ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

26 de março de 2020 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE — Estado de Direito — Tutela jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo direito da União — Princípio da independência dos juízes — Regime disciplinar aplicável aos juízes nacionais — Competência do Tribunal de Justiça — Artigo 267.o TFUE — Admissibilidade — Interpretação necessária para que o órgão jurisdicional de reenvio possa proferir a sua sentença — Conceito»

Nos processos apensos C‑558/18 e C‑563/18,

que têm por objeto dois pedidos de decisão prejudicial apresentados, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Sąd Okręgowy w Łodzi (Tribunal Regional de Łódź, Polónia) (C‑558/18) e pelo Sąd Okręgowy w Warszawie (Tribunal Regional de Varsóvia, Polónia) (C‑563/18), por Decisões de 31 de agosto de 2018 e de 4 de setembro de 2018, que deram entrada no Tribunal de Justiça, respetivamente, em 3 de setembro de 2018 e 5 de setembro de 2018, nos processos

Miasto Łowicz

contra

Skarb Państwa — Wojewoda Łódzki,

sendo interveniente:

Prokurator Generalny, representado por Prokuratura Krajowa, inicialmente Prokuratura Regionalna w Łodzi,

Rzecznik Praw Obywatelskich (C‑558/18),

e

Prokurator Generalny, representado pela Prokuratura Krajowa, inicialmente Prokuratura Okręgowa w Płocku,

contra

VX,

WW,

XV (C‑563/18),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, R. Silva de Lapuerta, vice‑presidente, A. Prechal (relatora), M. Vilaras, E. Regan, P. G. Xuereb e L. S. Rossi, presidentes de secção, M. Ilešič, J. Malenovský, L. Bay Larsen, T. von Danwitz, C. Toader, K. Jürimäe, MM. C. Lycourgos e N. Piçarra, juízes,

advogado‑geral: E. Tanchev,

secretário: M. Aleksejev, chefe de unidade,

vistos os autos e após a audiência de 18 de junho de 2019,

vistas as observações apresentadas:

em representação de Skarb Państwa — Wojewoda Łódzki, por J. Zasada e L. Jurek, na qualidade de agentes,

em representação do Prokurator Generalny, representado pela Prokuratura Krajowa, por A. Reczka, S. Bańko, B. Górecka, J. Szubert e P. Tarczyński,

em representação de Rzecznik Praw Obywatelskich, por M. Taborowski e M. Wróblewski, na qualidade de agentes,

em representação do Governo polaco, por B. Majczyna e P. Zwolak, na qualidade de agentes, assistidos por W. Gontarski, adwokat,

em representação do Governo letão, por I. Kucina e V. Soņeca, na qualidade de agentes,

em representação do Governo neerlandês, por M. K. Bulterman e C. S. Schillemans, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por K. Herrmann e H. Krämer, na qualidade de agentes,

em representação do Órgão de Fiscalização da EFTA, por I. O. Vilhjálmsdóttir e C. Howdle, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 24 de setembro de 2019,

profere o presente

Acórdão

1

Os pedidos de decisão prejudicial têm por objeto a interpretação do artigo 19.o, n.o 1, TUE.

2

Estes pedidos foram apresentados, por um lado, no âmbito de um litígio que opõe a Miasto Łowicz (Cidade de Łowicz, Polónia) ao Skarb Państwa — Wojewoda Łódzki (Tesouro Público — Província de Łódź, Polónia) (a seguir «Tesouro Público») a respeito de um pedido de pagamento de dotações públicas (processo C‑558/18), e, por outro, no âmbito de um processo penal instaurado contra VX, WW e XV por participação em sequestros com o fim de obter um ganho patrimonial (processo C‑563/18).

Litígios nos processos principais e questões prejudiciais

3

Como resulta da decisão de reenvio no processo C‑558/18, a Cidade de Łowicz demandou o Tesouro Público no Sąd Okręgowy w Łodzi (Tribunal Regional de Łódź, Polónia) com vista a obter, em aplicação da ustawa o dochodach jednostek samorządu terytorialnego (Lei Relativa às Receitas das Autarquias Locais), de 13 de novembro de 2003 (Dz. U. de 2018, posição 317), o pagamento de um montante de 2357148 zlótis polacos (PLN) (cerca de 547612 euros) a título de dotações destinadas a cobrir as despesas efetuadas pela referida cidade devido à execução, no período decorrido entre 2005 e 2015, de determinadas missões que lhe foram confiadas em matéria de administração governamental.

4

Mediante oposição apresentada pelo Tesouro Público, a injunção de pagamento desse montante, emitida na primeira fase do processo principal, ficou destituída de força executória e o litígio encontra‑se neste momento em fase de apreciação em sede de processo declarativo ordinário. Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, é altamente provável, face aos elementos de prova reunidos no âmbito desse processo, que a decisão que virá a proferir seja desfavorável ao Tesouro Público.

5

No que respeita ao processo C‑563/18, resulta da decisão de reenvio do Sąd Okręgowy w Warszawie (Tribunal Regional de Varsóvia, Polónia) que VX, WW e XV estão a ser julgados nesse tribunal pela sua participação em dois sequestros com o fim de obter um ganho patrimonial, perpetrados, respetivamente, em 2002 e 2003. VX, WW e XV, que confessaram os factos que lhes são imputados e cooperaram com as autoridades criminais, pediram que lhes fosse concedido o estatuto de «arrependidos» («mały świadek koronny»), o que levará o órgão jurisdicional de reenvio a ter de lhes admitir conceder uma atenuação extraordinária da pena nos termos do disposto no Código Penal.

6

Os pedidos de decisão prejudicial indicam o receio de que possam ser instaurados processos disciplinares contra o juiz singular de cada um dos processos principais no caso de vir a decidir no sentido delineado, respetivamente, nos n.os 4 e 5 do presente acórdão.

7

Esse receio funda‑se, em substância, no facto de, em consequência de diversas reformas legislativas recentemente ocorridas na Polónia, a objetividade e a imparcialidade dos processos disciplinares contra os juízes deixarem de ser garantidas, pelo que a independência dos órgãos jurisdicionais de reenvio está por esse motivo afetada.

8

A este respeito, em primeiro lugar, os referidos órgãos jurisdicionais consideram problemática a composição da Izba Dyscyplinarna Sądu Nawyższego (Secção Disciplinar do Supremo Tribunal, Polónia), recentemente instituída naquele tribunal pela ustawa o Sądzie Najwyższym (Lei do Supremo Tribunal), de 8 de dezembro de 2017 (Dz. U. de 2018, posições 5, 650, 771, 847, 848, 1045, 1443), e que é competente, nos termos desta mesma lei, para decidir processos disciplinares instaurados contra juízes, quer em primeira instância quer em sede de recurso.

9

Com efeito, os juízes que fazem parte dessa secção disciplinar foram nomeados pelo presidente da República sob proposta do Krajowa Rada Sądownictwa (Conselho Nacional da Magistratura, Polónia). Ora, devido às alterações recentemente introduzidas na ustawa o Krajowej Radzie Sądownictwa (Lei do Conselho Nacional da Magistratura), de 12 de maio de 2011 (Dz. U. de 2011, posição 714), pela ustawa o zmianie ustawy o Krajowej Radzie Sądownictwa oraz niektórych innych ustaw (Lei que Altera a Lei do Conselho Nacional da Magistratura e Outras Leis), de 8 de dezembro de 2017 (Dz. U. de 2018, posição 3), o Conselho Nacional da Magistratura — cujos quinze membros, com a qualidade de magistrados, passam a ser nomeados pelo Sejm (Parlamento), e não, como antes, pelos seus pares — deixou de constituir um órgão independente do poder político.

10

Em segundo lugar, o Conselho Nacional da Magistratura tornou‑se, com esta nova composição, num órgão quase disciplinar, uma vez que é competente para decidir os recursos interpostos das decisões dos presidentes de órgão jurisdicional relativas à mutação dos juízes para outras formações de julgamento. Além disso, muitos presidentes de órgão jurisdicional foram nomeados pelo atual ministro da Justiça e alguns deles foram eleitos membros do Conselho Nacional da Magistratura.

11

Em terceiro lugar, as novas disposições introduzidas na ustawa — Prawo o ustroju sądów powszechnych (Lei sobre a Organização dos Tribunais Comuns), de 27 de julho de 2001 (Dz. U. de 2018, posições 23, 3, 5, 106, 138, 771, 848, 1000, 1045, 1443), relativas ao processo disciplinar aplicável aos juízes dos tribunais comuns, atribuíram ao ministro da Justiça, que exerce simultaneamente a função de procurador‑geral, um poder praticamente ilimitado nesta matéria.

12

Com efeito, o ministro da Justiça tem competência, primeiro, para designar o agente disciplinar encarregado dos processos relativos aos juízes dos tribunais comuns, segundo, para instaurar processos de inquérito e, em caso de recusa do agente disciplinar, para o obrigar a instaurar um processo dessa natureza, terceiro, para proceder à nomeação ad hoc de um agente disciplinar para tratar um processo determinado, e, quarto, para designar os juízes que exercem o cargo de juiz disciplinar junto de um tribunal de recurso.

13

Além disso, o poder de influência considerável de que se encontra assim investido o ministro da Justiça não está acompanhado de garantias adequadas. Primeiro, a definição legal das infrações que podem dar origem à aplicação de sanções disciplinares aos juízes é imprecisa. Segundo, os processos disciplinares podem seguir os seus trâmites mesmo na ausência justificada do juiz alvo do inquérito ou do seu representante. Terceiro, meios de prova irregularmente obtidos passaram a poder ser utilizados no âmbito desses processos. Quarto, não está prevista nenhuma garantia relativamente à duração do processo disciplinar. Quinto, o ministro da Justiça pode solicitar a reabertura de um processo disciplinar até cinco anos após o seu encerramento ou após ter sido proferida uma decisão, na hipótese de surgirem novos elementos.

14

Os órgãos jurisdicionais de reenvio são da opinião de que os processos disciplinares assim concebidos conferem aos poderes legislativo e executivo um meio de afastar os juízes cujas decisões lhes sejam importunas assim como, através do efeito dissuasivo que a perspetiva de ser alvo de um processo dessa natureza exerce sobre os juízes, de influenciar as decisões judiciais que estes têm de proferir.

15

Segundo aqueles órgãos jurisdicionais, decorre de todas as considerações anteriores que, na perspetiva da adoção da decisão judicial que cada um deles tem de proferir no âmbito do litígio que lhe foi submetido no processo principal, é necessário decidir, a título preliminar, a questão de saber se as normas nacionais, acima mencionadas, relativas ao regime disciplinar dos juízes, afetam a sua independência, privando, por esse motivo, os particulares do seu direito a uma via de recurso judicial efetiva garantido pelo artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE. Com efeito, esta última disposição, lida em conjugação com os artigos 2.o e 4.o, n.o 3, TUE, exige aos Estados‑Membros que assegurem que as instâncias que, à semelhança dos órgãos jurisdicionais de reenvio, podem decidir sobre questões relativas à aplicação ou à interpretação do direito da União cumpram as exigências inerentes ao direito de uma tutela jurisdicional efetiva, entre as quais a independência das referidas instâncias reveste uma importância essencial.

16

Foi nestas condições que o Sąd Okręgowy w Łodzi (Tribunal Regional de Łódź) e o Sąd Okręgowy w Warszawie (Tribunal Regional de Varsóvia) decidiram, cada um, suspender a instância e submeter uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça.

17

A questão prejudicial submetida pelo Sąd Okręgowy w Łodzi (Tribunal Regional de Łódź) está redigida da seguinte forma:

«Deve o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, [TUE] ser interpretado no sentido de que a obrigação dele decorrente de os Estados‑Membros estabelecerem as vias de recurso necessárias para assegurar uma tutela jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo direito da União [obsta] a disposições que aumentam consideravelmente o risco de violação da garantia de independência dos processos disciplinares contra juízes na Polónia, em razão das seguintes circunstâncias:

1)

influência política na condução dos processos disciplinares,

2)

risco de utilização do regime disciplinar para o controlo político do conteúdo das decisões judiciais, e

3)

possibilidade de elementos de prova obtidos por meio da prática de um crime serem utilizados em processos disciplinares contra juízes?»

18

Por seu lado, o Sąd Okręgowy w Warszawie (Tribunal Regional de Varsóvia) apresentou ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Deve o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, [TUE] ser interpretado no sentido de que a obrigação dele decorrente de os Estados‑Membros estabelecerem as vias de recurso necessárias para assegurar uma tutela jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo direito da União [obsta] a disposições que eliminam as garantias de processos disciplinares independentes contra os juízes na Polónia, em razão da influência política na condução dos processos disciplinares e no risco de utilização do regime disciplinar para o controlo político do conteúdo das decisões judiciais?»

Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

19

Por Decisão do presidente do Tribunal de Justiça de 1 de outubro de 2018, os processos C‑558/18 e C‑563/18 foram apensados para efeitos das fases escrita e oral e do acórdão.

20

Durante a fase escrita do processo no Tribunal de Justiça, o Sąd Okręgowy w Łodzi (Tribunal Regional de Łódź), por cartas de 7 e 11 de dezembro de 2018, e o Sąd Okręgowy w Warszawie (Tribunal Regional de Varsóvia), por cartas de 30 de outubro e 12 de dezembro de 2018, informaram o Tribunal de Justiça de que cada um dos dois juízes que lhe submeteram as questões prejudiciais nos referidos processos tinham recebido de um adjunto do agente disciplinar encarregado dos processos relativos aos juízes dos tribunais comuns uma convocatória para comparecer, na qualidade de testemunha, perante uma audição sobre os motivos que os tinham levado a colocar essas questões e sobre a eventual existência de uma violação da independência judicial pelo facto de os dois juízes em causa não terem tomado a sua decisão de reenvio respetiva de forma autónoma.

21

Nas referidas cartas, os dois órgãos jurisdicionais de reenvio salientam igualmente, por um lado, que, durante as referidas audições, foram colocadas aos juízes em causa questões abrangidas pelo segredo da deliberação. Por outro lado, esses mesmos juízes receberam, um e outro, do adjunto do agente disciplinar uma intimação obrigando‑os a entregar uma declaração escrita relativa a um potencial «excesso jurisdicional» pelo facto de terem procedido aos presentes reenvios prejudiciais sem respeitar os requisitos decorrentes do artigo 267.o TFUE.

22

Por requerimentos apresentados na Secretaria do Tribunal de Justiça em 24 de dezembro de 2019 e em 13 de fevereiro e 2 de março de 2020, o Rzecznik Praw Obywatelskich (Mediador, Polónia) pediu a reabertura da fase oral do processo.

23

Como fundamento do seu pedido de 24 de dezembro de 2019, o Mediador sustenta que, nas suas conclusões, o advogado‑geral considerou que os presentes pedidos de decisão prejudicial deviam ser declarados inadmissíveis pelo facto, em substância, de o Tribunal de Justiça não dispor de elementos de facto e de direito suficientes para poder decidir sobre esses pedidos e estabelecer se houve violação da obrigação de os Estados‑Membros garantirem a independência dos juízes. Nestas condições, o Tribunal de Justiça deve ordenar a reabertura da fase oral do processo a fim de, por um lado, permitir que as partes se pronunciem sobre essa eventual causa de inadmissibilidade dos referidos pedidos, a qual, como salientou o advogado‑geral, não foi nem invocada nem discutida pelas partes, e, por outro, clarificar melhor as circunstâncias dos processos que o devam ser.

24

Nesse mesmo requerimento, o Medidor alega também factos novos, ocorridos depois do encerramento da fase oral do processo, que podem atestar o caráter não hipotético das questões submetidas ao Tribunal de Justiça e, por conseguinte, exercer uma influência determinante na decisão que deve ser proferida nos presentes processos apensos. Esses factos novos são constituídos, por um lado, por um certo número de casos concretos em que foram recentemente instaurados processos disciplinares contra juízes em virtude do conteúdo de decisões que tomaram, nomeadamente decisões em que os referidos juízes tinham entendido seguir os ensinamentos decorrentes do Acórdão do Tribunal de Justiça de 19 de novembro de 2019, A. K. e o. (Independência da Secção Disciplinar do Supremo Tribunal) (C‑585/18, C‑624/18 e C‑625/18, EU:C:2019:982).

25

Por outro lado, o Parlamento aprovou, em 20 de dezembro de 2019, a ustawa o zmianie ustawy — Prawo o ustroju sądów powszechnych, ustawy o Sądzie Najwyższym oraz niektórych innych ustaw [Lei que Altera a Lei Relativa à Organização do Sistema Judicial dos Tribunais Comuns, da Lei do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) e de Outras Leis], que tem por objeto agravar consideravelmente o regime disciplinar aplicável aos juízes e que prevê, nomeadamente, a fim de privar de efeitos esse acórdão do Tribunal de Justiça, que a validade da nomeação de um juiz ou a legitimidade de um órgão constitucional não pode ser posta em causa por um órgão jurisdicional sob pena da instauração de um processo disciplinar contra o juiz ou os juízes desse órgão jurisdicional. Para esses mesmos fins, a referida lei passou a submeter a apreciação das acusações relativas à falta de independência de um juiz ou de um órgão jurisdicional à competência exclusiva da Izba Kontroli Nadzwyczajnej i Spraw Publicznych Sądu Nawyższego (Secção de fiscalização extraordinária e dos assuntos públicos do Supremo Tribunal, Polónia), recentemente instituída e que apresenta vícios semelhantes, nomeadamente no que diz respeito ao processo de nomeação dos seus membros, aos apontados pelo Tribunal de Justiça em relação à Secção Disciplinar do Supremo Tribunal no seu Acórdão de 19 de novembro de 2019, A. K. e o. (Independência da Secção Disciplinar do Supremo Tribunal) (C‑585/18, C‑624/18 e C‑625/18, EU:C:2019:982).

26

No seu pedido complementar de 13 de fevereiro de 2020, o Mediador indica, por um lado, que a Lei de 20 de dezembro de 2019 foi, entretanto, promulgada pelo presidente da República da Polónia, em 4 de fevereiro de 2020, e publicada (Dz. U. de 2020, posição 190), tendo a sua entrada em vigor sido fixada para 14 de fevereiro de 2020. Por outro lado, o Mediador dá conta da instauração e da multiplicação de processos disciplinares e medidas administrativas, seguidos da aplicação de sanções disciplinares aos juízes, particularmente pelas razões já mencionadas no n.o 24 do presente acórdão. No seu pedido complementar de 2 de março de 2020, o Mediador evoca a circunstância de a Prokuratura Krajowa (Procuradoria Nacional, Polónia) ter submetido recentemente à Secção Disciplinar do Supremo Tribunal, em aplicação da referida Lei de 20 de dezembro de 2019, um pedido de levantamento da imunidade do juiz que procedeu ao reenvio prejudicial no processo C‑563/18 e de autorização para instaurar contra ele um processo penal por ter permitido que os media gravassem a leitura de uma decisão, proferida no contexto de um processo relativo à impugnação da mudança do lugar das sessões do Parlamento, através da qual ordenou à Procuradoria que retomasse o inquérito respeitante a essa mudança. Segundo o Mediador, a evolução que estes elementos novos traduzem deve ser tida em consideração pelo Tribunal de Justiça a fim de apreciar a admissibilidade e o mérito das questões que lhe foram submetidas nos presentes processos, o que justifica que reabra a fase oral do processo.

27

A este respeito, importa recordar, por um lado, que o Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e o Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça não preveem a possibilidade de os interessados visados no artigo 23.o deste Estatuto apresentarem observações em resposta às conclusões apresentadas pelo advogado‑geral [Acórdão de 19 de novembro de 2019, A. K. e o. (Independência da Secção Disciplinar do Supremo Tribunal), C‑585/18, C‑624/18 e C‑625/18, EU:C:2019:982, n.o 61 e jurisprudência referida].

28

Por outro lado, nos termos do artigo 252.o, segundo parágrafo, TFUE, cabe ao advogado‑geral apresentar publicamente, com toda a imparcialidade e independência, conclusões fundamentadas sobre as causas que, nos termos do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, requeiram a sua intervenção. O Tribunal de Justiça não está vinculado nem por essas conclusões nem pela fundamentação em que o advogado‑geral baseia essas conclusões. Por conseguinte, o desacordo de uma parte com as conclusões do advogado‑geral, sejam quais forem as questões nelas examinadas, não constitui, em si mesmo, um fundamento justificativo da reabertura da fase oral do processo [Acórdão de 19 de novembro de 2019, A.K. e o. (Independência da Secção Disciplinar do Supremo Tribunal), C‑585/18, C‑624/18 e C‑625/18, EU:C:2019:982, n.o 62 e jurisprudência referida].

29

No entanto, o Tribunal de Justiça pode, a qualquer momento, ouvido o advogado‑geral, ordenar a reabertura da fase oral do processo, nos termos do artigo 83.o do seu Regulamento de Processo, designadamente se considerar que não está suficientemente esclarecido, ou quando, após o encerramento dessa fase, uma parte invocar um facto novo que possa ter uma influência determinante na decisão do Tribunal de Justiça, ou ainda quando o processo tenha de ser resolvido com base num argumento que não foi debatido pelos interessados.

30

No caso em apreço, o Tribunal de Justiça considera, porém, ouvido o advogado‑geral, que, no termo da fase escrita e após a audiência que foi realizada perante ele, dispõe de todos os elementos necessários para decidir e que os factos novos invocados pelo Mediador não são suscetíveis de exercer uma influência determinante na decisão que o Tribunal de Justiça foi chamado a proferir. Salienta, além disso, que os presentes processos apensos não têm de ser decididos com base num argumento não debatido entre os interessados. Nestas condições, não há que ordenar a reabertura da fase oral do processo.

Quanto à competência do Tribunal de Justiça

31

O Tesouro Público, o Prokurator generalny (Procurador‑Geral, Polónia) e o Governo polaco suscitaram a exceção de incompetência do Tribunal de Justiça para decidir os presentes pedidos de decisão prejudicial, alegando, em substância, que quer os litígios dos processos principais, que têm caráter puramente interno e não integram domínios abrangidos pelo direito da União, quer as disposições nacionais relativas à organização do sistema judicial e as medidas disciplinares aplicáveis aos juízes, que são da competência exclusiva dos Estados‑Membros, escapam ao âmbito de aplicação do Direito da União.

32

A este respeito, importa recordar que, nos termos do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, disposição cuja interpretação constitui, no caso vertente, o objeto das questões prejudiciais submetidas ao Tribunal de Justiça, os Estados‑Membros estabelecem as vias de recurso necessárias para assegurar aos particulares o respeito do seu direito a uma tutela jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo direito da União. Assim, compete aos Estados‑Membros prever um sistema de vias de recurso e de processos que permita assegurar uma fiscalização jurisdicional efetiva nos referidos domínios [Acórdãos de 27 de fevereiro de 2018, Associação Sindical dos Juízes Portugueses, C‑64/16, EU:C:2018:117, n.o 34 e jurisprudência referida, e de 5 de novembro de 2019, Comissão/Polónia (Independência dos tribunais comuns), C‑192/18, EU:C:2019:924, n.o 99 e jurisprudência referida].

33

Quanto ao âmbito de aplicação material do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, decorre, além disso, da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a referida disposição visa os «domínios abrangidos pelo direito da União», independentemente da situação em que os Estados‑Membros apliquem esse direito, na aceção do artigo 51.o, n.o 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia [Acórdãos de 27 de fevereiro de 2018, Associação Sindical dos Juízes Portugueses, C‑64/16, EU:C:2018:117, n.o 29, e de 19 de novembro de 2019, A. K. e o. (Independência da Secção Disciplinar do Supremo Tribunal), C‑585/18, C‑624/18 e C‑625/18, EU:C:2019:982, n.o 82 e jurisprudência referida].

34

Assim, o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE é aplicável a todas as instâncias nacionais que sejam suscetíveis de decidir, como órgãos jurisdicionais, sobre questões relativas à aplicação ou à interpretação do direito da União e abrangidas por domínios cobertos por esse direito [v., neste sentido, Acórdãos de 27 de fevereiro de 2018, Associação Sindical dos Juízes Portugueses, C‑64/16, EU:C:2018:117, n.o 40, e de 19 de novembro de 2019, A. K. e o. (Independência da Secção Disciplinar do Supremo Tribunal), C‑585/18, C‑624/18 e C‑625/18, EU:C:2019:982, n.o 83 e jurisprudência referida].

35

Ora, é esse o caso dos órgãos jurisdicionais de reenvio, os quais podem, na sua qualidade de tribunais comuns polacos, ser chamados a decidir questões relacionadas com a aplicação ou a interpretação do direito da União e que se inserem, enquanto «órgãos jurisdicionais», na aceção definida por este direito, no sistema polaco de vias de recurso nos «domínios abrangidos pelo direito da União», na aceção do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, pelo que esses órgãos jurisdicionais devem satisfazer as exigências de uma tutela jurisdicional efetiva [Acórdão de 5 de novembro de 2019, Comissão/Polónia (Independência dos tribunais comuns), C‑192/18, EU:C:2019:924, n.o 104].

36

Além disso, cabe recordar que, embora a organização judiciária nos Estados‑Membros seja da competência destes últimos, a verdade é que, no exercício desta competência, os Estados‑Membros estão obrigados a respeitar as obrigações que para eles decorrem do direito da União, em especial do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE [Acórdão de 5 de novembro de 2019, Comissão/Polónia (Independência dos tribunais comuns), C‑192/18, EU:C:2019:924, n.o 102 e jurisprudência referida].

37

Resulta de todas as considerações anteriores que o Tribunal de Justiça é competente para interpretar o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE.

Quanto à admissibilidade

38

O Tesouro Público, o Procurador‑Geral e o Governo polaco invocaram igualmente a inadmissibilidade dos pedidos de decisão prejudicial pelos seguintes motivos. Por um lado, as decisões de reenvio não cumprem os requisitos decorrentes do artigo 94.o do Regulamento de Processo, designadamente por não precisarem qual o nexo existente entre a disposição do direito da União cuja interpretação é solicitada e a legislação nacional aplicável aos litígios dos processos principais.

39

Por outro lado, as questões submetidas não têm relação com os procedimentos e o objeto dos litígios nos processos principais e revestem caráter geral e hipotético, uma vez que os órgãos jurisdicionais de reenvio não são chamados a aplicar, nesses litígios, nem as disposições nacionais relativas ao regime disciplinar dos juízes nem o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE. Esse caráter hipotético resulta igualmente do facto de que a instauração de processos disciplinares na sequência das decisões que os órgãos jurisdicionais de reenvio terão de proferir nos processos principais é, nesta fase, puramente eventual, pelo que as questões não estão relacionadas com os litígios nos processos principais, mas com possíveis futuros litígios suscetíveis de opor os juízes em causa às autoridades disciplinares nacionais. Uma resposta às referidas questões não pode afetar a obrigação de os juízes de reenvio decidirem sobre os processos principais com base nas disposições nacionais materiais e processuais aplicáveis nem modificar o alcance desta obrigação. Assim, essa resposta não é necessária à decisão dos referidos processos.

40

A Comissão Europeia entende igualmente que os presentes pedidos de decisão prejudicial são inadmissíveis, uma vez que a regra de direito da União sobre a qual versam as questões submetidas ao Tribunal de Justiça não tem nenhuma relação com o objeto dos litígios nos processos principais, os quais dizem respeito, por um lado, ao pagamento de despesas suportadas por uma cidade polaca na execução de certas missões que lhe foram confiadas em matéria de administração governamental, e, por outro, a processos penais instaurados contra certas pessoas por participação em sequestros no âmbito dos quais se admite, nomeadamente, uma diminuição excecional da pena. Além disso, a resposta que o Tribunal de Justiça poderia dar às questões prejudiciais não é suscetível de determinar o sentido de uma qualquer decisão prévia que os órgãos jurisdicionais de reenvio tenham de tomar, no plano processual ou a respeito da sua própria competência, antes de decidirem, sendo caso disso, sobre o mérito dos litígios nos processos principais. Essa resposta não iria assim colmatar uma necessidade inerente à resolução dos referidos litígios, mas equivaleria à formulação, pelo Tribunal de Justiça, de um parecer consultivo sobre questões gerais ou hipotéticas.

41

A respeito destes diversos aspetos, cabe começar por salientar que, nos seus pedidos de decisão prejudicial respetivos, os órgãos jurisdicionais de reenvio, primeiro, explicaram de forma suficiente as circunstâncias dos litígios nos processos principais e, segundo, indicaram detalhadamente as disposições que constituem o novo quadro jurídico nacional em matéria de regime disciplinar aplicável aos juízes. Terceiro, esses órgãos jurisdicionais indicaram tanto as razões pelas quais tinham, enquanto órgãos jurisdicionais nacionais suscetíveis de decidir sobre a aplicação ou a interpretação do direito da União, dúvidas quanto à conformidade do referido regime com o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE como as razões pelas quais consideravam que uma resposta às questões de interpretação submetidas ao Tribunal de Justiça era necessária na perspetiva das decisões que têm de proferir nos processos principais pendentes, tendo em conta o seu receio, nos contextos particulares próprios aos referidos processos, de que os juízes em causa sejam alvo de um processo disciplinar se forem levados a decidir esses litígios no sentido delineado nos n.os 4 e 5 do presente acórdão.

42

Ao fazê‑lo, os referidos órgãos jurisdicionais satisfizeram os requisitos recordados no artigo 94.o do Regulamento de Processo, nomeadamente o requisito previsto na alínea c) deste artigo, expondo de forma suficiente as razões que os conduziram a interrogar‑se sobre a interpretação do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, particularmente o nexo que estabelecem entre a referida disposição do Tratado e as disposições nacionais que, segundo eles, podem exercer influência no processo judicial, no final do qual irão proferir as suas decisões, e, portanto, no desfecho dos processos principais que lhes foram submetidos.

43

Além disso, cabe recordar que, de acordo com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, as questões relativas à interpretação do direito da União submetidas pelo juiz nacional no quadro regulamentar e factual que define sob a sua responsabilidade, e cuja exatidão não cabe ao Tribunal de Justiça verificar, beneficiam de uma presunção de pertinência (Acórdãos de 15 de maio de 2003, Salzmann, C‑300/01, EU:C:2003:283, n.o 31, e de 29 de junho de 2017, Popławski, C‑579/15, EU:C:2017:503, n.o 16 e jurisprudência referida).

44

Todavia, é igualmente jurisprudência constante que o processo instituído pelo artigo 267.o TFUE é um instrumento de cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais, graças ao qual o primeiro fornece aos segundos os elementos de interpretação do direito da União que lhes são necessários para a resolução dos litígios que lhes cabe decidir (Acórdãos de 18 de outubro de 1990, Dzodzi, C‑297/88 e C‑197/89, EU:C:1990:360, n.o 33, e de 19 de dezembro de 2013, Fish Legal e Shirley, C‑279/12, EU:C:2013:853, n.o 29 e jurisprudência referida). A justificação do reenvio prejudicial não é emitir opiniões consultivas sobre questões gerais ou hipotéticas, mas a necessidade inerente à efetiva solução de um litígio (Acórdãos de 15 de junho de 1995, Zabala Erasun e o., C‑422/93 a C‑424/93, EU:C:1995:183, n.o 29, e de 10 de dezembro de 2018, Wightman e o., C‑621/18, EU:C:2018:999, n.o 28 e jurisprudência referida).

45

Como decorre dos próprios termos do artigo 267.o TFUE, a decisão prejudicial solicitada deve ser «necessária ao julgamento da causa» pelo órgão jurisdicional de reenvio (v., neste sentido, Acórdão de 17 de fevereiro de 2011, Weryński, C‑283/09, EU:C:2011:85, n.o 35).

46

Assim, o Tribunal de Justiça tem repetidamente recordado que resulta simultaneamente dos termos e da economia do artigo 267.o TFUE que o processo de reenvio prejudicial pressupõe, nomeadamente, que esteja efetivamente pendente perante os órgãos jurisdicionais nacionais um litígio no âmbito do qual estes sejam chamados a proferir uma decisão suscetível de tomar em consideração o acórdão prejudicial (Acórdãos de 21 de abril de 1988, Pardini, 338/85, EU:C:1988:194, n.o 11; de 4 de outubro de 1991, Society for the Protection of Unborn Children Ireland, C‑159/90, EU:C:1991:378, n.os 12 e 13; e de 27 de fevereiro de 2014, Pohotovosť, C‑470/12, EU:C:2014:101, n.o 28 e jurisprudência referida).

47

Neste contexto, a missão do Tribunal de Justiça deve ser distinguida consoante lhe tenha sido submetido um reenvio prejudicial ou uma ação por incumprimento. Com efeito, enquanto, no âmbito de uma ação por incumprimento, o Tribunal de Justiça deve verificar se a medida ou a prática nacional contestada pela Comissão ou um outro Estado‑Membro é, em termos gerais e sem que seja necessário existir um litígio a esse respeito submetido perante os órgãos jurisdicionais nacionais, contrária ao direito da União, a missão do Tribunal de Justiça no âmbito de um processo prejudicial consiste, em contrapartida, em dar apoio ao órgão jurisdicional de reenvio na solução do litígio concreto nele pendente (v., neste sentido, Acórdão de 15 de novembro de 2016, Ullens de Schooten, C‑268/15, EU:C:2016:874, n.o 49).

48

No âmbito de um processo dessa natureza, deve existir entre o referido litígio e as disposições do direito da União cuja interpretação é solicitada um nexo de ligação tal que essa interpretação responda a uma necessidade objetiva para a decisão que o órgão jurisdicional de reenvio tem de tomar (v., neste sentido, Despacho de 25 de maio de 1998, Nour, C‑361/97, EU:C:1998:250, n.o 15 e jurisprudência referida).

49

No caso vertente, primeiro, os litígios nos processos principais não apresentam, quanto à matéria de fundo, nenhum nexo de ligação com o direito da União, nomeadamente com o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, sobre o qual versam as questões prejudiciais, nem os órgãos jurisdicionais de reenvio têm, por conseguinte, de aplicar este direito ou a referida disposição, a fim de resolver esses litígios. Neste aspeto, os presentes processos distinguem‑se, nomeadamente, do processo que deu origem ao Acórdão de 27 de fevereiro de 2018, Associação Sindical dos Juízes Portugueses (C‑64/16, EU:C:2018:117), em que o órgão jurisdicional de reenvio tinha de decidir de um recurso de anulação de decisões administrativas que haviam reduzido a remuneração dos membros do Tribunal de Contas (Portugal) em aplicação de uma legislação nacional que previa essa redução e cuja conformidade com o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE era impugnada perante o referido órgão jurisdicional de reenvio.

50

Segundo, embora o Tribunal de Justiça já tenha declarado admissíveis questões prejudiciais sobre a interpretação de disposições processuais do direito da União que o órgão jurisdicional de reenvio em causa estava obrigado a aplicar (v., neste sentido, Acórdão de 17 de fevereiro de 2011, Weryński, C‑283/09, EU:C:2011:85, n.os 41 e 42), não é esse o alcance das questões submetidas no âmbito dos presentes processos apensos.

51

Terceiro, uma resposta do Tribunal de Justiça às referidas questões também não parece poder fornecer aos órgãos jurisdicionais de reenvio uma interpretação do direito da União que lhes permita resolver as questões processuais de direito nacional antes de poderem decidir sobre o mérito dos litígios que lhes foram submetidos. Neste aspeto, os presentes processos distinguem‑se igualmente, por exemplo, dos processos que deram origem ao Acórdão de 19 de novembro de 2019, A. K. e o. (Independência da Secção Disciplinar do Supremo Tribunal) (C‑585/18, C‑624/18 e C‑625/18, EU:C:2019:982), nos quais a interpretação prejudicial solicitada ao Tribunal de Justiça era suscetível de influenciar a questão da determinação do órgão jurisdicional competente para resolver o mérito de litígios relacionados com o direito da União, como decorre particularmente dos n.os 100, 112 e 113 desse acórdão.

52

Nestas condições, não resulta das decisões de reenvio que exista, entre a disposição do direito da União sobre a qual versam as presentes questões prejudiciais e os litígios nos processos principais, um nexo de ligação que torne a interpretação solicitada necessária para que os órgãos jurisdicionais de reenvio possam, em aplicação dos ensinamentos decorrentes dessa interpretação, adotar as decisões exigidas para decidir desses litígios.

53

Por conseguinte, as referidas questões não versam sobre uma interpretação do direito da União que responda a uma necessidade objetiva para a resolução dos referidos litígios, mas revestem antes caráter geral.

54

Quanto à circunstância que os órgãos jurisdicionais de reenvio indicaram nas suas cartas referidas nos n.os 20 e 21 do presente acórdão, segundo a qual os dois juízes na origem dos presentes pedidos de decisão prejudicial tinham sido, em razão dos referidos pedidos, alvo de um inquérito prévio à instauração de um eventual processo disciplinar contra eles, cabe sublinhar que os litígios nos processos principais no contexto dos quais o Tribunal de Justiça foi chamado a decidir a título prejudicial nos presentes processos apensos não versam sobre essa circunstância. Além disso, importa registar que, tal como o Governo polaco expôs nas suas observações escritas e na audiência perante o Tribunal de Justiça, os referidos processos de inquérito foram, entretanto, encerrados com o fundamento de que não tinha sido provada nenhuma falta disciplinar correspondente a uma violação da dignidade da função em razão da formulação dos referidos pedidos de decisão prejudicial.

55

Neste contexto, cabe, porém, recordar que, como decorre de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a pedra angular do sistema jurisdicional instituído pelos Tratados é constituída pelo processo de reenvio prejudicial previsto no artigo 267.o TFUE, que, ao estabelecer um diálogo de juiz para juiz entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros, tem por objetivo assegurar a unidade de interpretação do direito da União, permitindo assim assegurar a sua coerência, o seu pleno efeito e a sua autonomia, bem como, em última instância, o caráter adequado do direito instituído pelos Tratados (Parecer 2/13, de 18 de dezembro de 2014, EU:C:2014:2454, n.o 176, e Acórdão de 24 de outubro de 2018, XC e o., C‑234/17, EU:C:2018:853, n.o 41).

56

Segundo jurisprudência igualmente constante do Tribunal de Justiça, o artigo 267.o TFUE confere aos órgãos jurisdicionais nacionais a mais ampla faculdade de recorrer ao Tribunal de Justiça, se considerarem que um processo neles pendente suscita questões que exigem uma interpretação ou uma apreciação da validade de disposições do direito da União necessárias para a resolução do litígio que lhes é submetido. Os órgãos jurisdicionais nacionais podem, de resto, exercer livremente esta faculdade a qualquer momento do processo que entenderem adequado (Acórdãos de 5 de outubro de 2010, Elchinov, C‑173/09, EU:C:2010:581, n.o 26, e de 24 de outubro de 2018, XC e o., C‑234/17, EU:C:2018:853, n.o 42 e jurisprudência referida).

57

Uma regra de direito nacional não pode, por conseguinte, impedir um órgão jurisdicional nacional de fazer uso da referida faculdade, a qual é, com efeito, inerente ao sistema de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça, instituído pelo artigo 267.o TFUE, e às funções de juiz encarregado da aplicação do direito da União, confiadas por esta disposição aos órgãos jurisdicionais nacionais [Acórdão de 19 de novembro de 2019, A. K. e o. (Independência da Secção Disciplinar do Supremo Tribunal), C‑585/18, C‑624/18 e C‑625/18, EU:C:2019:982, n.o 103 e jurisprudência referida].

58

Assim, disposições nacionais das quais decorra que os juízes nacionais podem ser alvo de processos disciplinares pelo facto de terem submetido um reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça são inaceitáveis (v., neste sentido, Despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 1 de outubro de 2018, Miasto Łowicz e Prokuratura Okręgowa w Płocku, C‑558/18 e C‑563/18, não publicado, EU:C:2018:923, n.o 21). Com efeito, a simples perspetiva de se poder eventualmente ser alvo de um processo disciplinar pelo facto de se ter procedido a um reenvio dessa natureza ou de se ter decidido mantê‑lo após a sua introdução pode afetar o exercício efetivo, pelos juízes nacionais em causa, da faculdade e das funções visadas no número anterior.

59

O facto de esses juízes não serem expostos a processos ou sanções disciplinares por terem exercido essa faculdade de submeter ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial, a qual é da sua competência exclusiva, constitui, de resto, uma garantia inerente à sua independência (v., neste sentido, Despacho de 12 de fevereiro de 2019, RH, C‑8/19 PPU, EU:C:2019:110, n.o 47), independência que é, particularmente, essencial ao bom funcionamento do sistema de cooperação judiciária que o mecanismo do reenvio prejudicial previsto no artigo 267.o TFUE representa [v., neste sentido, Acórdão de 25 de julho de 2018, Minister for Justice and Equality (Falhas do sistema judicial), C‑216/18 PPU, EU:C:2018:586, n.o 54 e jurisprudência referida].

60

Decorre de todas as considerações anteriores que os presentes pedidos de decisão prejudicial devem ser declarados inadmissíveis.

Quanto às despesas

61

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

 

Os pedidos de decisão prejudicial submetidos pelo Sąd Okręgowy w Łodzi (Tribunal Regional de Łódź, Polónia) e pelo Sąd Okręgowy w Warszawie (Tribunal Regional de Varsóvia, Polónia), por Decisões de 31 de agosto de 2018 e de 4 de setembro de 2018, são inadmissíveis.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: polaco.