ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

19 de março de 2020 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Política de asilo — Procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de proteção internacional — Diretiva 2013/32/UE — Pedido de proteção internacional — Artigo 33.o, n.o 2 — Fundamentos de inadmissibilidade — Regulamentação nacional que prevê a inadmissibilidade do pedido se o requerente tiver chegado ao Estado‑Membro em causa por um país onde não estava exposto a perseguições ou ao risco de ofensas graves, ou se esse país conceder proteção suficiente — Artigo 46.o — Direito a um recurso efetivo — Fiscalização jurisdicional das decisões administrativas sobre a inadmissibilidade de pedidos de proteção internacional — Prazo de oito dias para decidir — Artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia»

No processo C‑564/18,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Fővárosi Közigazgatási és Munkaügyi Bíróság (Tribunal Administrativo e do Trabalho de Budapeste‑Capital, Hungria), por Decisão de 21 de agosto de 2018, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 7 de setembro de 2018, no processo

LH

contra

Bevándorlási és Menekültügyi Hivatal,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: J.‑C. Bonichot, presidente de secção, R. Silva de Lapuerta (relatora), vice‑presidente do Tribunal de Justiça, M. Safjan, L. Bay Larsen e C. Toader, juízes,

advogado‑geral: M. Bobek,

secretário: I. Illéssy, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 11 de setembro de 2019,

vistas as observações apresentadas:

em representação de LH, por T. Á. Kovács e B. Pohárnok, ügyvédek,

em representação do Governo húngaro, inicialmente por M. Z. Fehér, G. Tornyai e M. M. Tátrai e, em seguida, por M. Z. Fehér e M. M. Tátrai, na qualidade de agentes,

em representação do Governo alemão, inicialmente por T. Henze e R. Kanitz e, em seguida, por este último, na qualidade de agentes,

em representação do Governo francês, por D. Colas, D. Dubois e E. de Moustier, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por M. Condou‑Durande, A. Tokár e J. Tomkin, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 5 de dezembro de 2019,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 33.o e do artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa a procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de proteção internacional (JO 2013, L 180, p. 60), bem como do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe LH ao Bevándorlási és Menekültügyi Hivatal (Serviço de Imigração e de Asilo, Hungria), na sequência da decisão deste último de indeferir o seu pedido de proteção internacional por inadmissibilidade, sem apreciação do mérito, e de ordenar o seu afastamento, acompanhada por uma proibição de entrada e de residência com uma duração de dois anos.

Quadro jurídico

Direito da União

3

Os considerandos 11, 12, 18, 43, 44, 50, 56 e 60 da Diretiva 2013/32 enunciam:

«(11)

No intuito de garantir uma avaliação global e eficiente das necessidades de proteção internacional dos requerentes, na aceção da Diretiva 2011/95/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, que estabelece normas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional, a um estatuto uniforme para refugiados ou pessoas elegíveis para proteção subsidiária e ao conteúdo da proteção concedida [(JO 2011, L 337, p. 9)], o enquadramento legal da União em matéria de procedimentos de concessão e retirada de proteção internacional deverá basear‑se no conceito de um procedimento de asilo único.

(12)

O principal objetivo da presente diretiva consiste em prosseguir o desenvolvimento das normas aplicáveis aos procedimentos de concessão e retirada de proteção internacional dos Estados‑Membros com vista à instituição de um procedimento de asilo comum na União.

[…]

(18)

É do interesse tanto dos Estados‑Membros como dos requerentes de proteção internacional que a decisão dos pedidos de proteção internacional seja proferida o mais rapidamente possível, sem prejuízo de uma apreciação adequada e completa.

[…]

(43)

Os Estados‑Membros deverão apreciar todos os pedidos quanto ao fundo, ou seja, avaliar se o requerente em causa preenche as condições necessárias para beneficiar de proteção internacional nos termos da Diretiva 2011/95/UE, salvo disposição em contrário da presente diretiva, em especial quando se possa razoavelmente presumir que outro país procederia à apreciação ou proporcionaria proteção suficiente. […]

(44)

Do mesmo modo, os Estados‑Membros não deverão ser obrigados a apreciar um pedido de proteção internacional quanto ao fundo sempre que seja razoável esperar que o requerente, devido a uma ligação suficiente a um país terceiro definida pelo direito interno, procure proteção nesse país terceiro e existam motivos para considerar que será admitido ou readmitido nesse país. Os Estados‑Membros só deverão proceder nessa base caso esse requerente, em concreto, esteja em segurança no país terceiro em causa. A fim de prevenir fluxos secundários de requerentes de asilo, deverão ser estabelecidos princípios comuns aplicáveis à designação de países terceiros como seguros pelos Estados‑Membros.

[…]

(50)

Um dos princípios fundamentais do direito da União implica que as decisões relativas a um pedido de proteção internacional […] sejam passíveis de recurso efetivo perante um órgão jurisdicional.

[…]

(56)

Atendendo a que o objetivo da presente diretiva, a saber, estabelecer procedimentos comuns para a concessão e retirada da proteção internacional […]

[…]

(60)

A presente diretiva respeita os direitos fundamentais e observa os princípios consagrados na Carta. Em especial, a presente diretiva procura assegurar o pleno respeito da dignidade humana e promover a aplicação dos artigos 1.o, 4.o, 18.o, 19.o, 21.o, 23.o, 24.o e 47.o da Carta, devendo ser aplicada em conformidade com estas disposições.»

4

O artigo 1.o da Diretiva 2013/32 prevê:

«A presente diretiva tem por objetivo definir procedimentos comuns para a concessão e retirada da proteção internacional nos termos da Diretiva 2011/95/UE.»

5

Sob a epígrafe «Garantias dos requerentes», o artigo 12.o da Diretiva 2013/32 enuncia:

«1.   Relativamente aos procedimentos previstos no capítulo III, os Estados‑Membros asseguram que todos os requerentes beneficiem das garantias seguintes:

[…]

b)

Beneficiar, sempre que necessário, dos serviços de um intérprete para apresentarem as suas pretensões às autoridades competentes. […]

c)

Não lhes ser recusada a possibilidade de comunicarem com o [Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR)] ou com qualquer outra organização que preste assistência jurídica ou outro aconselhamento […]

d)

Terem, tal como, se for caso disso, os seus advogados ou consultores, nos termos do artigo 23.o, n.o 1, acesso às informações referidas no artigo 10.o, n.o 3, alínea b), e às informações prestadas pelos peritos referidos no artigo 10.o, n.o 3, alínea d), […]

e)

Ser avisados, num prazo razoável, da decisão proferida pelo órgão de decisão relativamente ao seu pedido. […]

[…]

2.   Relativamente aos procedimentos previstos no capítulo V, os Estados‑Membros asseguram que todos os requerentes beneficiem de garantias equivalentes às referidas no n.o 1, alíneas b) a e).»

6

O artigo 20.o, n.o 1, dessa diretiva prevê:

«Os Estados‑Membros devem assegurar a concessão de assistência jurídica e representação gratuitas, a pedido do interessado nos procedimentos de recurso previstos no capítulo V […]»

7

O artigo 22.o da referida diretiva reconhece o direito dos requerentes de proteção internacional à assistência jurídica e à representação em todas as fases do procedimento.

8

O artigo 24.o desta diretiva, sob a epígrafe «Requerentes com necessidade de garantias processuais especiais», prevê, no n.o 3:

«Os Estados‑Membros asseguram que, caso os requerentes tenham sido identificados como requerentes com necessidade de garantias processuais especiais, recebem o apoio adequado que lhes permita exercer os direitos e cumprir as obrigações da presente diretiva durante toda a duração do processo de asilo.

[…]»

9

O artigo 25.o da Diretiva 2013/32 visa as garantias dos menores não acompanhados.

10

O artigo 31.o desta diretiva, sob a epígrafe «Procedimento de apreciação», que inicia o capítulo III da mesma, ele próprio intitulado «Procedimentos em primeira instância», prevê, no n.o 2:

«Os Estados‑Membros asseguram a conclusão do procedimento de apreciação o mais rapidamente possível, sem prejuízo da adequação e exaustividade da apreciação.»

11

Nos termos do artigo 33.o da mesma diretiva:

«1.   Além dos casos em que um pedido não é apreciado em conformidade com o Regulamento (UE) n.o 604/2013 [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional apresentado num dos Estados‑Membros por um nacional de um país terceiro ou um apátrida (JO 2013, L 180, p. 31)], os Estados‑Membros não são obrigados a analisar se o requerente preenche as condições para beneficiar de proteção internacional, em conformidade com a Diretiva 2011/95/UE, quando o pedido for considerado não admissível nos termos do presente artigo.

2.   Os Estados‑Membros podem considerar não admissível um pedido de proteção internacional apenas quando:

a)

Outro Estado‑Membro tiver concedido proteção internacional;

b)

Um país, que não um Estado‑Membro, for considerado o primeiro país de asilo para o requerente, nos termos do artigo 35.o;

c)

Um país, que não um Estado‑Membro, for considerado país terceiro seguro para o requerente, nos termos do artigo 38.o;

d)

O pedido for um pedido subsequente, em que não surgiram nem foram apresentados pelo requerente novos elementos ou dados relacionados com a análise do cumprimento das condições para o requerente beneficiar da proteção internacional nos termos da Diretiva 2011/95/UE; ou

e)

Uma pessoa a cargo do requerente tiver introduzido um pedido depois de ter consentido, nos termos do artigo 7.o, n.o 2, que o seu caso fosse abrangido por um pedido apresentado em seu nome e não existam elementos relativos à situação dessa pessoa que justifiquem um pedido separado.»

12

Nos termos do artigo 35.o da Diretiva 2013/32:

«Um país pode ser considerado primeiro país de asilo para um requerente, se este:

a)

Tiver sido reconhecido nesse país como refugiado e possa ainda beneficiar dessa proteção; ou

b)

Usufruir de outro modo, nesse país, de proteção suficiente, incluindo o benefício do princípio da não repulsão,

desde que seja readmitido nesse país.

Ao aplicarem o conceito de primeiro país de asilo à situação específica de um requerente, os Estados‑Membros podem ter em conta o artigo 38.o, n.o 1. O requerente deve ser autorizado a contestar a aplicação do conceito de primeiro país de asilo nas suas circunstâncias específicas.»

13

O artigo 38.o desta diretiva tem a seguinte redação:

«1.   Os Estados‑Membros só podem aplicar o conceito de país terceiro seguro quando as autoridades competentes se certificarem de que uma pessoa que requer proteção internacional será tratada no país terceiro em causa de acordo com os seguintes princípios:

a)

Não ameaça da vida e liberdade em virtude da raça, religião, nacionalidade, pertença a determinado grupo social ou opinião política;

b)

Inexistência de risco de danos graves, na aceção da Diretiva 2011/95/UE;

c)

Respeito do princípio da não repulsão nos termos da [Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados, assinada em Genebra, em 28 de julho de 1951 [Recueil des traités des Nations unies, vol. 189, p. 150, n.o 2545 (1954)], completada pelo Protocolo Relativo ao Estatuto dos Refugiados, celebrado em Nova Iorque, em 31 de janeiro de 1967, que entrou em vigor em 4 de outubro de 1967 (a seguir “Convenção de Genebra”)];

d)

Respeito da proibição do afastamento, em violação do direito de não ser objeto de tortura nem de tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes consagrado na legislação internacional; e

e)

Concessão da possibilidade de pedir o estatuto de refugiado e de, se a pessoa for considerada refugiada, receber proteção em conformidade com a Convenção de Genebra.

2.   A aplicação do conceito de país terceiro seguro está subordinada às regras estabelecidas no direito interno, incluindo:

a)

Regras que exijam uma ligação entre o requerente e o país terceiro em causa que permita, em princípio, que essa pessoa se dirija para esse país;

b)

Regras sobre a metodologia pela qual as autoridades competentes se certificam de que o conceito de país terceiro seguro pode ser aplicado a determinado país ou a determinado requerente. Essa metodologia inclui a análise casuística da segurança do país para determinado requerente e/ou a designação nacional de países considerados geralmente seguros;

c)

Regras, nos termos do direito internacional, que permitam avaliar individualmente se o país terceiro em questão é um país seguro para determinado requerente e que, no mínimo, autorizem o requerente a contestar a aplicação do conceito de país terceiro seguro, com o fundamento de que o país terceiro não é seguro nas suas circunstâncias específicas. O requerente deve dispor também da possibilidade de contestar a existência de ligação entre ele e o país terceiro, de acordo com a alínea a).

3.   Ao executarem uma decisão tomada exclusivamente com base no presente artigo, os Estados‑Membros devem:

a)

Informar do facto o requerente; e

b)

Fornecer ao requerente um documento que informe as autoridades do país terceiro, na língua desse país, de que o pedido não foi apreciado quanto ao fundo.

4.   Quando o país terceiro não autorizar o requerente a entrar no seu território, os Estados‑Membros asseguram o acesso a um procedimento de acordo com os princípios e garantias fundamentais enunciados no capítulo II.

5.   Os Estados‑Membros informam periodicamente a Comissão dos países aos quais este conceito é aplicado, em conformidade com as disposições do presente artigo.»

14

Nos termos do artigo 46.o, n.os 1, 3, 4 e 10 da Diretiva 2013/32:

«1.   Os Estados‑Membros asseguram que os requerentes tenham direito a interpor recurso efetivo perante um órgão jurisdicional:

a)

Da decisão proferida sobre o seu pedido de proteção internacional, incluindo a decisão:

[…]

ii)

que determina a inadmissibilidade do pedido, nos termos do artigo 33.o, n.o 2;

[…]

3.   Para dar cumprimento ao n.o 1, os Estados‑Membros asseguram que um recurso efetivo inclua a análise exaustiva e ex nunc da matéria de facto e de direito, incluindo, se aplicável, uma apreciação das necessidades de proteção internacional na aceção da Diretiva 2011/95/UE, pelo menos no recurso perante um órgão jurisdicional de primeira instância.

4.   Os Estados‑Membros devem estabelecer prazos razoáveis e outras regras necessárias para o requerente exercer o seu direito de recurso efetivo nos termos do n.o 1. […]

[…]

10.   Os Estados‑Membros podem fixar prazos para o órgão jurisdicional apreciar a decisão do órgão de decisão, nos termos do n.o 1.»

Direito húngaro

15

O artigo XIV, n.o 4, da Magyarország Alaptörvénye (Lei Fundamental da Hungria), alterada em 29 de junho de 2018, prevê:

«Se nem o país de origem nem outros países os protegerem, a Hungria concede, a pedido, o direito de asilo às pessoas que não possuam a nacionalidade húngara que sofram perseguições ou que receiem, com razão, sofrer perseguições no país de que são nacionais ou no país de residência habitual em razão da raça, nacionalidade, pertença a determinado grupo social ou opiniões religiosas ou políticas. Uma pessoa que não possua a nacionalidade húngara e que tenha chegado ao território da Hungria por um país onde não estivesse exposta a perseguições ou a um risco direto de perseguição não pode beneficiar do direito de asilo.»

16

O artigo 6.o, n.o 1, da menedékjogról szóló 2007. évi LXXX. törvény (Lei LXXX de 2007, relativa ao Direito de Asilo), na versão em vigor a partir de 1 de julho de 2018 (a seguir «Lei relativa ao Direito de Asilo»), prevê:

«A Hungria concede o estatuto de refugiado ao estrangeiro que preencha as condições definidas no artigo XIV, n.o 4, primeira frase, da Lei fundamental da Hungria.»

17

O artigo 12.o, n.o 1, da Lei relativa ao Direito de Asilo tem a seguinte redação:

«A Hungria concede o estatuto conferido pela proteção subsidiária ao estrangeiro que não preenche as condições para ser reconhecido enquanto refugiado, mas que corre um risco de ofensas graves se regressar ao seu país de origem e que não pode ou, por recear esse risco, não pretende, solicitar a proteção do seu país de origem.»

18

O artigo 51.o, n.o 2, da referida lei prevê:

«O pedido é inadmissível se

[…]

e)

existir um país terceiro que possa ser considerado um país terceiro seguro para o requerente;

f)

o requerente tiver chegado à Hungria por um país onde não estivesse exposto a perseguições na aceção do artigo 6.o, n.o 1, ou a um risco de ofensas graves na aceção do artigo 12.o, n.o 1, ou no qual estivesse assegurado um nível de proteção adequado.»

19

Segundo o artigo 53.o, n.os 2 e 4, da Lei relativa ao Direito de Asilo, o indeferimento de um pedido de asilo por inadmissibilidade pela autoridade nacional em matéria de asilo pode ser objeto de recurso para o tribunal, devendo este decidir no prazo de oito dias a contar da receção do requerimento.

20

O artigo 2.o do Decreto Governamental n.o 191/2015, de 21 de julho de 2015, estabeleceu uma lista de países considerados países terceiros seguros. Esta lista contém os Estados‑Membros e os Estados candidatos à adesão à União Europeia, entre os quais a República da Sérvia.

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

21

O recorrente no processo principal é um nacional sírio de origem curda, que chegou a uma zona de trânsito na Hungria. Em 19 de julho de 2018, apresentou um pedido de proteção internacional ao Serviço de Imigração e de Asilo. Em apoio do seu pedido, alegou que pretendia, já antes da guerra, viver na Europa, a fim de aí estudar arqueologia.

22

O Serviço de Imigração e de Asilo indeferiu o referido pedido por ser inadmissível, com base no artigo 51.o, n.o 2, alínea f), da Lei relativa ao Direito de Asilo, sem proceder, por conseguinte, a uma apreciação do mérito, e declarou a inaplicabilidade do princípio da não repulsão ao recorrente no processo principal. Assim, o Serviço de Imigração e de Asilo tomou uma decisão de regresso em relação ao recorrente no processo principal, obrigando‑o a abandonar o território da União e a regressar ao território sérvio, por um lado, e ordenou uma medida de afastamento para efeitos de execução desta decisão, por outro. O referido serviço acompanhou a sua decisão por uma proibição de entrada e de permanência de dois anos.

23

O recorrente no processo principal impugnou essa decisão no órgão jurisdicional de reenvio.

24

O órgão jurisdicional de reenvio, considerando que a lista dos fundamentos de inadmissibilidade enunciados no artigo 33.o, n.o 2, da Diretiva 2013/32 é taxativa e que o artigo 51.o, n.o 2, alínea f), da Lei relativa ao Direito de Asilo não pode, pelo seu conteúdo, estar ligada a nenhum dos fundamentos de inadmissibilidade enumerados no referido artigo 33.o, n.o 2, interroga‑se sobre se a regulamentação nacional não introduziu um novo fundamento de inadmissibilidade contrário ao direito da União.

25

Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio observa que o artigo 53.o, n.o 4, da Lei relativa ao Direito de Asilo impõe ao órgão jurisdicional que conhece do recurso de uma decisão de indeferimento por inadmissibilidade de um pedido de proteção internacional que decida no prazo de oito dias a contar da receção do pedido. Ora, o órgão jurisdicional de reenvio considera que, tendo em conta as circunstâncias individuais e as particularidades do processo em causa, esse prazo se pode revelar insuficiente para obter provas e determinar o quadro factual e, como tal, para proferir uma decisão jurisdicional corretamente fundamentada. Assim, esse órgão jurisdicional interroga‑se sobre a compatibilidade da regulamentação nacional em causa com o artigo 31.o, n.o 2, da Diretiva 2013/32 e o artigo 47.o da Carta.

26

Nestas condições, o Fővárosi Közigazgatási és Munkaügyi Bíróság (Tribunal Administrativo e do Trabalho de Budapeste‑Capital, Hungria) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Podem as disposições relativas à inadmissibilidade dos pedidos que figuram no artigo 33.o da [Diretiva 2013/32] ser interpretadas no sentido de que não obstam à regulamentação de um Estado‑Membro nos termos da qual, no âmbito do procedimento de asilo, um pedido é inadmissível quando o requerente tiver chegado ao referido Estado‑Membro, a Hungria, através de um país onde não está exposto a perseguições ou riscos de ofensas graves, ou onde é garantido um nível de proteção adequado?

2)

Podem o artigo 47.o da [Carta] e o artigo 31.o da [Diretiva 2013/32] — tendo também em conta as disposições dos artigos 6.o e 13.o da [Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950,] — ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação de um Estado‑Membro que prevê um prazo imperativo de [oito] dias para o processo contencioso administrativo relativamente a pedidos considerados inadmissíveis nos procedimentos de asilo?»

Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

27

O órgão jurisdicional de reenvio pediu que o processo fosse submetido à tramitação prejudicial urgente prevista no artigo 23.o‑A do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia. Em 19 de setembro de 2018, a Primeira Secção, ouvido o advogado‑geral, decidiu não deferir este pedido.

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

28

Com a primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 33.o da Diretiva 2013/32 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional que permite declarar inadmissível um pedido de proteção internacional pelo facto de o requerente chegar ao território do Estado‑Membro em causa através de um Estado no qual não está exposto a perseguições ou a um risco de ofensas graves, ou no qual está assegurado um grau de proteção adequado.

29

Nos termos do artigo 33.o, n.o 1, da Diretiva 2013/32, além dos casos em que o pedido não é apreciado em conformidade com o Regulamento (UE) n.o 604/2013, os Estados‑Membros não são obrigados a analisar se o requerente preenche as condições para beneficiar de proteção internacional, em conformidade com a Diretiva 2011/95, quando o pedido for considerado não admissível nos termos deste artigo. A este respeito, o artigo 33.o, n.o 2, da Diretiva 2013/32 enumera taxativamente as situações em que os Estados‑Membros podem considerar inadmissível um pedido de proteção internacional (Acórdão de 19 de março de 2019, Ibrahim e o., C‑297/17, C‑318/17, C‑319/17 e C‑438/17, EU:C:2019:219, n.o 76).

30

A taxatividade da enumeração que figura no artigo 33.o, n.o 2, da Diretiva 2013/32 assenta tanto na redação deste artigo, nomeadamente no termo «apenas», que antecede a enumeração dos fundamentos de inadmissibilidade, como na sua finalidade, que consiste, precisamente, como o Tribunal de Justiça já declarou, em flexibilizar a obrigação do Estado‑Membro responsável por analisar um pedido de proteção internacional através da definição das situações em que tal pedido é considerado inadmissível (v., neste sentido, Acórdão de 17 de março de 2016, Mirza, C‑695/15 PPU, EU:C:2016:188, n.o 43).

31

Por conseguinte, há que verificar se se pode considerar que uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal aplica um dos fundamentos de inadmissibilidade previstos no artigo 33.o, n.o 2, da Diretiva 2013/32.

32

A este respeito, importa observar que, como o Governo húngaro confirmou na audiência, a regulamentação nacional em causa no processo principal visa duas situações diferentes, que acarretam a inadmissibilidade de um pedido de proteção internacional, a saber, por um lado, quando o requerente chegou à Hungria por um Estado onde não estava exposto a perseguições ou a um risco de ofensas graves e, por outro, quando o requerente chegou ao referido Estado‑Membro por um Estado onde está assegurado um grau de proteção adequado.

33

Atendendo ao conteúdo tanto desta regulamentação como do artigo 33.o, n.o 2, da Diretiva 2013/32, há que excluir, antes de mais, que os fundamentos de inadmissibilidade enunciados na referida regulamentação possam constituir a aplicação dos fundamentos previstos no artigo 33.o, n.o 2, alíneas a), d) e e), desta diretiva, uma vez que só podem ser tomados em consideração para o efeito os fundamentos de inadmissibilidade relativos ao primeiro país de asilo e ao país terceiro seguro, enunciados, respetivamente, nas alíneas b) e c) do artigo 33.o, n.o 2, da referida diretiva.

34

Neste contexto, o Governo húngaro afirma que a regulamentação nacional em causa no processo principal visa completar o regime nacional que foi adotado para aplicar o fundamento de inadmissibilidade relativo ao país terceiro seguro, previsto no artigo 33.o, n.o 2, alínea c), da Diretiva 2013/32.

35

A este respeito, importa recordar que, nos termos desta disposição, os Estados‑Membros podem considerar inadmissível um pedido de proteção internacional quando um país, que não seja um Estado‑Membro, seja considerado um país terceiro seguro para o requerente, nos termos do artigo 38.o da referida diretiva.

36

Como salientou o advogado‑geral nos n.os 42 a 45 das suas conclusões, resulta do artigo 38.o da Diretiva 2013/32 que a aplicação do conceito de «país terceiro seguro», para efeitos do artigo 33.o, n.o 2, alínea c), desta diretiva, está sujeita à observância das condições previstas nos n.os 1 a 4 do referido artigo 38.o

37

Em especial, em primeiro lugar, o artigo 38.o, n.o 1, da Diretiva 2013/32 exige que as autoridades competentes dos Estados‑Membros se certifiquem de que o país terceiro em causa respeita os princípios expressamente enunciados nessa disposição, a saber, primeiro, o requerente de proteção internacional não ter de recear nem pela sua vida nem pela sua liberdade em virtude da raça, religião, nacionalidade, pertença a um grupo social particular ou opinião política; segundo, o requerente de proteção internacional não correr o risco de sofrer ofensas graves na aceção da Diretiva 2011/95; terceiro, o princípio da não expulsão ser respeitado em conformidade com a Convenção de Genebra; quarto, ser proibida a adoção de medidas de afastamento contrárias à proibição da tortura ou de tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, em conformidade com o direito internacional; e, quinto, o requerente de proteção internacional ter a possibilidade de solicitar o reconhecimento do estatuto de refugiado, bem como, se este estatuto lhe tiver sido conferido, de beneficiar de uma proteção em conformidade com a Convenção de Genebra.

38

Em segundo lugar, o artigo 38.o, n.o 2, da Diretiva 2013/32 sujeita a aplicação do conceito de «país terceiro seguro» às regras estabelecidas no direito interno, nomeadamente, primeiro, às regras que exigem uma ligação entre o requerente de proteção internacional e o país terceiro em causa que permita que o requerente regresse a esse país; segundo, às regras que preveem a metodologia aplicada pelas autoridades competentes para se certificarem de que o conceito de «país terceiro seguro» pode ser aplicado a determinado país ou a determinado requerente de proteção internacional, devendo ainda essa metodologia incluir a análise casuística da segurança do país para tal requerente e/ou a designação pelo Estado‑Membro de países considerados geralmente seguros; e, terceiro, às regras, nos termos do direito internacional, que permitam avaliar individualmente se o país terceiro em questão é um país seguro para determinado requerente de proteção internacional e que, nesse contexto, autorizem o requerente a contestar a aplicação do conceito de «país terceiro seguro» nas suas circunstâncias específicas e a existência de ligação entre ele e o país terceiro.

39

Em terceiro lugar, o artigo 38.o, n.os 3 e 4, da Diretiva 2013/32 impõe aos Estados‑Membros que executam uma decisão baseada apenas no conceito de «país terceiro seguro» que informem desse facto o requerente de proteção internacional e lhe facultem um documento que informe as autoridades do país terceiro, na língua desse país, de que o pedido não foi apreciado quanto ao mérito, bem como assegurem que esse requerente possa instaurar um procedimento de acordo com os princípios e garantias fundamentais estabelecidos no capítulo II desta diretiva, quando o país terceiro não lhe permita entrar no seu território.

40

Importa sublinhar que as condições enunciadas no artigo 38.o da Diretiva 2013/32 são cumulativas (v., neste sentido, Acórdão de 25 de julho de 2018, Alheto, C‑585/16, EU:C:2018:584, n.o 121), pelo que o fundamento de inadmissibilidade enunciado no artigo 33.o, n.o 2, alínea c), desta diretiva não é aplicável se uma das referidas condições não estiver preenchida.

41

Por conseguinte, só se a regulamentação nacional que tem por efeito a inadmissibilidade de um pedido de proteção internacional respeitar todas as condições enunciadas no artigo 38.o da Diretiva 2013/32 é que essa regulamentação poderia constituir a aplicação do fundamento de inadmissibilidade previsto no artigo 33.o, n.o 2, alínea c), desta diretiva.

42

No caso em apreço, no que respeita, em primeiro lugar, à condição enunciada no artigo 38.o, n.o 1, da Diretiva 2013/32, tendo em conta a própria redação da regulamentação nacional em causa no processo principal, afigura‑se, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, que a aplicação do fundamento de inadmissibilidade relativo à primeira situação visada nessa regulamentação apenas está sujeita à observância, no país terceiro em causa, de uma parte dos princípios enunciados no artigo 38.o, n.o 1, desta diretiva, uma vez que inexiste a exigência da observância, nesse país, do princípio da não repulsão. Assim, a condição enunciada no artigo 38.o, n.o 1, da referida diretiva não está preenchida.

43

Quanto ao fundamento de inadmissibilidade relativo à segunda situação visada na regulamentação nacional em causa no processo principal, o órgão jurisdicional de reenvio não forneceu nenhuma indicação sobre o conteúdo do «grau de proteção adequado» exigido por essa regulamentação e, nomeadamente, sobre a questão de saber se esse grau de proteção inclui a observância, no país terceiro em causa, de todos os princípios enunciados no artigo 38.o, n.o 1, da Diretiva 2013/32. Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se é esse o caso.

44

Quanto, em segundo lugar, às condições enunciadas no artigo 38.o, n.o 2, da Diretiva 2013/32, nomeadamente a relativa à existência de uma ligação entre o requerente de proteção internacional e o país terceiro em causa, a ligação que a regulamentação nacional em causa no processo principal estabelece entre esse requerente e o país terceiro em causa resulta do mero trânsito desse requerente pelo território desse país.

45

Por conseguinte, há que verificar se esse trânsito pode constituir uma «ligação», na aceção do artigo 38.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2013/32.

46

A este respeito, importa salientar que, como resulta do considerando 44 e do artigo 38.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2013/32, a ligação que deve existir entre o requerente de proteção internacional e o país terceiro em causa, para efeitos da aplicação do fundamento de inadmissibilidade previsto no artigo 33.o, n.o 2, alínea c), desta diretiva, deve ser suficiente para tornar razoável o regresso desse requerente ao referido país.

47

Ora, a circunstância de um requerente de proteção internacional ter transitado pelo território de um país terceiro não constitui, por si só, uma razão válida para considerar que o referido requerente poderia razoavelmente regressar a esse país.

48

Por outro lado, como decorre do artigo 38.o, n.o 2, da Diretiva 2013/32, os Estados‑Membros devem adotar regras que prevejam não só a existência de uma «ligação», na aceção desta disposição, mas também a metodologia para apreciar, casuisticamente, em função das circunstâncias específicas do requerente de proteção internacional, se o país terceiro em causa preenche as condições para ser considerado seguro para esse requerente, bem como a possibilidade de o referido requerente contestar a existência dessa ligação.

49

Ora, como salientou o advogado‑geral no n.o 53 das suas conclusões, a obrigação imposta pelo legislador da União aos Estados‑Membros, para efeitos da aplicação do conceito de «país terceiro seguro», de fixar essas regras não é justificada se o mero trânsito do requerente de proteção internacional pelo país terceiro em causa constituir uma ligação suficiente ou significativa para esse fim. Com efeito, se assim fosse, essas regras, bem como a análise individual e a possibilidade de o requerente contestar a existência da ligação que as referidas regras devem expressamente prever, seriam desprovidas de utilidade.

50

Resulta do exposto que o trânsito do requerente de proteção internacional pelo país terceiro em causa não constitui uma «ligação», na aceção do artigo 38.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2013/32.

51

Por conseguinte, mesmo admitindo que a regulamentação nacional em causa no processo principal preenche a condição enunciada no artigo 38.o, n.o 1, da Diretiva 2013/32, uma vez que a condição relativa à ligação, conforme enunciada no artigo 38.o, n.o 2, alínea a), desta diretiva, não existe, em todo o caso, a referida regulamentação nacional não constitui uma aplicação do fundamento de inadmissibilidade relativo ao país terceiro seguro, previsto no artigo 33.o, n.o 2, alínea c), da referida diretiva.

52

Por último, tal regulamentação nacional também não constitui uma aplicação do fundamento de inadmissibilidade relativo ao primeiro país de asilo, previsto no artigo 33.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 2013/32.

53

Com efeito, basta salientar que, nos próprios termos do artigo 35.o, primeiro parágrafo, alíneas a) e b), da Diretiva 2013/32, um país só pode ser considerado primeiro país de asilo de um determinado requerente se, respetivamente, tiver sido reconhecido nesse país como refugiado e puder ainda beneficiar dessa proteção, ou se usufruir de outro modo, nesse país, de proteção suficiente, incluindo o benefício do princípio da não repulsão, desde que seja readmitido nesse país.

54

Ora, resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que a aplicação do fundamento de inadmissibilidade previsto na regulamentação nacional em causa no processo principal não está sujeita ao gozo, pelo requerente de proteção internacional, no país em causa, do estatuto de refugiado ou de uma proteção suficiente, a outro título, pelo que se tornaria inútil examinar a necessidade de proteção na União.

55

Por conseguinte, há que concluir que não se pode considerar que uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal aplique um dos fundamentos de inadmissibilidade previstos no artigo 33.o, n.o 2, da Diretiva 2013/32.

56

Atendendo às considerações expostas, há que responder à primeira questão que o artigo 33.o da Diretiva 2013/32 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional que permite declarar inadmissível um pedido de proteção internacional pelo facto de o requerente chegar ao território do Estado‑Membro em causa através de um Estado no qual não está exposto a perseguições ou a um risco de ofensas graves, ou no qual está assegurado um grau de proteção adequado.

Quanto à segunda questão

57

A título preliminar, há que observar que, embora a segunda questão, como formulada pelo órgão jurisdicional de reenvio, tenha por objeto a interpretação do artigo 31.o da Diretiva 2013/32, relativo ao procedimento administrativo de apreciação dos pedidos de proteção internacional, esta questão diz respeito, na realidade, à aplicação do direito a um recurso efetivo previsto no artigo 46.o desta diretiva. Por conseguinte, é esta última disposição, e em especial o seu n.o 3, que deve ser interpretada para dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio.

58

Assim, com a segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32, lido à luz do artigo 47.o da Carta, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional que impõe ao órgão jurisdicional que conhece do recurso de uma decisão de indeferimento de um pedido de proteção internacional por inadmissibilidade um prazo de oito dias para se pronunciar.

59

O artigo 46.o, n.o 1, da Diretiva 2013/32 impõe aos Estados‑Membros que assegurem o direito a um recurso efetivo perante um órgão jurisdicional contra a decisão de indeferimento de um pedido de proteção internacional, incluindo contra as decisões que declaram o pedido manifestamente inadmissível ou infundado.

60

A obrigação imposta aos Estados‑Membros de preverem um tal direito de recurso corresponde ao direito consagrado no artigo 47.o da Carta, que tem por epígrafe «Direito à ação e a um tribunal imparcial», segundo o qual qualquer pessoa cujos direitos e liberdades garantidos pelo direito da União tenham sido violados tem direito a um recurso efetivo perante um tribunal (Acórdão de 18 de outubro de 2018, E. G., C‑662/17, EU:C:2018:847, n.o 46 e jurisprudência referida).

61

Daqui decorre que as características do recurso previsto no artigo 46.o da Diretiva 2013/32 devem ser determinadas em conformidade com o artigo 47.o da Carta, que constitui uma reafirmação do princípio da proteção jurisdicional efetiva (Acórdão de 18 de outubro de 2018, E. G., C‑662/17, EU:C:2018:847, n.o 47 e jurisprudência referida).

62

No que respeita, nomeadamente, ao prazo de julgamento, há que salientar que a Diretiva 2013/32 não só não prevê regras harmonizadas em matéria de prazos de julgamento como permite mesmo, no artigo 46.o, n.o 10, que os Estados‑Membros fixem esses prazos (Acórdão hoje proferido, Bevándorlási és Menekültügyi Hivatal, C‑406/18, n.o 25).

63

Além disso, como resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, na falta de regras da União na matéria, cabe à ordem jurídica interna de cada Estado‑Membro regular as modalidades processuais dos recursos destinados a assegurar a salvaguarda dos direitos dos particulares, por força do princípio da autonomia processual, desde que, no entanto, não sejam menos favoráveis do que as que regulam situações semelhantes submetidas ao direito interno (princípio da equivalência) e não tornem impossível, na prática, ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pelo direito da União (princípio da efetividade) (Acórdão hoje proferido, Bevándorlási és Menekültügyi Hivatal, C‑406/18, n.o 26 e jurisprudência referida).

64

Quanto à observância da condição relativa ao princípio da equivalência, no que respeita a um prazo de julgamento como o que está em causa no processo principal, há que salientar, sem prejuízo das verificações que incumbem ao órgão jurisdicional de reenvio, que não resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça, nem foi alegado, que situações semelhantes sejam reguladas por modalidades processuais nacionais mais favoráveis do que as previstas para a aplicação da Diretiva 2013/32 e aplicadas no processo principal (v., neste sentido, Acórdão hoje proferido, Bevándorlási és Menekültügyi Hivatal, C‑406/18, n.o 27 e jurisprudência referida).

65

Quanto à observância do princípio da efetividade, cabe recordar que o artigo 46.o, n.o 3, desta diretiva define o alcance do direito a um recurso efetivo, precisando que os Estados‑Membros por esta vinculados devem assegurar que o órgão jurisdicional no qual a decisão sobre o pedido de proteção internacional é impugnada procede a uma «análise exaustiva e ex nunc da matéria de facto e de direito, incluindo, se aplicável, uma apreciação das necessidades de proteção internacional na aceção da Diretiva [2011/95]» (Acórdão hoje proferido, Bevándorlási és Menekültügyi Hivatal, C‑406/18, n.o 28 e jurisprudência referida).

66

A este respeito, importa sublinhar que, mesmo no caso de um recurso de uma decisão de indeferimento de um pedido de proteção internacional por inadmissibilidade, o órgão jurisdicional que conhece desse recurso está obrigado a efetuar a análise exaustiva e ex nunc referida no artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32.

67

Com efeito, como o Tribunal de Justiça já declarou, os termos «se aplicável», que figuram no segmente frásico «incluindo, se aplicável, uma apreciação das necessidades de proteção internacional na aceção da Diretiva [2011/95]», sublinham o facto de a análise exaustiva e ex nunc que incumbe ao juiz não ter necessariamente de incidir sobre a apreciação material das necessidades de proteção internacional, podendo, pois, incidir sobre a admissibilidade do pedido de proteção internacional, se, em aplicação do artigo 33.o, n.o 2, da Diretiva 2013/32, o direito nacional o permitir (Acórdão de 25 de julho de 2018, Alheto, C‑585/16, EU:C:2018:584, n.o 115).

68

Por outro lado, tratando‑se, em especial, de um recurso de uma decisão de indeferimento de um pedido de proteção internacional por inadmissibilidade por força dos fundamentos de inadmissibilidade relativos ao primeiro país de asilo ou ao país terceiro seguro, referidos, respetivamente, nas alíneas b) e c) do artigo 33.o, n.o 2, da Diretiva 2013/32, no âmbito da análise exaustiva e atualizada que incumbe ao órgão jurisdicional que conhece desse recurso, este último é obrigado, nomeadamente, a verificar se o requerente de proteção internacional beneficia de proteção suficiente num país terceiro ou se um país terceiro pode ser considerado um país terceiro seguro para o requerente.

69

Para efeitos dessa verificação, o referido órgão jurisdicional deve examinar rigorosamente se cada uma das condições cumulativas a que a aplicação de tais fundamentos de inadmissibilidade está sujeita, como as previstas, no que respeita ao fundamento relativo ao primeiro país de asilo, no artigo 35.o da Diretiva 2013/32, e, no que respeita ao fundamento relativo ao país terceiro seguro, no artigo 38.o desta diretiva, está preenchida, convidando, se for caso disso, a autoridade responsável pela análise dos pedidos de proteção internacional a apresentar toda a documentação e elementos de facto que possam ser relevantes, e certificar‑se, antes de decidir, de que o requerente teve oportunidade de expor pessoalmente o seu ponto de vista sobre a aplicabilidade do fundamento de inadmissibilidade à sua situação concreta (v., neste sentido, Acórdão de 25 de julho de 2018, Alheto, C‑585/16, EU:C:2018:584, n.os 121 e 124).

70

Além disso, cabe recordar, à semelhança do advogado‑geral no n.o 84 das suas conclusões, que, no âmbito do recurso jurisdicional previsto no artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32, é garantido aos recorrentes um certo número de direitos processuais específicos, por força do artigo 12.o, n.o 2, desta diretiva, a saber, o direito a um intérprete, a possibilidade de comunicar, nomeadamente, com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) e o acesso a determinadas informações, do artigo 20.o da referida diretiva, a saber, a possibilidade de assistência jurídica e de representação gratuitas, do artigo 22.o da mesma diretiva sobre o acesso a um advogado, bem como dos seus artigos 24.o e 25.o, relativos aos direitos das pessoas com necessidades especiais e dos menores não acompanhados.

71

Acresce que, se o órgão jurisdicional ao qual foi submetido o recurso de uma decisão de indeferimento de um pedido de proteção internacional por inadmissibilidade considerar necessária a audição do requerente para efetuar a análise exaustiva e ex nunc a que está obrigado, esse órgão jurisdicional tem de organizar essa audição, tendo o requerente, nesse caso, direito, se necessário, quando da sua audição pelo juiz, aos serviços de um intérprete para apresentar os seus argumentos (v., neste sentido, Acórdão de 25 de julho de 2018, Alheto, C‑585/16, EU:C:2018:584, n.os 126 e 128).

72

No caso em apreço, a regulamentação nacional em causa no processo principal fixa um prazo de oito dias para a decisão sobre o recurso de uma decisão de indeferimento de um pedido de proteção internacional por inadmissibilidade. Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, é impossível decidir nos oito dias subsequentes à receção da petição pelo órgão jurisdicional, sem infringir a exigência de uma análise completa.

73

A este respeito, o prazo de oito dias, embora, a priori, não se possa excluir que seja adequado nos casos mais evidentes de inadmissibilidade, pode revelar‑se, em determinadas circunstâncias, como salientou o advogado‑geral nos n.os 86 e 87 das suas conclusões, materialmente insuficiente para permitir ao órgão jurisdicional que conhece do recurso de uma decisão de indeferimento de um pedido de proteção internacional por inadmissibilidade assegurar o respeito por todos os direitos mencionados nos n.os 65 a 71 do presente acórdão, em relação a cada um dos casos sujeitos à sua análise, e garantir, assim, o direito a um recurso efetivo dos requerentes de proteção internacional.

74

Ora, o artigo 46.o, n.o 4, da Diretiva 2013/32 prevê a obrigação de os Estados‑Membros fixarem prazos razoáveis de julgamento.

75

Assim, numa situação em que o prazo fixado ao órgão jurisdicional que conhece do recurso de uma decisão de indeferimento de um pedido de proteção internacional por inadmissibilidade não permite assegurar a efetividade das regras substantivas e das garantias processuais reconhecidas ao requerente pelo direito da União, o princípio da efetividade do direito da União implica a obrigação de o juiz em causa não aplicar a regulamentação nacional que considere esse prazo imperativo (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Bevándorlási és Menekültügyi Hivatal, C‑406/18, n.o 34).

76

Em todo o caso, tendo em conta o objetivo global de um tratamento tão rápido quanto possível dos pedidos de proteção internacional, fixado no considerando 18 da Diretiva 2013/32, a obrigação que incumbe ao juiz de não aplicar uma regulamentação nacional que preveja um prazo de julgamento incompatível com o princípio da efetividade do direito da União não dispensa da obrigação de celeridade, impondo‑lhe apenas que considere o prazo que lhe é fixado indicativo, cabendo‑lhe decidir o mais rapidamente possível quando esse prazo se revele ultrapassado (Acórdão de hoje, Bevándorlási és Menekültügyi Hivatal, C‑406/18, n.os 35 e 36).

77

Atendendo às considerações expostas, há que responder à segunda questão que o artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32, lido à luz do artigo 47.o da Carta, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional que impõe ao órgão jurisdicional que conhece do recurso de uma decisão de indeferimento de um pedido de proteção internacional por inadmissibilidade um prazo de oito dias para decidir, uma vez que esse órgão jurisdicional não está em condições de assegurar, nesse prazo, a efetividade das regras substantivas e das garantias processuais reconhecidas ao requerente pelo direito da União.

Quanto às despesas

78

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

 

1)

O artigo 33.o da Diretiva 2013/32/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa a procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de proteção internacional, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional que permite declarar inadmissível um pedido de proteção internacional pelo facto de o requerente chegar ao território do Estado‑Membro em causa através de um Estado no qual não está exposto a perseguições ou a um risco de ofensas graves, ou no qual está assegurado um grau de proteção adequado.

 

2)

O artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32, lido à luz do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional que impõe ao órgão jurisdicional que conhece do recurso de uma decisão de indeferimento de um pedido de proteção internacional por inadmissibilidade um prazo de oito dias para decidir, uma vez que esse órgão jurisdicional não está em condições de assegurar, nesse prazo, a efetividade das regras substantivas e das garantias processuais reconhecidas ao requerente pelo direito da União.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: húngaro.