ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção)

4 de março de 2020 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — União aduaneira — Regulamento (UE) n.o 952/2013 — Subtração à fiscalização aduaneira — Furto de mercadorias sujeitas ao regime de entreposto aduaneiro — Artigo 242.o — Responsável pela subtração — Titular da autorização de entreposto aduaneiro — Sanção por infração à regulamentação aduaneira — Artigo 42.o — Obrigação de pagar um montante correspondente ao valor das mercadorias em falta — Cúmulo com uma sanção pecuniária — Proporcionalidade»

No processo C‑655/18,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Administrativen sad Varna (Tribunal Administrativo de Varna, Bulgária), por Decisão de 5 de outubro de 2018, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 19 de outubro de 2018, no processo

Teritorialna direktsia «Severna morska» kam Agentsia Mitnitsi, que sucedeu à Mitnitsa Varna

contra

«Schenker» EOOD,

sendo interveniente:

Okrazhna prokuratura — Varna,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção),

composto por: L. S. Rossi, presidente de secção, J. Malenovský e F. Biltgen (relator), juízes,

advogado‑geral: M. Campos Sánchez‑Bordona,

secretário: R. Schiano, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 14 de novembro de 2019,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Teritorialna direktsia «Severna morska» kam Agentsia Mitnitsi, que sucedeu à Mitnitsa Varna, por S. K. Kirilova, F. Bosilkova‑Kolipatkova e B. Borisov, na qualidade de agentes,

em representação da «Schenker» EOOD, por G. Goranov, advokat,

em representação do Governo búlgaro, por L. Zaharieva e E. Petranova, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por I. Zaloguin, V. Bottka e M. Kocjan, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do Regulamento (UE) n.o 952/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de outubro de 2013, que estabelece o Código Aduaneiro da União (JO 2013, L 269, p. 1).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Teritorialna direktsia «Severna morska» kam Agentsia Mitnitsi (Direção Territorial «Costa Norte» da Agência Aduaneira, Bulgária, a seguir «Alfândega de Varna») à «Schenker» EOOD, a respeito das sanções que lhe foram aplicadas enquanto titular de uma autorização de entreposto aduaneiro, na sequência do furto de mercadorias que tinha à sua guarda.

Quadro jurídico

Direito da União

3

O considerando 45 do Regulamento n.o 952/2013 enuncia:

«É conveniente definir a nível da União as normas que regem a inutilização ou outra forma de cessão das mercadorias pelas autoridades aduaneiras, uma vez que se trata de questões que anteriormente eram do âmbito da legislação nacional.»

4

O artigo 42.o, n.os 1 e 2, deste regulamento prevê:

«1.   Cada Estado‑Membro determina as sanções aplicáveis em caso de incumprimento da legislação aduaneira. Essas sanções devem ser efetivas, proporcionadas e dissuasivas.

2.   Caso sejam aplicadas, as sanções administrativas podem assumir, nomeadamente, uma das seguintes formas ou ambas:

a)

Uma coima aplicável pelas autoridades aduaneiras, incluindo, se for caso disso, um pagamento acordado que substitua uma sanção penal;

b)

A revogação, suspensão ou alteração de uma autorização que tenha sido concedida à pessoa em causa.»

5

O artigo 79.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Constituição da dívida aduaneira por incumprimento», dispõe, nos seus n.os 1 e 3:

«1.   Relativamente às mercadorias passíveis de direitos de importação, é facto constitutivo da dívida aduaneira na importação o incumprimento de:

a)

Uma das obrigações previstas na legislação aduaneira em matéria de introdução de mercadorias não‑UE no território aduaneiro da União, de subtração à fiscalização aduaneira, ou de circulação, transformação, armazenamento, depósito temporário, importação temporária ou cessão de tais mercadorias nesse território;

b)

Uma das obrigações previstas na legislação aduaneira em matéria de utilização para fins especiais de mercadorias no território aduaneiro da União;

[…]

3.   Nos casos a que se refere o n.o 1, alíneas a) e b), são devedoras:

a)

As pessoas responsáveis pelo cumprimento das obrigações em causa;

b)

As pessoas que tinham ou deveriam razoavelmente ter tido conhecimento do incumprimento de uma obrigação decorrente da legislação aduaneira e que agiram por conta de uma pessoa responsável pelo cumprimento dessa obrigação ou que participaram no ato que deu origem ao incumprimento da obrigação;

[…]»

6

O artigo 198.o do mesmo regulamento tem a seguinte redação:

«1.   As autoridades aduaneiras devem adotar as medidas necessárias à cessão das mercadorias, nomeadamente o confisco e venda ou a inutilização, nos seguintes casos:

a)

Não ter sido cumprida uma das obrigações previstas na legislação aduaneira em matéria de introdução de mercadorias não‑UE no território aduaneiro da União, ou as mercadorias terem sido subtraídas à fiscalização aduaneira;

[…]

3.   Os custos decorrentes das medidas referidas no n.o 1 ficam a cargo:

a)

No caso a que se refere o n.o 1, alínea a), de qualquer pessoa a quem cabia o cumprimento das obrigações em causa, ou que tenha subtraído as mercadorias à fiscalização aduaneira;

[…]»

7

Nos termos do artigo 242.o, n.o 1, do Regulamento n.o 952/2013:

«O titular da autorização e o titular do regime são responsáveis por:

a)

Assegurar que as mercadorias sujeitas ao regime de entreposto aduaneiro não sejam subtraídas à fiscalização aduaneira; e

b)

Cumprir as obrigações resultantes do armazenamento das mercadorias que se encontrem sob regime de entreposto aduaneiro.»

Direito búlgaro

8

O artigo 233.o, n.o 6, da Zakon za mitnitsite (Lei Aduaneira, DV n.o 15, de 6 de fevereiro de 1998), na sua versão aplicável aos factos no processo principal (a seguir «Lei Aduaneira»), enuncia:

«As mercadorias que forem objeto de contrabando serão confiscadas em benefício do Estado, independentemente de quem for o seu proprietário; quando desaparecerem ou tiverem sido alienadas, ser‑lhes‑á atribuído um valor correspondente ao seu valor aduaneiro ou ao seu valor de exportação.»

9

Nos termos do artigo 234a, n.os 1 e 3, da Lei Aduaneira:

«1.   Quem, sem cumprir as condições estabelecidas na legislação ou pela autoridade aduaneira, subtrair mercadorias armazenadas provisoriamente, declaradas para um regime aduaneiro ou para reexportação, será punido com multa, no caso de pessoas singulares, ou com uma sanção pecuniária, no caso de pessoas coletivas e empresários individuais, no montante de 100 a 200 % do valor aduaneiro das mercadorias, ou, no caso de exportação, no montante equivalente ao valor das mercadorias que são objeto da infração.

[…]

3.   Nos casos previstos nos n.os 1 e 2, as disposições do artigo 233.o, n.os 6, 7 e 8, aplicam‑se por analogia.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

10

Em 16 de março de 2017, a Teld Consulting OOD apresentou uma declaração aduaneira para sujeição ao regime de entreposto aduaneiro 13 contentores contendo madeira contraplacada. Esta declaração foi apresentada em nome e por conta da Balkantrade Properties EOOD.

11

Após o cumprimento das formalidades aduaneiras de aplicação do referido regime, esses contentores deviam ser transportados para um entreposto aduaneiro explorado e gerido pela Schenker, em conformidade com a autorização de entreposto aduaneiro de que esta é titular.

12

A Schenker mandatou a Fortis Trade OOD para assegurar esse transporte. Contudo, um desses contentores foi furtado durante o trajeto, bem como o veículo pertencente à Fortis Trade que o transportava. Por conseguinte, as mercadorias colocadas nesse contentor não foram entregues no entreposto da Schenker.

13

Na sequência de um controlo efetuado nesse entreposto pela inspeção das alfândegas de Varna (Bulgária), verificou‑se que nem todas as mercadorias objeto do regime de entreposto aduaneiro se encontravam no referido entreposto. Consequentemente, foi emitido contra a Schenker um auto de infração administrativa por violação do artigo 234a, n.o 1, da Lei Aduaneira, pelo facto de esta sociedade ter subtraído à fiscalização aduaneira uma parte das mercadorias que tinham sido declaradas sob o regime de entreposto aduaneiro. Com base nesta constatação, o diretor da Alfândega de Varna emitiu uma decisão pela qual, em conformidade com o artigo 233.o, n.o 6, e o artigo 234a, n.os 1 e 3, da Lei Aduaneira, aplicou à Schenker uma sanção pecuniária no montante de 23826,06 leva búlgaros (BGN) (cerca de 12225 euros) e ordenou que essa sociedade pagasse um montante idêntico, correspondente ao valor das mercadorias em falta.

14

Chamado a pronunciar‑se sobre o recurso dessa decisão interposto pela Schenker, o Varnenski rayonen sad (Tribunal Regional de Varna, Bulgária) anulou a referida decisão. Considerou, nomeadamente, que o furto constituía um caso de força maior e que não tinha sido estabelecido qualquer nexo de causalidade entre um ato ou uma omissão ilegal dessa sociedade e a consequência do furto, a saber, a impossibilidade de as autoridades aduaneiras acederem às mercadorias sujeitas a fiscalização aduaneira e de exercerem o seu controlo.

15

A Alfândega de Varna interpôs recurso de cassação no órgão jurisdicional de reenvio, o Administrativen sad Varna (Tribunal Administrativo de Varna, Bulgária). Sustenta que a aplicação do regime de entreposto aduaneiro origina uma obrigação de não subtrair as mercadorias à fiscalização aduaneira e que o furto em causa não constitui um caso de força maior suscetível de isentar o depositário da sua responsabilidade.

16

O órgão jurisdicional de reenvio observa que foram aplicadas à Schenker duas sanções administrativas. Em seu entender, a sanção que consiste na obrigação de pagar o valor das mercadorias furtadas não se enquadra em nenhuma das formas de sanção previstas no artigo 42.o, n.o 2, do Regulamento n.o 952/2013 e também não se trata de uma forma de confisco, conforme previsto pelo direito nacional. Como tal, o órgão jurisdicional de reenvio questiona‑se se esta obrigação de pagar o valor das mercadorias é conforme com a referida disposição e com os princípios da efetividade e da proporcionalidade, tendo em conta que é cumulada com a aplicação de uma sanção pecuniária.

17

Nestas condições, o Administrativen sad Varna (Tribunal Administrativo de Varna, Bulgária) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o artigo 242.o, n.o 1, alíneas a) e b), do [Regulamento n.o 952/2013] ser interpretado no sentido de que o furto de mercadorias que estiveram sujeitas ao regime de entreposto aduaneiro constitui, nas circunstâncias concretas do processo principal, uma subtração de mercadorias ao regime de entreposto aduaneiro, que justifica a aplicação ao titular da autorização de uma sanção pecuniária pelo incumprimento da legislação aduaneira?

2)

A imposição do pagamento do contravalor das mercadorias que foram objeto da infração aduaneira (a subtração [das mercadorias] ao regime de entreposto aduaneiro) constitui uma sanção administrativa na aceção do artigo 42.o, n.os 1 e 2, do [Regulamento n.o 952/2013]? É admissível uma norma nacional que impõe esse pagamento, além da aplicação de uma sanção pecuniária? Esta norma cumpre o critério estabelecido no artigo 42.o, n.o 1, segundo período, do Regulamento (UE) n.o 952/2013, segundo o qual as sanções aplicáveis em caso de incumprimento da legislação aduaneira da União devem ser efetivas, proporcionadas e dissuasivas?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

Quanto à admissibilidade

18

Nas suas observações escritas, a Schenker considera que a primeira questão é inadmissível, na medida em que tem exclusivamente por objeto a aplicação de disposições de direito nacional e, nomeadamente, o ponto de saber se uma determinada ação ou omissão é constitutiva de uma infração conforme definida no direito nacional.

19

A este respeito, importa certamente recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, no âmbito de um processo previsto no artigo 267.o TFUE, baseado numa clara separação das funções das jurisdições nacionais e do Tribunal de Justiça, este não é competente para interpretar o direito nacional e que cabe ao juiz nacional, e só a ele, determinar e apreciar os factos do litígio no processo principal e determinar o exato alcance das disposições legislativas, regulamentares ou administrativas nacionais (Acórdão de 3 de outubro de 2019, Fonds du Logement de la Région de Bruxelles‑Capitale, C‑632/18, EU:C:2019:833, n.o 48 e jurisprudência referida).

20

No caso vertente, resulta, todavia, da própria redação da primeira questão que, através desta, o órgão jurisdicional de reenvio interroga o Tribunal de Justiça sobre a interpretação do artigo 242.o, n.o 1, do Regulamento n.o 952/2013, e, mais especificamente, sobre o conceito de «subtração à fiscalização aduaneira» relacionado com esta disposição, bem como sobre a questão de saber se o direito da União permite que tal subtração seja objeto de uma sanção pecuniária.

21

A Schenker sustenta igualmente que a resolução do litígio no processo principal não depende da interpretação de disposições do direito da União, mas de questões de facto, a saber, da determinação do autor concreto da infração em causa, da sua qualidade no momento em que a cometeu e dos atos ou omissões que podem constituir uma infração imputável ao referido autor.

22

A este respeito, importa recordar que, no âmbito da cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais, instituída pelo artigo 267.o TFUE, cabe exclusivamente ao juiz nacional apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão, como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça. Consequentemente, desde que as questões submetidas pelos órgãos jurisdicionais nacionais sejam relativas à interpretação de uma disposição do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se (Acórdão de 14 de março de 2013, Allianz Hungária Biztosító e o., C‑32/11, EU:C:2013:160, n.o 19 e jurisprudência referida). Ora, no caso vertente, tal é manifestamente o caso.

23

Nestas condições, a primeira questão é admissível.

Quanto ao mérito

24

A título preliminar, importa salientar que o artigo 242.o, n.o 1, alíneas a) e b), do Regulamento n.o 952/2013, referido na primeira questão, diz respeito à responsabilidade do titular de uma autorização e do titular do regime de entreposto aduaneiro em caso de subtração de mercadorias à fiscalização aduaneira, sendo que essa questão tem igualmente por objeto o ponto de saber se pode ser aplicada uma sanção pecuniária prevista pelo direito nacional ao responsável por essa subtração, aspeto este que é relativo a outras disposições desse regulamento.

25

Ora, a circunstância de, no plano formal, o órgão jurisdicional de reenvio ter limitado uma questão à interpretação de uma determinada disposição do direito da União não obsta a que o Tribunal de Justiça lhe forneça todos os elementos de interpretação do direito da União que possam ser úteis para a decisão do processo que lhe foi submetido, quer esse órgão jurisdicional lhes tenha ou não feito referência no enunciado das suas questões. A este respeito, cabe ao Tribunal de Justiça extrair do conjunto dos elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional nacional, designadamente da fundamentação da decisão de reenvio, os elementos do referido direito que requerem uma interpretação, tendo em conta o objeto do litígio (Acórdão de 18 de setembro de 2019, VIPA, C‑222/18, EU:C:2019:751, n.o 50 e jurisprudência referida).

26

Por conseguinte, importa considerar que, com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o Regulamento n.o 952/2013 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional por força da qual, em caso de furto de mercadorias sujeitas ao regime de entreposto aduaneiro, é aplicada ao titular da autorização de entreposto aduaneiro uma sanção pecuniária por infração à regulamentação aduaneira.

27

Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o conceito de «subtração à fiscalização aduaneira», conforme figura no Regulamento n.o 952/2013, deve ser entendido como compreendendo qualquer ato ou omissão que tenha por resultado impedir, ainda que momentaneamente, a autoridade aduaneira competente de ter acesso a uma mercadoria sob fiscalização aduaneira e de efetuar os controlos previstos na regulamentação aduaneira (v., neste sentido, Acórdão de 22 de novembro de 2017, Aebtri, C‑224/16, EU:C:2017:880, n.o 93 e jurisprudência referida).

28

Como o Tribunal de Justiça já teve ocasião de declarar, está em causa «subtração à fiscalização aduaneira», na aceção do referido regulamento, nomeadamente quando, como no caso vertente, mercadorias sujeitas a um regime suspensivo foram furtadas (v., neste sentido, Acórdão de 11 de julho de 2013, Harry Winston, C‑273/12, EU:C:2013:466, n.o 30 e jurisprudência referida).

29

No que respeita à pessoa responsável por essa subtração à fiscalização aduaneira, o artigo 242.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 952/2013 prevê que o titular de uma autorização é responsável por velar que as mercadorias sujeitas ao regime de entreposto aduaneiro não sejam subtraídas à fiscalização aduaneira.

30

A este respeito, decorre de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que a subtração de uma mercadoria à fiscalização aduaneira pressupõe unicamente que estejam reunidas condições de natureza objetiva, como a inexistência física da mercadoria no local de depósito autorizado no momento em que a autoridade aduaneira pretende proceder ao exame da referida mercadoria (Acórdão de 12 de junho de 2014, SEK Zollagentur, C‑75/13, EU:C:2014:1759, n.o 31 e jurisprudência referida).

31

Daqui resulta que a responsabilidade do titular de uma autorização de entreposto aduaneiro em caso de subtração à fiscalização aduaneira de mercadorias sujeitas ao regime de entreposto aduaneiro reveste caráter objetivo e, como tal, é independente do comportamento desse titular e do comportamento de terceiros.

32

No que se refere às consequências para o referido titular de tal subtração à fiscalização aduaneira, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que constitui uma infração aduaneira o incumprimento de uma das obrigações definidas na legislação aduaneira aplicável à subtração de mercadorias à fiscalização aduaneira, incumprimento que, em conformidade com o artigo 79.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 952/2013, é facto constitutivo da dívida aduaneira na importação. Não existindo harmonização da legislação da União no domínio de tais infrações aduaneiras, os Estados‑Membros são competentes para adotar as sanções adequadas para assegurar o respeito da regulamentação aduaneira da União (v., neste sentido, Acórdão de 16 outubro de 2003, Hannl‑Hofstetter, C‑91/02, EU:C:2003:556, n.os 18 a 20).

33

Atendendo às considerações precedentes, há que responder à primeira questão que o Regulamento n.o 952/2013 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional por força da qual, em caso de furto de mercadorias sujeitas ao regime de entreposto aduaneiro, é aplicada ao titular da autorização de entreposto aduaneiro uma sanção pecuniária adequada por infração à regulamentação aduaneira.

Quanto à segunda questão

34

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 42.o, n.o 1, do Regulamento n.o 952/2013 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional por força da qual, em caso de subtração à fiscalização aduaneira de mercadorias sujeitas ao regime de entreposto aduaneiro, o titular da autorização de entreposto aduaneiro é obrigado a pagar, além de uma sanção pecuniária, um montante correspondente ao valor dessas mercadorias.

35

A este respeito, resulta da decisão de reenvio que, enquanto o artigo 234a, n.o 1, da Lei Aduaneira prevê, em caso de subtração à fiscalização aduaneira, uma sanção pecuniária que ascende a entre 100 e 200 % do valor das mercadorias subtraídas, o artigo 234a, n.o 3, desta lei, lido em conjugação com o seu artigo 233.o, n.o 6, prevê que a pessoa responsável por essa subtração deverá pagar um montante correspondente ao valor dessas mercadorias.

36

Nas suas observações escritas e na audiência no Tribunal de Justiça, a Alfândega de Varna e o Governo búlgaro alegaram que esta última obrigação não constitui uma sanção, na aceção do artigo 42.o, n.o 1, do Regulamento n.o 952/2013, mas uma medida abrangida pelo âmbito do artigo 198.o, n.o 1, alínea a), deste regulamento, nos termos do qual as autoridades aduaneiras devem adotar as medidas necessárias à «cessão das mercadorias» subtraídas à fiscalização aduaneira, nomeadamente o confisco e venda ou a inutilização. Segundo estes interessados, uma vez que a enumeração das medidas assim previstas nesta disposição não é exaustiva, o pagamento, quando as autoridades competentes não possam verificar a presença física das mercadorias em causa, do valor destas constitui um «meio de cessar [a sua] situação», na aceção da referida disposição, análogo a uma apreensão dessas mercadorias em benefício do Estado.

37

Todavia, tal interpretação não pode ser acolhida.

38

Com efeito, o artigo 198.o do Regulamento n.o 952/2013 figura no capítulo 4, intitulado «Cessão das mercadorias», do título V deste regulamento. Daqui decorre que as disposições agrupadas neste capítulo têm unicamente por objeto as medidas a tomar «para cessar a situação» das mercadorias cuja presença física pôde ser verificada pelas autoridades competentes. Esta interpretação é corroborada pelo considerando 45 deste regulamento, que enuncia que este regulamento prossegue, nomeadamente, o objetivo de definir ao nível da União normas que rejam a inutilização ou outra forma de cessão das mercadorias pelas autoridades aduaneiras.

39

Ora, o pagamento do valor das mercadorias em causa não pode ser considerado um meio de cessão destas últimas e que conduziria, assim, à realização desse objetivo.

40

Por conseguinte, é com razão que o órgão jurisdicional de reenvio qualifica como sanção a obrigação de o responsável pela infração pagar, além de uma sanção pecuniária, um montante correspondente ao valor das mercadorias subtraídas à fiscalização aduaneira.

41

Em conformidade com o artigo 42.o, n.o 1, do Regulamento n.o 952/2013, as sanções determinadas pelos Estados‑Membros em caso de incumprimento da legislação aduaneira devem ser efetivas, proporcionadas e dissuasivas.

42

A este respeito, há que recordar que, na falta de harmonização da legislação da União no domínio das sanções aplicáveis em caso de incumprimento das condições previstas no regime instituído por essa legislação, os Estados‑Membros são competentes para escolher as sanções que se lhes afigurem adequadas. Todavia, estão obrigados a exercer essa competência no respeito do direito da União e dos seus princípios gerais e, por conseguinte, no respeito do princípio da proporcionalidade (Acórdão de 16 de julho de 2015, Chmielewski, C‑255/14, EU:C:2015:475, n.o 21 e jurisprudência referida).

43

Em particular, as medidas administrativas ou repressivas permitidas por uma legislação nacional não devem exceder o que é necessário para a realização dos objetivos legitimamente prosseguidos por essa legislação nem, além disso, ser desproporcionadas relativamente aos referidos objetivos (v., neste sentido, Acórdão de 22 de março de 2017, Euro‑Team e Spirál‑Gép, C‑497/15 e C‑498/15, EU:C:2017:229, n.os 40 e 58 e jurisprudência referida).

44

Ora, no caso vertente, uma sanção que consiste na obrigação de pagar um montante correspondente ao valor das mercadorias subtraídas à fiscalização aduaneira não se afigura proporcionada, e isto independentemente de essa sanção acrescer à prevista no artigo 234a, n.o 1, da Lei Aduaneira. Com efeito, uma sanção que ascende a esse montante excede os limites do que é necessário para garantir, nomeadamente, que as mercadorias sujeitas ao regime de entreposto aduaneiro não sejam subtraídas à fiscalização aduaneira.

45

Neste contexto, há que recordar que as sanções previstas no artigo 42.o do Regulamento n.o 952/2013 não visam sancionar eventuais atividades fraudulentas ou ilícitas, mas qualquer infração da legislação aduaneira (v., por analogia, Acórdão de 16 de julho de 2015, Chmielewski, C‑255/14, EU:C:2015:475, n.o 31).

46

Por outro lado, como salientou a Comissão nas suas observações escritas, uma sanção como a prevista no artigo 234a, n.o 3, da Lei Aduaneira, lido em conjugação com o seu artigo 233.o, n.o 6, afigura‑se desproporcionada relativamente à dívida aduaneira que se constituiu com a subtração à fiscalização aduaneira de mercadorias sujeitas ao regime de entreposto aduaneiro.

47

Em face do exposto, há que responder à segunda questão que o artigo 42.o, n.o 1, do Regulamento n.o 952/2013 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional por força da qual, em caso de subtração à fiscalização aduaneira de mercadorias sujeitas ao regime de entreposto aduaneiro, o titular da autorização de entreposto aduaneiro é obrigado a pagar, além de uma sanção pecuniária, um montante correspondente ao valor dessas mercadorias.

Quanto às despesas

48

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Oitava Secção) declara:

 

1)

O Regulamento (UE) n.o 952/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de outubro de 2013, que estabelece o Código Aduaneiro da União, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional por força da qual, em caso de furto de mercadorias sujeitas ao regime de entreposto aduaneiro, é aplicada ao titular da autorização de entreposto aduaneiro uma sanção pecuniária adequada por infração à regulamentação aduaneira.

 

2)

O artigo 42.o, n.o 1, do Regulamento n.o 952/2013 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional por força da qual, em caso de subtração à fiscalização aduaneira de mercadorias sujeitas ao regime de entreposto aduaneiro, o titular da autorização de entreposto aduaneiro é obrigado a pagar, além de uma sanção pecuniária, um montante correspondente ao valor dessas mercadorias.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: búlgaro.