ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

5 de dezembro de 2019 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Espaço de liberdade, segurança e justiça — Cooperação judiciária em matéria penal — Reconhecimento mútuo — Sanções pecuniárias — Motivos para o não reconhecimento e a não execução — Decisão‑Quadro 2005/214/JAI — Decisão de uma autoridade do Estado‑Membro de emissão com base em dados relativos ao registo de um veículo — Tomada de conhecimento de sanções e modalidades de recurso pela pessoa em causa — Direito a uma proteção jurisdicional efetiva»

No processo C‑671/18,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Sąd Rejonowy w Chełmnie (Tribunal de Primeira Instância de Chełmno, Polónia), por Decisão de 16 de outubro de 2018, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 29 de outubro de 2018, no processo instaurado por

Centraal Justitieel Incassobureau, Ministerie van Veiligheid en Justitie (CJIB),

sendo intervenientes:

Z.P.,

Prokuratura Rejonowa w Chełmnie,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: J.‑C. Bonichot, presidente de secção, R. Silva de Lapuerta (relatora), vice‑presidente do Tribunal de Justiça, M. Safjan, L. Bay Larsen e C. Toader, juízes,

advogado‑geral: P. Pikamäe,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

em representação do Governo neerlandês, por M. K. Bulterman e M. L. Noort, na qualidade de agentes,

em representação do Governo austríaco, por G. Hesse e J. Schmoll, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por R. Troosters e A. Szmytkowska, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 7.o, n.o 2, alínea g), e do artigo 20.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro 2005/214/JAI do Conselho, de 24 de fevereiro de 2005, relativa à aplicação do princípio do reconhecimento mútuo às sanções pecuniárias (JO 2005, L 76, p. 16), conforme alterada pela Decisão‑Quadro 2009/299/JAI do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009 (JO 2009, L 81, p. 24) (a seguir «decisão‑quadro»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um processo instaurado pela Centraal Justitieel Incassobureau, Ministerie van Veiligheid en Justitie (CJIB) [Agência Central para a Cobrança de Coimas, Ministério da Segurança e da Justiça (CJIB), Países Baixos] (a seguir «Agência Central para a Cobrança de Coimas») a fim de obter o reconhecimento e a execução, na Polónia, de uma sanção pecuniária imposta a Z.P. nos Países Baixos em razão de uma infração ao Código da Estrada.

Quadro jurídico

Direito da União

3

Os considerandos 1, 2, 4 e 5 da decisão‑quadro enunciam:

«(1)

O Conselho Europeu, reunido em Tampere, em 15 e 16 de outubro de 1999, aprovou o princípio do reconhecimento mútuo, que se deve tornar a pedra angular da cooperação judiciária na União, tanto em matéria civil como penal.

(2)

O princípio do reconhecimento mútuo deverá aplicar‑se às sanções pecuniárias impostas pelas autoridades judiciárias ou administrativas, a fim de facilitar a aplicação dessas sanções num Estado‑Membro que não seja o Estado em que as sanções são impostas.

[…]

(4)

A presente decisão‑quadro deverá também abranger as sanções pecuniárias aplicadas por motivo de infrações ao código da estrada.

(5)

A presente decisão‑quadro respeita os direitos fundamentais e observa os princípios reconhecidos pelo artigo 6.o do Tratado e refletidos na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia […].»

4

O artigo 1.o da decisão‑quadro, sob a epígrafe «Definições», dispõe:

«Para efeitos da presente decisão‑quadro, entende‑se por:

a)

“Decisão”, uma decisão transitada em julgado pela qual é imposta uma sanção pecuniária a uma pessoa singular ou coletiva, sempre que a decisão tenha sido tomada por:

i)

um tribunal do Estado de emissão no que respeita a uma infração penal, nos termos da legislação do Estado de emissão,

ii)

uma autoridade do Estado de emissão que não seja um tribunal, no que respeita a uma infração qualificada como penal pela legislação do Estado de emissão, desde que a pessoa em causa tenha tido a possibilidade de ser julgada por um tribunal competente, nomeadamente em matéria penal,

iii)

uma autoridade do Estado de emissão que não seja um tribunal, no que respeita a atos que sejam puníveis segundo a legislação do Estado de emissão, por constituírem infrações às normas jurídicas, desde que a pessoa em causa tenha tido a possibilidade de ser julgada por um tribunal competente, nomeadamente em matéria penal,

iv)

o tribunal competente, nomeadamente em matéria penal, em que a decisão foi proferida, no que respeita a uma decisão referida na subalínea iii);

b)

“Sanção pecuniária”, a obrigação de pagar:

i)

uma quantia em dinheiro após condenação por infração, imposta por uma decisão,

[…]»

5

O artigo 3.o da decisão‑quadro, sob a epígrafe «Direitos fundamentais», prevê:

«A presente decisão‑quadro não tem por efeito alterar a obrigação de respeitar os direitos fundamentais e os princípios jurídicos fundamentais consagrados no artigo 6.o do Tratado.»

6

O artigo 5.o, n.o 1, da decisão‑quadro dispõe, no que se refere ao seu âmbito de aplicação:

«As infrações a seguir indicadas, se forem puníveis no Estado de emissão e tal como definidas na sua legislação, determinam, nos termos da presente decisão‑quadro e sem verificação da dupla incriminação do ato, o reconhecimento e a execução das decisões:

[…]

conduta que infrinja o código da estrada, incluindo a regulamentação dos tempos de condução e de repouso e o transporte de mercadorias perigosas,

[…]»

7

O artigo 6.o da decisão‑quadro enuncia:

«As autoridades competentes do Estado de execução devem reconhecer uma decisão transmitida nos termos do artigo 4.o, sem qualquer outra formalidade, devendo tomar imediatamente todas as medidas necessárias à sua execução, exceto se decidirem invocar um dos motivos de não reconhecimento ou de não execução previstos no artigo 7.o»

8

O artigo 7.o da decisão‑quadro, sob a epígrafe «Motivos para o não reconhecimento e a não execução», dispõe, no seu n.o 2, alínea g), e no seu n.o 3:

«2.   A autoridade competente do Estado de execução pode igualmente recusar o reconhecimento e a execução da decisão se se provar que:

[…]

g)

De acordo com a certidão prevista no artigo 4.o, a pessoa em causa, no caso de um procedimento escrito, não foi, nos termos da legislação do Estado de emissão, informada pessoalmente ou através de um representante legal habilitado, nos termos do direito nacional, do seu direito de [interpor recurso e do respetivo prazo];

[…]

i)

De acordo com a certidão prevista no artigo 4.o, a pessoa não esteve presente no julgamento que conduziu à decisão, a menos que a certidão ateste que a pessoa, em conformidade com outros requisitos processuais definidos no direito nacional do Estado de emissão:

[…]

iii)

depois de ter sido notificada da decisão e expressamente informada do direito a novo julgamento ou a recurso e a estar presente nesse julgamento ou recurso, que permite a reapreciação do mérito da causa, incluindo novas provas, e pode conduzir a uma decisão distinta da inicial:

declarou expressamente que não contestava a decisão,

ou

não requereu novo julgamento ou recurso dentro do prazo aplicável;

[…]

3.   Nos casos referidos no n.o 1 e nas alíneas c), g), i) e j) do n.o 2, antes de decidir pelo não reconhecimento e pela não execução, total ou parcial, de uma decisão, a autoridade competente do Estado de execução deve consultar, por todos os meios apropriados, a autoridade competente do Estado de emissão e solicitar‑lhe, sempre que adequado, a rápida prestação de todas as informações necessárias.»

9

O artigo 20.o, n.o 3, da decisão‑quadro prevê:

«Os Estados‑Membros podem opor‑se ao reconhecimento e à execução de decisões sempre que a certidão referida no artigo 4.o levante a suspeita de que os direitos fundamentais ou os princípios jurídicos fundamentais consagrados no artigo 6.o do Tratado foram violados. Nesse caso, é aplicável o n.o 3 do artigo 7.o»

Direito neerlandês

10

Resulta do artigo 4.o, n.os 1 e 2, da Wet administratiefrechtelijke handhaving verkeersvoorschriften (Lei que aprova o regulamento administrativo das infrações a certas disposições do Código da Estrada, a seguir «Código da Estrada») que a sanção administrativa deve ser imposta através de uma decisão datada. Essa decisão deve ser notificada no prazo de quatro meses a contar da ocorrência do comportamento imputado através do seu envio para o endereço indicado pela pessoa em causa. Se isso não for possível e o comportamento imputado tiver sido praticado com um veículo automóvel ou através de um veículo desse tipo para o qual tenha sido indicado um número de matrícula, a decisão pela qual é imposta a sanção administrativa deve ser notificada no prazo de quatro meses a contar da data em que o nome e o endereço do titular do número de matrícula se tornem conhecidos, através do envio dessa decisão para o endereço em causa, entendendo‑se que a referida decisão deve ser notificada o mais tardar cinco anos após a data em que ocorreu o comportamento imputado.

11

Resulta do artigo 5.o do Código da Estrada que, se for demonstrado que o comportamento imputado foi praticado com um veículo automóvel ou através de um veículo desse tipo ao qual tenha sido atribuído um número de matrícula, não sendo imediatamente possível determinar o condutor desse veículo, sem prejuízo do disposto no artigo 31.o, n.o 2, do mesmo código, a sanção administrativa é imposta à pessoa em nome da qual estava registado o número de matrícula no momento em que ocorreu o comportamento imputado.

12

Nos termos do artigo 8.o do Código da Estrada, a decisão pela qual é imposta a sanção administrativa deve ser anulada se o titular do número de matrícula do veículo automóvel em causa interpuser recurso dessa decisão e, em primeiro lugar, demonstrar que é verosímil que outra pessoa utilizou o veículo em causa, contra a sua vontade, sem que tenha razoavelmente podido impedir essa utilização, em segundo lugar, apresentar um contrato escrito de aluguer por um período máximo de três meses, celebrado a título profissional, que permita determinar quem era o locatário do referido veículo à data do comportamento imputado ou, em terceiro lugar, apresentar prova ilibatória ou uma declaração da qual resulte que, à data do comportamento imputado, já não era proprietário ou detentor do veículo automóvel em causa.

13

O artigo 6:7 da Algemeen wet bestuursrecht (Lei Geral sobre o Direito Administrativo) enuncia:

«O prazo de oposição ou de recurso é de seis semanas.»

14

O artigo 6:8 da referida lei prevê:

«O prazo começa a contar no dia seguinte ao da notificação da decisão nas formas previstas.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

15

A Agência Central para a Cobrança de Coimas faz parte do Ministério da Segurança e da Justiça do Reino dos Países Baixos, sendo responsável, designadamente, pela cobrança de coimas relativas às infrações ao Código da Estrada.

16

Em 9 de novembro de 2017, a Agência Central para a Cobrança de Coimas proferiu uma Decisão na qual era imposta a Z.P. uma sanção pecuniária, no montante de 232 euros, por uma infração ao Código da Estrada cometida pelo condutor de um veículo registado em seu nome na Polónia. Nos termos do artigo 5.o do Código da Estrada, salvo prova em contrário, a responsabilidade incumbe à pessoa em nome da qual o veículo está registado.

17

Resulta do pedido de decisão prejudicial que a Decisão de 9 de novembro de 2017, pela qual é imposta a sanção pecuniária, foi notificada por colocação na caixa de correio de Z.P. e que essa decisão indicava o dia 21 de dezembro do mesmo ano como data‑limite para exercer o direito de recurso. Este prazo de recurso começou a contar não da efetiva receção da referida decisão, mas sim da data dessa mesma decisão.

18

Não tendo sido interposto recurso da Decisão de 9 de novembro de 2017, esta tornou‑se definitiva em 21 de dezembro de 2017.

19

Por ofício de 24 de maio de 2018, a Agência Central para a Cobrança de Coimas pediu ao Sąd Rejonowy w Chełmnie (Tribunal de Primeira Instância de Chełmno, Polónia) que se pronunciasse sobre um pedido de reconhecimento e execução da Decisão de 9 de novembro de 2017.

20

Z.P. alega perante o Sąd Rejonowy w Chełmnie (Tribunal de Primeira Instância de Chełmno) que, à data da infração controvertida, tinha vendido o veículo em causa e que tinha informado a seguradora desse facto. No entanto, reconhece que não informou desse facto a autoridade responsável pelo registo do veículo. Além disso, Z.P. observou perante o órgão jurisdicional de reenvio que não compreendia a forma do envio da Decisão de 9 de novembro de 2017 nem o seu conteúdo, e que ignorava que o documento notificado era oficial.

21

Uma vez que Z.P. sustenta, por outro lado, que desconhece a data da notificação da Decisão de 9 de novembro de 2017, o órgão jurisdicional de reenvio pediu à Agência Central para a Cobrança de Coimas, nos termos do artigo 7.o, n.o 3, da decisão‑quadro, que indicasse essa data. Esta respondeu que não dispunha dessa informação.

22

É neste contexto que o órgão jurisdicional de reenvio se interroga, em primeiro lugar, sobre se Z.P. teve a possibilidade de ser julgado por um tribunal e, por conseguinte, se existem motivos que permitam recusar a execução da Decisão de 9 de novembro de 2017, com base na decisão‑quadro. A este respeito, esse órgão jurisdicional observa que, a não ser concedido um prazo de recurso adequado na fase pré‑contenciosa, tal pode violar o direito a um recurso jurisdicional efetivo.

23

O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, em seguida, sobre se a decisão‑quadro permite uma diferença de tratamento das pessoas sancionadas, consoante o processo em que a sanção é aplicada tenha caráter administrativo, contraordenacional ou penal.

24

Por último, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas sobre a questão de saber se a sanção pecuniária imposta com base no número de matrícula de um veículo, bem como em informações obtidas no âmbito de um intercâmbio transfronteiriço de dados relativos ao registo desse veículo, é compatível com o princípio segundo o qual em direito polaco a responsabilidade penal é individual.

25

Nestas circunstâncias, o Sąd Rejonowy w Chełmnie (Tribunal de Primeira Instância de Chełmno) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve a disposição do artigo 7.o, n.o 2, alínea i), [iii),] e do artigo 20.o, n.o 3, da [decisão‑quadro] ser interpretada no sentido de que habilita um órgão jurisdicional a recusar a execução de uma decisão de uma autoridade de um Estado‑Membro que não seja um órgão jurisdicional, caso considere que a notificação da decisão foi feita em violação do direito das partes de se defenderem eficazmente em tribunal?

2)

Em especial, pode a recusa ter por fundamento a conclusão de que, apesar de terem sido cumpridos os procedimentos vigentes no Estado de emissão da decisão em matéria de notificação e prazos fixados para impugnar a decisão, a que se referem o artigo 1.o, alínea a), [ii) e iii), da decisão‑quadro], a parte residente no Estado de execução da decisão não teve, na fase do processo anterior à apresentação do caso a um órgão jurisdicional, uma oportunidade real e eficaz de proteger os seus direitos por falta de um prazo suficiente para poder reagir devidamente à notificação de aplicação da sanção?

3)

Atendendo ao disposto no artigo 3.o da [decisão‑quadro], pode o alcance da proteção jurídica concedida a pessoas às quais deve ser aplicada uma sanção pecuniária depender da questão de saber se o processo em que é aplicada a sanção tem caráter administrativo, contraordenacional ou penal?

4)

À luz dos objetivos e regras estabelecidos na [decisão‑quadro], incluindo no seu artigo 3.o, as decisões dos órgãos extrajudiciais, emitidas nos termos da legislação do Estado de emissão da decisão, que imputam a responsabilidade pela infração das disposições aplicáveis à circulação rodoviária a uma pessoa em nome da qual o veículo está registado são executórias, ou seja, uma decisão emitida exclusivamente com base em informação obtida no âmbito de um intercâmbio transfronteiriço de dados de registos de veículos, sem que tenha havido lugar a qualquer procedimento de investigação sobre o caso, [e sem que, em particular, o verdadeiro autor das infrações tenha sido identificado,] é executória?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira a terceira questões

26

A título preliminar, há que recordar que, segundo jurisprudência constante, no âmbito do processo de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça instituído pelo artigo 267.o TFUE, cabe a este dar ao juiz nacional uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido. Nesta ótica, incumbe ao Tribunal de Justiça, se necessário, reformular as questões que lhe são submetidas. Além disso, o Tribunal pode entender que é necessário levar em consideração normas de direito da União às quais o juiz nacional não fez referência no enunciado da sua questão (Acórdão de 7 de agosto de 2018, Smith, C‑122/17, EU:C:2018:631, n.o 34 e jurisprudência referida).

27

A este respeito, resulta da decisão de reenvio que a primeira questão assenta na premissa segundo a qual o artigo 7.o, n.o 2, alínea i), iii), da decisão‑quadro é aplicável ao processo principal. No entanto, resulta dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe que, no caso em apreço, o processo ainda não atingiu a fase judicial, uma vez que o processo principal apenas tem por objeto a questão de saber se é possível impugnar a coima aplicada pela autoridade administrativa perante o Ministério Público neerlandês e não se é possível uma impugnação judicial depois de o Ministério Público ter proferido a sua decisão. Consequentemente, para dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio, há que interpretar o artigo 7.o, n.o 2, alínea g), da decisão‑quadro.

28

Com a primeira a terceira questões, que há que examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se, por um lado, o artigo 7.o, n.o 2, alínea g), e o artigo 20.o, n.o 3, da decisão‑quadro devem ser interpretados no sentido de que, quando uma decisão pela qual é imposta uma sanção pecuniária foi notificada em conformidade com a legislação nacional do Estado‑Membro de emissão com a indicação do direito de interpor recurso e do prazo para o efeito, a autoridade do Estado‑Membro de execução pode recusar o reconhecimento e a execução da referida decisão se se verificar que a pessoa em causa não beneficiou de um prazo suficiente para recorrer da mesma e, por outro, se o facto de o processo em que foi aplicada a sanção pecuniária em causa ter tido caráter administrativo tem incidência nas obrigações das autoridades competentes do Estado‑Membro de execução.

29

Há que salientar, a título preliminar, que, como resulta, em especial, dos seus artigos 1.o e 6.o, bem como dos considerandos 1 e 2, a decisão‑quadro tem por objetivo estabelecer um mecanismo eficaz de reconhecimento e execução transfronteiriço das decisões pelas quais é imposta a título definitivo uma sanção pecuniária a uma pessoa singular ou a uma pessoa coletiva, após a prática de uma das infrações enumeradas no seu artigo 5.o (Acórdão de 14 de novembro de 2013, Baláž, C‑60/12, EU:C:2013:733, n.o 27).

30

De facto, sempre que a certidão referida no artigo 4.o da decisão‑quadro, que acompanha a decisão pela qual é imposta uma sanção pecuniária, levante a suspeita de que os direitos fundamentais ou os princípios jurídicos fundamentais consagrados no artigo 6.o TUE foram violados, as autoridades competentes do Estado de execução podem recusar o reconhecimento e a execução dessa decisão caso se verifique um dos motivos de não reconhecimento e de não execução enumerados no artigo 7.o, n.os 1 e 2, da decisão‑quadro, bem como ao abrigo do artigo 20.o, n.o 3, desta (Acórdão de 14 de novembro de 2013, Baláž, C‑60/12, EU:C:2013:733, n.o 28).

31

Tendo em conta o facto de o princípio do reconhecimento mútuo, que subjaz à economia da decisão‑quadro, implicar que, por força do artigo 6.o desta última, os Estados‑Membros tenham, em princípio, de reconhecer uma decisão pela qual é imposta uma sanção pecuniária que foi transmitida em conformidade com o artigo 4.o da decisão‑quadro, sem exigir mais formalidades, e de tomar imediatamente todas as medidas necessárias à sua execução, os motivos de não reconhecimento ou de não execução dessa decisão devem ser interpretados de forma restritiva (Acórdão de 14 de novembro de 2013, Baláž, C‑60/12, EU:C:2013:733, n.o 29 e jurisprudência referida).

32

No caso em apreço, resulta da decisão de reenvio que, em 24 de maio de 2018, a Agência Central para a Cobrança de Coimas pediu ao órgão jurisdicional de reenvio que se pronunciasse sobre um pedido de reconhecimento e execução de uma decisão pela qual é imposta uma sanção pecuniária a Z.P. em razão de uma conduta que infringiu o Código da Estrada. O pedido estava acompanhado de uma certidão redigida em língua polaca, tal como exigido pelo artigo 4.o da decisão‑quadro, e da decisão que impõe a sanção pecuniária. Esta certidão indicava que a pessoa em causa, Z.P., tinha tido a possibilidade de ser julgado por um tribunal competente em matéria penal, como exige o artigo 1.o, alínea a), iii), da decisão‑quadro.

33

Neste contexto, como resulta do n.o 31 do presente acórdão, a autoridade competente do Estado‑Membro de execução tem, em princípio, de reconhecer e executar a decisão transmitida, apenas podendo recusar, por derrogação à regra geral, caso se verifique um dos motivos de não reconhecimento ou de não execução expressamente previstos na decisão‑quadro.

34

No que respeita, em primeiro lugar, ao motivo de recusa do reconhecimento e execução de uma decisão pela qual é imposta uma sanção pecuniária previsto no artigo 7.o, n.o 2, alínea g), da decisão‑quadro, o mesmo refere‑se ao caso em que a pessoa em causa não foi, «nos termos da legislação do Estado de emissão», informada do seu direito de interpor recurso e do respetivo prazo.

35

Ao remeter assim para a legislação dos Estados‑Membros, o legislador da União deixou a estes a incumbência de decidir o modo de informar a pessoa em causa do seu direito de interpor recurso, do respetivo prazo e do momento em que esse prazo começa a contar, desde que a notificação seja efetiva e que o exercício dos direitos de defesa seja garantido (v., por analogia, Acórdão de 22 de março de 2017, Tranca e o., C‑124/16, C‑188/16 e C‑213/16, EU:C:2017:228, n.o 42).

36

A este respeito, decorre da decisão de reenvio que a Decisão de 9 de novembro de 2017, pela qual foi imposta a sanção pecuniária a Z.P., foi notificada nos termos da legislação neerlandesa, bem como que a referida decisão continha informação sobre o direito de interpor recurso o mais tardar até 21 de dezembro do mesmo ano.

37

Importa salientar que, em conformidade com o artigo 3.o da decisão‑quadro, esta não tem por efeito alterar a obrigação de respeitar os direitos fundamentais e os princípios jurídicos fundamentais consagrados no artigo 6.o TUE, razão pela qual o artigo 20.o, n.o 3, da decisão‑quadro prevê, igualmente, que o reconhecimento e a execução de uma decisão pela qual é imposta uma sanção pecuniária podem ser recusados pela autoridade competente do Estado‑Membro de execução em caso de violação dos direitos fundamentais ou dos princípios jurídicos fundamentais consagrados no artigo 6.o do Tratado.

38

A este respeito, o princípio da tutela jurisdicional efetiva dos direitos conferidos aos interessados pelo direito da União, a que se refere o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, constitui um princípio geral do direito da União que decorre das tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros, que foi consagrado pelos artigos 6.o e 13.o da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»), e que é atualmente afirmado no artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais (Acórdão de 27 de fevereiro de 2018, Associação Sindical dos Juízes Portugueses, C‑64/16, EU:C:2018:117, n.o 35).

39

Ora, a garantia da receção real e efetiva das decisões, ou seja, a sua notificação ao interessado e a existência de um lapso de tempo suficiente para interpor recurso dessas decisões e preparar esse mesmo recurso, é uma exigência do respeito do direito a uma proteção jurisdicional efetiva (v., neste sentido, Acórdãos de 26 de setembro de 2013, PPG e SNF/ECHA, C‑625/11 P, EU:C:2013:594, n.o 35, e de 2 de março de 2017, Henderson, C‑354/15, EU:C:2017:157, n.o 72).

40

A este respeito, há que observar que um prazo de seis semanas, como o que está em causa no processo principal, afigura‑se suficiente para que a pessoa em causa possa tomar uma decisão sobre a interposição de um eventual recurso da decisão que impõe uma sanção pecuniária.

41

É certo que resulta da decisão de reenvio que, no caso em apreço, existem dúvidas quanto à data exata da notificação da Decisão de 9 de novembro de 2017, uma vez que esta notificação foi efetuada por colocação na caixa de correio do destinatário, e, por conseguinte, quanto à data a partir da qual este último pôde beneficiar do prazo de oposição à decisão tomada a seu respeito.

42

No entanto, nada no pedido de decisão prejudicial indica que, no processo principal, Z.P. não teve um prazo suficiente para preparar a sua defesa e, em todo o caso, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, à luz das circunstâncias do caso em apreço, que a pessoa em causa pôde efetivamente tomar conhecimento da decisão pela qual lhe foi imposta uma sanção pecuniária e teve um prazo suficiente para preparar a sua defesa.

43

Se for esse o caso, em conformidade com o princípio do reconhecimento mútuo que subjaz à economia da decisão‑quadro e como resulta do n.o 31 do presente acórdão, a autoridade competente do Estado‑Membro de execução tem de reconhecer uma decisão pela qual é imposta uma sanção pecuniária que foi transmitida em conformidade com o artigo 4.o da decisão‑quadro, sem exigir mais formalidades, e deve tomar imediatamente todas as medidas necessárias à sua execução.

44

Em contrapartida, se, à luz das informações disponíveis, a autoridade competente do Estado‑Membro de execução concluir que a certidão prevista no artigo 4.o da decisão‑quadro levanta a suspeita de que direitos fundamentais ou princípios jurídicos fundamentais foram violados, pode opor‑se ao reconhecimento e à execução da decisão transmitida. Antes, deve pedir à autoridade do Estado‑Membro de emissão todas as informações necessárias, em conformidade com o artigo 7.o, n.o 3, da decisão‑quadro.

45

Para assegurar o efeito útil da decisão‑quadro e, designadamente, o respeito dos direitos fundamentais, a autoridade do Estado‑Membro de emissão deve transmitir essas informações [v., por analogia, Acórdão de 25 de julho de 2018, Generalstaatsanwaltschaft (Condições de detenção na Hungria), C‑220/18 PPU, EU:C:2018:589, n.o 64].

46

No que respeita, em segundo lugar, à questão de saber se o caráter administrativo do procedimento em que foi aplicada a sanção pecuniária pode ter incidência nas obrigações das autoridades competentes do Estado‑Membro de execução, há que salientar que, nos termos do considerando 2 da decisão‑quadro, esta visa aplicar o princípio do reconhecimento mútuo às sanções pecuniárias impostas tanto pelas autoridades judiciárias como pelas autoridades administrativas.

47

Assim, resulta do artigo 1.o da decisão‑quadro que a decisão pela qual é imposta uma sanção pecuniária pode ser tomada não apenas por um tribunal do Estado‑Membro de emissão no que respeita a uma infração penal, nos termos da legislação do Estado‑Membro de emissão, mas também por uma autoridade do Estado‑Membro de emissão que não seja um tribunal, no que respeita tanto a uma infração penal como a atos que sejam puníveis segundo a legislação do Estado de emissão, por constituírem infrações às normas jurídicas, desde que a pessoa em causa tenha tido, em ambos os casos, a possibilidade de ser julgada por um tribunal competente, nomeadamente, em matéria penal.

48

Além disso, a decisão‑quadro prevê expressamente, no artigo 5.o, n.o 1, que é igualmente aplicável às sanções pecuniárias impostas em razão de infrações relativas a uma «conduta que infrinja o [C]ódigo da [E]strada», a propósito das quais, aliás, o Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de declarar que não são objeto de um tratamento uniforme nos diferentes Estados‑Membros, visto alguns deles as qualificarem de contraordenações e outros de infrações penais (Acórdão de 14 de novembro de 2013, Baláž, C‑60/12, EU:C:2013:733, n.os 34 e 46).

49

Por conseguinte, o facto de a sanção em causa no processo principal ter caráter administrativo não tem qualquer incidência nas obrigações que incumbem às autoridades competentes do Estado‑Membro de execução.

50

Atendendo a estas considerações, há que responder à primeira a terceira questões que o artigo 7.o, n.o 2, alínea g), e o artigo 20.o, n.o 3, da decisão‑quadro devem ser interpretados no sentido de que, quando uma decisão pela qual foi imposta uma sanção pecuniária tiver sido notificada em conformidade com a legislação nacional do Estado‑Membro de emissão, com indicação do direito de interpor recurso e do respetivo prazo, a autoridade do Estado‑Membro de execução não pode recusar o reconhecimento e a execução da referida decisão se a pessoa em causa tiver tido um prazo suficiente para interpor recurso da mesma, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, e que, a este respeito, não tem incidência o facto de o processo em que foi aplicada a sanção pecuniária em causa ter tido caráter administrativo.

Quanto à quarta questão

51

Com a sua quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 20.o, n.o 3, da decisão‑quadro deve ser interpretado no sentido de que a autoridade competente do Estado‑Membro de execução pode recusar o reconhecimento e a execução de uma decisão pela qual é imposta uma sanção pecuniária relativa a infrações ao Código da Estrada quando esta sanção foi imposta à pessoa em nome da qual o veículo em causa está registado com base numa presunção de responsabilidade prevista na legislação nacional do Estado‑Membro de emissão.

52

No caso em apreço, no sistema jurídico neerlandês, segundo o artigo 5.o do Código da Estrada, se a infração ocorreu com um veículo automóvel ao qual tenha sido atribuído um número de matrícula, não sendo imediatamente possível determinar o condutor desse veículo, a sanção administrativa é imposta à pessoa em nome da qual estava registado esse número de matrícula no momento em que ocorreu o comportamento imputado.

53

O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a compatibilidade dessa disposição com o princípio da presunção de inocência consagrado no artigo 48.o da Carta dos Direitos Fundamentais, que corresponde ao artigo 6.o, n.o 2, da CEDH.

54

A este respeito, resulta da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem relativa ao artigo 6.o, n.o 2, da CEDH, jurisprudência essa que importa tomar em consideração por força do artigo 52.o, n.o 3, da Carta dos Direitos Fundamentais, para efeitos da interpretação do seu artigo 48.o, que o direito de qualquer pessoa acusada de uma infração em matéria penal à presunção de inocência e a fazer recair sobre a acusação o ónus de provar as alegações formuladas contra si não é absoluto, uma vez que todos os sistemas jurídicos consagram presunções de facto ou de direito, às quais a CEDH não coloca obstáculos de princípio, estando os Estados apenas obrigados a encerrar essas presunções dentro de limites razoáveis, que tenham em conta a gravidade dos interesses em jogo e salvaguardem os direitos de defesa (Decisão TEDH de 19 de outubro de 2004, Falk c. Países Baixos, CE:ECHR:2004:1019DEC006627301).

55

Na referida decisão, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem considerou que o artigo 5.o do Código da Estrada neerlandês é compatível com a presunção de inocência, na medida em que uma pessoa a quem é imposta uma coima nos termos deste artigo pode impugnar a decisão pela qual lhe é imposta essa coima perante um tribunal com competência de plena jurisdição para apreciar a questão e que, no âmbito desse processo, a pessoa em causa não é privada de todos os meios de defesa, uma vez que pode invocar argumentos assentes no artigo 8.o do Código da Estrada.

56

No caso em apreço, resulta dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe que, nos termos do artigo 8.o do Código da Estrada neerlandês, a decisão pela qual é imposta uma sanção administrativa deve ser anulada se o titular do número de matrícula do veículo em causa provar, designadamente, que um terceiro utilizou esse veículo contra a sua vontade sem que tenha razoavelmente podido impedir esse terceiro de o fazer ou se o mesmo apresentar uma certidão que demonstre que não era proprietário nem detentor do referido veículo à data dos factos imputados.

57

Na medida em que a presunção de responsabilidade prevista no Código da Estrada neerlandês pode ser ilidida e se for demonstrado que Z.P. dispunha efetivamente, no direito neerlandês, de um fundamento jurídico que lhe permitia obter a anulação da decisão pela qual é imposta a sanção pecuniária em causa no processo principal, o artigo 5.o desse código não obsta ao reconhecimento e à execução dessa decisão.

58

Atendendo a estas considerações, há que responder à quarta questão que o artigo 20.o, n.o 3, da decisão‑quadro deve ser interpretado no sentido de que a autoridade competente do Estado‑Membro de execução não pode recusar o reconhecimento e a execução de uma decisão pela qual é imposta uma sanção pecuniária relativa a infrações ao Código da Estrada quando esta sanção foi imposta à pessoa em nome da qual o veículo em causa está registado com base numa presunção de responsabilidade prevista na legislação nacional do Estado‑Membro de emissão, desde que esta presunção possa ser ilidida.

Quanto às despesas

59

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

 

1)

O artigo 7.o, n.o 2, alínea g), e o artigo 20.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro 2005/214/JAI do Conselho, de 24 de fevereiro de 2005, relativa à aplicação do princípio do reconhecimento mútuo às sanções pecuniárias, conforme alterada pela Decisão‑Quadro 2009/299/JAI do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, devem ser interpretados no sentido de que, quando uma decisão pela qual foi imposta uma sanção pecuniária tiver sido notificada em conformidade com a legislação nacional do Estado‑Membro de emissão, com indicação do direito de interpor recurso dessa decisão e do respetivo prazo, a autoridade do Estado‑Membro de execução não pode recusar o reconhecimento e a execução da referida decisão se a pessoa em causa tiver tido um prazo suficiente para interpor recurso da mesma, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, e que, a este respeito, não tem incidência o facto de o processo em que foi aplicada a sanção pecuniária em causa ter tido caráter administrativo.

 

2)

O artigo 20.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro 2005/214, conforme alterada pela Decisão‑Quadro 2009/299, deve ser interpretado no sentido de que a autoridade competente do Estado‑Membro de execução não pode recusar o reconhecimento e a execução de uma decisão pela qual é imposta uma sanção pecuniária relativa a infrações ao Código da Estrada quando esta sanção foi imposta à pessoa em nome da qual o veículo em causa está registado com base numa presunção de responsabilidade prevista na legislação nacional do Estado‑Membro de emissão, desde que esta presunção possa ser ilidida.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: polaco.