ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção)

19 de dezembro de 2019 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Regulamento (UE) n.o 528/2012 — Artigo 3.o, n.o 1, alíneas a) e c) — Conceito de “produto biocida” — Conceito de “substância ativa” — Produto bacteriano que contém a espécie Bacillus fermente — Meio de ação diferente de uma simples ação física ou mecânica — Meio de ação indireto — Período de atuação do produto»

No processo C‑592/18,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo College van Beroep voor het bedrijfsleven (Tribunal de Recurso do Contencioso Administrativo em Matéria Económica, Países Baixos), por Decisão de 18 de setembro de 2018, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 21 de setembro de 2018, no processo

Darie BV

contra

Staatssecretaris van Infrastructuur en Milieu,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção),

composto por: S. Rodin, presidente de secção, K. Jürimäe e N. Piçarra (relator), juízes,

advogado‑geral: J. Kokott,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

considerando as observações apresentadas:

em representação da Darie BV, por H. Lamon e J. A. M. Jonkhout, advocaten,

em representação do Governo neerlandês, por M. K. Bulterman e C. S. Schillemans, na qualidade de agentes,

em representação do Governo austríaco, inicialmente, por G. Hesse, em seguida, por J. Schmoll, na qualidade de agentes,

em representação do Governo norueguês, por J. T. Kaasin e T. Skjeie, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por L. Haasbeek e R. Lindenthal, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 17 de outubro de 2019,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 3.o do Regulamento (UE) n.o 528/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2012, relativo à disponibilização no mercado e à utilização de produtos biocidas (JO 2012, L 167, p. 1).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Darie BV, uma sociedade comercial que opera no mercado grossista de produtos de manutenção, limpeza e lavagem, ao Staatssecretaris van Infrastructuur en Milieu (secretário de Estado das Infraestruturas e do Ambiente, Países Baixos) (a seguir «secretário de Estado») a respeito da legalidade de uma decisão deste último que ordenou à Darie que pusesse termo à disponibilização no mercado de um produto que o secretário de Estado qualificou de «produto biocida» e que não foi autorizado.

Quadro jurídico

Direito da União

Regulamento n.o 528/2012

3

O considerando 5 do Regulamento n.o 528/2012 tem a seguinte redação:

«As regras relativas à disponibilização no mercado de produtos biocidas na Comunidade foram instauradas pela Diretiva 98/8/CE [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de fevereiro de 1998, relativa à colocação de produtos biocidas no mercado (JO 1998, L 123, p. 1)]. É necessário adaptar essas regras à luz da experiência adquirida, em especial do relatório relativo aos primeiros sete anos da sua aplicação apresentado pela Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho, que analisa os problemas e fragilidades da referida diretiva.»

4

O artigo 1.o deste regulamento, com a epígrafe «Finalidade e objeto», dispõe:

«1.   O presente regulamento visa melhorar o funcionamento do mercado interno através da harmonização das normas relativas à disponibilização no mercado e à utilização de produtos biocidas, assegurando simultaneamente um elevado nível de proteção da saúde humana e animal e do ambiente. As disposições do presente regulamento assentam no princípio da precaução, com o qual se pretende preservar a saúde dos seres humanos, a saúde dos animais e o ambiente. […]

2.   O presente regulamento estabelece regras para:

a)

A criação, ao nível da União, de uma lista das substâncias ativas que podem ser utilizadas em produtos biocidas;

b)

A autorização de produtos biocidas;

[…]»

5

O artigo 2.o do referido regulamento, com a epígrafe «Âmbito de aplicação», prevê, no seu n.o 1:

«O presente regulamento é aplicável aos produtos biocidas e aos artigos tratados. O anexo V contém uma lista dos tipos de produtos biocidas abrangidos pelo presente regulamento e as respetivas descrições.»

6

O artigo 3.o do mesmo regulamento, intitulado «Definições», dispõe, no seu n.o 1:

«Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

a)

“Produtos biocidas”:

qualquer substância ou mistura, na forma em que são fornecidos ao utilizador, que consistam, contenham ou que gerem uma ou mais substâncias ativas, com o objetivo de destruir, repelir ou neutralizar um organismo prejudicial, prevenir a sua ação ou controlá‑la de qualquer outra forma, por meios que não sejam a simples ação física ou mecânica,

qualquer substância ou mistura gerada a partir de substâncias ou misturas que não sejam abrangidas pelo âmbito de aplicação do primeiro travessão e utilizada com o objetivo de destruir, repelir ou neutralizar um organismo prejudicial, prevenir a sua ação ou controlá‑la de qualquer outra forma, por meios que não sejam a simples ação física ou mecânica;

Um artigo tratado que tenha uma função biocida primária é considerado um produto biocida;

[…]

c)

“Substância ativa”: uma substância ou um microrganismo que exerça uma ação sobre ou contra organismos prejudiciais;

[…]

g)

“Organismo prejudicial”: um organismo, incluindo agentes patogénicos, cuja presença seja indesejável ou prejudicial para os seres humanos, para as suas atividades ou para os produtos que utilizam ou produzem, ou para os animais ou o ambiente;

[…]»

7

O artigo 17.o, n.o 1, do Regulamento n.o 528/2012 dispõe:

«Só podem ser disponibilizados no mercado, ou utilizados, os produtos biocidas que tenham sido autorizados nos termos do presente regulamento.»

8

O anexo V deste regulamento, intitulado «Tipos de produtos biocidas e sua descrição, na aceção do artigo 2.o, n.o 1», classifica estes produtos em quatro grupos, a saber, os desinfetantes, os conservantes, os produtos de controlo de animais prejudiciais e os outros produtos biocidas. Este anexo precisa, por um lado, que os desinfetantes não incluem os produtos de limpeza que não se destinam a fins biocidas e, por outro, que os conservantes, salvo indicação em contrário, incluem apenas produtos destinados a prevenir o desenvolvimento de micróbios e de algas.

Diretiva 98/8

9

O artigo 2.o da Diretiva 98/8, com a epígrafe «Definições», que foi revogada e substituída pelo Regulamento n.o 528/2012, dispunha, no seu n.o 1:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

a)

Produtos biocidas

Substâncias ativas e preparações que contenham uma ou mais substâncias ativas, apresentadas sob a forma em que são fornecidas ao utilizador, e que se destinem a destruir, travar o crescimento, tornar inofensivo, evitar ou controlar de qualquer outra forma a ação de um organismo prejudicial por mecanismos químicos ou biológicos.

[…]»

Regulamento (CE) n.o 648/2004

10

No considerando 21 do Regulamento (CE) n.o 648/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativo aos detergentes (JO 2004, L 104, p. 1), recorda‑se «que outra legislação horizontal […] é aplicável aos tensoativos nos detergentes», incluindo a Diretiva 98/8.

11

O artigo 2.o, ponto 1, deste regulamento enuncia a definição de «detergente» para efeitos do referido regulamento.

Direito neerlandês

12

O artigo 1.o da Wet gewasbeschermingsmiddelen en biociden (Lei Relativa aos Produtos Fitofarmacêuticos e Biocidas; a seguir «Wgb»), com a epígrafe «Definições», dispõe:

«1.   Para efeitos da presente lei e das disposições que nela se fundamentam, entende se por:

[…]

Produtos biocidas: os produtos biocidas definidos no artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento [n.o 528/2012];

[…]»

13

Nos termos do artigo 43.o da Wgb, com a epígrafe «Infrações ao regulamento»:

«1.   É proibido atuar em violação do artigo 17.o, n.os 1, 5 e 6, […] do Regulamento [n.o 528/2012] ou dos regulamentos adotados em sua execução.

[…]»

14

O artigo 86.o da Wgb, com a epígrafe «Coação administrativa», prevê:

«O ministro tem competência para aplicar uma sanção pecuniária compulsória para garantir a aplicação das regras impostas por ou nos termos da presente lei e pelo artigo 5:20 da Algemene wet bestuursrecht [(Lei Geral Administrativa)], no que diz respeito à obrigação da cooperação a prestar aos funcionários designados nos termos do artigo 82.o»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

15

Por Decisão de 13 de janeiro de 2017, o secretário de Estado, baseando‑se nas disposições conjugadas dos artigos 43.o e 86.o da Wgb e do artigo 17.o, n.o 1, do Regulamento n.o 528/2012, ordenou à Darie, sob pena de uma sanção pecuniária compulsória de 1000 euros por semana, até ao limite máximo de 25000 euros, que pusesse termo à disponibilização do produto Pure Air no mercado, que qualificou de «produto biocida» e que não foi autorizado pela autoridade competente, a saber, o College voor de toelating van gewasbeschermingsmiddelen en biociden (Autoridade competente para autorizar os produtos fitofarmacêuticos e biocidas, Países Baixos).

16

A Darie apresentou uma reclamação contra a decisão do secretário de Estado, alegando que este classificou erradamente o Pure Air como um «produto biocida», na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 528/2012.

17

Por Decisão de 26 de maio de 2017, o secretário de Estado indeferiu essa reclamação.

18

A Darie interpôs recurso dessa decisão no College van Beroep voor het bedrijfsleven (Tribunal de Recurso do Contencioso Administrativo em Matéria Económica, Países Baixos), contestando a qualificação do Pure Air como «produto biocida», na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 528/2012. Segundo esta sociedade, o Pure Air tem um efeito probiótico e não biocida, na medida em que a espécie bacteriana Bacillus ferment presente nesse produto produz enzimas que assimilam e consomem todos os resíduos orgânicos de que se alimentam os microrganismos, pelo que, nas superfícies tratadas com o referido produto, não se podem criar biótopos propícios ao desenvolvimento de microrganismos, como os fungos.

19

O órgão jurisdicional de reenvio indica que o rótulo do Pure Air descreve este produto como um líquido concentrado biodegradável para pulverizar, enriquecido com probióticos e que contém, nomeadamente, a espécie bacteriana Bacillus ferment, utilizada «para garantir que os fungos sejam eliminados» e para a «eliminação e prevenção de odores desagradáveis», introduzindo uma microflora saudável e segura nas superfícies pulverizadas. As instruções de utilização do Pure Air precisam, por um lado, que, antes de pulverizar esse produto nas superfícies a tratar, é necessário eliminar os fungos «para poder partir do zero» e, por outro, que, «[p]ara garantir que os fungos sejam eliminados e não voltem, é necessário continuar a vaporizar o produto [Pure Air] uma vez [em] cada 3 [ou] 4 semanas, em função do nível de humidade da habitação».

20

Esse órgão jurisdicional acrescenta que, em 22 de março de 2017, o sítio Internet da Darie divulgava a informação de que «[o]s produtos de limpeza probióticos funcionam como as técnicas tradicionais. Eliminam toda a sujidade visível. No entanto, existe uma diferença importante. Eliminam também todos os potenciais agentes patogénicos, tais como fungos e bactérias [prejudiciais]. Ao eliminar‑se o meio de cultura dos agentes patogénicos, o número de más bactérias e fungos será consideravelmente reduzido. Além disso, o produto é seguro e sustentável. A sua base consiste em água e boas bactérias e, consequentemente, é o produto mais respeitador do ambiente disponível no mercado».

21

O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre se a ação do Pure Air reivindicada pela Darie, que consiste em combater não os organismos prejudiciais mas sim a criação ou a manutenção do ambiente de vida desses organismos, se enquadra no conceito de «produto biocida» definido no artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 528/2012, lido em conjugação com o artigo 3.o, n.o 1, alínea c), deste regulamento.

22

Nestas circunstâncias, o College van Beroep voor het bedrijfsleven (Tribunal de Recurso do Contencioso Administrativo em Matéria Económica) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o conceito de “produtos biocidas”, constante do artigo 3.o do Regulamento n.o 528/2012, ser interpretado no sentido de que também abrange os produtos compostos por uma ou mais espécies bacterianas, enzimas ou outros componentes que, em virtude da sua ação específica, não afetam diretamente o organismo prejudicial a que se destinam, mas sim a criação ou a manutenção do eventual ambiente de vida desse organismo prejudicial, e, em caso afirmativo, quais são os requisitos que devem ser impostos a esse tipo de ação?

2)

É relevante para a resposta à primeira questão saber se o local em que o referido produto é aplicado está livre do organismo prejudicial e, na afirmativa, qual é o critério que permite avaliar se assim é?

3)

É relevante para a resposta à primeira questão saber qual o período de atuação?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à admissibilidade

23

A Darie alega que o pedido de decisão prejudicial deve ser julgado inadmissível com o fundamento de que o órgão jurisdicional de reenvio dispõe de todos os elementos que lhe permitem declarar que o produto em causa no processo principal não é um produto biocida, sem que seja necessário submeter questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça. Além disso, o Tribunal de Justiça, no seu Acórdão de 1 de março de 2012, Söll (C‑420/10, a seguir Acórdão Söll, EU:C:2012:111), já respondeu à primeira questão.

24

A este respeito, importa recordar que, no âmbito da cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais instituída pelo artigo 267.o TFUE, o juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão judicial a tomar, tem competência exclusiva para apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça. Consequentemente, desde que as questões submetidas sejam relativas à interpretação do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se [Acórdão de 25 de julho de 2018, AY (Mandado de detenção — Testemunha), C‑268/17, EU:C:2018:602, n.o 24 e jurisprudência referida].

25

Daqui se conclui que as questões relativas à interpretação do direito da União submetidas pelo juiz nacional no quadro regulamentar e factual que define sob a sua responsabilidade, e cuja exatidão não cabe ao Tribunal de Justiça verificar, gozam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre um pedido de decisão prejudicial apresentado por um órgão jurisdicional nacional se for manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou quando o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas [Acórdão de 25 de julho de 2018, AY (Mandado de detenção — Testemunha), C‑268/17, EU:C:2018:602, n.o 25 e jurisprudência referida].

26

Ora, no caso em apreço, está pendente no órgão jurisdicional de reenvio um litígio relativo, em substância, à qualificação do produto Pure Air como «produto biocida», na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 528/2012. Dado que este órgão jurisdicional pede a interpretação dos conceitos de «produto biocida» e de «substância ativa», na aceção deste regulamento, e que fornece ao Tribunal de Justiça os elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões submetidas, não há dúvida de que as referidas questões são pertinentes para a solução do litígio e que os requisitos de admissibilidade do pedido de decisão prejudicial, recordados no número anterior, estão preenchidos.

27

Por conseguinte, o presente pedido de decisão prejudicial é admissível.

Quanto ao mérito

Quanto à primeira questão

28

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o conceito de «produto biocida», na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 528/2012, deve ser interpretado no sentido de que abrange produtos que contêm uma ou mais espécies bacterianas, enzimas ou outros componentes que, em virtude do seu meio de ação específico, não afetam diretamente os organismos prejudiciais a que se destinam, mas sim a criação ou a manutenção de um ambiente de vida desses organismos, e, em caso afirmativo, quais são os requisitos que devem ser impostos a esse tipo de ação.

29

A este respeito, importa recordar que, na medida em que o Regulamento n.o 528/2012 revogou e substituiu a Diretiva 98/8, a interpretação das disposições desta diretiva fornecida pelo Tribunal de Justiça é igualmente válida para este regulamento, quando as disposições dos dois instrumentos do direito da União possam ser qualificadas de equivalentes (v., neste sentido, Acórdãos de 16 de novembro de 2016, Schmidt, C‑417/15, EU:C:2016:881, n.o 26; de 9 de março de 2017, Pula Parking, C‑551/15, EU:C:2017:193, n.o 31; e de 15 de novembro de 2018, Kuhn, C‑308/17, EU:C:2018:911, n.o 31).

30

No n.o 31 do Acórdão Söll, o Tribunal de Justiça declarou que o conceito de «produtos biocidas» constante do artigo 2.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 98/8 devia ser interpretado no sentido de que incluía os produtos que só atuam de forma indireta nos organismos prejudiciais a que se destinam, desde que contenham uma ou mais substâncias ativas que impliquem uma reação, química ou biológica, que faça parte integrante de uma cadeia de causalidade cujo objetivo seja produzir um efeito inibidor nos referidos organismos.

31

A este respeito, importa precisar que, no n.o 24 do Acórdão Söll, o Tribunal de Justiça salientou que o artigo 2.o, n.o 1, alínea a), primeiro parágrafo, da Diretiva 98/8 articula a definição de produtos biocidas em torno de três elementos cumulativos. Estes eram relativos à presença de uma «substância ativa» no produto, à prossecução de determinadas finalidades pelo produto e ao seu meio de ação química ou biológica. A conclusão a que chegou o Tribunal de Justiça no n.o 31 desse acórdão baseava‑se, em especial, numa análise do segundo elemento desta definição, lido à luz dos objetivos desta diretiva.

32

Ora, a análise comparativa da redação do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 528/2012 e do artigo 2.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 98/8 evidencia que este elemento tem uma redação análoga em ambas as disposições, no sentido de que a qualificação de «produto biocida» está, nomeadamente, subordinada à circunstância de o produto ter «o objetivo de destruir, repelir ou neutralizar um organismo prejudicial, prevenir a sua ação ou controlá‑la de qualquer outra forma».

33

Nestas condições, como salientou a advogada‑geral no n.o 29 das suas conclusões, a interpretação adotada no Acórdão Söll, segundo a qual o conceito de «produto biocida» abrange não apenas os efeitos diretos mas também os efeitos indiretos de um produto, continua, portanto, a aplicar‑se ao conceito de «produto biocida», na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 528/2012.

34

Tal interpretação é igualmente coerente com o contexto em que esta disposição se insere. Com efeito, importa recordar que o artigo 3.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 528/2012 define o conceito de «substância ativa», de que um produto biocida pode ser composto, como «uma substância ou um microrganismo que exerça uma ação sobre ou contra organismos prejudiciais». As duas vertentes alternativas deste conceito, a saber, uma ação «sobre» organismos prejudiciais e uma ação «contra» tais organismos, confirmam que tal conceito compreende não só as ações diretas sobre os organismos prejudiciais mas também as ações indiretas contra esses organismos, desde que os seus efeitos façam parte integrante de uma cadeia de causalidade cujo objetivo seja produzir um efeito inibidor nos referidos organismos.

35

Em contrapartida, importa salientar que, no que diz respeito ao meio de ação de um produto biocida, o artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 528/2012, diferentemente do artigo 2.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 98/8, não o limita a «mecanismos químicos ou biológicos», mas alarga‑o a quaisquer «meios que não sejam a simples ação física ou mecânica».

36

Como salientou a advogada‑geral no n.o 27 das suas conclusões, este regulamento não reproduz a proposta da Comissão de limitar expressamente o conceito de «produto biocida» aos efeitos biológicos e químicos, como previa o artigo 3.o, n.o 1, alínea a), da proposta da Comissão, de 12 de junho de 2009, para um regulamento relativo à colocação no mercado e à utilização de produtos biocidas (COM[2009] 267 final).

37

O alargamento da definição do meio de ação de um produto biocida, efetuado pelo Regulamento n.o 528/2012, é coerente com o objetivo, recordado no considerando 5 deste regulamento, de adaptar as regras da Diretiva 98/8 «à luz da experiência adquirida» e garantir um nível de proteção mais elevado da saúde humana e animal e do ambiente.

38

Daqui decorre que a circunstância de um produto ter um efeito probiótico, e não químico, não se opõe, por si só, à sua qualificação de «produto biocida», na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 528/2012. Pelo contrário, desde que o efeito probiótico de um produto resulte de «meios que não sejam a simples ação física ou mecânica», na aceção desta disposição, e que estejam preenchidos os demais requisitos previstos na mesma, esse produto entra, incontestavelmente, no âmbito de aplicação da referida disposição.

39

Nestas condições, há que responder à primeira questão que o conceito de «produto biocida», na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 528/2012, deve ser interpretado no sentido de que abrange produtos que contêm uma ou mais espécies bacterianas, enzimas ou outros componentes que, em virtude do seu meio de ação específico, não afetam, em princípio, diretamente os organismos prejudiciais a que se destinam, mas sim a criação ou a manutenção de um ambiente de vida desses organismos, desde que esses produtos impliquem uma ação diferente de uma simples ação física ou mecânica, que faça parte integrante de uma cadeia de causalidade cujo objetivo seja produzir um efeito inibidor nos referidos organismos.

Quanto à segunda questão

40

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 528/2012 deve ser interpretado no sentido de que o facto de um produto só dever ser aplicado na superfície a tratar depois da eliminação dos organismos prejudiciais a que se destina, presentes nessa superfície, é relevante para a qualificação desse produto como «produto biocida», na aceção desta disposição, e, em caso de resposta afirmativa a esta questão, qual é o critério à luz do qual se deve apreciar se a superfície a tratar está efetivamente livre desses organismos na sequência da referida eliminação.

41

A este respeito, importa sublinhar, em primeiro lugar, que a gradação das finalidades dos produtos biocidas efetuada no artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 528/2012 enumera as finalidades dos produtos biocidas. Estas vão da destruição dos organismos prejudiciais à prevenção contra os mesmos (v., neste sentido, Acórdão Söll, n.o 28). Por outro lado, o anexo V deste regulamento, que contém a lista dos produtos biocidas abrangidos pelo referido regulamento, inclui nesta lista produtos com ação preventiva que são geralmente utilizados em ambientes livres de organismos prejudiciais.

42

Daqui resulta que o conceito de «produto biocida», na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 528/2012, é entendido em sentido amplo e abrange, nomeadamente, produtos preventivos. Esta interpretação ampla é corroborada pelo objetivo enunciado no artigo 1.o deste regulamento, baseado no princípio da precaução, de assegurar «um elevado nível de proteção da saúde humana e animal e do ambiente».

43

Ora, este objetivo não poderia ser plenamente cumprido se produtos que contêm «substâncias ativas», na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 528/2012, não fossem qualificados de «produtos biocidas» em virtude do seu efeito simplesmente preventivo nos organismos prejudiciais a que se destinam e não estivessem sujeitos às regras relativas à disponibilização no mercado e à utilização desses produtos, estabelecidas neste regulamento.

44

Com efeito, como o Tribunal de Justiça declarou no n.o 27 do Acórdão Söll, é a própria presença da substância ativa enquanto tal que é suscetível de apresentar um risco para o ambiente, independentemente do ponto de saber se essa substância atua de maneira direta ou indireta nos organismos a que se destina.

45

Em segundo lugar, o conceito de «substância ativa», na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 528/2012, não requer a destruição dos organismos prejudiciais. Com efeito, quando espécies bacterianas, enzimas ou outros componentes de um produto impedem a criação ou a manutenção do ambiente de vida dos organismos prejudiciais a que esse produto se destina, retirando‑lhes o ambiente alimentar, atuam, enquanto substância ativa, preventivamente, contra esses organismos.

46

Assim, o facto de os organismos prejudiciais a que o produto se destina terem sido previamente eliminados por uma ação diferente da produzida pela substância em causa, admitindo‑o demonstrado, não põe em causa a qualificação dessa substância, que atua na criação de um ambiente propício a esses organismos prejudiciais, como «substância ativa», na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 528/2012.

47

Em terceiro lugar, o eventual efeito de limpeza de um produto que contém uma ou mais espécies bacterianas, enzimas ou outros componentes que, em virtude do seu meio de ação específico, não atuam diretamente nos organismos prejudiciais, mas sim na criação ou na manutenção de um ambiente de vida desses organismos, não exclui a sua qualificação como «produto biocida».

48

Com efeito, como salientou a advogada‑geral nos n.os 32 e 33 das suas conclusões, os detergentes não estão excluídos do âmbito de aplicação do Regulamento n.o 528/2012. Por outro lado, como resulta nomeadamente do considerando 21 do Regulamento n.o 648/2004, um produto pode ser qualificado simultaneamente de «detergente», na aceção do artigo 2.o, n.o 1, deste regulamento, e de «produto biocida», na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 528/2012.

49

Por conseguinte, só as características enunciadas no artigo 3.o, n.o 1, alíneas a) e c), do Regulamento n.o 528/2012 são pertinentes para efeitos de qualificar um produto de «produto biocida».

50

Tendo em conta o que precede, há que responder à segunda questão que o artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 528/2012 deve ser interpretado no sentido de que o facto de um produto só dever ser aplicado na superfície a tratar depois da eliminação dos organismos prejudiciais a que se destina, presentes nessa superfície, não é relevante para a qualificação desse produto como «produto biocida», na aceção desta disposição.

Quanto à terceira questão

51

Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 528/2012 deve ser interpretado no sentido de que o período de atuação de um produto é relevante para a qualificação desse produto como «produto biocida», na aceção desta disposição.

52

A este respeito, resulta da análise efetuada no âmbito da segunda questão que só os elementos que integram os conceitos de «produto biocida» e de «substância ativa», na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alíneas a) e c), do Regulamento n.o 528/2012, são pertinentes para qualificar um produto de «produto biocida». Ora, o período de atuação de um produto não faz parte desses elementos.

53

Por conseguinte, há que responder à terceira questão que o artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 528/2012 deve ser interpretado no sentido de que o período de atuação de um produto não é relevante para a qualificação desse produto como «produto biocida», na aceção desta disposição.

Quanto às despesas

54

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Nona Secção) declara:

 

1)

O conceito de «produto biocida», na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento (UE) n.o 528/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2012, relativo à disponibilização no mercado e à utilização de produtos biocidas, deve ser interpretado no sentido de que abrange produtos que contêm uma ou mais espécies bacterianas, enzimas ou outros componentes que, em virtude do seu meio de ação específico, não afetam, em princípio, diretamente os organismos prejudiciais a que se destinam, mas sim a criação ou a manutenção de um ambiente de vida desses organismos, desde que esses produtos impliquem uma ação diferente de uma simples ação física ou mecânica, que faça parte integrante de uma cadeia de causalidade cujo objetivo seja produzir um efeito inibidor nos referidos organismos.

 

2)

O artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 528/2012 deve ser interpretado no sentido de que o facto de um produto só dever ser aplicado na superfície a tratar depois da eliminação dos organismos prejudiciais a que se destina, presentes nessa superfície, não é relevante para a qualificação desse produto como «produto biocida», na aceção desta disposição.

 

3)

O artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 528/2012 deve ser interpretado no sentido de que o período de atuação de um produto não é relevante para a qualificação desse produto como «produto biocida», na aceção desta disposição.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: neerlandês.