido por referência às circunstâncias do caso em apreço. Com efeito, nesse processo, a Irlanda e o Reino Unido tinham notificado a sua intenção de participar na adoção da decisão causa, pelo que, em conformidade com o artigo 3.o do Protocolo n.o 21, não era necessário aplicar as regras de votação previstas no artigo 1.o do referido protocolo. No que respeita ao Protocolo n.o 22, o Tribunal de Justiça considerou, em substância, que, tendo em conta o conteúdo do acordo projetado, o Reino da Dinamarca não ficaria vinculado pelas disposições do referido acordo e que, consequentemente, qualquer que fosse a base jurídica adotada, o Reino da Dinamarca não participaria na adoção da referida decisão ( 177 ).

188.

Neste ponto, deve sublinhar‑se que, contrariamente aos argumentos desenvolvidos pela Comissão na audiência, o facto de a União ter competência exclusiva nessa situação por força do artigo 3.o, n.o 2, TFUE não pode ter por efeito excluir a aplicação do Protocolo n.o 21. Com efeito, se assim fosse, o artigo 4.o‑A do Protocolo n.o 21 ficaria desprovido de qualquer significado real, uma vez que, na minha opinião, o objetivo desta disposição é, precisamente, esclarecer que o protocolo também é aplicável quando a União tem competência exclusiva, pois a medida prevista é suscetível de alterar atos legislativos existentes.

189.

Mesmo para as disposições da Convenção de Istambul que não alteram uma medida existente, creio que o acordo da Irlanda continua a ser necessário. Embora o artigo 4.o‑A do Protocolo n.o 21 se refira a uma medida que tem por efeito alterar uma medida existente, o certo é que — como sublinha a utilização do termo «também» —, mesmo quando uma medida não altere um ato existente, o artigo 1.o daquele protocolo é, ainda assim, aplicável, desde que a medida prevista contenha disposições abrangidas pela parte III, título V, do Tratado FUE.

190.

É evidente que, na medida em que tenha aceitado ficar vinculada por determinados atos do direito da União, a Irlanda não pode seguidamente proceder à celebração de uma convenção ou de um acordo internacional que comprometa a eficácia desses mesmos atos. O inverso, porém, não é verdade. O facto de ter aceitado ficar vinculada por esses instrumentos de direito da União não significa que a Irlanda esteja obrigada a participar na adoção de um ato de celebração de uma convenção relativa ao domínio abrangido pela parte III, título V, do Tratado FUE. Semelhante conclusão seria contrária ao teor inequívoco do Protocolo n.o 21.

191.

Embora seja evidente que, se entrar em vigor na União, a Convenção de Istambul terá impacto no direito da União em matéria de asilo, o efeito do Protocolo n.o 21 consiste em que, visto da perspetiva do direito da União, a Irlanda não ficará vinculada por essa convenção no que respeita a todas as competências por ela exercidas no momento da sua celebração, a menos que também manifeste intenção nesse sentido. Consequentemente, se a Irlanda aceitar ficar vinculada pela decisão da União de autorizar a celebração da Convenção de Istambul apenas em relação a certas disposições dessa convenção, é necessária a adoção de duas decisões separadas.

192.

Além disso, o facto de a Irlanda já ter celebrado a Convenção de Istambul não me parece suscetível de pôr em causa a análise precedente ( 178 ). Isso explica‑se porque as consequências dessa celebração não são as mesmas se a Irlanda aceitar ficar vinculada pela decisão da União de celebrar essa convenção. Concretamente, se a Irlanda aceitar ficar vinculada pela adesão da União à Convenção de Istambul, isso terá como consequência, por um lado, que, se esse Estado‑Membro vier alguma vez a denunciar essa convenção em conformidade com o seu artigo 80.o, continuará vinculado no que respeita às matérias da competência da União. Por outro lado, esse Estado‑Membro pode não desejar ficar vinculado pela decisão que a União tem de adotar, na medida em que, dependendo da extensão da adesão, essa decisão poderá sobrepor‑se às reservas que ele exprimiu.

193.

Nestas circunstâncias, dependendo das intenções da Irlanda, não só a adoção de duas decisões é válida como esta abordagem é adequada e pode até ser legalmente necessária.

194.

Proponho, portanto, que o Tribunal de Justiça responda ao Parlamento que a celebração da Convenção de Istambul pela União através de dois atos distintos não é de natureza a invalidar esses atos.

VI. Quanto à segunda questão

195.

Com a sua segunda questão, o Parlamento pergunta se a decisão da União de celebrar a Convenção de Istambul seria válida se fosse adotada na falta de um acordo comum de todos os Estados‑Membros sobre o seu consentimento em ficarem vinculados por essa convenção.

196.

A este respeito, o Parlamento reconhece a importância de assegurar uma estreita cooperação entre os Estados‑Membros e as instituições da União no processo de negociação, celebração e implementação de um acordo internacional. Considera, no entanto, que o facto de o Conselho aguardar que todos os Estados‑Membros tenham celebrado esse acordo antes de a União o fazer (uma prática que designa como prática do «acordo comum») vai além dessa cooperação. O Parlamento sustenta que, na prática, isso equivale a exigir a unanimidade no Conselho para adotar um acordo internacional, apesar da existência da regra da maioria qualificada. Além disso, tal prática equivale a transformar num ato híbrido a decisão que autoriza a celebração de um acordo internacional pela União.

197.

Na audiência, o Conselho pareceu admitir que, no caso de um acordo misto, é sua prática geral aguardar que todos os Estados‑Membros tenham celebrado esse acordo (ou, pelo menos, que tenham confirmado que o irão celebrar) antes de submeter a votação a decisão que autoriza a União a celebrar o referido acordo. O Conselho argumenta, contudo, que não se considera vinculado por esta prática, mas que essa posição de espera se justifica amplamente no caso da celebração da Convenção de Istambul.

198.

Neste contexto, convém começar por recordar que, quando a União decide exercer as suas competências, tal exercício deve fazer‑se no respeito do direito internacional ( 179 ).

199.

Em direito internacional, a assinatura de um acordo internacional por uma entidade não estabelece, em princípio, o seu consentimento em ficar vinculada e, consequentemente, não a obriga a celebrar o referido acordo nem sequer a recorrer necessariamente ao seu próprio procedimento constitucional (solicitando, por exemplo, a aprovação legislativa ou parlamentar adequada) para autorizar essa celebração. A única obrigação que incumbe a essas partes é a prevista no artigo 18.o da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 23 de maio de 1969 ( 180 ), a saber, agir de boa‑fé e abster‑se de atos que privem o acordo do seu objeto ou do seu objetivo.

200.

Na perspetiva do direito da União, salvo disposição em contrário, as instituições não são obrigadas a adotar um ato de aplicação geral. Também não são obrigadas a fazê‑lo dentro de um determinado período de tempo. No caso da celebração de um acordo internacional, uma vez que os Tratados não preveem nenhum prazo para o Conselho adotar uma decisão a este respeito e que esta instituição goza, a meu ver, de uma grande margem de discricionariedade para tomar essa decisão ( 181 ) — incluindo quando a União já tenha assinado esse acordo —, entendo que o Conselho pode adiar a sua decisão pelo tempo que considerar necessário para tomar uma decisão informada.

201.

Contrariamente à afirmação do Parlamento, aguardar que todos os Estados‑Membros tenham celebrado o acordo misto em causa não equivale a alterar as regras que regem a decisão que autoriza a União a celebrar esse acordo nem transforma num ato híbrido a decisão que irá ser tomada. Com efeito, essa forma de agir não implica que, se um Estado‑Membro acabar por decidir que não celebra o referido acordo, a União não o faça. Por conseguinte, essa prática não é de todo equivalente a uma fusão do processo nacional de celebração de um acordo internacional com o processo previsto no artigo 218.o TFUE.

202.

De facto, embora não caiba ao Tribunal de Justiça decidir sobre a sua relevância, essa prática parece ser plenamente legítima. Como expliquei anteriormente, a partir do momento em que a União e os Estados‑Membros celebram um acordo misto, tornam‑se, do ponto de vista do direito internacional, corresponsáveis pela não implementação injustificada desse acordo ( 182 ). Quanto à Convenção de Istambul, acontece que vários Estados‑Membros comunicaram ter encontrado sérias dificuldades na sua celebração a nível nacional.

203.

É verdade que, quando a União pretende celebrar um acordo misto, os Estados‑Membros têm obrigações tanto no que diz respeito ao processo de negociação e de celebração como ao cumprimento dos compromissos assumidos, que decorrem da exigência de uma unidade na representação internacional da União ( 183 ). No entanto, essas obrigações não implicam que os Estados‑Membros tenham de celebrar esse acordo. Tal abordagem violaria, efetivamente, o princípio da repartição de competências estabelecido no artigo 4.o, n.o 1, TUE.

204.

Numa situação deste tipo, pode ser autonomamente estabelecido, quando muito, um dever de abstenção ( 184 ). Em todo o caso, uma vez que o dever de cooperação leal também funciona a favor dos Estados‑Membros, na medida em que exige que a União respeite as competências dos Estados‑Membros ( 185 ), a União não pode invocá‑lo para os obrigar a celebrar um acordo internacional.

205.

Neste contexto, a celebração, pela União, de um acordo misto pode, por conseguinte, ter por efeito responsabilizá‑la, nos termos do direito internacional, pela atuação de certos Estados‑Membros, mesmo quando estes últimos atuam no âmbito das suas competências exclusivas. Esta é, contudo, a consequência inexorável do princípio da repartição de competências de acordo com o direito constitucional interno da União.

206.

No que toca ao presente caso, é dado assente que, para celebrar a Convenção de Istambul, a União não exercerá algumas das competências partilhadas, em especial a que se refere ao combate à discriminação de género. Consequentemente, um número significativo de obrigações previstas nessa convenção será da competência dos Estados‑Membros. Acontece que vários Estados‑Membros comunicaram ter encontrado sérias dificuldades na celebração a nível nacional. Tudo isto significa que o Conselho tem o direito de adotar uma abordagem cautelosa e prudente no que respeita à celebração desse acordo.

207.

A este respeito, tem‑se por vezes argumentado que não seria legalmente aceitável que o Conselho aguardasse pelo «acordo comum» dos Estados‑Membros para celebrar um acordo misto, uma vez que a União poderia resolver qualquer dificuldade encontrada, exprimindo simplesmente uma reserva em relação à repartição de competências entre a União e os Estados‑Membros. No caso concreto da Convenção de Istambul, porém, o seu artigo 78.o, n.o 1, prevê que não é admitida qualquer reserva, à exceção das previstas no artigo 78.o, n.os 2 ou 3. Nenhuma destas duas disposições prevê a possibilidade de a União fazer uma declaração de competência por meio de uma reserva.

208.

Várias partes no processo argumentaram, porém, que, não obstante as disposições da Convenção de Istambul, a União poderia formular uma declaração de competência, uma vez que, segundo elas, isso não constituiria, de facto, uma reserva na aceção do direito internacional. Em seu entender, essa declaração de competência não constituiria uma reserva porque prosseguiria um objetivo diferente. Alegam que uma declaração se limita a refletir uma situação jurídica objetiva, nomeadamente, que uma parte num acordo internacional não tem plena capacidade para o celebrar, ao passo que, pelo contrário, uma reserva reflete uma escolha subjetiva dessa parte de não aderir a esse acordo na íntegra. Por conseguinte, pode ser formulada uma declaração, mesmo quando o acordo em causa exclua reservas.

209.

Não subscrevo, todavia, esta posição. Resulta claramente do artigo 2.o, n.o 1, alínea d), da Convenção de Viena ( 186 ) que uma reserva designa uma declaração unilateral, qualquer que seja o seu conteúdo ou a sua denominação, feita por um Estado quando assina, ratifica, aceita ou aprova um tratado ou a ele adere, pela qual visa excluir ou modificar o efeito jurídico de certas disposições do tratado na sua aplicação a esse Estado ( 187 ).

210.

Por conseguinte, segundo o direito internacional, o objetivo prosseguido por uma declaração é irrelevante para determinar se esta deve ou não ser tratada como uma reserva. A única questão consiste em saber se a declaração em causa tem por função excluir ou alterar o efeito jurídico de certas disposições do Tratado ( 188 ).

211.

Neste contexto, deve recordar‑se que um dos princípios‑chave que regem os tratados internacionais, tal como enunciado no artigo 27.o da Convenção de Viena — bem como no artigo 27.o da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados entre Estados e Organizações Internacionais ou entre Organizações Internacionais, de 21 de março de 1986 ( 189 ) —, é que uma parte não pode invocar as disposições do seu direito interno para justificar o incumprimento de um tratado. Todavia, seria precisamente esse o objetivo prosseguido por uma declaração de competência, se usada para limitar o risco de a União poder ser responsabilizada pelo incumprimento de um acordo misto por um Estado‑Membro ( 190 ). Por conseguinte, teria de ser vista como uma «reserva» na aceção do artigo 2.o, n.o 1, alínea d), da Convenção de Viena.

212.

Daqui resulta que, à luz do direito internacional, se deve considerar que uma declaração relativa à repartição de competências entre uma organização internacional e os seus membros constitui uma reserva ( 191 ) e, portanto, só pode ser formulada se for permitida por uma disposição do acordo em causa, como era o caso, por exemplo, do artigo 2.o do anexo IX da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, que foi objeto do Acórdão Fábrica MOX ( 192 ).

213.

Na prática, muitas convenções em que a União é parte preveem a possibilidade de formular reservas ou até impõem às organizações internacionais que celebram essas convenções que façam uma declaração de competência ( 193 ). O exemplo mais conhecido de uma convenção que prevê esse tipo de obrigação é o artigo 2.o do anexo IX da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar ( 194 ).

214.

No entanto, uma vez que a Convenção de Istambul não permite que as partes formulem reservas em matéria de regras de competência, qualquer declaração da União a este respeito pode ser considerada desprovida de efeitos jurídicos à luz do direito internacional. Com efeito, na audiência realizada a 6 de outubro de 2020, a Comissão começou por evocar a possibilidade de recorrer a uma declaração de competência. Porém, quando pressionada, acabou por admitir que, do ponto de vista do direito internacional, essa declaração seria desprovida de qualquer valor jurídico e teria um mero valor informativo ( 195 ).

215.

Penso que tal abordagem apenas pode ser considerada (respeitosamente) insatisfatória. Uma declaração desse tipo não só seria irrelevante do ponto de vista do direito internacional como, nesta perspetiva, também poderia ser considerada suscetível de induzir em erro. Entendo, portanto, que a União se deveria abster de fazer uma declaração de competência quando a convenção em causa não permita formular reservas ( 196 ).

216.

Na mesma ordem de ideias, poder‑se‑ia observar que é inútil aguardar, porquanto o artigo 77.o da Convenção de Istambul prevê que qualquer Estado da União Europeia pode, na altura da assinatura ou ao depositar o seu instrumento de ratificação, aceitação, aprovação ou adesão, especificar o território ou territórios aos quais a presente convenção se aplicará. No entanto, na minha opinião, existem essencialmente duas razões para a União não poder, de facto, invocar esta disposição a fim de limitar a sua responsabilidade. Em primeiro lugar, qualquer tentativa de limitar o âmbito de aplicação territorial do acordo a certos Estados‑Membros seria contrária à unidade fundamental do direito da União dentro da União e ao princípio da igualdade de tratamento. Uma derrogação a esta unidade fundamental e à coesão do direito da União está, em princípio, expressamente prevista ao nível dos Tratados, como demonstram amplamente os Protocolos n.o 20, n.o 21 e n.o 32, cada um à sua maneira. Em segundo lugar, o artigo 77.o da Convenção de Istambul só poderia ser implementado na prática, uma vez conhecida a posição de todos os Estados‑Membros. Consequentemente, mesmo que se devesse considerar que o recurso a esta disposição é efetivamente possível, há fortes razões práticas e jurídicas a favor da prática do «acordo comum».

217.

Por último, o facto de a convenção em causa ter sido adotada sob o patrocínio do Conselho da Europa — que está perfeitamente ciente da complexidade das regras que regem a repartição de competências entre os Estados‑Membros e a União — não justifica que a União se afaste das regras do direito internacional caso venha a celebrar essa convenção. Por um lado, as regras do direito internacional aplicam‑se a todos os tratados internacionais, sem exceção. Por outro, resulta claramente do teor da Convenção de Istambul que os seus redatores tinham manifestamente presente a situação particular da União Europeia, quando a redigiram, mas que — sem dúvida, deliberadamente — excluíram a possibilidade de formular reservas de competência ( 197 ).

218.

Neste contexto, não só a União não tem uma obrigação imediata de celebrar a convenção dentro de certo prazo como também existem, conforme procurei explicar, sérias razões práticas para aguardar que todos os Estados‑Membros a celebrem. Com efeito, se um ou vários Estados‑Membros recusarem celebrar a Convenção de Istambul, o Conselho pode decidir que a União tem de exercer mais competências partilhadas do que inicialmente previsto, para reduzir o alcance da adesão que é da competência dos Estados‑Membros ( 198 ).

219.

No caso da Convenção de Istambul, essa abordagem afigura‑se particularmente pertinente, dado que o Conselho e o Parlamento poderiam eventualmente deduzir das dificuldades encontradas por certos Estados‑Membros em celebrar essa convenção a existência de uma necessidade especial de combater certos comportamentos, na aceção do artigo 83.o, n.o 1, TFUE, que os autorizariam, ao abrigo do seu terceiro parágrafo, a alargar competências partilhadas em domínios abrangidos pelo direito penal.

220.

Contudo, embora tenha criticado o atraso na celebração da Convenção de Istambul, no pedido que apresentou nos termos do artigo 218.o TFUE, o Parlamento formulou a sua questão no sentido de que tem por objeto saber se a decisão de celebrar a Convenção de Istambul seria válida caso fosse adotada sem se aguardar o acordo comum dos Estados‑Membros em ficarem vinculados por essa convenção.

221.

A este respeito, o Tribunal de Justiça já sublinhou que as eventuais dificuldades que possam surgir na gestão dos acordos em causa não constituem um critério com base no qual a validade da decisão que autoriza a celebração de um acordo pode ser apreciada ( 199 ).

222.

Consequentemente, não creio que o Conselho esteja obrigado a obter a confirmação dos Estados‑Membros de que irão proceder à celebração, antes de autorizar a União a celebrar esse acordo ( 200 ). Em primeiro lugar, os Tratados não mencionam nenhuma obrigação desse tipo. Em segundo lugar, enquanto a União e os Estados‑Membros devem assegurar a unidade na sua representação internacional, como indicado, a União deve igualmente assegurar que as competências dos Estados‑Membros sejam respeitadas. Além disso, o facto de um Estado‑Membro não ter celebrado um tratado não o impede de cumprir o princípio da unidade do direito da União na representação internacional, na medida em que este princípio apenas exige que esse Estado se abstenha de atuações manifestamente contrárias às posições adotadas pela União.

223.

Tudo isto me leva a concluir que o Conselho não está obrigado a aguardar pelo acordo comum dos Estados‑Membros nem a celebrar um acordo internacional, como a Convenção de Istambul, imediatamente após o ter assinado. Cabe‑lhe antes apreciar qual é a melhor solução, com base em fatores como a extensão do risco de incumprimento injustificado do acordo misto em causa por um Estado‑Membro ou a possibilidade de obter a maioria necessária naquela instituição para exercer sozinha todas as competências afetadas pelo referido acordo.

224.

Por último, mesmo não sendo necessário fazê‑lo, proponho que se examine a situação, mencionada no decurso da audiência, que poderia ocorrer se um Estado‑Membro denunciasse a referida convenção após os Estados‑Membros e a União a terem celebrado.

225.

Nessas circunstâncias, embora o dever de cooperação leal imponha sem dúvida ao Estado‑Membro em causa a obrigação de informar previamente a União, não pode ir ao ponto de impedir um Estado‑Membro de se retirar de um acordo internacional. Com efeito, o princípio da atribuição de competências tem como consequência lógica e inevitável que um Estado‑Membro se pode retirar de um acordo misto, desde que parte do acordo seja da competência dos Estados, quer porque a União ainda não exerceu todas as competências partilhadas com efeito preclusivo quer porque certas partes do acordo são da competência exclusiva dos Estados‑Membros. Esta possibilidade não obrigaria, contudo, a União a retirar‑se também do acordo. Mais uma vez, na minha opinião, caberia simplesmente ao Conselho avaliar, se necessário, o compromisso entre a importância do acordo em causa e os riscos gerados pela sua celebração imperfeita pela União e pelos Estados‑Membros.

226.

Assim, proponho que se responda à segunda questão declarando, em primeiro lugar, que a decisão da União de celebrar a Convenção de Istambul será compatível com os Tratados se for adotada sem o acordo comum de todos os Estados‑Membros sobre o seu consentimento em ficarem vinculados pela convenção. Contudo, também será compatível com os Tratados se apenas for adotada depois de esse acordo comum ter sido alcançado. Compete exclusivamente ao Conselho decidir qual destas duas soluções é preferível.

VII. Conclusão

227.

Por conseguinte, tendo em conta as considerações anteriores, proponho ao Tribunal de Justiça que responda da seguinte forma às questões submetidas pelo Parlamento:

Se as intenções do Conselho acerca do alcance das competências partilhadas que devem ser exercidas no âmbito da celebração da Convenção de Istambul permanecerem inalteradas, a decisão que autoriza essa celebração em nome da União deve basear‑se nos artigos 78.o, n.o 2, 82.o, n.o 2, 84.o e 336.o TFUE.

A celebração da Convenção de Istambul pela União através de dois atos distintos não é de natureza a invalidar esses atos.

A decisão da União de celebrar a Convenção de Istambul será compatível com os Tratados se for adotada sem o acordo comum de todos os Estados‑Membros sobre o seu consentimento em ficarem vinculados por essa convenção. Contudo, também será compatível com os Tratados se apenas for adotada depois de esse acordo comum ter sido alcançado. Compete exclusivamente ao Conselho decidir qual destas duas soluções é preferível.


( 1 ) Língua original: inglês.

( 2 ) Segundo o Conselho da União Europeia, tal deveu‑se ao facto de que a Comissão nunca apresentou ao Conselho da União Europeia uma recomendação de decisão com vista a iniciar negociações e a autorizar a Comissão a conduzir as negociações em nome da União.

( 3 ) Para uma visão mais abrangente do contexto em que esta convenção foi adotada, v. Relatório Explicativo da Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e [à] Violência Doméstica, Council of Europe Treaty Series — n.o 210.

( 4 ) Em direito internacional, a assinatura de um acordo internacional equivale a uma forma de aprovação preliminar. Não cria uma obrigação juridicamente vinculativa, mas indica a intenção da parte em causa de aderir ao acordo. Embora esta assinatura não constitua uma promessa de celebração, obriga o signatário a abster‑se da prática de atos contrários aos objetivos ou à finalidade do acordo.

( 5 ) Quando o pedido de parecer foi apresentado, tinham celebrado a Convenção de Istambul 21 Estados‑Membros. Contudo, em pelo menos dois Estados‑Membros, a Bulgária e a Eslováquia, o processo de celebração foi suspenso. Na Bulgária, a suspensão resultou de uma decisão do Konstitutsionen sad (Tribunal Constitucional), que considerou que existia uma incompatibilidade entre a Convenção de Istambul e a Constituição desse Estado‑Membro. Na Eslováquia, o Národná rada Slovenskej republiky (Conselho Nacional da República Eslovaca) votou por larga maioria contra essa celebração.

( 6 ) O processo já estava incluído no Tratado que institui a Comunidade Económica Europeia (1957), o que não deixa de surpreender, tendo em conta os poderes limitados de celebração de tratados expressamente conferidos à Comunidade Económica Europeia, nessa altura. V. Cremona, M., «Opinions of the Court of Justice», in Ruiz Fabri, H. (E.), Max Planck Encyclopaedia of International Procedural Law (MPEiPro), OUP, Oxford, disponível em linha, n.o 2.

( 7 ) V., por exemplo, Acórdão de 24 de junho de 2014, Parlamento/Conselho (C‑658/11, EU:C:2014:2025, n.o 52).

( 8 ) Cremona, M., «Opinions of the Court of Justice», in Ruiz Fabri, H. (E.), Max Planck Encyclopaedia of International Procedural Law (MPEiPro), OUP, Oxford, disponível em linha, n.o 3.

( 9 ) Ibidem.

( 10 ) Parecer 1/75 (Acordo OCDE relativo a uma norma para as despesas locais), de 11 de novembro de 1975 (EU:C:1975:145, pp. 1360‑1361). V., também, a este respeito, Parecer 2/94 (Adesão da Comunidade à CEDH), de 28 de março de 1996 (EU:C:1996:140, n.os 3 a 6), e Parecer 2/13 (Adesão da União Europeia à CEDH), de 18 de dezembro de 2014 (EU:C:2014:2454, n.os 145 e 146).

( 11 ) V. Parecer 1/15 (Acordo PNR EU‑Canadá), de 26 de julho de 2017 (EU:C:2017:592, n.o 69).

( 12 ) V., a este respeito, Parecer 2/91 (Convenção n.o 170 da OIT), de 19 de março de 1993 (EU:C:1993:106, n.o 3).

( 13 ) No direito internacional, um acordo é celebrado através da troca, depósito ou notificação de instrumentos que exprimem o compromisso definitivo das partes contratantes. Do ponto de vista da União Europeia, o Conselho adota, sob proposta do negociador, uma decisão de celebração do acordo. V. artigo 218.o TFUE e Neframi E., «Accords internationaux, Compétence et conclusion», in Jurisclasseur Fascicule 192‑1, LexisNexis, 2019.

( 14 ) V., a este respeito, Parecer 1/13 (Adesão de Estados terceiros à Convenção de Haia), de 14 de outubro de 2014 (EU:C:2014:2303, n.o 54).

( 15 ) O Tribunal de Justiça toma por vezes em consideração atos distintos do acordo em causa, mas com ele diretamente relacionados. V., a este respeito, Parecer 1/92 (Acordo EEE‑II), de 10 de abril de 1992 (EU:C:1992:189, n.os 23 a 25).

( 16 ) Consequentemente, pode ser apresentado ao Tribunal de Justiça um pedido de parecer, antes do início das negociações internacionais, quando o objeto do acordo projetado seja conhecido. V. Parecer 1/09 (Acordo de criação de um sistema unificado de resolução de litígios em matéria de patentes), de 8 de março de 2011 (EU:C:2011:123, n.o 55).

( 17 ) Para um exemplo dessa corrente jurisprudencial no âmbito de um pedido de decisão prejudicial, v. Acórdão de 10 de dezembro de 2018, Wightman e o. (C‑621/18, EU:C:2018:999, n.o 28).

( 18 ) O Tribunal de Justiça tem competência para se pronunciar, no âmbito do processo de parecer, sobre a competência da União para celebrar uma convenção, sobre o procedimento a seguir para esse efeito ou sobre a compatibilidade dessa convenção com os Tratados. V., a este respeito, Parecer 1/15 (Acordo PNR UE‑Canadá), de 26 de julho de 2017 (EU:C:2017:592, n.os 70 a 72).

( 19 ) Parecer 1/09 (Acordo de criação de um sistema unificado de resolução de litígios em matéria de patentes), de 8 de março de 2011 (EU:C:2011:123, n.os 47 e 48).

( 20 ) Em consequência, uma questão relativa ao prazo para adotar a decisão de celebrar um acordo internacional não seria admissível no âmbito do processo previsto no artigo 218.o, n.o 11, TFUE, uma vez que, na falta de disposição em contrário, o tempo necessário para adotar uma decisão não constitui um fundamento de anulação. V., a este respeito, por exemplo, Despacho de 13 de dezembro de 2000, SGA/Comissão (C‑39/00 P, EU:C:2000:685, n.o 44).

( 21 ) Pág. 1361. O sublinhado é meu.

( 22 ) N.os 15 a 17.

( 23 ) V. Parecer 1/09 (Acordo de criação de um sistema unificado de resolução de litígios em matéria de patentes), de 8 de março de 2011 (EU:C:2011:123, n.o 49).

( 24 ) V. Parecer 2/94 (Adesão da Comunidade à CEDH), de 28 de março de 1996 (EU:C:1996:140, n.os 20 a 22); Parecer 1/09 (Acordo de criação de um sistema unificado de resolução de litígios em matéria de patentes), de 8 de março de 2011 (EU:C:2011:123, n.o 49); e Parecer 2/13 (Adesão da União Europeia à CEDH), de 18 de dezembro de 2014 (EU:C:2014:2454, n.o 147). Dado que, no presente caso, o conteúdo da Convenção de Istambul e as suas «características essenciais» são conhecidas, não há razão para declarar inadmissíveis as questões submetidas, apenas devido à data em que foram apresentadas a título do processo previsto no artigo 218.o, n.o 11, TFUE. A única restrição temporal reside no facto de o processo previsto no artigo 218.o, n.o 11, TFUE dever ser invocado antes da data da celebração do acordo internacional em causa pela União.

( 25 ) Acórdão de 9 de março de 1994, TWD Textilwerke Deggendorf (C‑188/92, EU:C:1994:90, n.os 16, 17 e 25).

( 26 ) N.o 14.

( 27 ) Parecer 2/00 (Protocolo de Cartagena sobre a prevenção dos riscos biotecnológicos), de 6 de dezembro de 2001 (EU:C:2001:664, n.o 11).

( 28 ) Isto pressuporia que a prática em causa constituísse um dos fundamentos da decisão recorrida ou se tivesse concretizado em regras internas, ou que o Conselho lhe tivesse feito referência numa tomada de posição adotada no âmbito de uma ação por omissão.

( 29 ) Com efeito, o objetivo do processo de parecer é prevenir as complicações que possam resultar da declaração de invalidade do ato de celebração de um acordo internacional. Por conseguinte, este «processo consultivo» deve poder tratar de qualquer questão que possa afetar a validade dessa decisão. No meu entender, não cabe ao Tribunal de Justiça pronunciar‑se sobre a credibilidade ou não do cenário previsto, uma vez que, por definição, só depois de adotada a decisão de celebração é que as escolhas processuais do Conselho podem ser conhecidas e reconhecidas.

( 30 ) V. Adam, S., La procédure d’avis devant la Cour de justice de l’Union européenne, Bruylant, Bruxelas, 2011, p. 166.

( 31 ) V. Parecer 1/09 (Acordo de criação de um sistema unificado de resolução de litígios em matéria de patentes), de 8 de março de 2011 (EU:C:2011:123, n.o 53). Antes da abertura das negociações para a celebração de um acordo internacional, um pedido de parecer só pode dizer respeito à competência da União para celebrar o acordo no domínio em causa, desde que o objeto preciso do acordo projetado já seja conhecido. V., a este respeito, Parecer 2/94 (Adesão da Comunidade à CEDH), de 28 de março de 1996 (EU:C:1996:140, n.os 16 a 18).

( 32 ) De um modo geral, desde que um pedido de parecer tenha sido formulado de modo a cumprir os requisitos de admissibilidade decorrentes da redação e dos objetivos prosseguidos por esse processo, não pode ser declarado inadmissível. V., a este respeito, Parecer 3/94 (Acordo‑Quadro sobre Bananas), de 13 de dezembro de 1995 (EU:C:1995:436, n.o 22).

( 33 ) V., a este respeito, Acórdão de 1 de outubro de 2009, Comissão/Conselho (C‑370/07, EU:C:2009:590, n.o 48). Em termos mais gerais, de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a violação de uma regra processual só poderia conduzir à anulação do ato impugnado se essa regra pudesse influir no conteúdo desse ato. V. Acórdão de 29 de outubro de 1980, van Landewyck e o./Comissão (209/78 a 215/78 e 218/78, EU:C:1980:248, n.o 47). Basta, no entanto, que essa irregularidade possa ter tido impacto na decisão, para a anular. V., a contrario, Acórdão de 21 de março de 1990, Bélgica/Comissão (C‑142/87, EU:C:1990:125, n.o 48).

( 34 ) V., a este respeito, Parecer 1/15 (Acordo PNR UE‑Canadá), de 26 de julho de 2017 (EU:C:2017:592, n.os 70 e 71).

( 35 ) N.o 49. Como o Tribunal de Justiça explicou no Parecer 1/15 (Acordo PNR UE‑Canadá), de 26 de julho de 2017 (EU:C:2017:592, n.o 71), a importância constitucional de mencionar as bases jurídicas de um ato resulta do facto de, uma vez que a União apenas dispõe das competências que lhe são atribuídas, essa menção permitir associar os atos que a União adota às disposições dos Tratados que efetivamente a habilitam a fazê‑lo.

( 36 ) V. n.o 51. No entanto, deve recordar‑se que, nos Acórdãos de 25 de outubro de 2017, Comissão/Conselho (CMR‑15) (C‑687/15, EU:C:2017:803), e de 1 de outubro de 2009, Comissão/Conselho (C‑370/07, EU:C:2009:590), em que o Tribunal de Justiça também declarou inválido um ato por uma questão de base jurídica, o ato em causa não continha nenhuma indicação das bases jurídicas em que se fundava.

( 37 ) Acórdãos de 27 de fevereiro de 2014, Reino Unido/Conselho (C‑656/11, EU:C:2014:97, n.o 49), e de 22 de outubro de 2013, Comissão/Conselho (C‑137/12, EU:C:2013:675, n.o 73).

( 38 ) N.o 117.

( 39 ) Na minha opinião, a aplicação desses protocolos é determinada pelo âmbito de aplicação do ato em causa, e não pela escolha da(s) sua(s) base(s) jurídica(s).

( 40 ) Mesmo num recurso de anulação, o caráter operante ou inoperante de um fundamento refere‑se exclusivamente à sua aptidão, no caso de ser procedente, para conduzir à anulação solicitada pelo recorrente, mas não afeta de modo nenhum a admissibilidade desse fundamento.

( 41 ) Parecer 1/15 (Acordo PNR UE‑Canadá), de 26 de julho de 2017 (EU:C:2017:592, n.o 74).

( 42 ) Esse argumento só seria eficaz no âmbito de uma ação por omissão.

( 43 ) Acórdão de 4 de setembro de 2018, Comissão/Conselho (Acordo com o Cazaquistão) (C‑244/17, EU:C:2018:662, n.o 36).

( 44 ) Acórdãos de 4 de setembro de 2018, Comissão/Conselho (Acordo com o Cazaquistão) (C‑244/17, EU:C:2018:662, n.o 37), e de 3 de dezembro de 2019, República Checa/Parlamento e Conselho (C‑482/17, EU:C:2019:1035, n.o 31). Por vezes, é feita referência a esta abordagem como a «doutrina da absorção». V. Maresceau, M., «Bilateral Agreements Concluded by the European Community», Recueil Des Cours De l’Academie De Droit InternationalCollected Courses of the Hague Academy of International Law, vol. 309, 2006, Martinus Nijhoff, Haia, p. 157. Deve considerar‑se, em substância, que a(s) componente(s) principal(ais) ou predominante(s) absorvem todas as demais finalidades ou componentes. V. Acórdãos de 23 de fevereiro de 1999, Parlamento/Conselho (C‑42/97, EU:C:1999:81, n.o 43); de 30 de janeiro de 2001, Espanha/Conselho (C‑36/98, EU:C:2001:64, n.os 60, 62 e 63); e, em especial, de 19 de julho de 2012, Parlamento/Conselho (C‑130/10, EU:C:2012:472, n.os 70 a 74). V., também, Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Comissão/Conselho (C‑94/03, EU:C:2005:308, n.o 31) e no processo Parlamento/Conselho (C‑155/07, EU:C:2008:368, n.o 66).

( 45 ) Parecer 1/15 (Acordo PNR UE‑Canadá), de 26 de julho de 2017 (EU:C:2017:592, n.o 77), e Acórdão de 4 de setembro de 2018, Comissão/Conselho (Acordo com o Cazaquistão) (C‑244/17, EU:C:2018:662, n.o 37). Decorre da jurisprudência que o recurso a uma dupla base jurídica pressupõe o preenchimento de duas condições, a saber, primeiro, que o ato em causa prossiga simultaneamente várias finalidades ou tenha várias componentes, sem que uma seja acessória da outra, pelo que são aplicáveis várias disposições dos Tratados. Segundo, essas finalidades ou componentes estão indissociavelmente ligados (implicitamente, se não estiverem, o ato deve ser cindido).

( 46 ) Parecer 1/15 (Acordo PNR UE‑Canadá), de 26 de julho de 2017 (EU:C:2017:592, n.o 78).

( 47 ) V., a este respeito, nota 31 da proposta de decisão do Conselho relativa à assinatura, em nome da União Europeia, da Convenção do Conselho da Europa para a prevenção e combate à violência contra as mulheres e [à] violência doméstica, apresentada pela Comissão [COM(2016) 111 final].

( 48 ) Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Comissão/Conselho (C‑13/07, EU:C:2009:190, n.o 113).

( 49 ) Se, numa situação hipotética, isto viesse a acontecer, considero que se trataria de um abuso de processo suscetível de conduzir à anulação da disposição em causa.

( 50 ) É certo que, no Parecer 1/08 (Acordos que alteram a lista dos compromissos específicos assumidos ao abrigo do GATS), de 30 de novembro de 2009 (EU:C:2009:739), o Tribunal de Justiça declarou, no n.o 166, que, na determinação da base ou das bases jurídicas de um ato, não se pode considerar disposições que constituam o acessório ao objetivo desse ato ou que revistam um alcance extremamente limitado na sua natureza. Do mesmo modo, no Acórdão de 4 de setembro de 2018, Comissão/Conselho (Acordo com o Cazaquistão) (C‑244/17, EU:C:2018:662, n.os 45 e 46), o Tribunal de Justiça considerou que as disposições de um acordo internacional que se limitam a declarações das partes contratantes sobre os objetivos que a sua cooperação deve prosseguir, sem determinar as modalidades concretas de execução dessa cooperação, não devem ser tomadas em consideração para determinar a base jurídica relevante. No entanto, não é seguro que se possa daí inferir que, ao invés, as disposições que não estão abrangidas pelo âmbito desse cenário específico refletem uma componente ou uma finalidade principal de um ato. Com efeito, o Tribunal de Justiça reiterou, em seguida, a sua jurisprudência sobre o critério do centro de gravidade. Na minha opinião, o facto de o Tribunal de Justiça ter tido o cuidado de salientar o facto, bastante evidente, de que as disposições acessórias ou de alcance extremamente limitado não devem ser consideradas aquando da determinação da base jurídica relevante demonstra, pelo contrário, que o Tribunal passou a efetuar uma avaliação mais detalhada do que anteriormente e está mais recetivo para aceitar uma pluralidade de bases jurídicas, sem, no entanto, renunciar ao ponto de vista segundo o qual a base jurídica de um ato não tem de refletir necessariamente todas as competências exercidas para a adoção desse ato nem, portanto, todas as suas finalidades ou componentes. V., nomeadamente, Parecer 1/15 (Acordo PNR UE‑Canadá), de 26 de julho de 2017 (EU:C:2017:59, n.o 90).

( 51 ) Isto pode parecer paradoxal, uma vez que decorre da jurisprudência acima referida que a base jurídica de um ato reflete apenas uma parte das competências exercidas. V. Acórdão de 10 de janeiro de 2006, Comissão/Conselho (C‑94/03, EU:C:2006:2, n.os 35 e 55).

( 52 ) V., igualmente, Acórdãos de 1 de outubro de 2009, Comissão/Conselho (C‑370/07, EU:C:2009:590, n.o 49), e de 25 de outubro de 2017, Comissão/Conselho (CMR‑15) (C‑687/15, EU:C:2017:803, n.o 58).

( 53 ) O único requisito para que a União possa exercer uma competência partilhada é que esse exercício seja compatível com o direito internacional. V. Acórdão de 20 de novembro de 2018, Comissão/Conselho (AMP Antártida) (C‑626/15 e C‑659/16, EU:C:2018:925, n.o 127).

( 54 ) V., a este respeito, Acórdãos de 10 de janeiro de 2006, Comissão/Parlamento e Conselho (C‑178/03, EU:C:2006:4, n.o 57), e de 19 de julho de 2012, Parlamento/Conselho (C‑130/10, EU:C:2012:472, n.o 49).

( 55 ) Para chegar à conclusão de que a decisão em causa também teve a proteção dos dados dos registos de identificação dos passageiros como componente predominante, o Tribunal de Justiça baseou‑se no facto de que «o conteúdo do acordo projetado […] incide, nomeadamente [«notamment», em francês], sobre a implementação de um sistema composto por um conjunto de regras destinadas a proteger os dados pessoais». O emprego do termo «nomeadamente» é bastante revelador, uma vez que implica que o Tribunal de Justiça considerou não haver necessidade de examinar exaustivamente o acordo em causa. Parecer 1/15 (Acordo PNR UE‑Canadá), de 26 de julho de 2017 (EU:C:2017:592, n.o 89). V., também, neste sentido, Acórdão de 22 de outubro de 2013, Comissão/Conselho (C‑137/12, EU:C:2013:675, n.os 57 e 58).

( 56 ) Acórdão de 25 de fevereiro de 2010, Brita (C‑386/08, EU:C:2010:91, n.o 42). V., quanto às relações entre o direito internacional e o direito da União, Malenovský, J., «À la recherche d’une solution inter‑systémique aux rapports du droit international au droit de l’Union européenne», Annuaire français de droit international, vol. LXV, CNRS Éditions, 2019, p. 3).

( 57 ) Além disso, deve salientar‑se que a União Europeia é diferente das organizações internacionais clássicas, uma vez que a repartição de competências entre a União e os Estados‑Membros está continuamente sujeita a alterações, o que pode dificultar a análise dessa repartição de competências na perspetiva do direito internacional.

( 58 ) V., por exemplo, Acórdão de 5 de dezembro de 2013, Solvay/Comissão (C‑455/11 P, não publicado, EU:C:2013:796, n.o 91).

( 59 ) V., por exemplo, Acórdão de 28 de julho de 2011, Agrana Zucker (C‑309/10, EU:C:2011:531, n.os 34 a 36).

( 60 ) De facto, nos acórdãos acima referidos, o Tribunal de Justiça parece ter sublinhado o facto de a base jurídica de um ato poder transmitir informações sobre as competências exercidas, com vista a excluir duas outras correntes jurisprudenciais. Em primeiro lugar, a falta de referência a uma disposição precisa do Tratado não constitui necessariamente uma violação de formalidades essenciais, se as bases jurídicas utilizadas para adotar uma medida puderem ser determinadas a partir do seu conteúdo. V. Acórdãos de 1 de outubro de 2009, Comissão/Conselho (C‑370/07, EU:C:2009:590, n.o 56), e de 18 de dezembro de 2014, Reino Unido/Conselho (C‑81/13, EU:C:2014:2449, n.os 65 a 67). Em segundo lugar, como já foi recordado anteriormente, para que irregularidades relativas à escolha das bases jurídicas relevantes conduzam à anulação do ato em causa, deve, em princípio, ser demonstrado que estas irregularidades podem ter impacto no processo legislativo aplicável ou na competência da União. V., neste sentido, Acórdãos de 10 de dezembro de 2002, British American Tobacco (Investments) e Imperial Tobacco (C‑491/01, EU:C:2002:741, n.o 98), e de 11 de setembro de 2003, Comissão/Conselho (C‑211/01, EU:C:2003:452, n.o 52). O Tribunal Geral remete frequentemente para esta jurisprudência. V., por exemplo, Acórdão de 18 de outubro de 2011, Reisenthel/IHIM — Dynamic Promotion (Caixas e cestos) (T‑53/10, EU:T:2011:601, n.o 41).

( 61 ) V., a este respeito, Acórdão de 26 de novembro de 2014, Parlamento e Comissão/Conselho (C‑103/12 e C‑165/12, EU:C:2014:2400, n.o 52). Recorde‑se que, nos termos do artigo 27.o da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 1969, uma parte num acordo internacional não pode invocar as disposições do seu direito interno para justificar o incumprimento de um acordo.

( 62 ) V., a este respeito, Acórdão de 2 de março de 1994, Parlamento/Conselho (C‑316/91, EU:C:1994:76, n.os 26 e 29). V., por exemplo, Marín Durán, G., «Untangling the International Responsibility of the European Union and Its Member States in the World Trade Organization Post‑Lisbon: A Competence/Remedy Model», European Journal of International Law, vol. 28, n.o 3, 2017, pp. 703‑704: «Na perspetiva do direito internacional, enquanto a União e os seus Estados‑Membros continuarem a ser partes no Acordo da OMC (e nos seus outros acordos), presume‑se que cada um deles está vinculado a todas as obrigações nele contidas e não pode invocar disposições de direito interno para justificar o incumprimento do [artigo 27.o, n.os 1 e 2, da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados entre Estados e Organizações Internacionais ou entre Organizações Internacionais] […] [A] maioria da doutrina considera que a União e os seus Estados‑Membros estão vinculados, em conjunto, a todas as disposições dos acordos da OMC, e […] esta posição foi também tomada pelos órgãos de resolução de litígios da OMC» (tradução livre).

( 63 ) V., a título de exemplo, Fry, J. D., «Attribution of Responsibility»in Nollkaemper, A., e Plakokefalos, I. (EE.), Principles of Shared Responsibility in International Law, Cambridge, CUP, 2014, p. 99: «[…] quanto aos acordos mistos entre a União Europeia (UE) e os seus Estados‑Membros que não preveem uma repartição clara de poderes, ambas as partes serão responsáveis em conjunto por qualquer violação, sem imputação de condutas. Isso significa que a União ou os Estados‑Membros serão responsabilizados mesmo que a violação possa ser imputada ao outro» (tradução livre).

( 64 ) Além disso, cabe recordar que o Tribunal de Justiça salientou que o artigo 344.o TFUE impede que as normas do direito da União que regem a repartição de competências entre a União e os seus Estados‑Membros sejam submetidas a um tribunal que não o Tribunal de Justiça. V. Parecer 2/13 (Adesão da União Europeia à CEDH), de 18 de dezembro de 2014 (EU:C:2014:2454, n.os 201 e segs.), e Acórdão de 6 de março de 2018, Achmea (C‑284/16, EU:C:2018:158, n.o 32). Daqui resulta que, quando está envolvida num litígio internacional, a União não se pode basear no facto de o incumprimento injustificado em causa ser da responsabilidade dos Estados‑Membros, a fim de evitar a sua responsabilidade de direito internacional a esse respeito, uma vez que tal argumento poderia levar o tribunal internacional chamado a conhecer do litígio a pronunciar‑se sobre as normas de direito a União que regem a repartição de competências entre a União e os seus Estados‑Membros.

( 65 ) Na minha opinião, a única exceção ao que foi dito verifica‑se quando tenha sido formulada uma reserva a esse respeito ou quando o tratado preveja a obrigação de uma organização internacional declarar o alcance das suas competências. Com efeito, neste caso, o tribunal internacional aplicará a referida reserva ou essa declaração, sem apreciar se é ou não conforme com as normas do direito da União que regem a repartição de competências entre a União e os seus Estados‑Membros, e, portanto, a exigência de uma estrita separação de competências entre o Tribunal de Justiça e o tribunal internacional — um elemento sublinhado no Parecer 1/17 (Acordo UE‑Canadá AECG), de 30 de abril de 2019 (EU:C:2019:341, n.o 111) — será respeitada. Precisamente por estas razões, é geralmente desejável que, ao negociar esses acordos mistos, a União insista em que o acordo internacional em causa preveja a possibilidade de uma reserva dessa natureza. Parte das dificuldades colocadas no presente caso tem origem no facto de a Convenção de Istambul ter sido negociada pelos Estados‑Membros, no Conselho da Europa, sem envolver a União Europeia desde o início. Isso parece ter tido como resultado que os redatores desta convenção, simplesmente, não previram a possibilidade de formular reservas.

( 66 ) V., por exemplo, Olson, P. M., «Mixity from the Outside: The Perspective of a Treaty Partner», in Hillion, C., e Koutrakos P. (EE.), Mixed Agreements Revisited: The EU and its Member States in the World, Hart Publishing, Oxford, 2010, p. 344: «Embora a repartição de competências possa afetar a forma como a União implementa as disposições de um acordo misto, não dita a resposta à questão da responsabilidade no plano internacional» (tradução livre) (o sublinhado é meu).

( 67 ) V., a este respeito, Parecer 2/15 (Acordo de Comércio Livre UE‑Singapura), de 16 de maio de 2017 (EU:C:2017:376, n.o 68).

( 68 ) Importa recordar a este respeito que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a decisão que autoriza a União a celebrar um acordo internacional não constitui, de modo nenhum, uma confirmação da decisão que autoriza a assinatura do referido acordo. Parecer 2/00 (Protocolo de Cartagena sobre a prevenção dos riscos biotecnológicos), de 6 de dezembro de 2001 (EU:C:2001:664, n.o 11).

( 69 ) Parece‑me que, caso contrário, a questão deve ser considerada tão abstrata que tem de ser declarada inadmissível.

( 70 ) Claramente, a terceira situação referida no artigo 3.o, n.o 2, TFUE pressupõe que esta competência tenha sido exercida. V. Parecer 2/92 (Terceira Decisão revista da OCDE relativa ao tratamento nacional), de 24 de março de 1995 (EU:C:1995:83, n.o 36), e Parecer 2/15 (Acordo de Comércio Livre UE‑Singapura), de 16 de maio de 2017 (EU:C:2017:376, n.os 230 a 237).

( 71 ) V., por exemplo, Acórdão de 4 de setembro de 2014, Comissão/Conselho (C‑114/12, EU:C:2014:2151, n.o 68). Por esse motivo, para determinar se a União tem competência exclusiva para celebrar determinadas partes de um acordo, não é necessário ter em conta os atos que estabelecem programas de financiamento ou de cooperação, uma vez que tais atos não estabelecem «regras comuns».

( 72 ) Parecer 1/13 (Adesão de Estados terceiros à Convenção de Haia), de 14 de outubro de 2014 (EU:C:2014:2303, n.o 72).

( 73 ) Parecer 3/15 (Tratado de Marraquexe sobre o acesso a obras publicadas), de 14 de fevereiro de 2017 (EU:C:2017:114, n.o 107). A este respeito, o Tribunal de Justiça considerou, em substância, que os termos «já em grande parte coberto por essas regras» correspondem àqueles pelos quais o Tribunal, no n.o 22 do Acórdão de 31 de março de 1971, Comissão/Conselho (22/70, EU:C:1971:32), definiu a natureza dos compromissos internacionais que os Estados‑Membros estão proibidos de assumir fora do quadro das instituições da União, quando as regras comuns da União tenham sido adotadas para realizar os fins do Tratado. Estes termos devem, consequentemente, ser interpretados à luz dos esclarecimentos prestados pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 31 de março de 1971, Comissão/Conselho (22/70, EU:C:1971:32), e na jurisprudência desenvolvida a partir desse acórdão. V. Acórdão de 4 de setembro de 2014, Comissão/Conselho (C‑114/12, EU:C:2014:2151, n.os 66 e 67), que pretende evitar que os Estados‑Membros possam, «unilateral ou coletivamente, assumir obrigações com Estados terceiros que possam afetar regras comuns ou alterar o seu alcance». V. Acórdão de 20 de novembro de 2018, Comissão/Conselho (AMP Antártida) (C‑626/15 e C‑659/16, EU:C:2018:925, n.o 111).

( 74 ) Parecer 1/13 (Adesão de Estados terceiros à Convenção de Haia), de 14 de outubro de 2014 (EU:C:2014:2303, n.o 74).

( 75 ) V., por exemplo, Parecer 1/03 (Nova Convenção de Lugano), de 7 de fevereiro de 2006 (EU:C:2006:81, n.os 126, 128 e 133), ou Acórdão de 26 de novembro de 2014, Green Network (C‑66/13, EU:C:2014:2399, n.o 33). Todavia, para garantir que o princípio da repartição de competências não fica comprometido, e na medida em que o resultado do processo legislativo em curso não possa ser previsto, a tomada em consideração, neste contexto, das perspetivas de desenvolvimento do direito da União deve, na minha opinião, ser entendida no sentido de que apenas se refere aos atos já adotados, mas que ainda não entraram em vigor.

( 76 ) Sem, no entanto, extrair nenhuma consequência precisa desse argumento.

( 77 ) V. Acórdãos de 4 de setembro de 2014, Comissão/Conselho (C‑114/12, EU:C:2014:2151, n.o 75), e de 20 de novembro de 2018, Comissão/Conselho (AMP Antártida) (C‑626/15 e C‑659/16, EU:C:2018:925, n.o 115).

( 78 ) V. Parecer 2/94 (Adesão da Comunidade à CEDH), de 28 de março de 1996 (EU:C:1996:140, n.o 6).

( 79 ) V., a este respeito, Parecer 2/91 (Convenção n.o 170 da OIT), de 19 de março de 1993 (EU:C:1993:106, n.os 18 e 21), e Acórdão de 4 de setembro de 2014, Comissão/Conselho (C‑114/12, EU:C:2014:2151, n.o 91).

( 80 ) V., a este respeito, Parecer 1/03 (Nova Convenção de Lugano), de 7 de fevereiro de 2006 (EU:C:2006:81, n.os 123 e 127), e Acórdão de 4 de setembro de 2014, Comissão/Conselho (C‑114/12, EU:C:2014:2151, n.o 91). No entanto, essa solução não se aplica quando as disposições de direito da União permitem aos Estados‑Membros implementar, num domínio totalmente harmonizado, uma exceção ou uma limitação a uma regra harmonizada. V. Parecer 3/15 (Tratado de Marraquexe sobre o acesso a obras publicadas), de 14 de fevereiro de 2017 (EU:C:2017:114, n.o 119).

( 81 ) V., por exemplo, artigo 3.o, n.o 5, da Diretiva 2003/86/CE do Conselho, de 22 de setembro de 2003, relativa ao direito ao reagrupamento familiar (JO 2003, L 251, p. 12; esta diretiva é aplicável nos Estados‑Membros, com exceção da Irlanda e da Dinamarca). Outras diretivas preveem expressamente a sua aplicação sem prejuízo de disposições mais favoráveis contidas num acordo internacional. V., por exemplo, artigo 3.o, n.o 3, da Diretiva 2003/109/CE do Conselho, de 25 de novembro de 2003, relativa ao estatuto dos nacionais de países terceiros residentes de longa duração (JO 2004, L 16, p. 44; esta diretiva é aplicável nos Estados‑Membros, com exceção da Irlanda e da Dinamarca).

( 82 ) Diretiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.o 1612/68 e que revoga as Diretivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE (JO 2004, L 158, p. 77).

( 83 ) Acórdão de 30 de junho de 2016, NA (C‑115/15, EU:C:2016:487, n.o 51).

( 84 ) Acórdão de 27 de junho de 2018, Diallo (C‑246/17, EU:C:2018:499, n.o 55).

( 85 ) No n.o 28 do Acórdão de 27 de junho de 2018, Diallo (C‑246/17, EU:C:2018:499), o Tribunal de Justiça salientou, assim, que apenas tinha competência para se pronunciar sobre a interpretação das diretivas referidas nas questões prejudiciais.

( 86 ) V., por analogia, Acórdão de 12 de dezembro de 2019, Bevándorlási és Menekültügyi Hivatal (Reagrupamento familiar — Irmã de um refugiado) (C‑519/18, EU:C:2019:1070, n.o 43). É certo que este caso dizia respeito à Diretiva 2003/86, mas é interessante notar que, no n.o 42, o Tribunal de Justiça se refere expressamente ao Acórdão de 27 de junho de 2018, Diallo (C‑246/17, EU:C:2018:499).

( 87 ) Acórdão de 30 de junho de 2016, NA (C‑115/15, EU:C:2016:487).

( 88 ) Acórdão de 27 de junho de 2018, Diallo (C‑246/17, EU:C:2018:499).

( 89 ) V., neste sentido, a forma como está redigida a conclusão final da Grande Secção, no Acórdão de 18 de dezembro de 2014, M’Bodj (C‑542/13, EU:C:2014:2452, n.o 49). Isso é ainda mais verdadeiro quando, segundo o considerando 15 da Diretiva 2003/86, os nacionais de países terceiros podem ser autorizados a permanecer no território dos Estados‑Membros, por razões que exorbitam o âmbito dessa diretiva.

( 90 ) V., por exemplo, artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2003/9/CE do Conselho, de 27 de janeiro de 2003, que estabelece normas mínimas em matéria de acolhimento dos requerentes de asilo nos Estados‑Membros (JO 2003, L 31, p. 18). Esta diretiva foi revogada, mas ainda é aplicável à Irlanda.

( 91 ) V., por exemplo, artigo 3.o da Diretiva 2004/83/CE do Conselho, de 29 de abril de 2004, que estabelece normas mínimas relativas às condições a preencher por nacionais de países terceiros ou apátridas para poderem beneficiar do estatuto de refugiado ou de pessoa que, por outros motivos, necessite de proteção internacional, bem como relativas ao respetivo estatuto, e relativas ao conteúdo da proteção concedida (JO 2004, L 304, p. 12; esta diretiva foi revogada, mas continua a ser aplicável à Irlanda). V., também, artigos 1.o e 4.o da Diretiva 2005/85/CE do Conselho, de 1 de dezembro de 2005, relativa a normas mínimas aplicáveis ao procedimento de concessão e retirada do estatuto de refugiado nos Estados‑Membros (JO 2005, L 326, p. 13; esta diretiva foi revogada, mas continua a ser aplicável à Irlanda); artigo 4.o da Diretiva 2008/115/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa a normas e procedimentos comuns nos Estados‑Membros para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular (JO 2008, L 348, p. 98; esta diretiva é aplicável nos Estados‑Membros, com exceção da Irlanda e da Dinamarca); artigo 3.o da Diretiva 2011/95/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, que estabelece normas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional, a um estatuto uniforme para refugiados ou pessoas elegíveis para proteção subsidiária e ao conteúdo da proteção concedida (JO 2011, L 337, p. 9; esta diretiva substituiu a Diretiva 2004/83 e aplica‑se nos Estados‑Membros, com exceção da Irlanda e da Dinamarca); artigo 5.o da Diretiva 2013/32/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa a procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de proteção internacional (JO 2013, L 180, p. 60; esta diretiva aplica‑se nos Estados‑Membros, com exceção da Irlanda e da Dinamarca); ou o artigo 4.o da Diretiva 2013/33/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, que estabelece normas em matéria de acolhimento dos requerentes de proteção internacional (JO 2013, L 180, p. 96; esta diretiva sucedeu à Diretiva 2003/9 e aplica‑se nos Estados‑Membros, com exceção da Irlanda e da Dinamarca).

( 92 ) V., a este respeito, Acórdão de 18 de dezembro de 2014, M’Bodj (C‑542/13, EU:C:2014:2452, n.o 44).

( 93 ) Anteriormente, artigo 2.o, alínea c), da Diretiva 2004/83.

( 94 ) V., também, artigo 10.o da Diretiva 2004/83.

( 95 ) V. artigos 4.o, 5.o e 9.o da Diretiva 2008/15, artigo 21.o da Diretiva 2004/83 e artigo 21.o da Diretiva 2011/95.

( 96 ) A este respeito, gostaria de salientar que essa situação não é comparável àquela em que, no contexto de uma decisão individual, a autoridade competente considera erradamente que se encontra numa situação de competência vinculativa (compétence liée). Se, ao fazê‑lo, a autoridade em causa vicia a sua decisão com um erro de direito que justifica a sua anulação, é porque uma norma de nível superior lhe exige que exerça o seu poder discricionário a fim de ter em conta um ou mais critérios jurídicos. Todavia, no caso de uma decisão que autoriza a União a celebrar uma convenção internacional, a União não está a pôr em prática nenhum critério jurídico que o Conselho deva aplicar para determinar o alcance das competências partilhadas que vão ser exercidas. Trata‑se de um poder puramente discricionário.

( 97 ) Artigo 3.o

( 98 ) Artigo 4.o

( 99 ) Artigo 5.o

( 100 ) Artigo 6.o

( 101 ) Artigo 7.o

( 102 ) Artigo 11.o

( 103 ) Artigos 12.o, 13.o e 14.o

( 104 ) Artigo 15.o

( 105 ) Artigo 16.o

( 106 ) Artigo 17.o

( 107 ) Artigo 18.o O artigo 18.o, n.o 5, especifica que «[a]s Partes tomarão as medidas apropriadas para oferecer proteção consular ou outra e apoio aos cidadãos do seu país e a outras vítimas com direito a essa proteção, de acordo com as suas obrigações e com o direito internacional».

( 108 ) Artigo 19.o

( 109 ) Artigos 20.o e 21.o

( 110 ) Artigos 22.o a 26.o

( 111 ) Artigos 27.o e 28.o

( 112 ) Artigos 29.o a 32.o

( 113 ) Artigos 33.o a 40.o

( 114 ) Artigo 41.o

( 115 ) Artigo 42.o

( 116 ) Artigo 43.o

( 117 ) Artigo 44.o

( 118 ) Artigo 45.o

( 119 ) Artigo 46.o

( 120 ) Artigo 47.o

( 121 ) Artigo 48.o

( 122 ) Artigo 49.o

( 123 ) Artigo 50.o

( 124 ) Artigo 51.o

( 125 ) Artigos 52.o e 53.o

( 126 ) Artigo 54.o

( 127 ) Artigo 55.o

( 128 ) Artigo 56.o

( 129 ) Artigo 57.o

( 130 ) Artigo 58.o

( 131 ) Artigo 59.o

( 132 ) Artigo 60.o

( 133 ) Artigo 61.o

( 134 ) Artigo 62.o

( 135 ) Artigo 63.o

( 136 ) Artigo 64.o

( 137 ) Artigo 75.o, n.o 1.

( 138 ) A Convenção de Istambul é completada por um apêndice que estabelece os privilégios e imunidades de que beneficiam os membros do GREVIO (e outros membros das delegações) durante as visitas realizadas aos países em causa, no exercício das suas funções.

( 139 ) COM(2016) 111 final.

( 140 ) Bem como, no que respeita ao BCE e ao BEI, o artigo 36.o do Protocolo (n.o 4) relativo aos Estatutos do Sistema Europeu de Bancos Centrais e do Banco Central Europeu e o artigo 11.o, n.o 7, do Protocolo (n.o 5) relativo aos Estatutos do Banco Europeu de Investimento.

( 141 ) V., sobre esta matéria, mas quanto a saber se a competência externa da União para combater a discriminação é ou não exclusiva, Prechal, S., «The European Union’s Accession to the Istanbul Convention», in Lenaerts, K., Bonichot, J.‑C., Kanninen, H., Naome, C., Pohjankoski, P. (EE.), An Ever‑Changing Union? Perspectives on the Future of EU Law in Honour of Allan Rosas, Hart Publishing, Oxford, 2019, pp. 285 e segs.

( 142 ) N.o 31 do Relatório Explicativo.

( 143 ) N.o 40 do Relatório Explicativo.

( 144 ) Diretiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional (JO 2000, L 303, p. 16).

( 145 ) Diretiva 2004/113/CE do Conselho, de 13 de dezembro de 2004, que aplica o princípio de igualdade de tratamento entre homens e mulheres no acesso a bens e serviços e seu fornecimento (JO 2004, L 373, p. 37).

( 146 ) Diretiva 2006/54/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de julho de 2006, relativa à aplicação do princípio da igualdade de oportunidades e igualdade de tratamento entre homens e mulheres em domínios ligados ao emprego e à atividade profissional (reformulação) (JO 2006, L 204, p. 23).

( 147 ) Diretiva 2010/41/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de julho de 2010, relativa à aplicação do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres que exerçam uma atividade independente e que revoga a Diretiva 86/613/CEE do Conselho (JO 2010, L 180, p. 1).

( 148 ) A este respeito, o facto de a Declaração 19 anexada à Ata Final da Conferência Intergovernamental que adotou o Tratado de Lisboa, assinado em 13 de dezembro de 2007, referir a necessidade de combater todas as formas de violência doméstica não me parece pôr em causa esta afirmação, na medida em que a referida declaração, contrariamente aos protocolos e anexos dos Tratados, apenas tem valor interpretativo.

( 149 ) Uma vez que o artigo 81.o, n.o 1, TFUE não prevê regras processuais, há que inferir daí que as medidas de aproximação em questão devem estar relacionadas com os objetivos enunciados nessas duas disposições. Em especial, quando o artigo 81.o, n.o 3, TFUE menciona o direito da família, refere‑se apenas a medidas relativas ao direito da família com impacto transfronteiriço (o que implica que, inversamente, os aspetos do direito da família sem essa dimensão permanecem da competência exclusiva dos Estados‑Membros).

( 150 ) Diretiva 2003/8/CE do Conselho, de 27 de janeiro de 2003, relativa à melhoria do acesso à justiça nos litígios transfronteiriços, através do estabelecimento de regras mínimas comuns relativas ao apoio judiciário no âmbito desses litígios (JO 2003, L 26, p. 41). V. artigos 1.o, n.o 1, e 19.o desta diretiva.

( 151 ) Diretiva 2008/52/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de maio de 2008, relativa a certos aspetos da mediação em matéria civil e comercial (JO 2008, L 136, p. 3).

( 152 ) Além disso, nos termos do seu artigo 4.o, esta diretiva prevê unicamente que os Estados‑Membros devem incentivar o recurso à mediação.

( 153 ) V., por exemplo, artigos 67.o a 73.o do Regulamento (UE) n.o 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2012, L 351, p. 1).

( 154 ) Parecer 1/03 (Nova Convenção de Lugano), de 7 de fevereiro de 2006 (EU:C:2006:81, n.o 173).

( 155 ) Regulamento (CEE, Euratom, CECA) n.o 259/68 do Conselho, de 29 de fevereiro de 1968, que fixa o Estatuto dos Funcionários das Comunidades Europeias assim como o Regime aplicável aos outros agentes destas Comunidades, e institui medidas especiais temporariamente aplicáveis aos funcionários da Comissão (JO 1968, L 56, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (UE, Euratom) n.o 1023/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2013, que altera o Estatuto dos Funcionários da União Europeia e o Regime aplicável aos outros agentes da União Europeia (JO 2013, L 287, p. 15).

( 156 ) A este respeito, não se pode excluir que os Estados‑Membros receassem que, se a União exercesse esta competência, isso conferir‑lhe‑ia poderes, com base no artigo 83.o, n.o 2, TFUE, para atuar sozinha na criminalização das condutas referidas nessa convenção. V., igualmente, a este respeito, Acórdão de 13 de setembro de 2005, Comissão/Conselho (C‑176/03, EU:C:2005:542, n.o 48).

( 157 ) Para que o artigo 83.o, n.o 1, TFUE mantenha o seu effet utile, na minha opinião, o conceito de «direitos das vítimas da criminalidade» deve ser entendido num sentido que exclua a criminalização de certos comportamentos.

( 158 ) É verdade que se pode observar, em primeiro lugar, que o artigo 54.o do capítulo VI desta convenção estabelece certas obrigações de prova. Em segundo lugar, os artigos 49.o a 53.o e 56.o a 58.o do mesmo capítulo visam estabelecer certos direitos a favor das vítimas no âmbito do processo penal. Em terceiro lugar, as disposições do capítulo IV e os artigos 29.o a 32.o do capítulo V enunciam determinadas normas processuais a favor das vítimas da criminalidade. Todavia, importa recordar que, de acordo com a sua redação, o artigo 82.o, n.o 2, TFUE só confere competência à União para adotar medidas que incidem sobre «a admissibilidade mútua dos meios de prova entre os Estados‑Membros; […] os direitos individuais em processo penal; [ou] os direitos das vítimas da criminalidade». Contudo, estas várias disposições não se destinam a facilitar o reconhecimento das decisões judiciais e parece‑me difícil considerar que a violência contra as mulheres constitui matéria penal com dimensão transfronteiriça, a menos que se considerem da mesma forma todas as condutas criminosas. Observo, a este respeito, que, no Acórdão de 13 de junho de 2019, Moro (C‑646/17, EU:C:2019:489 n.os 29 a 37), o Tribunal de Justiça foi muito cauteloso em não tomar uma posição sobre esta questão.

( 159 ) O Conselho pode usar essa faculdade, se um Estado‑Membro não ratificar a Convenção de Istambul, para reduzir a exposição da União ao risco de ser considerada responsável pelo incumprimento injustificado da Convenção de Istambul por um Estado‑Membro. É certo que o artigo 83.o, n.o 2, TFUE exige que se estabeleça que «a aproximação de disposições legislativas e regulamentares dos Estados‑Membros em matéria penal se afigur[a] indispensável para assegurar a execução eficaz de uma política da União num domínio que tenha sido objeto de medidas de harmonização», mas este será precisamente o caso se se verificar que um Estado‑Membro não aplica a Convenção de Istambul ou nem sequer a celebra. Por conseguinte, a União poderia recorrer a esta disposição para obter para si uma competência exclusiva sobre todas as disposições da convenção destinadas à criminalização de determinadas condutas e, consequentemente, em conformidade com a teoria da sucessão de Estado, assumir sozinha as obrigações que decorrem dessa convenção. V., igualmente, neste sentido, Prechal, S., «The European Union’s Accession to the Istanbul Convention», in Lenaerts, K., Bonichot, J.‑C., Kanninen, H., Naome, C., e Pohjankoski, P. (EE.), An Ever‑Changing Union? Perspectives on the Future of EU Law in Honour of Allan Rosas, Hart Publishing, Oxford, 2019, p. 290.

( 160 ) V., para um exemplo de cumulação de bases jurídicas, Acórdão de 10 de janeiro de 2006, Comissão/Conselho (C‑94/03, EU:C:2006:2, n.o 54).

( 161 ) V. Acórdão de 29 de outubro de 1980, van Landewyck e o./Comissão (209/78 a 215/78 e 218/78, não publicado, EU:C:1980:248, n.o 47). No entanto, é suficiente que a irregularidade seja suscetível de ter impacto na decisão, uma vez que o juiz da União não tem o poder de se substituir à Administração e, portanto, não pode avaliar o impacto concreto da irregularidade na decisão. V., por exemplo, Acórdão de 21 de março de 1990, Bélgica/Comissão (C‑142/87, EU:C:1990:125, n.o 48).

( 162 ) A este respeito, importa salientar que a decisão aqui em causa é a que autoriza a celebração da Convenção de Istambul pela União. A celebração desta convenção é, por sua vez, efetuada, em princípio, através de um único instrumento, nomeadamente uma carta dirigida ao depositário do tratado, neste caso, o Conselho da Europa.

( 163 ) V., a este respeito, Acórdão de 14 de abril de 2015, Conselho/Comissão (C‑409/13, EU:C:2015:217, n.o 71). Acresce que o artigo 17.o, n.o 2, TUE especifica que os atos, especialmente a legislação, devem ser adotados com base numa proposta da Comissão, «salvo disposição em contrário dos Tratados». Quanto ao artigo 293.o TFUE, esta disposição indica que só se aplica quando o Conselho «delibere sob proposta da Comissão».

( 164 ) Mesmo admitindo que o processo legislativo pudesse ser parcialmente aplicável, o artigo 17.o, n.o 2, TUE prevê que os atos legislativos devem ser adotados pela União com base numa proposta da Comissão, «salvo disposição em contrário dos Tratados», ao passo que, no que respeita ao processo previsto no artigo 218.o TFUE, esta disposição refere que a decisão que autoriza a União a celebrar um acordo é adotada sob proposta do negociador, que pode não ser a Comissão. Do mesmo modo, o artigo 293.o TFUE estabelece que só é aplicável quando o Conselho «delibere sob proposta da Comissão».

( 165 ) Acórdão de 25 de outubro de 2017, Comissão/Conselho (CMR‑15) (C‑687/15, EU:C:2017:803, n.o 42).

( 166 ) V., por exemplo, Acórdão de 6 de maio de 2008, Parlamento/Conselho (C‑133/06, EU:C:2008:257, n.o 54).

( 167 ) Acórdão de 28 de abril de 2015, Comissão/Conselho (C‑28/12, EU:C:2015:282).

( 168 ) Ibidem, n.os 49 e 50.

( 169 ) Ibidem, n.os 51 e 52.

( 170 ) Este argumento pressupõe que as bases jurídicas de um ato podem não refletir fielmente as competências exercidas [v. primeira questão, alínea a)]. Com efeito, se assim não fosse, as bases jurídicas indicadas na medida, se esta fosse adotada sob a forma de uma única decisão, corresponderiam à combinação das bases jurídicas mencionadas nas duas decisões, se a referida medida estivesse cindida em duas. Por conseguinte, ou o procedimento seria idêntico ou, se as referidas bases não pudessem ser conciliadas entre si, seria necessário cindir a medida em duas decisões.

( 171 ) A esse respeito, saliento que a aplicação desses protocolos depende do conteúdo do ato em causa, e não das bases jurídicas adotadas. Por conseguinte, qualquer que seja a resposta do Tribunal de Justiça à primeira questão, quando a União pretender exercer competências ao abrigo desses protocolos, devem os mesmos ser tomados em consideração.

( 172 ) V., a este respeito, Acórdão de 24 de junho de 2014, Parlamento/Conselho (C‑658/11, EU:C:2014:2025, n.o 57).

( 173 ) Uma vez que o Reino Unido saiu da União Europeia, não há necessidade de ter em conta a sua situação.

( 174 ) Segundo o artigo 4.o do referido protocolo, o Reino da Dinamarca pode decidir transpor a medida, mas, em todo o caso, se o fizer, a referida medida apenas criará uma obrigação de direito internacional entre o Reino da Dinamarca e os restantes Estados‑Membros.

( 175 ) O sublinhado é meu. Nesse caso, o artigo 4.o‑A, n.o 2, prevê um mecanismo específico quando a não participação da Irlanda seja suscetível de tornar a medida impraticável para outros Estados‑Membros. Todavia, mesmo neste caso, a Irlanda não é obrigada a aplicar a medida.

( 176 ) Parecer 1/15 (Acordo PNR UE‑Canadá), de 26 de julho de 2017 (EU:C:2017:592, n.os 110 e 117).

( 177 ) Parecer 1/15 (Acordo PNR UE‑Canadá), de 26 de julho de 2017 (EU:C:2017:592, n.os 111 e 113).

( 178 ) De acordo com as informações constantes da página Internet do Conselho da Europa, a Irlanda ratificou esta convenção em 8 de março de 2019.

( 179 ) Acórdão de 20 de novembro de 2018, Comissão/Conselho (AMP Antártida) (C‑626/15 e C‑659/16, EU:C:2018:925, n.o 127).

( 180 ) United Nations Treaty Series, vol. 1155, p. 331 (a seguir «Convenção de Viena»).

( 181 ) Com efeito, a decisão de celebrar um acordo internacional pode potencialmente implicar que sejam tomadas opções de natureza política, económica e social, se hierarquizem interesses divergentes ou se efetuem apreciações complexas. Consequentemente, há que reconhecer ao Conselho, neste âmbito, um amplo poder discricionário. V., por analogia, Acórdão de 7 de março de 2017, RPO (C‑390/15, EU:C:2017:174, n.o 54).

( 182 ) V. Cremona, M., «Disconnection clauses in EU Law and Practice», in Hillon, C., e Koutrakos, P. (EE.), Mixed Agreements Revisited: The EU and its Member States in the World, Hart Publishing, Oxford, 2010, p. 180. É certo que a União Europeia é uma organização internacional de um tipo especial, na medida em que, de acordo com a fórmula do Acórdão de 15 de julho de 1964, Costa (6/64, EU:C:1964:66, p. 593), estabeleceu a sua própria ordem jurídica, integrada no sistema jurídico dos Estados‑Membros com a entrada em vigor do Tratado e vinculativa para os seus órgãos jurisdicionais. V., também, Acórdão de 28 de abril de 2015, Comissão/Conselho (C‑28/12, EU:C:2015:282, n.o 39). No entanto, como resulta claramente do Acórdão de 20 de novembro de 2018, Comissão/Conselho (AMP Antártida) (C‑626/15 e C‑659/16, EU:C:2018:925, n.os 125 a 135), essa circunstância não pode conduzir à imposição unilateral a Estados terceiros do cumprimento das suas regras de repartição de competências.

( 183 ) V., por exemplo, Acórdão de 19 de março de 1996, Comissão/Conselho (C‑25/94, EU:C:1996:114, n.o 48).

( 184 ) V., a contrario, Acórdão de 20 de abril de 2010, Comissão/Suécia (C‑246/07, EU:C:2010:203, n.o 75).

( 185 ) Acórdãos de 28 de novembro de 1991, Luxemburgo/Parlamento (C‑213/88 e C‑39/89, EU:C:1991:449, n.o 29), e de 28 de abril de 2015, Comissão/Conselho (C‑28/12, EU:C:2015:282, n.o 47).

( 186 ) United Nations Treaty Series, vol. 1155, p. 331.

( 187 ) O ponto 1.1 do Guia sobre a Prática das Reservas aos Tratados (2011), adotado pela Comissão de Direito Internacional, na sua 63.a sessão, em 2011, e submetido à Assembleia Geral, como parte do relatório da comissão sobre os trabalhos dessa sessão (A/66/10, n.o 75), no Anuário da Comissão de Direito Internacional, 2011, vol. II, parte II, estabelece igualmente que o termo «reserva» significa «uma declaração unilateral, qualquer que seja o seu conteúdo ou a sua denominação, feita por um Estado ou por uma organização internacional […] ao aprovar um tratado ou aderir a ele […] para excluir ou modificar os efeitos jurídicos de certas disposições do tratado na sua aplicação a esse Estado ou a essa organização internacional».

( 188 ) A prática do direito internacional mostra que as declarações podem ser equiparadas a reservas quando feitas para preencher a mesma função: v. Edwards Jr., R. W., «Reservations to Treaties», Michigan Journal of International Law, vol. 10, 1989, p. 368. V., igualmente, a este respeito, Tomuschat, C., «Admissibility and Legal Effects of Reservations to Multilateral Treaties», Heidelberg Journal of International Law, vol. 27, 1967, p. 465, ou Meek, M. R., «International Law: Reservations to Multilateral Agreements», DePaul Law Review, vol. 5, 1955, p. 41.

( 189 ) United Nations Treaty Series, vol. 1155, p. 331. No entanto, esta convenção não entrou em vigor por não terem sido depositados 35 instrumentos de ratificação pelos Estados.

( 190 ) Em todo o caso, na medida em que a União pode ou não decidir exercer algumas das competências que partilha com os Estados‑Membros, não se pode considerar que uma declaração formulada pela União relativamente ao alcance da competência por ela exercida para celebrar um acordo internacional se baseia em considerações objetivas.

( 191 ) V., por exemplo, relativamente a uma declaração de competência formulada pela República Francesa, que foi considerada uma reserva, Tribunal Arbitral Ad Hoc, Delimitação da Plataforma Continental (Reino Unido c. França), 54 I.L.R. 6, 18 I.L.M. 397 (30 de junho de 1977). V., igualmente, Dolmans J. F. M., Problems of Mixed Agreements: Division of Powers within the EEC and the Rights of Third States, Asser Instituut, Haia, 1984, pp. 65 e 66.

( 192 ) Acórdão de 30 de maio de 2006, Comissão/Irlanda (C‑459/03, EU:C:2006:345). A este respeito, observo que, mesmo que um tratado permita a formulação de reservas, uma reserva relativa à repartição de competências entre a União e os Estados‑Membros só pode ter um efeito limitado. Com efeito, dado que as competências partilhadas não exercidas podem posteriormente ser exercidas pela União com efeito preclusivo, essa declaração será necessariamente temporária. Por conseguinte, a formulação de reservas pela União com o objetivo de assinalar que a União Europeia não vai exercer certas competências partilhadas deve ser considerada proibida quando o tratado em causa não permita a retirada de reservas. Acresce que, se assim não fosse, isso equivaleria, na medida em que essa reserva obriga a União a abdicar definitivamente da competência partilhada em causa, a transformar essa competência numa competência exclusiva dos Estados‑Membros, em violação das regras do direito primário. Mesmo quando o tratado preveja a possibilidade, ou até a obrigação, de atualizar as declarações de competência, parece que a União raramente procede a essa atualização. Com efeito, segundo Odermatt, em 2017, há apenas um exemplo de declarações de competência atualizadas, nomeadamente as que foram efetuadas no âmbito da Organização para a Alimentação e a Agricultura. V. Odermatt, J., «The Development of Customary International Law by International Organizations», International and Comparative Law Quarterly, vol. 66(2), 2017, pp. 506 e 507.

( 193 ) V., por exemplo, Acórdão de 10 de dezembro de 2002, Comissão/Conselho (C‑29/99, EU:C:2002:734, n.o 70). Para uma lista das convenções assinadas pela União e que preveem a obrigação de a União formular uma declaração de competência, v. Heliskoski, J., «EU declarations of competence and international responsibility», in Evans, M., e Koutrakos, P. (EE.), The International Responsibility of the European Union International and European Perspectives, Hart Publishing, Oxford, 2013, p. 201. Neste artigo, o autor considera apenas este cenário. V. p. 189.

( 194 ) V. Heliskoski, J., «EU Declarations of Competence and International Responsibility», in Evans, M., e Koutrakos, P. (EE.), The International Responsibility of the European Union: European and International Perspectives, Hart Publishing, Oxford, 2013, p. 189.

( 195 ) É certo que se poderia argumentar que, na medida em que os Estados terceiros sempre aceitaram a prática das declarações de competência, a referida prática acabou por se tornar usual. Contudo, a natureza incerta desse argumento (na medida em que, inter alia, colide com a Convenção de Viena) também milita, na minha opinião, a favor de uma certa prudência por parte do Conselho.

( 196 ) É interessante observar que um número crescente de acordos internacionais contém cláusulas de compromisso que obrigam as organizações de integração económica regional, como a União, a declararem quais as partes do acordo que são abrangidas pela sua competência. V. Klamert, M., The Principle of Loyalty in EU Law, OUP, Oxford, 2014, p. 195.

( 197 ) Do mesmo modo, não creio que se possa argumentar seriamente que o artigo 78.o da Convenção de Istambul, que limita a possibilidade de formulação de reservas, não se aplicaria à União Europeia com o fundamento de que esta última não tem a mesma natureza de um Estado. Com efeito, o artigo 78.o, n.o 2, refere‑se expressamente tanto aos Estados como à União Europeia, o que demonstra que a intenção dos redatores desta convenção foi, de facto, excluir também a possibilidade de a União formular reservas.

( 198 ) Com efeito, «a simples circunstância de uma ação da União na cena internacional ser abrangida por uma competência partilhada entre esta e os seus Estados‑Membros não exclui a possibilidade de o Conselho reunir no seu seio a maioria exigida para que a União exerça sozinha essa competência externa». Acórdão de 20 de novembro de 2018, Comissão/Conselho (AMP Antártida) (C‑626/15 e C‑659/16, EU:C:2018:925, n.o 126).

( 199 ) V., a este respeito, Parecer 1/08 (Acordos que alteram a lista dos compromissos específicos assumidos ao abrigo do GATS), de 30 de novembro de 2009 (EU:C:2009:739, n.o 127).

( 200 ) Por exemplo, a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar foi celebrada pela Comunidade, em 1 de abril de 1998, embora o Reino da Dinamarca e o Grão‑Ducado do Luxemburgo ainda não o tivessem feito.