ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

29 de janeiro de 2020 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Agricultura — Proteção das indicações geográficas e das denominações de origem dos produtos agrícolas e dos géneros alimentícios — Denominação de origem protegida “Comté” — Alteração menor do caderno de especificações de um produto — Pedido de alteração objeto de recurso nos órgãos jurisdicionais nacionais — Jurisprudência dos órgãos jurisdicionais nacionais no sentido de o recurso ficar sem objeto quando a Comissão Europeia tiver aprovado a alteração — Proteção jurisdicional efetiva — Dever de conhecer do recurso»

No processo C‑785/18,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE, apresentado pelo Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, França), por Decisão de 14 de novembro de 2018, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 14 de dezembro de 2018, no processo

GAEC Jeanningros

contra

Institut national de l’origine et de la qualité (INAO),

Ministre de l’Agriculture et de l’Alimentation,

Ministre de l’Économie et des Finances,

Com a intervenção de:

Comité interprofessionnel de gestion du Comté,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: M. Vilaras, presidente de secção, S. Rodin (relator), D. Šváby, K. Jürimäe e N. Piçarra, juízes,

advogado‑geral: M. Campos Sánchez‑Bordona,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação do Governo francês, por D. Colas, A.‑L. Desjonquères e C. Mosser, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por D. Bianchi e I. Naglis, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 26 de setembro de 2019,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 53.o do Regulamento (UE) n.o 1151/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de novembro de 2012, relativo aos regimes de qualidade dos produtos agrícolas e dos géneros alimentícios (JO 2012, L 343, p. 1), do artigo 6.o do Regulamento Delegado (UE) n.o 664/2014 da Comissão, de 18 de dezembro de 2013, que completa o Regulamento n.o 1151/2012 (JO 2014, L 179, p. 17; retificação no JO 2015, L 220, p. 20), e do artigo 10.o do Regulamento de Execução (UE) n.o 668/2014 da Comissão, de 13 de junho de 2014, que estabelece regras de aplicação do Regulamento n.o 1151/2012 (JO 2014, L 179, p. 36; retificação no JO 2015, L 297, p. 10), conjugados com o artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

2

Este pedido foi apresentado no contexto de um litígio que opõe a GAEC Jeanningros, um agrupamento agrícola de exploração em comum, ao Institut national de l'origine et de la qualité (Instituto Nacional da Origem e da Qualidade, INAO) (França), ao ministre de l’Agriculture et de l’Alimentation (Ministro da Agricultura e Alimentação, França) e ao ministre de l’Économie et des Finances (Ministro da Economia e Finanças, França) relativo à alteração do caderno de especificações da denominação de origem protegida (DOP) «Comté».

Quadro jurídico

3

O considerando 58 do Regulamento n.o 1151/2012 enuncia:

«A fim de assegurar que as denominações registadas relativas às denominações de origem e indicações geográficas e às especialidades tradicionais garantidas satisfazem as condições estabelecidas no presente regulamento, os pedidos deverão ser examinados pelas autoridades nacionais do Estado‑Membro em causa, na observância de disposições mínimas comuns, incluindo um procedimento nacional de oposição. A Comissão deverá subsequentemente examinar atentamente os pedidos para se certificar de que não existem erros manifestos, e de que foram tidos em conta tanto o direito da União como os interesses das partes interessadas fora do Estado‑Membro do pedido.»

4

O artigo 7.o desse regulamento, com a epígrafe «Caderno de especificações do produto», enuncia, no seu n.o 1:

«1.   Uma denominação de origem protegida ou uma indicação geográfica protegida deve respeitar um caderno de especificações que inclua, pelo menos:

a)

A denominação a proteger como denominação de origem ou indicação geográfica, tal como é utilizada no comércio ou na linguagem comum, e apenas nas línguas que são ou foram historicamente utilizadas para descrever o produto em causa na área geográfica delimitada;

b)

A descrição do produto, incluindo as matérias‑primas, se for caso disso, assim como as suas principais características físicas, químicas, microbiológicas ou organoléticas;

c)

A definição da área geográfica delimitada, no que respeita à relação mencionada na alínea f), subalíneas i) ou ii), do presente número, e, se for caso disso, os elementos que indiquem a observância dos requisitos previstos no artigo 5.o, n.o 3;

d)

As provas de que o produto é originário da área geográfica delimitada referida no artigo 5.o, n.os 1 ou 2;

e)

A descrição do método de obtenção do produto e, se for caso disso, dos métodos locais, autênticos e constantes, bem como informações relativas ao acondicionamento, se o agrupamento requerente considerar e justificar, apresentando motivos suficientes especificamente relacionados com o produto, que o acondicionamento deve ser realizado na área geográfica delimitada a fim de salvaguardar a qualidade, garantir a origem ou assegurar o controlo, tendo em conta o direito da União, em especial no domínio da livre circulação de mercadorias e da livre prestação de serviços;

f)

Os elementos que estabelecem:

i)

a relação entre a qualidade ou as características do produto e o meio geográfico a que se refere o artigo 5.o, n.o 1, ou

ii)

se for o caso, a relação entre determinada qualidade, a reputação ou outra característica do produto e a origem geográfica a que se refere o artigo 5.o, n.o 2;

g)

O nome e o endereço das autoridades ou, se disponível, o nome e o endereço dos organismos que verificam o respeito das disposições do caderno de especificações nos termos do artigo 37.o, bem como as suas missões específicas;

h)

As eventuais regras específicas de rotulagem do produto em questão.»

5

O artigo 49.o do referido regulamento, intitulado «Pedido de registo de denominações», dispõe, nos seus n.os 2 a 4:

«2.   […]

O Estado‑Membro examina o pedido pelos meios adequados, para verificar se se justifica e se satisfaz as condições do respetivo regime.

3.   No âmbito do exame referido no segundo parágrafo do n.o 2 do presente artigo, o Estado‑Membro lança um procedimento de oposição nacional que assegure uma publicação adequada do pedido e preveja um prazo razoável durante o qual qualquer pessoa singular ou coletiva com um interesse legítimo e estabelecida ou residente no seu território possa apresentar oposição ao pedido.

[…]

4.   Se, após a avaliação das declarações de oposição recebidas, considerar que as exigências do presente regulamento são respeitadas, o Estado‑Membro pode tomar uma decisão favorável e apresentar à Comissão um processo de pedido. Deve, nesse caso, informar a Comissão das declarações de oposição admissíveis feitas por pessoas singulares ou coletivas que tenham comercializado legalmente os produtos em causa, utilizando de forma contínua as denominações em questão, durante pelo menos os cinco anos anteriores à data da publicação referida no n.o 3.

O Estado‑Membro assegura que a sua decisão favorável seja tornada pública e que qualquer pessoa singular ou coletiva com um interesse legítimo tenha oportunidade de interpor recurso.

[…]»

6

O artigo 50.o, n.o 1, do mesmo regulamento prevê:

«A Comissão examina, pelos meios adequados, cada um dos pedidos recebidos de acordo com o artigo 49.o, a fim de verificar se o pedido se justifica e satisfaz as condições do respetivo regime. […]»

7

O artigo 53.o do Regulamento n.o 1151/2012, intitulado «Alteração do caderno de especificações do produto», enuncia, nos seus n.os 1 e 2:

«1.   Os agrupamentos com um interesse legítimo podem solicitar a aprovação de uma alteração ao caderno de especificações do produto.

Os pedidos devem descrever e justificar as alterações solicitadas.

2.   Sempre que a alteração envolva uma ou mais alterações ao caderno de especificações que não sejam menores, o pedido de alteração deve seguir o procedimento previsto nos artigos 49.o a 52.o

No entanto, se as alterações propostas forem menores, a Comissão aprova ou recusa o pedido. Em caso de aprovação de alterações que impliquem uma modificação dos elementos referidos no artigo 50.o, n.o 2, a Comissão publica esses elementos no Jornal Oficial da União Europeia.

Para ser considerada menor no caso do regime de qualidade descrito no título II, a alteração não pode:

a)

Visar as características essenciais do produto;

b)

Alterar a relação a que se refere o artigo 7.o, n.o 1, alínea f), subalíneas i) ou ii);

c)

Incluir uma alteração da denominação do produto ou de uma parte da denominação do produto;

d)

Afetar a área geográfica delimitada; nem

e)

Corresponder a um aumento das restrições impostas ao comércio do produto ou das suas matérias‑primas.

[…]»

8

O artigo 6.o do Regulamento Delegado n.o 664/2014, intitulado «Alterações do caderno de especificações», prevê, nos seus n.os 1 e 2:

«1.   Os pedidos de alterações do caderno de especificações de um produto a que se refere o artigo 53.o, n.o 1, do Regulamento (UE) n.o 1151/2012 que não sejam alterações menores devem conter uma descrição exaustiva e as razões específicas para cada alteração. A descrição deve comparar pormenorizadamente, para cada alteração, o caderno de especificações original e, se for caso disso, o documento único original com a versão alterada proposta.

O pedido referido deve ser autossuficiente. Deve conter todas as alterações do caderno de especificações e, se for caso disso, do documento único para o qual é solicitada a aprovação.

[…]

2.   Os pedidos de alteração menor de um caderno de especificações relativo a denominações de origem protegidas ou a indicações geográficas protegidas devem ser apresentados às autoridades do Estado‑Membro a que se pertence a área geográfica da denominação ou indicação. […] O Estado‑Membro pode, caso considere que as exigências do Regulamento (UE) n.o 1151/2012 e das disposições adotadas nos termos desse regulamento são cumpridas, apresentar à Comissão um processo de pedido de alteração menor.

[…]

O pedido de alteração menor deve incidir apenas em alterações menores na aceção do artigo 53.o, n.o 2, do Regulamento (UE) n.o 1151/2012. O pedido deve descrever as referidas alterações menores, apresentar uma síntese das razões a elas subjacentes e demonstrar que as alterações propostas são efetivamente menores em conformidade com o artigo 53.o, n.o 2, do Regulamento (UE) n.o 1151/2012. O pedido deve comparar, para cada alteração, o caderno de especificações original e, se for caso disso, o documento único original com a versão alterada proposta. O pedido deve ser autossuficiente e conter todas as alterações do caderno de especificações e, se for caso disso, do documento único para o qual é solicitada a aprovação.

As alterações menores referidas no artigo 53.o, n.o 2, segundo parágrafo, do Regulamento (UE) n.o 1151/2012 consideram‑se aprovadas se a Comissão não informar do contrário o requerente no prazo de três meses a contar da receção do pedido.

Um pedido de alteração menor que não respeite o disposto no presente número, segundo parágrafo, não é admissível. A aprovação tácita a que se refere o presente número, terceiro parágrafo, não se aplica a estes pedidos. Se o pedido for considerado inadmissível, a Comissão informa o requerente no prazo de três meses a contar da receção do mesmo.

A Comissão torna públicas as alterações menores aprovadas de um caderno de especificações que não impliquem uma alteração dos elementos referidos no artigo 50.o, n.o 2, do Regulamento (UE) n.o 1151/2012.»

9

O artigo 10.o do Regulamento de Execução n.o 668/2014, intitulado «Disposições processuais para alteração dos cadernos de especificações», enuncia, nos seus n.os 1 e 2:

«1.   Os pedidos de aprovação de alterações não menores do caderno de especificações de denominações de origem protegida e indicações geográficas protegidas devem respeitar o formulário estabelecido no anexo V, preenchido de acordo com o estabelecido no artigo 8.o do Regulamento (UE) n.o 1151/2012. O Documento Único alterado deve respeitar o formulário estabelecido no anexo I do presente regulamento. A referência à publicação do caderno de especificações incluída no Documento Único alterado deve remeter para a versão atualizada de proposta do primeiro.

[…]

2.   Os pedidos de aprovação de alterações menores referidos no artigo 53.o, n.o 2, segundo parágrafo, do Regulamento (UE) n.o 1151/2012, devem ser redigidos de acordo com o formulário constante do anexo VII do presente regulamento.

Os pedidos de aprovação de alterações menores relativos a denominações de origem protegidas e indicações geográficas protegidas devem ser acompanhados do Documento Único atualizado, se tal for o caso, redigido de acordo com o modelo indicado no anexo I. A referência à publicação do caderno de especificações no Documento Único alterado deve remeter para a versão atualizada da proposta do caderno de especificações.

Nos pedidos oriundos da União, os Estados‑Membros devem incluir uma declaração em como aqueles respeitam o estabelecido no Regulamento (UE) n.o 1151/2012 e as disposições adotadas no âmbito do mesmo, bem como a referência de publicação do caderno de especificações atualizado. Nos pedidos oriundos de países terceiros, o agrupamento visado ou as autoridades do país terceiro devem incluir o caderno de especificações atualizado. Os pedidos de alterações menores mencionados no artigo 6.o, n.o 2, quinto parágrafo, do Regulamento Delegado (UE) n.o 664/2014 devem incluir a referência à publicação do caderno de especificações atualizado (pedidos oriundos dos Estados‑Membros) e o caderno de especificações atualizado (pedidos oriundos de países terceiros).

[…]»

10

Por Decisão da Comissão de 1 de junho de 2018 (JO 2018, C 187, p. 7) foi aprovado um pedido de alteração menor do caderno de especificações da DOP «Comté».

11

De acordo com o ponto 5.1.18. do caderno de especificações da DOP «Comté»:

«A ordenha deve ter lugar duas vezes por dia, de manhã e à noite, a horas regulares, não sendo, por conseguinte, possível realizá‑la em livre serviço. Os robôs de ordenha estão proibidos.

[…]»

Litígio no processo principal e questão prejudicial

12

Em 8 de setembro de 2017, o Ministro da Agricultura e Alimentação e o Ministro da Economia e Finanças aprovaram um despacho que homologava o caderno de especificações da DOP «Comté», alterado sob proposta do INAO, para ser transmitido à Comissão para aprovação, de acordo com o procedimento previsto no artigo 53.o do Regulamento n.o 1151/2012.

13

O objetivo dessa alteração ao caderno de especificações, considerada menor, era, acrescentando um novo ponto 5.1.18 ao caderno de especificações, proibir a utilização dos robôs de ordenha na produção de leite destinado ao fabrico de queijo Comté.

14

Por petição apresentada em 16 de novembro de 2017 no Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, França), a GAEC Jeanningros pediu a anulação do referido Despacho de 8 de setembro de 2017, na parte que homologa essa proibição.

15

Estando esse processo ainda pendente, a Comissão, por Decisão publicada em 1 de junho de 2018 (JO 2018, C 187, p. 7), aprovou, com base no artigo 6.o, n.o 2, terceiro parágrafo, do Regulamento Delegado n.o 664/2014, o pedido de alteração menor do caderno de especificações da DOP «Comté» em causa no processo principal, em conformidade com o artigo 53.o, n.o 2, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 1151/2012.

16

Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre se a aprovação pela Comissão, em conformidade com o artigo 53.o, n.o 2, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 1151/2012, de um pedido de alteração menor do caderno de especificações de uma DOP não tem como consequência deixar sem objeto o recurso nele interposto do ato pelo qual as autoridades nacionais competentes transmitiram à Comissão, para aprovação, o novo caderno de especificações que contém essa alteração menor.

17

A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio refere que essa interpretação, que resulta da sua jurisprudência constante, implicaria, no entanto, o não conhecimento da legalidade do caderno de especificações em causa.

18

O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, contudo, sobre a compatibilidade da sua própria jurisprudência com o direito da União, nomeadamente com o artigo 47.o da Carta, tendo em conta os efeitos que uma anulação de uma decisão das autoridades nacionais relativa a um pedido de modificação do caderno de especificações de uma DOP poderia ter sobre a validade do registo efetuado pela Comissão.

19

Nestas condições, o Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) suspendeu a instância e submeteu ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Devem o artigo 53.o do Regulamento [n.o 1151/2012], o artigo 6.o do Regulamento Delegado [n.o 664/2014] e o artigo 10.o do Regulamento de Execução [n.o 668/2014], em conjugação com o artigo 47.o da [Carta], ser interpretados no sentido de que, na hipótese específica de a Comissão Europeia ter deferido o pedido das autoridades nacionais de um Estado‑Membro de alteração do caderno de especificações de uma denominação e de registo da [DOP] quando tal pedido é ainda objeto de recurso nos órgãos jurisdicionais desse Estado, estes últimos podem decidir que já não há que conhecer do mérito do litígio neles pendente ou, tendo em conta os efeitos decorrentes de uma eventual anulação do ato impugnado sobre a validade do registo pela Comissão […], devem pronunciar‑se sobre a legalidade desse ato das autoridades nacionais?»

Quanto à questão prejudicial

20

Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 53.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1151/2012, o artigo 6.o do Regulamento Delegado n.o 664/2014 e o artigo 10.o do Regulamento de Execução n.o 668/2014, conjugados com o artigo 47.o da Carta, devem ser interpretados no sentido de que, quando a Comissão tenha deferido o pedido das autoridades de um Estado‑Membro de uma alteração menor do caderno de especificações de uma DOP, os órgãos jurisdicionais nacionais onde corre um recurso relativo à legalidade da decisão tomada por essas autoridades sobre esse pedido com vista à sua transmissão à Comissão, em conformidade com o artigo 53.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1151/2012, podem decidir que já não há que conhecer do litígio neles pendente.

21

Refira‑se, desde logo, que um caderno de especificações, com base no qual foi registada uma DOP, em conformidade com o procedimento previsto para o efeito nos artigos 49.o a 52.o do Regulamento n.o 1151/2012, pode ser alterado dentro do respeito do disposto no artigo 53.o desse regulamento. No seu n.o 2, esse artigo faz uma distinção entre alterações «que não sejam menores», às quais se aplica o procedimento previsto nos artigos 49.o a 52.o desse regulamento para o registo de uma DOP, e alterações «menores», definidas no artigo 53.o, n.o 2, segundo parágrafo, do mesmo regulamento e sujeitas ao procedimento simplificado aí previsto.

22

No caso presente, é pacífico que está em causa uma decisão sobre um pedido de alteração menor de um caderno de especificações, na aceção desta última disposição.

23

A fim de avaliar os efeitos da aprovação dessa alteração pela Comissão sobre o recurso de anulação da decisão das autoridades nacionais relativa a essa alteração, pendente num órgão jurisdicional nacional, há que observar que o Regulamento n.o 1151/2012 estabelece uma repartição de competências entre o Estado‑Membro em causa e a Comissão (v., por analogia, Acórdão de 6 de dezembro de 2001, Carl Kühne e o., C‑269/99, EU:C:2001:659, n.o 50).

24

Com efeito, o Tribunal de Justiça já declarou que o Regulamento (CEE) n.o 2081/92 do Conselho, de 14 de julho de 1992, relativo à proteção das indicações geográficas e denominações de origem dos produtos agrícolas e dos géneros alimentícios (JO 1992, L 208, p. 1), que previa um procedimento de registo correspondente, em substância, ao processo de registo enunciado nos artigos 49.o a 52.o do Regulamento n.o 1151/2012, instituía um sistema de partilha de competências, no sentido de que, em especial, a decisão de registar uma denominação como DOP só podia ser tomada pela Comissão se o Estado‑Membro em causa lhe tivesse apresentado um pedido para esse efeito e que esse pedido só podia ser feito se esse Estado‑Membro tivesse verificado que se justificava. Esse sistema de partilha das competências explica‑se, designadamente, pelo facto de o registo pressupor a verificação de que está reunido um certo número de condições, o que exige, em grande medida, conhecimentos aprofundados de certos elementos específicos do Estado‑Membro em causa, elementos esses que as autoridades competentes desse Estado estão em melhor posição para verificar (v., por analogia, Acórdãos de 6 de dezembro de 2001, Carl Kühne e o., C‑269/99, EU:C:2001:659, n.o 53, e de 2 de julho de 2009, Bavaria e Bavaria Italia, C‑343/07, EU:C:2009:415, n.o 66).

25

Por outro lado, tendo em conta o poder decisório desse modo pertencente às autoridades nacionais nesse sistema de partilha de competências, cabe exclusivamente aos órgãos jurisdicionais nacionais conhecer da legalidade dos atos praticados por essas autoridades, tais como os atos relativos a pedidos de registo de uma denominação, que constituem uma etapa necessária do processo de adoção de um ato da União, uma vez que, nesses atos, as instituições da União apenas dispõem de uma margem de apreciação limitada ou inexistente, pois os atos dessas instituições, tais como as decisões de registo, estão, por seu turno, sujeitos à fiscalização jurisdicional do Tribunal de Justiça (v., por analogia, Acórdãos de 6 de dezembro de 2001, Carl Kühne e o., C‑269/99, EU:C:2001:659, n.os 57 e 58; e de 2 de julho de 2009, Bavaria e Bavaria Italia, C‑343/07, EU:C:2009:415, n.os 70 e 71).

26

Daí resulta que cabe aos órgãos jurisdicionais nacionais conhecer das irregularidades de que eventualmente esteja ferido um ato nacional, como um ato relativo a um registo de uma denominação, recorrendo, se for caso disso, ao Tribunal de Justiça a título prejudicial, nas mesmas condições de fiscalização a que esteja sujeito qualquer ato definitivo que, praticado pela mesma autoridade nacional, possa ser desfavorável a terceiros (v., neste sentido, Acórdãos de 3 de dezembro de 1992, Oleificio Borelli/Comissão, C‑97/91, EU:C:1992:491, n.os 11 a 13; de 6 de dezembro de 2001, Carl Kühne e o., C‑269/99, EU:C:2001:659, n.o 58; e de 2 de julho de 2009, Bavaria e Bavaria Italia, C‑343/07, EU:C:2009:415, n.o 57).

27

Com efeito, o juiz da União não é competente, em sede de recurso interposto ao abrigo do artigo 263.o TFUE, para conhecer da legalidade de um ato praticado por uma autoridade nacional, o que não é desmentido pelo facto de o ato em causa se integrar num processo de decisão da União (v., por analogia, Acórdão de 3 de dezembro de 1992, Oleificio Borelli/Comissão, C‑97/91, EU:C:1992:491, n.os 9 e 10).

28

Como salientou o advogado‑geral nos n.os 51 a 59 das suas conclusões, essa jurisprudência, associada ao procedimento de registo de uma DOP, é transponível para os procedimentos de alterações menores e não menores descritos no n.o 21 do presente acórdão.

29

A esse respeito, quanto aos pedidos de alterações não menores do caderno de especificações de uma DOP, foi salientado no referido n.o 21 que, por força da remissão feita pelo artigo 53.o, n.o 2, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 1151/2012, estão sujeitas ao mesmo procedimento aplicável ao registo de uma DOP.

30

Quanto aos pedidos de alterações menores, como o que está em causa no processo principal, que estão abrangidos pelo artigo 53.o, n.o 2, segundo parágrafo, desse regulamento, estão sujeitos, nos termos do disposto no artigo 6.o, n.o 2, do Regulamento Delegado n.o 664/2014 e no artigo 10.o, n.o 2, do Regulamento de Execução n.o 668/2014, a um procedimento simplificado, mas semelhante no essencial a esse procedimento de registo, na medida em que institui igualmente um sistema de partilha de responsabilidades entre as autoridades do Estado‑Membro em causa e a Comissão, no que respeita, por um lado, à verificação da conformidade do pedido de alteração com os requisitos decorrentes desses regulamentos e do Regulamento n.o 1151/2012 e, por outro, à aprovação desse pedido.

31

Resulta do exposto que, de acordo com a jurisprudência lembrada no n.o 26 do presente acórdão, cabe aos órgãos jurisdicionais nacionais conhecer das irregularidades de que possa estar ferido um ato nacional relativo a um pedido de alteração menor do caderno de especificações de uma DOP, como poderá estar eventualmente ferido o Despacho de 8 de setembro de 2017, em causa no processo principal.

32

Neste contexto, recorde‑se que, segundo jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, incumbe aos órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros, em aplicação do princípio da cooperação leal enunciado no artigo 4.o, n.o 3, TUE, assegurar a proteção jurisdicional dos direitos conferidos pelo direito da União aos particulares, sendo que o artigo 19.o, n.o 1, TUE obriga, por outro lado, os Estados‑Membros a estabelecerem as vias de recurso necessárias para assegurar uma proteção jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo direito da União (Acórdão de 8 de novembro de 2016, Lesoochranárske zoskupenie VLK, C‑243/15, EU:C:2016:838, n.o 50, e Acórdão de 26 de julho de 2017, Sacko, C‑348/16, EU:C:2017:591, n.o 29 e jurisprudência aí referida).

33

Esta obrigação dos Estados‑Membros corresponde ao direito à ação num tribunal imparcial, consagrado no artigo 47.o da Carta, que constitui uma reafirmação do princípio da tutela jurisdicional efetiva (v., neste sentido, Acórdãos de 26 de julho de 2017, Sacko, C‑348/16, EU:C:2017:591, n.os 30 e 31, e de 26 de junho de 2019, Craeynest e o., C‑723/17, EU:C:2019:533, n.o 54), que, de resto, a propósito do procedimento de registo, é referido no artigo 49.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1151/2012.

34

É, portanto, à luz deste princípio, que, no caso, se deve determinar se um órgão jurisdicional nacional que conhece de um recurso interposto de um ato das autoridades nacionais relativo a um pedido de alteração menor do caderno de especificações de uma DOP, na aceção do artigo 53.o, n.o 2, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 1151/2012, pode considerar que já não há que conhecer do litígio pendente perante ele, pelo facto de a Comissão ter deferido esse pedido de alteração.

35

A este respeito, como salientou o advogado‑geral no n.o 58 das suas conclusões, as decisões das autoridades nacionais sobre alterações menores não são da competência exclusiva do juiz da União, na medida em que constituem atos autónomos indispensáveis para que a Comissão se possa pronunciar posteriormente sobre eles. Contudo, dada a margem de apreciação muito limitada de que a Comissão dispõe a este respeito, foram as decisões das autoridades nacionais que tiveram verdadeiramente em conta todos os elementos que justificavam a aprovação dessas alterações ao caderno de especificações.

36

Daí resulta que a decisão da Comissão que aprova esse pedido de alteração assenta na decisão tomada pelas autoridades do Estado‑Membro em causa a respeito desse pedido e, portanto, está necessariamente condicionada por esta última decisão, tanto mais que a margem de apreciação conferida à Comissão nessa aprovação está, em substância, como resulta do considerando 58 do Regulamento n.o 1151/2012, limitada à verificação de que o pedido contém os elementos necessários e não revela estar ferido de erros manifestos (v., por analogia, Acórdãos de 6 de dezembro de 2001, Carl Kühne e o., C‑269/99, EU:C:2001:659, n.o 54, e de 2 de julho de 2009, Bavaria e Bavaria Italia, C‑343/07, EU:C:2009:415, n.o 67).

37

Nestas condições, o facto de um órgão jurisdicional nacional onde corre um recurso de uma decisão das autoridades nacionais relativa a um pedido de alteração menor de um caderno de especificações de uma DOP considerar que já não há que conhecer desse recurso, pelo facto de a Comissão ter aprovado esse pedido, comprometeria a proteção judicial efetiva que esse órgão jurisdicional é obrigado a assegurar relativamente a esses pedidos de alteração.

38

Por maioria de razão, isto é ainda mais assim quando o processo relativo a um pedido de alteração menor do caderno de especificações previsto no artigo 53.o, n.o 2, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 1151/2012, ao contrário do que se prevê quando se trata de uma alteração do caderno de especificações que não é menor, não prevê a possibilidade de se apresentar uma oposição à modificação proposta. Nessas condições, um recurso relativo à legalidade de uma decisão das autoridades nacionais que aprova esse pedido de alteração menor constitui a única possibilidade de as pessoas singulares ou coletivas afetadas por essa decisão se lhe oporem.

39

A eventual anulação dessa decisão das autoridades nacionais deixará sem fundamento a decisão da Comissão e implica, portanto, o reexame do processo por esta última (v., neste sentido, Acórdão de 26 de outubro de 2017, Global Steel Wire e o./Comissão, C‑454/16 P a C‑456/16 P e C‑458/16 P, não publicado, EU:C:2017:818, n.o 31 e jurisprudência aí referida).

40

Em face do exposto, há que responder à questão submetida que o artigo 53.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1151/2012, o artigo 6.o do Regulamento Delegado n.o 664/2014 e o artigo 10.o do Regulamento de Execução n.o 668/2014, conjugados com o artigo 47.o da Carta, devem ser interpretados no sentido de que, se a Comissão deferir um pedido das autoridades de um Estado‑Membro de se proceder a uma alteração menor no caderno de especificações de uma DOP, os órgãos jurisdicionais nacionais onde corre o recurso relativo à legalidade da decisão tomada por essas autoridades sobre esse pedido com vista à sua transmissão à Comissão, em conformidade com o artigo 53.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1151/2012, não podem, só por esse motivo, decidir que já não há que conhecer do litígio neles pendente.

Quanto às despesas

41

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

 

O artigo 53.o, n.o 2, do Regulamento (UE) n.o 1151/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de novembro de 2012, relativo aos regimes de qualidade dos produtos agrícolas e dos géneros alimentícios, o artigo 6.o do Regulamento Delegado (UE) n.o 664/2014 da Comissão, de 18 de dezembro de 2013, que completa o Regulamento n.o 1151/2012, e o artigo 10.o do Regulamento de Execução (UE) n.o 668/2014 da Comissão, de 13 de junho de 2014, que estabelece regras de aplicação do Regulamento n.o 1151/2012, conjugados com o artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, devem ser interpretados no sentido de que, se a Comissão deferir um pedido das autoridades de um Estado‑Membro de se proceder a uma alteração menor no caderno de especificações de uma denominação de origem protegida, os órgãos jurisdicionais nacionais onde corre o recurso relativo à legalidade da decisão tomada por essas autoridades sobre esse pedido com vista à sua transmissão à Comissão, em conformidade com o artigo 53.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1151/2012, não podem, só por esse motivo, decidir que já não há que conhecer do litígio neles pendente.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: francês.