ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção)

11 de fevereiro de 2021 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Política social — Diretiva 1999/70/CE — Acordo‑quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo — Artigo 5.o — Medidas destinadas a evitar os abusos decorrentes da utilização de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo — Contratos de trabalho a termo no setor público — Sucessão de contratos ou prorrogação do primeiro contrato — Medida legal equivalente — Proibição constitucional absoluta de converter contratos de trabalho a termo em contratos por tempo indeterminado — Obrigação de interpretação conforme»

No processo C‑760/18,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Monomeles Protodikeio Lasithiou [Tribunal de Primeira Instância (Juiz Singular) de Lasithi, Grécia], por Decisão de 4 de dezembro de 2018, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 4 de dezembro de 2018, no processo

M.V. e o.

contra

Organismos Topikis Aftodioikisis (OTA) «Dimos Agiou Nikolaou»,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção),

composto por: A. Kumin (relator), presidente de secção, T. von Danwitz e P. G. Xuereb, juízes,

advogado‑geral: M. Szpunar,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação de M.V. e o., por E. Chafnavi, dikigoros,

em representação do Organismos Topikis Aftodioikisis (OTA) «Dimos Agiou Nikolaou», por K. Zacharaki, dikigoros,

em representação do Governo helénico, por E.‑M. Mamouna, E. Tsaousi e K. Georgiadis, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, inicialmente por A. Bouchagiar e M. van Beek, e em seguida por A. Bouchagiar, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 1.o e do artigo 5.o, n.o 2, do acordo‑quadro relativo a contratos de trabalho a termo, celebrado em 18 de março de 1999 (a seguir «acordo‑quadro»), que figura no anexo da Diretiva 1999/70/CE do Conselho, de 28 de junho de 1999, respeitante ao acordo‑quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo (JO 1999, L 175, p. 43).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe M.V. e outros trabalhadores ao seu empregador, o Organismos Topikis Aftodioikisis (OTA) «Dimos Agiou Nikolaou» (autarquia local «Município de Agios Nikolaos», Grécia) (a seguir «Município de Agios Nikolaos») a respeito da qualificação das suas relações de trabalho por tempo indeterminado, na qualidade de trabalhadores do serviço de limpeza desse município.

Quadro jurídico

Direito da União

3

Nos termos do artigo 1.o do acordo‑quadro:

«o objetivo […] [deste último] consiste em:

a)

Melhorar a qualidade do trabalho sujeito a contrato a termo garantindo a aplicação do princípio da não discriminação;

b)

Estabelecer um quadro para evitar os abusos decorrentes da utilização de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo.»

4

O artigo 3.o do acordo‑quadro, sob a epígrafe «Definições», prevê:

«1.

Para efeitos do presente acordo, entende‑se por “trabalhador contratado a termo” o trabalhador titular de um contrato de trabalho ou de uma relação laboral concluído diretamente entre um empregador e um trabalhador cuja finalidade seja determinada por condições objetivas, tais como a definição de uma data concreta, de uma tarefa específica ou de um certo acontecimento.

[…]»

5

O artigo 5.o do referido acordo‑quadro, sob a epígrafe «Disposições para evitar os abusos», enuncia:

«1.

Para evitar os abusos decorrentes da conclusão de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo e sempre que não existam medidas legais equivalentes para a sua prevenção, os Estados‑Membros, após consulta dos parceiros sociais e de acordo com a lei, acordos coletivos ou práticas nacionais, e/ou os parceiros sociais deverão introduzir, de forma a que se tenham em conta as necessidades de setores e/ou categorias de trabalhadores específicos, uma ou várias das seguintes medidas:

a)

Razões objetivas que justifiquem a renovação dos supramencionados contratos ou relações laborais;

b)

Duração máxima total dos sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo;

c)

Duração máxima total dos sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo.

2.

Os Estados‑Membros, após consulta dos parceiros sociais, e/ou os parceiros sociais, deverão, sempre que tal seja necessário, definir em que condições os contratos de trabalho ou relações de trabalho a termo deverão ser considerados:

a)

Como sucessivos;

b)

Como celebrados sem termo.»

6

O artigo 8.o do mesmo acordo‑quadro, sob a epígrafe «Disposições de aplicação», dispõe:

«1.

Os Estados‑Membros e/ou os parceiros sociais poderão manter ou estabelecer disposições mais favoráveis aos trabalhadores do que as previstas no presente acordo.

[…]».

Direito helénico

Disposições constitucionais

7

Durante o ano de 2001 foram acrescentados ao artigo 103.o da Constituição helénica os n.os 7 e 8, com a seguinte redação:

«7.   A contratação de trabalhadores na função pública e no setor público em sentido amplo […] é efetuada por concurso ou através de uma seleção de acordo com critérios predefinidos e objetivos e está sujeita ao controlo de uma autoridade independente, nos termos da lei. […]

8.   A lei estabelece as condições e a duração das relações de trabalho de direito privado com o Estado e o setor público em sentido lato, tal como definido pela lei em cada caso, quer para preencher lugares do quadro diferentes dos previstos no primeiro parágrafo do n.o 3, quer para atender a necessidades temporárias, imprevistas ou urgentes, na aceção do segundo parágrafo do n.o 2. A lei determina igualmente as funções que podem ser exercidas pelo pessoal referido no número anterior. É proibida a efetivação através de uma lei do pessoal referido no primeiro parágrafo ou a transformação dos seus contratos em contratos por tempo indeterminado. As proibições previstas no presente número aplicam‑se igualmente às pessoas admitidas através de contratos de prestação de serviços.»

Disposições legislativas

8

O artigo 8.o, n.os 1 e 3, da Lei 2112/1920, relativa à cessação obrigatória do contrato de trabalho dos trabalhadores do setor privado (FEK A’ 67/18.3.1920), que estabelece disposições de proteção a favor do trabalhador no que respeita à cessação dos contratos de trabalho por tempo indeterminado de direito privado, prevê:

«1.   São nulos os contratos contrários à presente lei, exceto se forem mais favoráveis para o trabalhador. […]

[…]

3.   As disposições da presente lei aplicam‑se igualmente aos contratos de trabalho a termo se a fixação do termo não for justificada pela natureza do contrato, mas visar intencionalmente contornar as disposições da presente lei relativas à cessação obrigatória do contrato de trabalho.»

9

Resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que o artigo 8.o, n.o 3, da Lei 2112/1920, lido em conjugação com, em particular, os artigos 281.o e 671.o do Código Civil, bem como com os princípios gerais da Constituição helénica, nomeadamente o artigo 25.o, n.os 1 e 3, desta última, foi aplicado ao longo dos anos pelos tribunais gregos para efeitos da correta qualificação jurídica das relações de trabalho, os quais, com base nesse artigo 8.o, n.o 3, qualificaram juridicamente de «contratos por tempo indeterminado» os contratos apresentados como contratos a termo, mas que, na realidade, visavam, através da sua renovação, satisfazer necessidades permanentes e duradouras do empregador.

10

O órgão jurisdicional de reenvio sublinha que, no seguimento da revisão da Constituição helénica, os órgãos jurisdicionais gregos deixaram de transformar, com base no artigo 8.o, n.o 3, da Lei 2112/1920, em contratos por tempo indeterminado os contratos de trabalho a termo celebrados por empregadores do setor público. Consideraram que tal transformação era contrária à proibição de efetivação do pessoal do setor público, prevista no artigo 103.o da referida Constituição, conforme revista, ainda que o contrato a termo satisfizesse necessidades permanentes e duradouras.

Disposições relativas à renovação dos contratos a termo do pessoal do setor da limpeza das autarquias locais

11

Em conformidade com o artigo 205.o, n.o 1, do Kodikas Katastasis Dimotikon kai Koinotikon Ypallilon (Código relativo ao Estatuto dos Funcionários Municipais), as autarquias locais podem celebrar contratos de trabalho a termo de direito privado para fazer face a necessidades sazonais ou outras necessidades periódicas ou pontuais.

12

O artigo 21.o da Lei 2190/1994, através do qual é criada uma autoridade independente responsável pela seleção do pessoal e gestão das questões administrativas (FEK A’ 28/3.3.1994), dispõe:

«1.   Os serviços públicos e as pessoas coletivas […] podem contratar pessoal mediante contratos de trabalho a termo de direito privado para fazer face a necessidades sazonais ou outras necessidades periódicas ou temporárias, nas condições e de acordo com o procedimento a seguir regulado.

2.   A duração dos contratos previstos no n.o 1 não pode exceder oito meses num período total de doze meses. No caso de contratação temporária de pessoal para fazer face, nos termos das disposições em vigor, a necessidades urgentes, determinadas por ausências ou postos vagos, a duração do contrato não pode exceder quatro meses em relação a cada trabalhador. A prorrogação de um contrato ou a celebração de um novo contrato durante o mesmo ano, bem como a sua conversão em contrato por tempo indeterminado, são nulas».

13

O artigo 167.o da Lei 4099/2012 (FEK A’ 250/20.12.2012), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal, dispõe:

«Sem prejuízo de qualquer outra disposição, são automaticamente prorrogados até 31 de dezembro de 2017 os contratos individuais em vigor e os contratos individuais que expiraram até noventa (90) dias antes da entrada em vigor da presente lei e que estejam relacionados com a limpeza das instalações de serviços públicos, autoridades independentes, pessoas coletivas de direito público, pessoas coletivas de direito privado e autarquias locais, qualquer serviço das autarquias locais responsável pela limpeza e qualquer serviço das autarquias locais responsável pela satisfação das necessidades de limpeza de outros serviços das autarquias locais. A referida prorrogação não se aplica aos contratos individuais celebrados para satisfazer necessidades urgentes, sazonais ou pontuais no domínio da limpeza, cuja duração não exceda dois meses num período de doze meses e que tenham sido celebrados a partir de 1 de janeiro de 2016.»

14

O artigo 76.o da Lei 4386/2016 (FEK A’ 83/11.5.2016) acrescentou, a seguir ao primeiro parágrafo do n.o 1 do artigo 167.o da Lei 4099/2012, na sua versão então vigor, um parágrafo que previa que a renovação automática, até 31 de dezembro de 2016, dos contratos individuais de trabalho referidos no parágrafo anterior era igualmente aplicável, a partir da data de entrada em vigor da Lei 4325/2015 (isto é, a partir de 11 de maio de 2015), aos contratos do pessoal admitido, com o intuito de dar resposta a necessidades urgentes, sazonais ou pontuais no domínio da limpeza, mediante contratos de trabalho a termo cuja duração não podia exceder dois meses num período de doze meses.

Disposições regulamentares

15

O Decreto Presidencial 164/2004, sobre as disposições relativas aos trabalhadores com contratos a termo no setor público (FEK A’ 134/19.7.2004), que transpôs a Diretiva 1999/70 para o direito helénico aplicável aos trabalhadores do Estado e do setor público em sentido amplo, prevê, no seu artigo 2.o, n.o 1:

«As disposições do presente decreto são aplicáveis aos trabalhadores do setor público […] e aos trabalhadores das empresas municipais admitidos através de um contrato ou de uma relação de trabalho a termo ou de um contrato de prestação de serviços ou qualquer outro contrato ou relação de trabalho que dissimule um vínculo de subordinação. […]»

16

O artigo 4.o desse decreto presidencial dispõe:

«1.   No que diz respeito às modalidades e condições de trabalho, os trabalhadores contratados a termo não serão objeto de tratamento desfavorável em relação aos trabalhadores contratados por tempo indeterminado pelo simples facto de o seu contrato ser celebrado a termo. Excecionalmente, é permitido um tratamento diferenciado quando justificado por razões objetivas.

2.   Os critérios de antiguidade relativos a determinadas condições de trabalho são os mesmos para os trabalhadores contratados a termo e para os trabalhadores contratados por tempo indeterminado, salvo quando critérios de antiguidade diferentes sejam justificados por razões objetivas.»

17

O artigo 5.o do referido decreto presidencial, sob a epígrafe «Contratos sucessivos», prevê:

«1.   São proibidos os contratos sucessivos celebrados e executados entre o mesmo empregador e o mesmo trabalhador, para uma função profissional idêntica ou análoga e em condições de trabalho idênticas ou análogas, quando entre esses contratos exista um intervalo inferior a três meses.

2.   A celebração destes contratos é excecionalmente lícita se for justificada por uma razão objetiva. Verifica‑se uma razão objetiva quando os contratos subsequentes ao contrato inicial são celebrados para satisfazer necessidades especiais do mesmo tipo, direta ou indiretamente relacionadas com a forma, natureza ou atividade da empresa.

3.   Os contratos sucessivos são celebrados por escrito e as razões que os justificam devem ser expressamente mencionadas no contrato, sempre que não resultem diretamente dele. Excecionalmente, não é exigida a forma escrita quando, tendo em conta o caráter ocasional do trabalho, a renovação do contrato não exceda um mês, a menos que a forma escrita esteja expressamente prevista noutra disposição. Deve ser facultada ao trabalhador uma cópia do contrato no prazo de cinco dias úteis a contar da sua entrada em funções.

4.   Em nenhum caso pode o número de contratos sucessivos ser superior a três, sem prejuízo das disposições do n.o 2 do artigo seguinte.»

18

O artigo 6.o do mesmo decreto presidencial, relativo à duração máxima dos contratos a termo, prevê:

«1.   Os contratos sucessivos celebrados e executados entre o mesmo empregador e o mesmo trabalhador, para uma função profissional idêntica ou análoga e condições de trabalho idênticas ou análogas, não podem exceder uma duração total de 24 meses de atividade, independentemente de serem celebrados nos termos do artigo anterior ou de outras disposições em vigor.

2.   Só é permitido exceder uma duração total de 24 meses relativamente a categorias especiais de trabalhadores em função da natureza do trabalho e que estejam previstas pelas disposições vigor, como os trabalhadores dos quadros dirigentes, trabalhadores contratados no âmbito de programas de investigação específicos ou de programas subvencionados ou financiados, bem como os trabalhadores contratados para realizar atividades conexas com o cumprimento de obrigações decorrentes de convenções celebradas com organizações internacionais.»

19

O artigo 7.o do Decreto Presidencial 164/2004, sob a epígrafe «Sanção das infrações», enuncia:

«1.   São nulos os contratos celebrados em violação das disposições dos artigos 5.o e 6.o do presente decreto.

2.   Quando um contrato nulo tiver sido total ou parcialmente executado são devidas ao trabalhador as remunerações decorrentes do mesmo e as que já lhe tiverem sido pagas não podem ser repetidas. O trabalhador pode exigir, a título de indemnização, o montante a que teria direito um trabalhador equivalente contratado por tempo indeterminado em caso de cessação do seu contrato. Se houver mais do que um contrato nulo, o período considerado para efeitos do cálculo da indemnização é o correspondente à totalidade dos períodos de atividade com base nos contratos nulos. Os montantes pagos pelo empregador ao trabalhador são imputados ao responsável.

3.   É punido com pena de prisão […] quem violar as disposições dos artigos 5.o e 6.o do presente decreto. Se o ilícito for cometido com negligência, o responsável é punido com pena de prisão até um ano. O referido ilícito constitui igualmente uma infração disciplinar grave.»

20

Nos termos do artigo 10.o do referido decreto presidencial, este último não põe em causa eventuais disposições mais favoráveis aos trabalhadores no seu conjunto e aos trabalhadores com deficiência.

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

21

Durante o ano de 2015, M.V. e o. foram contratados pelo Município de Agios Nikolaos, para os seus serviços de limpeza, através de contratos de trabalho a termo de direito privado, para ocuparem postos de trabalho a tempo inteiro, em contrapartida de uma remuneração mensal fixada de acordo com os critérios estabelecidos por lei.

22

Inicialmente celebrados por um período de oito meses, esses contratos foram renovados até 31 de dezembro de 2017, com efeitos retroativos e sem interrupção, por diferentes intervenções legislativas que o órgão jurisdicional de reenvio enumerou nos n.os 15 a 22 do seu pedido de decisão prejudicial, sendo que a duração total respetiva desses contratos oscilava entre 24 e 29 meses. O Município de Agios Nikolaos cessou em definitivo os contratos na data acima referida. Além disso, resulta do pedido de decisão prejudicial que tais prorrogações não foram precedidas de uma avaliação para determinar se perduravam as necessidades sazonais, periódicas ou pontuais que justificavam, in casu, a celebração inicial desses contratos.

23

Considerando que a sua situação constituía um abuso resultante da utilização de sucessivos contratos a termo e que, por conseguinte, era contrária ao objetivo e à finalidade do acordo‑quadro, os demandantes no processo principal intentaram uma ação no Monomeles Protodikeio Lasithiou [Tribunal de Primeira Instância (Juiz Singular) de Lasithi, Grécia] pedindo, por um lado, que fosse declarada a manutenção dos seus vínculos ao Município de Agios Nikolaos com base em contratos de trabalho por tempo indeterminado e a nulidade da cessação dos seus contratos de trabalho com efeitos a partir de 31 de dezembro de 2017 e, por outro lado, que o município fosse condenado, sob cominação de multa, a contratá‑los através de contratos de trabalho por tempo indeterminado.

24

O órgão jurisdicional de reenvio começa por recordar que a Diretiva 1999/70 foi transposta para o direito helénico, no que respeita ao pessoal do setor público como os demandantes no processo principal, pelo Decreto Presidencial 164/2004, que prevê medidas destinadas a evitar a utilização abusiva de sucessivos contratos ou relações de trabalho a termo.

25

Além disso, continua a ser aplicável a Lei 2112/1920, cujo artigo 8.o, n.os 1 e 3, prevê a nulidade de um contrato a termo se a fixação do termo não for justificada pela natureza do contrato, mas visar intencionalmente contornar as disposições relativas à cessação obrigatória do contrato de trabalho.

26

O órgão jurisdicional de reenvio assinala que, excecionalmente, a celebração de sucessivos contratos a termo é lícita, por força do direito helénico, verificadas determinadas condições. A este respeito, esse órgão jurisdicional recorda que o artigo 5.o do Decreto Presidencial 164/2004 prevê, nomeadamente, que a celebração de tais contratos é lícita contanto que justificada por uma razão objetiva e satisfeitos outros requisitos, como a celebração por escrito de um novo contrato de trabalho, desde que seja respeitado um número máximo de três prorrogações. Verifica‑se uma razão objetiva quando os contratos subsequentes ao contrato inicial são celebrados para satisfazer necessidades especiais do mesmo tipo, direta ou indiretamente relacionadas com a forma, natureza ou atividade da empresa.

27

Todavia, o referido órgão jurisdicional esclarece que, após a entrada em vigor da Diretiva 1999/70, mas antes do termo do prazo fixado para a sua transposição para o direito helénico, a alteração do artigo 103.o da Constituição helénica, que ocorreu durante o ano de 2001, introduziu, no n.o 8 desse artigo, uma proibição de transformar os contratos a termo do pessoal do setor público em contratos por tempo indeterminado. O órgão jurisdicional de reenvio observa, a esse respeito, que, embora os órgãos jurisdicionais nacionais aplicassem a Lei 2112/1920 enquanto «medida legal equivalente», na aceção do artigo 5.o, n.o 1, do acordo‑quadro, para requalificar os contratos de trabalho a termo como contratos por tempo indeterminado, a revisão constitucional efetuada impossibilitou a aplicação subsequente dessas disposições protetoras.

28

Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio faz referência a uma decisão do Elegktiko Synedrio (Tribunal de Contas, Grécia), na qual se declarou recentemente que essa prorrogação dos contratos de trabalho de direito privado é contrária à Diretiva 1999/70, conforme transposta para o direito interno pelo Decreto Presidencial 164/2004. Tal prorrogação daria lugar a uma sucessão inaceitável de contratos celebrados e executados pelo mesmo empregador e pelo mesmo trabalhador para o mesmo tipo de funções e nas mesmas condições de trabalho, sem que tivessem sido fixados critérios objetivos e transparentes a fim de verificar se a renovação desses contratos responde efetivamente a uma necessidade genuína, é suscetível de alcançar o objetivo prosseguido e é necessária para esse efeito, tendo em conta, nomeadamente, o facto de envolver um risco real de recurso abusivo a esse tipo de contratos.

29

Nestas circunstâncias, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas, em particular, quanto à compatibilidade da legislação nacional em causa no processo principal que transpõe o acordo‑quadro com esse mesmo acordo, na medida em que tal legislação é interpretada no sentido de que as prorrogações automáticas dos contratos de trabalho em causa não são abrangidas pelo conceito de «sucessivos contratos de trabalho a termo», ainda que não se trate da celebração por escrito de um novo contrato de trabalho a termo, mas da prorrogação de um contrato de trabalho preexistente.

30

Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio considera que os contratos de trabalho a termo celebrados com os demandantes no processo principal são manifestamente contrários a todas as medidas destinadas a evitar abusos decorrentes do recurso a sucessivos contratos ou relações de trabalho a termo, previstas nos artigos 5.o e 6.o do Decreto Presidencial 164/2004, conforme exigido pelo artigo 5.o, n.o 1, do acordo‑quadro. A este respeito, refere, nomeadamente, que não se verificou nenhuma interrupção entre as diversas renovações dos contratos ou razão objetiva que as justificasse. Além disso, critica as múltiplas intervenções do legislador grego, que implicaram uma superação, por um lado, do número máximo de renovações dos contratos, fixado em três, e, por outro, da duração máxima de 24 meses destes últimos, imposta pelo Decreto Presidencial 164/2004.

31

Segundo as conclusões do órgão jurisdicional de reenvio, o artigo 167.o da Lei 4099/2012, na sua versão aplicável ao litígio no processo principal, teve como efeito permitir a prorrogação automática dos contratos de trabalho a termo em causa, mediante um simples ato de verificação emitido por cada entidade empregadora, sem qualquer outro procedimento ou decisão de um órgão coletivo dessa entidade, e sem que tivesse sido realizada uma apreciação para apurar se persistiam as necessidades que tinham tornado esses contratos necessários inicialmente.

32

O órgão jurisdicional de reenvio explica que, mesmo que os contratos de trabalho a termo no setor da limpeza tivessem sido celebrados inicialmente por um período de oito meses, com base no artigo 205.o do Código relativo ao Estatuto dos Funcionários Municipais, e independentemente das necessidades permanentes e duradouras das autarquias locais, a sua prorrogação até 31 de dezembro de 2017, por atos legislativos com efeitos retroativos e aplicáveis exclusivamente aos referidos contratos, demonstra que as necessidades satisfeitas por tais contratos não podem ser consideradas como pontuais, sazonais ou periódicas.

33

Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio menciona que o legislador grego adotou uma série de disposições complementares respeitantes, nomeadamente, à legalização relativa às despesas públicas resultantes da contratação de trabalhadores no setor da limpeza das autarquias locais durante a totalidade do período das renovações dos seus contratos de trabalho efetuadas nos termos do artigo 167.o da Lei 4099/2012, legitimando assim a causa dessas despesas que por norma são ilícitas. Ora, com esta intervenção, o legislador grego impediu os trabalhadores em causa de receber a indemnização prevista no artigo 7.o do Decreto Presidencial 164/2004, na medida em que esta disposição estabelece como condição a nulidade do contrato de trabalho por violação dos artigos 5.o e 6.o do referido decreto. Paralelamente, foi decidido que as sanções previstas no artigo 7.o do Decreto Presidencial 164/2004 não eram aplicáveis às autarquias locais que contratassem pessoal no setor da limpeza, com base nos contratos de trabalho a termo acima mencionados, prorrogados por diversas vezes até ao final de 2017. Além disso, por força de uma outra disposição legal, a prorrogação dos contratos de trabalho a termo celebrados pelas autarquias locais não foi tida em conta no cálculo da duração máxima de 24 meses prevista nos artigos 5.o a 7.o do Decreto Presidencial 164/2004.

34

Foi nestas condições que o Monomeles Protodikeio Lasithiou [Tribunal de Primeira Instância (Juiz Singular) de Lasithi] decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

O objetivo e o efeito útil do acordo‑quadro […] são postos em causa por uma interpretação das disposições de direito nacional que transpõem o acordo‑quadro para o direito interno que exclui do conceito de “sucessivos” contratos de trabalho a termo, na aceção do artigo 1.o e do artigo 5.o, n.o 2, do acordo‑quadro, a prorrogação automática dos contratos a termo dos trabalhadores do setor da limpeza das autarquias locais, por força de uma disposição expressa de direito nacional como o artigo 167.o da Lei [4099/2012], com o fundamento de que não constitui uma celebração por escrito de um novo contrato de trabalho a termo mas a prorrogação de um contrato de trabalho existente?

2)

Em caso de regulamentação e aplicação de uma prática, no âmbito da contratação de trabalhadores no setor da limpeza das autarquias locais, contrária às medidas destinadas a evitar os abusos que podem resultar da conclusão de sucessivos de contratos de trabalho a termo, previstas na medida de transposição para o direito nacional do artigo 5.o, n.o 1, do acordo‑quadro, a obrigação que incumbe a um órgão jurisdicional nacional de interpretar o direito nacional em conformidade com o direito da União inclui também a aplicação de uma disposição do direito nacional, anterior mas ainda em vigor, como o artigo 8.o, n.o 3, da Lei [2112/1920], como medida legal equivalente, na aceção do artigo 5.o, n.o 1, do acordo‑quadro, que permitiria a correta qualificação jurídica dos sucessivos contratos de trabalho a termo celebrados para fazer face a necessidades permanentes e duradouras das autarquias locais no setor de limpeza como contratos sem termo?

3)

Em caso de resposta afirmativa à questão anterior, existe uma restrição excessiva da obrigação de interpretar o direito nacional em conformidade com o direito da União quando uma norma constitucional, como o artigo 103.o, n.os 7 e 8, da Constituição grega, na versão posterior à revisão de 2001, institui uma proibição absoluta, no setor público, de conversão dos contratos de trabalho a termo celebrados na vigência da referida disposição em contratos sem termo, ao impedir a aplicação de uma medida legal equivalente, na aceção do artigo 5.o, n.o 1, do acordo‑quadro, anterior mas ainda em vigor, como o artigo 8.o, n.o 3, da Lei [2112/1920], e ao excluir a possibilidade de requalificar juridicamente, depois de uma correta qualificação da relação no âmbito de um processo judicial, esses sucessivos contratos de trabalho, celebrados para fazer face a necessidades permanentes e duradouras das autarquias locais no setor da limpeza, como contratos sem termo, mesmo no caso de os referidos contratos se destinarem a fazer face a necessidades permanentes e duradouras?».

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

35

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 1.o e o artigo 5.o, n.o 2, do acordo‑quadro devem ser interpretados no sentido de que a expressão «sucessivos contratos de trabalho a termo» neles prevista abrange igualmente a prorrogação automática dos contratos de trabalho a termo dos trabalhadores do setor da limpeza das autarquias locais, efetuada em conformidade com disposições nacionais expressas e apesar de não ter sido respeitada a forma escrita, em princípio prevista para a celebração de contratos sucessivos.

36

A este respeito, há que recordar que o artigo 5.o do acordo‑quadro procura implementar um dos seus objetivos, a saber, o de enquadrar o recurso sucessivo aos contratos ou relações laborais a termo, considerado fonte potencial de abusos em prejuízo dos trabalhadores, prevendo um certo número de normas de proteção mínima destinadas a evitar a precarização da situação dos trabalhadores dependentes (Acórdão de 19 de março de 2020, Sánchez Ruiz e o., C‑103/18 e C‑429/18, EU:C:2020:219, n.o 53 e jurisprudência referida).

37

Por conseguinte, o artigo 5.o, n.o 1, do acordo‑quadro impõe aos Estados‑Membros, com o fim de prevenir os abusos resultantes da utilização de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo, a adoção efetiva e vinculativa de uma ou várias das medidas que enumera, sempre que o seu direito interno não preveja medidas legislativas equivalentes (Acórdão de 19 de março de 2020, Sánchez Ruiz e o., C‑103/18 e C‑429/18, EU:C:2020:219, n.o 55 e jurisprudência referida).

38

Contudo, decorre da redação deste artigo do acordo‑quadro e da jurisprudência constante que o artigo é aplicável unicamente a sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo (Acórdãos de 22 de janeiro de 2020, Baldonedo Martín, C‑177/18, EU:C:2020:26, n.o 70, e de 19 de março de 2020, Sánchez Ruiz e o., C‑103/18 e C‑429/18, EU:C:2020:219, n.o 56 e jurisprudência referida), de modo que um contrato que seja o primeiro ou único contrato de trabalho a termo não está abrangido pelo artigo 5.o, n.o 1, do acordo‑quadro (v., neste sentido, Acórdão de 23 de abril de 2009, Angelidaki e o., C‑378/07 a C‑380/07, EU:C:2009:250, n.o 90 e jurisprudência referida).

39

Ora, no caso em apreço, não se trata, stricto sensu, de uma sucessão de dois ou mais contratos de trabalho, que pressuponha a existência e a celebração formal de dois ou mais contratos distintos, um dos quais sucede ao outro. Mais especificamente, trata‑se de uma prorrogação automática de um contrato a termo inicial, resultante de atos legislativos. Por conseguinte, há que examinar se esta situação está abrangida pelo conceito de «sucessivos contratos ou relações laborais a termo» que figura no artigo 5.o, n.o 1, do acordo‑quadro.

40

A este respeito, segundo jurisprudência constante, o artigo 5.o, n.o 2, alínea a), do acordo‑quadro deixa, em princípio, aos Estados‑Membros e/ou aos parceiros sociais a competência para determinar em que condições os contratos de trabalho ou relações laborais a termo deverão ser considerados «sucessivos» (v., neste sentido, Acórdãos de 22 de janeiro de 2020, Baldonedo Martín, C‑177/18, EU:C:2020:26, n.o 71, e de 19 de março de 2020, Sánchez Ruiz e o., C‑103/18 e C‑429/18, EU:C:2020:219, n.o 57).

41

Embora essa delegação nas autoridades nacionais da definição das modalidades concretas de aplicação do termo «sucessivos», na aceção do acordo‑quadro, se explique pela preocupação de preservar a diversidade das regulamentações nacionais na matéria, importa no entanto recordar que a margem de apreciação assim deixada aos Estados‑Membros não é ilimitada, uma vez que em caso algum pode ir ao ponto de pôr em causa o objetivo ou o efeito útil do acordo‑quadro. Em particular, esse poder de apreciação não deve ser exercido pelas autoridades nacionais de modo que conduza a uma situação suscetível de dar azo a abusos e, assim, contrariar o referido objetivo (Acórdãos de 4 de julho de 2006, Adeneler e o., C‑212/04, EU:C:2006:443, n.o 82, e de 19 de março de 2020, Sánchez Ruiz e o., C‑103/18 e C‑429/18, EU:C:2020:219, n.o 58).

42

Com efeito, os Estados‑Membros são obrigados a garantir o resultado imposto pelo direito da União, como resulta não só do artigo 288.o, terceiro parágrafo, TFUE mas também do artigo 2.o, primeiro parágrafo, da Diretiva 1999/70, interpretado à luz do seu décimo sétimo considerando (v., neste sentido, Acórdãos de 4 de julho de 2006, Adeneler e o., C‑212/04, EU:C:2006:443, n.o 68, e de 19 de março de 2020, Sánchez Ruiz e o., C‑103/18 e C‑429/18, EU:C:2020:219, n.o 59).

43

Os limites ao poder de apreciação deixado aos Estados‑Membros, referidos no n.o 41 do presente acórdão, impõem‑se especialmente quando se trata de um conceito‑chave, como o do caráter sucessivo das relações laborais, que é determinante para a definição do próprio âmbito de aplicação das disposições nacionais destinadas a aplicar o acordo‑quadro (Acórdão de 19 de março de 2020, Sánchez Ruiz e o., C‑103/18 e C‑429/18, EU:C:2020:219, n.o 60).

44

Ora, o facto de se considerar que não se verificam sucessivas relações laborais a termo, na aceção do artigo 5.o do acordo‑quadro, pelo simples motivo de o primeiro contrato de trabalho a termo dos trabalhadores do setor da limpeza das autarquias locais em causa no processo principal ter sido prorrogado automaticamente por atos legislativos, sem a celebração formal, por escrito, de um ou mais novos contratos de trabalho a termo, seria suscetível de comprometer o objeto, a finalidade e o efeito útil do referido acordo.

45

Com efeito, tal definição restritiva do conceito de «sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo» permitiria contratar trabalhadores precariamente durante anos (Acórdãos de 4 de julho de 2006, Adeneler e o., C‑212/04, EU:C:2006:443, n.o 85, e de 19 de março de 2020, Sánchez Ruiz e o., C‑103/18 e C‑429/18, EU:C:2020:219, n.o 62).

46

Além disso, essa mesma definição restritiva arriscaria ter como efeito não só excluir, de facto, um grande número de relações laborais a termo do benefício da proteção dos trabalhadores pretendida pela Diretiva 1999/70 e pelo acordo‑quadro, esvaziando o objetivo por estes prosseguido de uma grande parte da sua substância, mas igualmente permitir a utilização abusiva dessas relações pelos empregadores para satisfazer necessidades permanentes e duradouras em matéria de pessoal (Acórdão 19 de março de 2020, Sánchez Ruiz e o., C‑103/18 e C‑429/18, EU:C:2020:219, n.o 63).

47

Neste contexto, importa igualmente observar que o conceito de «duração» da relação de trabalho constitui um elemento essencial de qualquer contrato a termo. Nos termos do artigo 3.o, n.o 1, do acordo‑quadro, «[um contrato de trabalho ou de uma relação laboral] cuja finalidade seja determinada por condições objetivas, tais como a definição de uma data concreta, de uma tarefa específica ou de um certo acontecimento». A alteração da data de cessação de um contrato de trabalho a termo constitui assim uma modificação essencial desse contrato, que pode ser legitimamente equiparada à celebração de uma nova relação de trabalho a termo que sucede à relação de trabalho anterior, sendo por conseguinte abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 5.o do acordo‑quadro.

48

Com efeito, como resulta do segundo parágrafo do preâmbulo do acordo‑quadro e dos n.os 6 a 8 das considerações gerais do mesmo, o benefício da estabilidade do emprego é concebido como um elemento da maior importância para a proteção dos trabalhadores, enquanto os contratos de trabalho a termo só em determinadas circunstâncias respondem às necessidades tanto dos empregadores como dos trabalhadores (Acórdão de 19 de março de 2020, Sánchez Ruiz e o., C‑103/18 e C‑429/18, EU:C:2020:219, n.o 54 e jurisprudência referida).

49

Neste contexto, o facto de a prorrogação ou a renovação dos contratos de trabalho resultar de atos legislativos emanados do Parlamento grego é desprovido de pertinência. Com efeito, importa assinalar que o efeito útil do acordo‑quadro seria comprometido por uma interpretação que permitisse a prorrogação unilateral da duração de um contrato de trabalho a termo através de uma intervenção legislativa.

50

A este respeito, cumpre igualmente sublinhar que o Tribunal de Justiça já declarou que uma disposição nacional que se limitasse a autorizar, de forma geral e abstrata, através de uma norma legislativa ou regulamentar, o recurso a contratos a termo sucessivos não seria conforme com as exigências do artigo 5.o, n.o 1, do acordo‑quadro. Com efeito, uma disposição como essa, puramente formal, não permite identificar critérios objetivos e transparentes para verificar se a renovação desses contratos responde efetivamente a uma verdadeira necessidade, se permite atingir o objetivo prosseguido e se é necessária para esse efeito. Essa disposição comporta, portanto, um risco real de provocar um recurso abusivo a esse tipo de contratos e não é, por isso, compatível com o objetivo nem com o efeito útil do acordo‑quadro (Acórdão de 19 de março de 2020, Sánchez Ruiz e o., C‑103/18 e C‑429/18, EU:C:2020:219, n.os 67, 68 e jurisprudência referida).

51

No presente caso, uma vez que a prorrogação automática por via legislativa pode ser equiparada a uma renovação e, por conseguinte, à celebração de um contrato a termo distinto, contratos como os que estão em causa no processo principal podem efetivamente ser qualificados de «sucessivos», na aceção do artigo 5.o do acordo‑quadro. Esta asserção é corroborada pelo facto de, no processo principal, por um lado, não ter havido nenhuma interrupção entre o primeiro contrato de trabalho e os contratos de trabalho subsequentes com base nas prorrogações automáticas previstas por atos legislativos e, por outro lado, cada um dos demandantes ter continuado a trabalhar, de forma ininterrupta, para os respetivos empregadores, no mesmo tipo de funções e nas mesmas condições de trabalho, com exceção da condição relativa à duração da relação de trabalho.

52

À luz das considerações precedentes, há que responder à primeira questão que o artigo 1.o e o artigo 5.o, n.o 2, do acordo‑quadro devem ser interpretados no sentido de que a expressão «sucessivos contratos de trabalho a termo» neles prevista abrange igualmente a prorrogação automática dos contratos de trabalho a termo dos trabalhadores do setor da limpeza das autarquias locais, efetuada em conformidade com as disposições nacionais expressas e apesar de não ter sido respeitada a forma escrita, em princípio prevista para a celebração de contratos sucessivos.

Quanto à segunda e terceira questões

53

Com as suas segunda e terceira questões, que devem ser apreciadas conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se, em caso de resposta afirmativa à primeira questão, o artigo 5.o, n.o 1, do acordo‑quadro deve ser interpretado no sentido de que, quando se tenha verificado uma utilização abusiva de sucessivos contratos de trabalho a termo, na aceção dessa disposição, a obrigação que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio de efetuar, na medida do possível, uma interpretação e uma aplicação de todas as disposições pertinentes do direito interno suscetíveis de sancionar devidamente esse abuso e eliminar as consequências da violação do direito da União, inclui a aplicação de uma disposição nacional que permite converter os sucessivos contratos a termo num contrato por tempo indeterminado, ainda que outra disposição nacional, de grau superior em razão da sua natureza constitucional, proíba de forma absoluta essa conversão no setor público.

54

A este respeito há que recordar, a título preliminar, que o artigo 5.o, n.o 1, do acordo‑quadro, para prevenir a utilização abusiva de sucessivos contratos ou relações laborais a termo, impõe aos Estados‑Membros a adoção efetiva e obrigatória de pelo menos uma das medidas que enumera, se os respetivos direitos internos não contiverem medidas legais equivalentes. As medidas assim enumeradas nesse artigo 5.o, n.o 1, alíneas a) a c), no total de três, referem‑se, respetivamente, a razões objetivas que justificam a renovação desses contratos ou relações laborais, à duração máxima total desses sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais e ao número de renovações dos mesmos (Acórdão de 19 de março de 2020, Sánchez Ruiz e o., C‑103/18 e C‑429/18, EU:C:2020:219, n.o 83 e jurisprudência referida).

55

Os Estados‑Membros dispõem, a esse respeito, de uma margem de apreciação, uma vez que podem recorrer a uma ou a várias medidas enunciadas no artigo 5.o, n.o 1, alíneas a) a c), do acordo‑quadro ou ainda a medidas legais existentes equivalentes, tendo em conta as necessidades de setores específicos e/ou de categorias de trabalhadores (Acórdão de 19 de março de 2020, Sánchez Ruiz e o., C‑103/18 e C‑429/18, EU:C:2020:219, n.o 84 e jurisprudência referida).

56

Deste modo, o artigo 5.o, n.o 1, do acordo‑quadro impõe aos Estados‑Membros um objetivo geral, que consiste na prevenção desses abusos, deixando‑lhes, no entanto, a escolha dos meios para o alcançar, desde que os mesmos não ponham em causa o objetivo ou o efeito útil do acordo‑quadro (Acórdão de 19 de março de 2020, Sánchez Ruiz e o., C‑103/18 e C‑429/18, EU:C:2020:219, n.o 85 e jurisprudência referida).

57

O artigo 5.o do acordo‑quadro não enuncia sanções específicas para a hipótese de se terem verificado tais abusos. Nesse caso, compete às autoridades nacionais adotar medidas que devem revestir um caráter não só proporcionado mas também suficientemente eficaz e dissuasivo para garantir a plena eficácia das normas adotadas em aplicação do acordo‑quadro (Acórdão de 19 de março de 2020, Sánchez Ruiz e o., C‑103/18 e C‑429/18, EU:C:2020:219, n.o 86 e jurisprudência referida).

58

Assim, o artigo 5.o do acordo‑quadro não estabelece uma obrigação geral para os Estados‑Membros de prever a conversão dos contratos de trabalho a termo em contratos sem termo. Contudo, a ordem jurídica interna do Estado‑Membro em causa deve conter uma outra medida efetiva para evitar e, sendo caso disso, sancionar a utilização abusiva de contratos de trabalho a termo sucessivos (Acórdão de 19 de março de 2020, Sánchez Ruiz e o., C‑103/18 e C‑429/18, EU:C:2020:219, n.o 87 e jurisprudência referida).

59

Quando se tenha verificado um recurso abusivo a sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo, deve poder ser aplicada uma medida que apresente garantias efetivas e equivalentes de proteção dos trabalhadores, para punir devidamente esse abuso e eliminar as consequências da violação do direito da União. Com efeito, nos próprios termos do artigo 2.o, primeiro parágrafo, da Diretiva 1999/70, os Estados‑Membros devem «tomar qualquer disposição necessária para, em qualquer momento, poderem garantir os resultados impostos [por esta] diretiva» (Acórdão de 19 de março de 2020, Sánchez Ruiz e o., C‑103/18 e C‑429/18, EU:C:2020:219, n.o 88 e jurisprudência referida).

60

Além disso, há que recordar que não compete ao Tribunal de Justiça pronunciar‑se sobre a interpretação de disposições de direito interno, incumbindo essa missão aos órgãos jurisdicionais nacionais competentes, os quais devem determinar se as exigências previstas no artigo 5.o do acordo‑quadro estão satisfeitas pelas disposições da regulamentação nacional aplicável (Acórdão de 19 de março de 2020, Sánchez Ruiz e o., C‑103/18 e C‑429/18, EU:C:2020:219, n.o 89 e jurisprudência referida).

61

Compete, pois, no caso vertente, ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar em que medida as condições de aplicação e a execução efetiva das disposições pertinentes do direito interno fazem com que estas constituam uma medida adequada para evitar e, se for caso disso, punir a utilização abusiva de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo (v., por analogia, Acórdão de 21 de novembro de 2018, de Diego Porras, C‑619/17, EU:C:2018:936, n.o 90 e jurisprudência referida).

62

Contudo, o Tribunal de Justiça, decidindo a título prejudicial, pode prestar esclarecimentos que permitam orientar o referido órgão jurisdicional na sua apreciação (Acórdão de 19 de março de 2020, Sánchez Ruiz e o., C‑103/18 e C‑429/18, EU:C:2020:219, n.o 91 e jurisprudência referida).

63

A este respeito, importa recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que a conversão dos contratos de trabalho a termo em contratos por tempo indeterminado, nos termos do artigo 8.o, n.o 3, da Lei 2112/1920, é suscetível, na medida em que esta disposição ainda seja aplicável na ordem jurídica helénica, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, de constituir uma medida que apresente garantias efetivas e equivalentes de proteção dos trabalhadores para punir devidamente as eventuais utilizações abusivas de contratos de trabalho a termo e eliminar as consequências da violação do direito da União (v., neste sentido, Despacho de 24 de abril de 2009, Koukou, C‑519/08, não publicado, EU:C:2009:269, n.o 79 jurisprudência referida).

64

Além disso, importa recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que o artigo 5.o, n.o 1, do acordo‑quadro não é, no que se refere ao seu conteúdo, incondicional e suficientemente preciso para poder ser invocado por um particular perante um juiz nacional. Com efeito, por força desta disposição, faz parte do poder de apreciação dos Estados‑Membros a possibilidade de, a fim de prevenir a utilização abusiva de contratos de trabalho a termo, recorrerem a uma ou várias das medidas enunciadas no referido artigo, ou ainda a medidas legais existentes equivalentes, isto tendo em conta as necessidades de setores específicos e/ou de categorias de trabalhadores. Além disso, não é possível determinar de forma suficiente a proteção mínima que, em todo o caso, deve ser aplicada ao abrigo do artigo 5.o, n.o 1, do acordo‑quadro (Acórdão de 23 de abril de 2009, Angelidaki e o., C‑378/07 a C‑380/07, EU:C:2009:250, n.o 196).

65

Porém, decorre de jurisprudência constante que, ao aplicar o direito interno, os órgãos jurisdicionais nacionais são obrigados a interpretá‑lo, na medida do possível, à luz do texto e da finalidade da diretiva em causa, para atingir o resultado por ela pretendido e cumprir, assim, o disposto no artigo 288.o, terceiro parágrafo, TFUE. Esta obrigação de interpretação conforme respeita a todas as disposições do direito nacional, tanto anteriores como posteriores à diretiva em causa (Acórdão de 23 de abril de 2009, Angelidaki e o., C‑378/07 a C‑380/07, EU:C:2009:250, n.o 197).

66

Com efeito, a exigência de uma interpretação conforme do direito nacional é inerente ao sistema do Tratado FUE, na medida em que permite aos órgãos jurisdicionais nacionais assegurar, no âmbito das suas competências, a plena eficácia do direito da União quando decidem dos litígios que lhes são submetidos (Acórdão de 23 de abril de 2009, Angelidaki e o., C‑378/07 a C‑380/07, EU:C:2009:250, n.o 198).

67

Na verdade, a obrigação de o juiz nacional tomar como referência o conteúdo de uma diretiva, quando procede à interpretação e à aplicação das regras pertinentes do direito interno, é limitada pelos princípios gerais de direito, designadamente os da segurança jurídica e da não retroatividade, e não pode servir de fundamento a uma interpretação contra legem do direito nacional (Acórdão de 23 de abril de 2009, Angelidaki e o., C‑378/07 a C‑380/07, EU:C:2009:250, n.o 199).

68

O princípio da interpretação conforme exige, no entanto, que os tribunais nacionais façam tudo o que for da sua competência, tomando em consideração a globalidade do direito interno e mediante a aplicação dos métodos de interpretação por este reconhecidos, para garantir a plena eficácia da diretiva em causa e alcançar uma solução conforme ao objetivo por ela prosseguido (Acórdão de 23 de abril de 2009, Angelidaki e o., C‑378/07 a C‑380/07, EU:C:2009:250, n.o 200).

69

No caso em apreço, cabe, pois, ao órgão jurisdicional de reenvio dar às disposições pertinentes de direito interno, em toda a medida do possível e quando tenha ocorrido uma utilização abusiva de contratos de trabalho a termo sucessivos, uma interpretação e uma aplicação capazes de sancionar devidamente esse abuso e de eliminar as consequências da violação do direito da União. Neste quadro, incumbe ao referido órgão jurisdicional apreciar se as disposições do artigo 8.o, n.o 3, da Lei 2112/1920 podem, eventualmente, ser aplicadas para efeitos desta interpretação conforme (Acórdão de 23 de abril de 2009, Angelidaki e o., C‑378/07 a C‑380/07, EU:C:2009:250, n.o 203).

70

Caso o órgão jurisdicional nacional conclua que a conversão de contratos de trabalho a termo em contratos por tempo indeterminado, nos termos do artigo 8.o, n.o 3, da Lei 2112/1920, não é possível, dado que conduziria a uma interpretação contra legem do artigo 103.o, n.os 7 e 8, da Constituição helénica, esse órgão jurisdicional deverá verificar se existem outras medidas eficazes para esse efeito no direito helénico. A este respeito, é necessário clarificar que tais medidas devem ser suficientemente efetivas e dissuasivas para garantir a plena eficácia das normas adotadas em aplicação do acordo‑quadro, a saber, no presente caso, os artigos 5.o e 6.o do Decreto Presidencial 164/2004, que transpuseram o artigo 5.o, n.o 1, do acordo‑quadro para a ordem jurídica helénica.

71

Quanto à incidência, a este respeito, da circunstância de o artigo 103.o, n.o 8, da Constituição helénica ter sido alterado após a entrada em vigor da Diretiva 1999/70 e antes do termo do prazo para a transposição desta, com vista a proibir de forma absoluta, no setor público, a conversão de contratos de trabalho a termo em contratos por tempo indeterminado, basta recordar que uma diretiva produz efeitos jurídicos para o Estado‑Membro destinatário e, portanto, para todas as autoridades nacionais, consoante o caso, na sequência da sua publicação ou a partir da data da sua notificação (Acórdão de 23 de abril de 2009, Angelidaki e o., C‑378/07 a C‑380/07, EU:C:2009:250, n.o 204 e jurisprudência referida).

72

No presente caso, o artigo 3.o da Diretiva 1999/70 especifica que esta entra em vigor na data da sua publicação no Jornal Oficial das Comunidades Europeias, isto é, em 10 de julho de 1999.

73

Ora, segundo jurisprudência constante, durante o prazo de transposição de uma diretiva, os Estados‑Membros seus destinatários devem abster‑se de adotar disposições suscetíveis de comprometer seriamente a obtenção do resultado prescrito por essa diretiva (Acórdão de 13 de novembro de 2019, Lietuvos Respublikos Seimo narių grupė, C‑2/18, EU:C:2019:962, n.o 55 e jurisprudência referida). Pouco importa, a este respeito, que a disposição em causa do direito nacional, adotada após a entrada em vigor da diretiva em questão, vise ou não a transposição desta última (Acórdão de 23 de abril de 2009, Angelidaki e o., C‑378/07 a C‑380/07, EU:C:2009:250, n.o 206 e jurisprudência referida).

74

Daqui se conclui que todas as autoridades dos Estados‑Membros estão sujeitas à obrigação de garantir a plena eficácia das disposições do direito da União, inclusive quando as referidas autoridades alteram a sua Constituição (Acórdão de 23 de abril de 2009, Angelidaki e o., C‑378/07 a C‑380/07, EU:C:2009:250, n.o 207 e jurisprudência referida).

75

À luz das considerações precedentes, há que responder à segunda e terceira questões que o artigo 5.o, n.o 1, do acordo‑quadro deve ser interpretado no sentido de que, quando se tenha verificado uma utilização abusiva de sucessivos contratos de trabalho a termo, na aceção dessa disposição, a obrigação que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio de efetuar, na medida do possível, uma interpretação e uma aplicação de todas as disposições pertinentes do direito interno suscetíveis de sancionar devidamente esse abuso e eliminar as consequências da violação do direito da União, inclui a apreciação da questão de saber se as disposições de uma regulamentação nacional anterior, ainda em vigor, que permitem converter os sucessivos contratos a termo num contrato de trabalho por tempo indeterminado, podem, sendo caso disso, ser aplicadas para efeitos dessa interpretação conforme, ainda que disposições nacionais de natureza constitucional proíbam de forma absoluta essa conversão no setor público.

Quanto às despesas

76

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sétima Secção) declara:

 

1)

O artigo 1.o e o artigo 5.o, n.o 2, do acordo‑quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo, que figura no anexo da Diretiva 1999/70/CE do Conselho, de 28 de junho de 1999, respeitante ao acordo‑quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo, devem ser interpretados no sentido de que a expressão «sucessivos contratos de trabalho a termo» neles prevista abrange igualmente a prorrogação automática dos contratos de trabalho a termo dos trabalhadores do setor da limpeza das autarquias locais, efetuada em conformidade com as disposições nacionais expressas e apesar de não ter sido respeitada a forma escrita, em princípio prevista para a celebração de contratos sucessivos.

 

2)

O artigo 5.o, n.o 1, do acordo‑quadro relativo a contratos de trabalho a termo deve ser interpretado no sentido de que, quando se tenha verificado uma utilização abusiva de sucessivos contratos de trabalho a termo, na aceção dessa disposição, a obrigação que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio de efetuar, na medida do possível, uma interpretação e uma aplicação de todas as disposições pertinentes do direito interno suscetíveis de sancionar devidamente esse abuso e eliminar as consequências da violação do direito da União, inclui a apreciação da questão de saber se as disposições de uma regulamentação nacional anterior, ainda em vigor, que permitem converter os sucessivos contratos a termo num contrato de trabalho por tempo indeterminado, podem, sendo caso disso, ser aplicadas para efeitos dessa interpretação conforme, ainda que disposições nacionais de natureza constitucional proíbam de forma absoluta essa conversão no setor público.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: grego.