ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

26 de março de 2020 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Aproximação das legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas — Diretiva 2008/95/CE — Artigo 5.o, n.o 1, alínea b) — Artigo 10.o, n.o 1, primeiro parágrafo — Artigo 12.o, n.o 1 — Extinção de uma marca por falta de utilização séria — Direito de o titular da marca invocar uma violação dos seus direitos exclusivos em razão do uso, por um terceiro, de um sinal idêntico ou semelhante durante o período anterior à data da extinção»

No processo C‑622/18,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela Cour de cassation (Tribunal de Cassação, França), por Decisão de 26 de setembro de 2018, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 4 de outubro de 2018, no processo

AR

contra

Cooper International Spirits LLC,

St Dalfour SAS,

Établissements Gabriel Boudier SA,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: E. Regan, presidente de secção, I. Jarukaitis, E. Juhász (relator), M. Ilešič e C. Lycourgos, juízes,

advogado‑geral: G. Pitruzzella,

secretário: V. Giacobbo‑Peyronnel, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 12 de junho de 2019,

vistas as observações apresentadas:

em representação de AR, por T. Kern, avocate,

em representação da Cooper International Spirits LLC e da St Dalfour SAS, por D. Régnier, avocat,

em representação da Établissements Gabriel Boudier SA, por S. Bénoliel‑Claux, avocate,

em representação do Governo francês, por A.‑L. Desjonquères e R. Coesme, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por É. Gippini Fournier e J. Samnadda, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 18 de setembro de 2019,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 5.o, n.o 1, alínea b), do artigo 10.o, n.o 1, primeiro parágrafo, e do artigo 12.o, n.o 1, da Diretiva 2008/95/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2008, que aproxima as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas (JO 2008, L 299, p. 25).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe AR à Cooper International Spirits LLC, à St Dalfour SAS e à Établissements Gabriel Boudier SA, a propósito de uma ação por contrafação de marca intentada por AR.

Quadro jurídico

Direito da União

Diretiva 2008/95/CEE

3

Os considerandos 6 e 9 da Diretiva 2008/95 enunciam:

«(6)

[…] Os Estados‑Membros deverão manter a faculdade de determinar os efeitos da caducidade ou da nulidade das marcas.

[…]

(9)

A fim de reduzir o número total de marcas registadas e protegidas na [União] e, por conseguinte, o número de conflitos que surgem entre elas, importa exigir que as marcas registadas sejam efetivamente usadas sob pena de caducidade. É necessário prever […] que uma marca não possa ser validamente invocada num processo de contrafação se se verificar, na sequência de uma exceção, que o registo da marca poderia ficar sujeito a caducidade. [Neste caso] cabe aos Estados‑Membros fixar as normas processuais aplicáveis.»

4

O artigo 5.o, n.o 1, desta diretiva, sob a epígrafe «Direitos conferidos pela marca», tem a seguinte redação:

«A marca registada confere ao seu titular um direito exclusivo. O titular fica habilitado a proibir que um terceiro, sem o seu consentimento, faça uso na vida comercial:

a)

De qualquer sinal idêntico à marca para produtos ou serviços idênticos àqueles para os quais a marca foi registada;

b)

De um sinal relativamente ao qual, devido à sua identidade ou semelhança com a marca e devido à identidade ou semelhança dos produtos ou serviços a que a marca e o sinal se destinam, exista um risco de confusão, no espírito do público; o risco de confusão compreende o risco de associação entre o sinal e a marca.»

5

O artigo 10.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Uso da marca», prevê, no seu n.o 1, primeiro parágrafo:

«Se, num prazo de cinco anos a contar da data do encerramento do processo de registo, a marca não tiver sido objeto de uso sério pelo seu titular, no Estado‑Membro em questão, para os produtos ou serviços para que foi registada, ou se tal uso tiver sido suspenso durante um período ininterrupto de cinco anos, a marca fica sujeita às sanções previstas na presente diretiva, salvo justo motivo para a falta de uso.»

6

O artigo 11.o da mesma diretiva, sob a epígrafe «Sanções pelo não uso de uma marca em processos judiciais ou administrativos», dispõe, no seu n.o 3:

«Sem prejuízo da aplicação do artigo 12.o em caso de pedido reconvencional que tenha por fundamento uma marca cujo registo seja passível de ser extinto, um Estado‑Membro pode prever que uma marca não possa ser validamente invocada num processo de contrafação se se verificar, na sequência de uma exceção, que o registo da marca poderia igualmente ser extinto por força do n.o 1 do artigo 12.o»

7

O artigo 12.o da Diretiva 2008/95, sob a epígrafe «Causas de extinção», prevê, no seu n.o 1:

«O titular de uma marca pode ver extintos os seus direitos se, durante um período ininterrupto de cinco anos, a marca não tiver sido objeto de uma utilização séria no Estado‑Membro em causa para os produtos ou serviços para que foi registada e se não existirem motivos justos para a sua não utilização.

Contudo, ninguém poderá requerer a extinção do registo de uma marca se, durante o intervalo entre o fim do período de cinco anos e a introdução do pedido de extinção, tiver sido iniciado ou reatado uma utilização séria da marca.

O início ou o reatamento da utilização nos três meses imediatamente anteriores à introdução do pedido de extinção, contados a partir do fim do período ininterrupto de cinco anos de não utilização, não serão tomados em consideração se as diligências para o início ou reatamento da utilização só ocorrerem depois de o titular tomar conhecimento de que pode vir a ser introduzido um pedido de extinção.»

Diretiva 2004/48/CE

8

O artigo 13.o da Diretiva 2004/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao respeito dos direitos de propriedade intelectual (JO 2004, L 157, p. 45), sob a epígrafe «Indemnizações por perdas e danos», dispõe:

«1.   Os Estados‑Membros devem assegurar que, a pedido da parte lesada, as autoridades judiciais competentes ordenem ao infrator que, sabendo‑o ou tendo motivos razoáveis para o saber, tenha desenvolvido uma atividade ilícita, pague ao titular do direito uma indemnização por perdas e danos adequada ao prejuízo por este efetivamente sofrido devido à violação.

Ao estabelecerem o montante das indemnizações por perdas e danos, as autoridades judiciais:

a)

Devem ter em conta todos os aspetos relevantes, como as consequências económicas negativas, nomeadamente os lucros cessantes, sofridas pela parte lesada, quaisquer lucros indevidos obtidos pelo infrator e, se for caso disso, outros elementos para além dos fatores económicos, como os danos morais causados pela violação ao titular do direito;

ou

b)

Em alternativa à alínea a), podem, se for caso disso, estabelecer a indemnização por perdas e danos como uma quantia fixa, com base em elementos como, no mínimo, o montante das remunerações ou dos direitos que teriam sido auferidos se o infrator tivesse solicitado autorização para utilizar o direito de propriedade intelectual em questão.

2.   Quando, sem o saber ou tendo motivos razoáveis para o saber, o infrator tenha desenvolvido uma atividade ilícita, os Estados‑Membros podem prever a possibilidade de as autoridades judiciais ordenarem a recuperação dos lucros ou o pagamento das indemnizações por perdas e danos, que podem ser pré‑estabelecidos.»

Regulamento (CE) n.o 207/2009

9

O Regulamento (CE) n.o 207/2009 do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, sobre a marca [da União Europeia] (JO 2009, L 78, p. 1), prevê, no seu artigo 9.o, n.o 1, no seu artigo 15.o, n.o 1, primeiro parágrafo, e no seu artigo 51.o, n.o 1, alínea a), disposições em substância análogas às previstas, respetivamente, no artigo 5.o, n.o 1, no artigo 10.o, n.o 1, primeiro parágrafo, e no artigo 12.o da Diretiva 2008/95.

10

O artigo 55.o, n.o 1, do Regulamento n.o 207/2009, sob a epígrafe «Efeitos da extinção e da nulidade», dispõe:

«Considera‑se que a marca [da União Europeia] deixou de produzir os efeitos previstos no presente regulamento a contar da data do pedido de extinção ou do pedido reconvencional, na medida em que o titular tenha sido declarado total ou parcialmente privado dos seus direitos. A pedido de uma das partes, pode ser fixada na decisão qualquer data anterior em que se tenha verificado uma das causas da extinção.»

Direito francês

11

O artigo L 713‑1 do code de la propriété intellectuelle (Código da Propriedade Intelectual), na versão em vigor à data dos factos do processo principal, dispõe:

«O registo da marca confere ao seu titular um direito de propriedade sobre essa marca para os produtos e serviços que tenha designado.»

12

O artigo L 713‑3 desse código prevê:

«São proibidos, salvo autorização do proprietário, quando possam causar um risco de confusão no espírito do público:

[…]

b)

A imitação de uma marca e o uso de uma marca imitada para produtos ou serviços idênticos ou similares aos designados no registo.»

13

O artigo L 714‑5, do referido código enuncia:

«Incorre na extinção dos seus direitos o proprietário da marca que, sem justo motivo, não tenha feito dela uma utilização séria para os produtos e serviços visados no registo, durante um período ininterrupto de cinco anos.

[…]

A extinção produz efeitos na data do termo do prazo de cinco anos previsto no primeiro parágrafo do presente artigo. A extinção tem um efeito absoluto.»

14

O artigo L 716‑14 do Código da Propriedade Intelectual dispõe:

«Para determinar a indemnização por perdas e danos, o órgão jurisdicional deve tomar em consideração distintamente as consequências económicas negativas, entre as quais os lucros cessantes, sofridas pela parte lesada, os lucros obtidos pelo contrafator e os danos morais causados pela violação ao titular dos direitos.

Todavia, o órgão jurisdicional pode, em alternativa e a pedido da parte lesada, atribuir a título de indemnização por perdas e danos uma quantia fixa, que não pode ser inferior ao montante das remunerações ou dos direitos que teriam sido auferidos se o infrator tivesse solicitado autorização para utilizar o direito que violou.»

Litígio no processo principal e questão prejudicial

15

O recorrente no processo principal comercializa bebidas alcoólicas e outras bebidas espirituosas.

16

Em 5 de dezembro de 2005, apresentou um pedido de registo da marca semi‑figurativa SAINT GERMAIN no Institut national de la propriété industrielle (Instituto Nacional da Propriedade Industrial, França).

17

Esta marca foi registada em 12 de maio de 2006 com o número 3395502 para produtos e serviços pertencentes às classes 30, 32 e 33, na aceção do Acordo de Nice relativo à Classificação Internacional dos Produtos e dos Serviços para o registo de marcas, de 15 de junho de 1957, conforme revisto e alterado, e que correspondem, nomeadamente, a bebidas alcoólicas (à exceção de cervejas), sidras, digestivos, vinhos e bebidas espirituosas, bem como a extratos ou essências alcoólicas.

18

Ao saber que a Cooper International distribuía, sob a denominação «St‑ Germain», um licor fabricado pela St Dalfour e pela Établissements Gabriel Boudier, o recorrente no processo principal intentou contra estas três sociedades, em 8 de junho de 2012, no tribunal de grande instance de Paris (Tribunal de Primeira Instância de Paris, França), uma ação por contrafação de marca através de reprodução ou, subsidiariamente, de imitação.

19

Num processo paralelo, o tribunal de grande instance de Nanterre (Tribunal de Primeira Instância de Nanterre, França) declarou, em Sentença de 28 de fevereiro de 2013, a extinção dos direitos do recorrente no processo principal sobre a marca SAINT GERMAIN, a partir de 13 de maio de 2011. Esta sentença foi confirmada por Acórdão da cour d’appel de Versailles (Tribunal de Recurso de Versalhes, França), de 11 de fevereiro de 2014, que transitou em julgado.

20

No tribunal de grande instance de Paris (Tribunal de Primeira Instância de Paris), o recorrente no processo principal manteve os seus pedidos por contrafação relativamente ao período anterior à extinção e não coberto pela prescrição, ou seja, entre 8 de junho de 2009 e 13 de maio de 2011.

21

Estes pedidos foram integralmente julgados improcedentes por Sentença do tribunal de grande instance de Paris (Tribunal de Primeira Instância de Paris) de 16 de janeiro de 2015, com o fundamento de que não tinha havido nenhuma exploração da marca em causa desde o pedido do respetivo registo.

22

Essa sentença foi confirmada por Acórdão da cour d’appel de Paris (Tribunal de Recurso de Paris, França) de 13 de setembro de 2016.

23

Para fundamentar este acórdão, a cour d’appel de Paris (Tribunal de Recurso de Paris) salientou, nomeadamente, que os elementos de prova invocados pelo recorrente no processo principal não eram suficientes para demonstrar que a marca SAINT GERMAIN tinha sido realmente explorada.

24

A cour d’appel de Paris (Tribunal de Recurso de Paris) deduziu daí que o recorrente no processo principal não podia arguir utilmente uma violação da função de garantia de origem dessa marca, nem invocar uma violação do monopólio de exploração conferido pela sua marca, nem uma violação da função de investimento desta última, na medida em que o uso de um sinal idêntico à marca por um concorrente não é suscetível, na falta de qualquer exploração dessa marca, de dificultar substancialmente o seu emprego.

25

O recorrente no processo principal interpôs recurso de cassação desse acórdão, com o fundamento de que a cour d’appel de Paris (Tribunal de Recurso de Paris) violou os artigos L 713‑3 e L 714‑5 do Código da Propriedade Intelectual.

26

Em apoio deste fundamento, alega que todos os seus pedidos de contrafação foram indeferidos erradamente por não ter demonstrado a realidade da exploração da marca SAINT GERMAIN, quando nem o direito da União nem o Código da Propriedade Intelectual preveem que, durante o prazo de cinco anos após o registo de uma marca, o titular desta tem de demonstrar a exploração dessa marca para beneficiar da proteção do direito das marcas. Além disso, em matéria de contrafação, o risco de confusão no espírito do público aprecia‑se de forma abstrata à luz do objeto do registo, e não em relação a uma situação concreta no mercado.

27

Pelo contrário, as recorridas no processo principal alegam que uma marca só exerce a sua função essencial se for efetivamente explorada pelo seu titular para indicar a origem comercial dos produtos ou dos serviços designados no seu registo e que, na falta de exploração da marca em conformidade com a sua função essencial, o titular não pode alegar qualquer violação ou risco de violação desta função.

28

A Cour de cassation (Tribunal de Cassação) indica, a título preliminar, que o fundamento de cassação que lhe foi submetido não critica o facto de o Tribunal de Recurso de Paris ter examinado a contrafação não à luz da reprodução da marca, mas da imitação desta, o que pressupõe a existência de um risco de confusão no espírito do público. Sublinha que, por força do direito nacional, a apreciação da existência desse risco pertence ao poder soberano dos juízes que decidem quanto ao mérito, sendo o Tribunal de Cassação, por seu turno, apenas competente para apreciar a regularidade do acórdão recorrido à luz do direito aplicável.

29

Alega que, no que respeita à contrafação por imitação, o Tribunal de Justiça declarou que o uso do sinal idêntico ou semelhante à marca que dá origem a um risco de confusão no espírito do público lesa ou é suscetível de lesar a função essencial da marca [Acórdão de 12 de junho de 2008, O2 Holdings e O2 (UK), C‑533/06, EU:C:2008:339, n.o 59] e que, embora a função de indicação de origem da marca não seja a única função desta digna de proteção contra violações por terceiros (Acórdão de22 de setembro de 2011, Interflora e Interflora British Unit, C‑323/09, EU:C:2011:604, n.o 39), a proteção conferida contra a contrafação por reprodução, na medida em que é absoluta e reservada aos prejuízos não apenas da função essencial da marca, mas também das outras funções, como, nomeadamente, as de comunicação, de investimento ou de publicidade, é mais ampla que a proteção prevista contra a contrafação por imitação, cuja concretização exige a prova da existência de um risco de confusão e, portanto, a possibilidade de prejuízo da função essencial da marca (Acórdão de 18 de junho de 2009, L’Oréal e o., C‑487/07, EU:C:2009:378, n.os 58 e 59).

30

O Tribunal de Cassação referiu também que o Tribunal de Justiça precisou que uma marca deve, em princípio, cumprir sempre a sua função de indicação de origem, ao passo que apenas assegura as suas outras funções na medida em que o seu titular a explore nesse sentido, nomeadamente para fins de publicidade e investimento (Acórdão de 22 de setembro de 2011, Interflora e Interflora British Unit, C‑323/09, EU:C:2011:604, n.o 40).

31

Tendo em conta essa jurisprudência, acrescenta que lhe parece que, no caso vertente, tratando‑se de apreciar a contrafação por imitação, apenas se deve procurar a lesão da função essencial da marca em razão de um risco de confusão.

32

A este respeito, alega que, no Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Länsförsäkringar (C‑654/15, EU:C:2016:998), o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 15.o, n.o 1, e o artigo 51.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 207/2009 conferem ao titular da marca uma moratória para iniciar uma utilização séria da sua marca, durante a qual pode beneficiar do direito exclusivo conferido pela mesma, nos termos do artigo 9.o, n.o 1, deste regulamento, para todos os produtos e serviços, sem ter de demonstrar essa utilização. Isso implica que, durante esse período, o âmbito do direito conferido ao titular da marca deve ser apreciado tendo em conta os produtos e os serviços visados no registo da marca, e não em função do uso que o titular pôde fazer dessa marca durante esse período.

33

Todavia, o Tribunal de Cassação sublinha que o processo principal se distingue do que deu origem ao Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Länsförsäkringar (C‑654/15, EU:C:2016:998), na medida em que no caso em apreço foi declarada a extinção do direito do titular da marca devido à falta de uso dessa marca durante o período de cinco anos subsequente ao registo da referida marca.

34

Coloca‑se a questão de saber se o titular de uma marca que nunca explorou esta última e cujos direitos de marca se extinguiram no termo do período de cinco anos previsto no artigo 10.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2008/95 pode alegar ter sofrido uma violação da função essencial da sua marca e solicitar, por conseguinte, a reparação de um dano, em consequência da utilização por um terceiro de um sinal idêntico ou semelhante durante o período de cinco anos que se seguiu ao registo da marca.

35

Foi nestas circunstâncias que a Cour de cassation (Tribunal de Cassação) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«[Devem o artigo 5.o, n.o 1, alínea b), e os artigos 10.o e 12.o da Diretiva 2008/95] ser interpretados no sentido de que o titular que nunca explorou a sua marca e cujos direitos de marca se extinguiram no termo do período de cinco anos subsequente à publicação do seu registo pode obter a indemnização [de um] prejuízo por contrafação, alegando que a função essencial da sua marca foi afetada pelo uso, por parte de um terceiro, anteriormente à data em que a extinção produziu efeitos, de um sinal semelhante a [esta] marca para designar produtos ou serviços idênticos ou similares àqueles para os quais [a referida] marca foi registada?»

Quanto à questão prejudicial

36

Com a sua questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 5.o, n.o 1, alínea b), o artigo 10.o, n.o 1, primeiro parágrafo, e o artigo 12.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2008/95 devem ser interpretados no sentido de que o titular de uma marca que viu os seus direitos extintos no termo do prazo de cinco anos a contar do seu registo por não ter feito uma utilização séria dessa marca, no Estado‑Membro em causa, para os produtos ou os serviços para os quais tinha sido registada conserva o direito de pedir a indemnização do dano sofrido em razão do uso por um terceiro, anteriormente à data em que a extinção produziu efeitos, de um sinal semelhante para produtos ou serviços idênticos ou semelhantes que se presta a confusão com a sua marca.

37

A este respeito, o Tribunal de Justiça já declarou que o artigo 15.o, n.o 1, e o artigo 51.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 207/2009 conferem ao titular de uma marca uma moratória para iniciar uma utilização séria dessa marca, durante a qual pode beneficiar do direito exclusivo conferido pela mesma, nos termos do artigo 9.o, n.o 1, deste regulamento, para todos os produtos ou serviços para os quais a referida marca está registada, sem ter de demonstrar essa utilização (Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Länsförsäkringar, C‑654/15, EU:C:2016:998, n.o 26).

38

Para determinar, em conformidade com o artigo 9.o, n.o 1, alínea b), do referido regulamento, se os produtos ou os serviços do alegado contrafator apresentam uma identidade ou uma semelhança com os produtos ou os serviços abrangidos pela marca da União Europeia em causa, há que apreciar, durante o período de cinco anos subsequente ao registo da marca da União Europeia, a extensão do direito exclusivo conferido por esta disposição relativamente aos produtos e serviços, conforme previstos pelo registo da marca, e não em relação à utilização que o titular pôde fazer dessa marca durante esse período (Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Länsförsäkringar, C‑654/15, EU:C:2016:998, n.o 27).

39

Na medida em que o artigo 9.o, n.o 1, o artigo 15.o, n.o 1, e o artigo 51.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 207/2009 correspondem, em substância, ao artigo 5.o, n.o 1, ao artigo 10.o, n.o 1, primeiro parágrafo, e ao artigo 12.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2008/95, esta jurisprudência é plenamente transponível por analogia para efeitos da interpretação destas últimas disposições.

40

Importa acrescentar que o Tribunal de Justiça considerou que, a partir do momento em que termine o prazo de cinco anos subsequente ao registo da marca da UE, a extensão deste direito exclusivo pode ser afetada pela declaração, feita na sequência de um pedido reconvencional ou de uma defesa quanto ao mérito apresentados por um terceiro numa ação por contrafação, de que o titular ainda não iniciou até esse momento uma utilização séria da sua marca para todos ou uma parte dos produtos e dos serviços para os quais foi registada (v., neste sentido, Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Länsförsäkringar, C‑654/15, EU:C:2016:998, n.o 28).

41

Ora, como observa o órgão jurisdicional de reenvio, o processo principal distingue‑se daquele que deu origem ao Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Länsförsäkringar (C‑654/15, EU:C:2016:998), na medida em que, precisamente, tem por objeto a questão da extensão do referido direito exclusivo no termo do prazo da moratória, quando já foi declarada a extinção da marca.

42

Por conseguinte, há que examinar se, no âmbito da Diretiva 2008/95, a extinção dos direitos conferidos pela marca em causa pode afetar a possibilidade de o seu titular invocar, após o termo da moratória, as violações, durante esse prazo, do direito exclusivo conferido por essa marca.

43

A este respeito, por um lado, em conformidade com o considerando 6 da Diretiva 2008/95, que enuncia, nomeadamente, que «[os] Estados‑Membros deverão manter a faculdade de determinar os efeitos da caducidade ou da nulidade das marcas», esta diretiva deixou toda a liberdade ao legislador nacional para determinar a data em que a extinção de uma marca produz os seus efeitos. Por outro lado, resulta do artigo 11.o, n.o 3, da referida diretiva que os Estados‑Membros continuam livres de decidir se pretendem prever que, em caso de pedido reconvencional de extinção, uma marca não pode ser validamente invocada num processo por contrafação se se verificar, na sequência de uma exceção, que o titular da marca pode ver extintos os seus direitos por força do artigo 12.o, n.o 1, da mesma diretiva.

44

No caso em apreço e como salientou o advogado‑geral no n.o 79 das suas conclusões, o legislador francês optou por fazer produzir os efeitos da extinção de uma marca por não utilização a partir do termo do prazo de cinco anos após o seu registo. Além disso, a decisão de reenvio não contém nenhum elemento que permita considerar que, à época dos factos em causa no processo principal, o legislador francês tinha feito uso da faculdade prevista no artigo 11.o, n.o 3, da Diretiva 2008/95.

45

Daqui resulta que a legislação francesa mantém a possibilidade de o titular da marca em causa invocar, após o termo da moratória, as violações que, durante esse prazo, forma cometidas contra o direito exclusivo conferido por essa marca, mesmo que o titular da marca tenha perdido os seus direitos sobre a mesma.

46

Quanto à fixação da indemnização por perdas e danos, há que fazer referência à Diretiva 2004/48, em particular ao seu artigo 13.o, n.o 1, primeiro parágrafo, segundo o qual essa indemnização por perdas e danos deve ser «adequada ao prejuízo [efetivamente sofrido pelo titular da marca]».

47

Embora a não utilização de uma marca não obste, por si só, a uma indemnização ligada à prática de atos de contrafação, esta circunstância não deixa de ser um elemento importante a ter em conta para determinar a existência e, sendo caso disso, a extensão do prejuízo sofrido pelo titular, e, portanto, o montante da indemnização por perdas e danos que este pode eventualmente pedir.

48

Tendo em conta as considerações anteriores, há que responder à questão submetida que o artigo 5.o, n.o 1, alínea b), o artigo 10.o, n.o 1, primeiro parágrafo, e o artigo 12.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2008/95, lidos em conjugação com o considerando 6 desta diretiva, devem ser interpretados no sentido de que deixam aos Estados‑Membros a faculdade de permitir que o titular de uma marca que viu os seus direitos extintos no termo do prazo de cinco anos a contar do seu registo, por não ter feito dessa marca uma utilização séria dessa marca no Estado‑Membro em causa para os produtos ou os serviços para os quais tinha sido registada, conserve o direito de pedir a indemnização do dano sofrido em razão do uso, por um terceiro, anteriormente à data em que a extinção produziu efeitos, de um sinal semelhante para produtos ou serviços idênticos ou semelhantes que se presta a confusão com a sua marca.

Quanto às despesas

49

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:

 

O artigo 5.o, n.o 1, alínea b), o artigo 10.o, n.o 1, primeiro parágrafo, e o artigo 12.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2008/95/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2008, que aproxima as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas, lidos em conjugação com o considerando 6 desta diretiva, devem ser interpretados no sentido de que deixam aos Estados‑Membros a faculdade de permitir que o titular de uma marca que viu os seus direitos extintos no termo do prazo de cinco anos a contar do seu registo, por não ter feito dessa marca uma utilização séria no Estado‑Membro em causa para os produtos ou os serviços para os quais tinha sido registada, conserve o direito de pedir a indemnização do dano sofrido em razão do uso, por um terceiro, anteriormente à data em que a extinção produziu efeitos, de um sinal semelhante para produtos ou serviços idênticos ou semelhantes que se presta a confusão com a sua marca.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: francês.