ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

26 de março de 2020 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Contratos públicos — Processos de recurso em matéria de adjudicação de contratos públicos de fornecimentos e de empreitada de obras públicas — Diretiva 89/665/CEE — Procedimentos de celebração de contratos públicos pelas entidades que operam nos setores da água, da energia, dos transportes e das telecomunicações — Diretiva 92/13/CEE — Adjudicação de contratos públicos — Diretivas 2014/24/UE e 2014/25/UE — Fiscalização da aplicação das regras relativas à adjudicação de contratos públicos — Regulamentação nacional que permite a certos organismos instaurar um processo oficioso em caso de alteração ilegal de um contrato em execução — Caducidade do direito de instaurar o processo oficioso — Princípios da segurança jurídica e da proporcionalidade»

Nos processos apensos C‑496/18 e C‑497/18,

que têm por objeto dois pedidos de decisão prejudicial apresentados, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Fővárosi Törvényszék (Tribunal de Budapeste‑Capital, Hungria), por Decisões de 7 de junho de 2018, que deram entrada no Tribunal de Justiça em 30 de julho de 2018, nos processos

Hungeod Közlekedésfejlesztési, Földmérési, Út‑ és Vasúttervezési Kft. (C‑496/18),

Sixense Soldata (C‑496/18),

Budapesti Közlekedési Zrt. (C‑496/18 e C‑497/18),

contra

Közbeszerzési Hatóság Közbeszerzési Döntőbizottság,

sendo interveniente:

Közbeszerzési Hatóság Elnöke,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

composto por: M. Vilaras (relator), presidente de secção, S. Rodin, D. Šváby, K. Jürimäe e N. Piçarra, juízes,

advogado‑geral: M. Bobek,

secretário: R. Șereș, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 4 de setembro de 2019,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Budapesti Közlekedési Zrt., por T. J. Misefay, ügyvéd,

em representação da Közbeszerzési Hatóság Közbeszerzési Döntőbizottság, por É. Horváth, na qualidade de agente,

em representação da Közbeszerzési Hatóság Elnöke, por T. A. Cseh, na qualidade de agente,

em representação do Governo húngaro, por M. Z. Fehér, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por L. Haasbeek, P. Ondrůšek e A. Sipos, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 21 de novembro de 2019,

profere o presente

Acórdão

1

Os pedidos de decisão prejudicial têm por objeto, em substância, a interpretação do artigo 1.o, n.os 1 e 3, da Diretiva 89/665/CEE do Conselho, de 21 de dezembro de 1989, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas relativas à aplicação dos procedimentos de recurso em matéria de celebração dos contratos de direito público de fornecimentos e de obras (JO 1989, L 395, p. 33), conforme alterada pela Diretiva 2007/66/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2007 (JO 2007, L 335, p. 31) (a seguir «Diretiva 89/665»), do artigo 1.o, n.os 1 e 3, da Diretiva 92/13/CEE do Conselho, de 25 de fevereiro de 1992, relativa à coordenação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes à aplicação das regras comunitárias em matéria de procedimentos de celebração de contratos de direito público pelas entidades que operam nos setores da água, da energia, dos transportes e das telecomunicações (JO 1992, L 76, p. 14), conforme alterada pela Diretiva 2007/66 (a seguir «Diretiva 92/13»), do artigo 83.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2014/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos públicos e que revoga a Diretiva 2004/18/CE (JO 2014, L 94, p. 65), do artigo 99.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2014/25/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos públicos celebrados pelas entidades que operam nos setores da água, da energia, dos transportes e dos serviços postais e que revoga a Diretiva 2004/17/CE (JO 2014, L 94, p. 243), dos artigos 41.o e 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta») e dos princípios da segurança jurídica e da proporcionalidade.

2

Estes pedidos foram apresentados no âmbito de dois litígios que opõem, por um lado, a Hungeod Közlekedésfejlesztési, Földmérési, Út‑ és Vasúttervezési Kft. (a seguir «Hungeod»), a Sixense Soldata (a seguir «Sixense») e a Budapesti Közlekedési Zrt. (processo C‑496/18), bem como, por outro lado, a Budapesti Közlekedési (processo C‑497/18) à Közbeszerzési Hatóság Közbeszerzési Döntőbizottság (Comissão Arbitral da Contratação Pública, Hungria) (a seguir «Comissão Arbitral») a respeito da alteração, durante a execução, de contratos celebrados no termo de procedimentos de adjudicação de contratos públicos.

Quadro jurídico

Direito da União

Diretiva 89/665

3

O artigo 1.o da Diretiva 89/665 prevê:

«1.   […]

Os Estados‑Membros devem tomar as medidas necessárias para assegurar que, no que se refere aos contratos abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2004/18/CE [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços (JO 2004, L 134, p. 114)], as decisões das entidades adjudicantes possam ser objeto de recursos eficazes e, sobretudo, tão céleres quanto possível, nos termos dos artigos 2.o a 2.o‑F da presente diretiva, com fundamento na violação, por tais decisões, do direito comunitário em matéria de contratos públicos ou das normas nacionais de transposição desse direito.

[…]

3.   Os Estados‑Membros devem garantir o acesso ao recurso, de acordo com regras detalhadas que os Estados‑Membros podem estabelecer, a qualquer pessoa que tenha ou tenha tido interesse em obter um determinado contrato e que tenha sido, ou possa vir a ser, lesada por uma eventual violação.»

4

O artigo 2.o‑D da Diretiva 89/665, sob a epígrafe «Privação de efeitos», foi inserido pela Diretiva 2007/66 e tem a seguinte redação:

«1.   Os Estados‑Membros devem assegurar que o contrato seja considerado desprovido de efeitos por uma instância de recurso independente da entidade adjudicante ou que a não produção de efeitos do contrato resulte de uma decisão dessa instância de recurso em qualquer dos seguintes casos:

a)

Se a entidade adjudicante tiver adjudicado um contrato sem publicação prévia de um anúncio de concurso no Jornal Oficial da União Europeia sem que tal seja permitido nos termos da Diretiva 2004/18/CE;

[…]

2.   As consequências decorrentes do facto de um contrato ser considerado desprovido de efeitos são estabelecidas pelo direito interno.»

Diretiva 92/13

5

O artigo 1.o da Diretiva 92/13 dispõe:

«1.   […]

Os Estados‑Membros adotam as medidas necessárias para assegurar que, no que se refere aos contratos abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2004/17/CE [Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos nos setores da água, da energia, dos transportes e dos serviços postais (JO 2004, L 134, p. 1)], as decisões das entidades adjudicantes possam ser objeto de recursos eficazes e, sobretudo, tão céleres quanto possível, nos termos dos artigos 2.o a 2.o‑F da presente diretiva, com fundamento na violação, por tais decisões, do direito comunitário em matéria de contratos ou das normas nacionais de transposição desse direito.

[…]

3.   Os Estados‑Membros devem garantir o acesso ao recurso de acordo com regras detalhadas que os Estados‑Membros podem estabelecer, a qualquer pessoa que tenha ou tenha tido interesse em obter um determinado contrato e que tenha sido, ou possa vir a ser, lesada por uma eventual violação.»

6

O artigo 2.o‑D da Diretiva 92/13, sob a epígrafe «Privação de efeitos», foi inserido pela Diretiva 2007/66 e prevê o seguinte:

«1.   Os Estados‑Membros devem assegurar que o contrato seja considerado desprovido de efeitos por uma instância de recurso independente da entidade adjudicante ou que a não produção de efeitos do contrato resulte de uma decisão dessa instância de recurso em qualquer dos seguintes casos:

a)

Se a entidade adjudicante tiver adjudicado um contrato sem publicação prévia de um anúncio de concurso no Jornal Oficial da União Europeia sem que tal seja permitido nos termos da Diretiva 2004/17/CE;

[…]

2.   As consequências decorrentes do facto de um contrato ser considerado desprovido de efeitos são estabelecidas pelo direito interno.»

Diretiva 2007/66

7

Os considerandos 2, 25, 27 e 36 da Diretiva 2007/66 enunciam:

«(2)

[...] as Diretivas [89/665] e [92/13] aplicam‑se exclusivamente aos contratos abrangidos pelas Diretivas [2004/18] e [2004/17], segundo a interpretação do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, seja qual for o processo de concurso ou o meio de abertura do mesmo utilizado, designadamente concursos para trabalhos de conceção, sistemas de qualificação e sistemas de aquisição dinâmicos. Segundo os acórdãos do [Tribunal de Justiça], os Estados‑Membros deverão assegurar a existência de meios de recurso eficazes e céleres de decisões tomadas pelas entidades adjudicantes no que se refere à questão de saber se um contrato particular se inscreve no âmbito de aplicação pessoal e material das Diretivas [2004/18] e [2004/17].

[…]

(25)

Além disso, a necessidade de garantir ao longo do tempo a segurança jurídica das decisões tomadas pelas entidades adjudicantes requer o estabelecimento de um prazo mínimo razoável de prescrição dos recursos cuja finalidade seja determinar a que o contrato não produz efeitos.

[…]

(27)

Dado que a presente diretiva reforça o recurso nacional especialmente nos casos de adjudicação ilegal de um contrato por ajuste direto, os operadores económicos deverão ser incentivados a recorrer a estes novos mecanismos. Por razões de segurança jurídica, a invocabilidade da privação de efeitos de um contrato é limitada a um período determinado. Deverá ser respeitada a efetividade desse limite.

[…]

(36)

A presente diretiva respeita os direitos fundamentais e observa os princípios reconhecidos, em especial, na [Carta]. Em especial, a presente diretiva destina‑se a assegurar o respeito pleno do direito a um recurso efetivo e a que a sua causa seja julgada de forma equitativa, em conformidade com os primeiro e segundo parágrafos do artigo 47.o da Carta.»

Diretiva 2014/24

8

Os considerandos 121 e 122 da Diretiva 2014/24 enunciam:

«(121)

A avaliação revelou que há ainda uma margem considerável para melhorias no que se refere à aplicação das regras da União em matéria de contratação pública. Tendo em vista uma aplicação mais eficiente e coerente das regras, é indispensável ter uma boa visão geral dos eventuais problemas estruturais e padrões gerais das políticas nacionais em matéria de contratação pública, a fim de resolver esses eventuais problemas de forma mais orientada. […]

(122)

A Diretiva [89/665] prevê que certas vias de recurso devem estar disponíveis pelo menos para todas as pessoas que tenham ou tenham tido interesse em obter um contrato particular e que tenham sido ou corram o risco de ser prejudicadas por uma alegada infração do direito da União em matéria de contratação pública ou das regras nacionais que transpõem essa legislação. Estas vias de recurso não deverão ser afetadas pela presente diretiva. Todavia, os cidadãos, as partes interessadas, organizados ou não, bem como outras pessoas ou organismos que não tenham acesso às vias de recurso nos termos da Diretiva [89/665] não deixam de ter um interesse legítimo, enquanto contribuintes, em que a contratação pública obedeça a regras. Deverão pois ter a possibilidade — sem ser através do regime de recurso nos termos da Diretiva [89/665] e sem que tenham de ser dotados de estatuto para estarem em juízo — de denunciar eventuais violações da presente diretiva a uma autoridade ou estrutura competente. […]»

9

Nos termos do artigo 83.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2014/24:

«1.   A fim de garantir de facto uma execução eficaz e correta, os Estados‑Membros devem certificar‑se de que pelo menos as tarefas enumeradas no presente artigo são realizadas por uma ou mais autoridades, organismos ou estruturas. Os Estados‑Membros devem indicar à Comissão todas as autoridades, organismos ou estruturas competentes para essas tarefas.

2.   Os Estados‑Membros asseguram o acompanhamento da aplicação das regras de contratação pública.

[…]»

Diretiva 2014/25

10

Os considerandos 127 e 128 da Diretiva 2014/25 são, em substância, idênticos aos considerandos 121 e 122 da Diretiva 2014/24.

11

O artigo 99.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2014/25 prevê:

«1.   A fim de garantir de facto uma execução eficaz e correta, os Estados‑Membros devem certificar‑se de que pelo menos as tarefas enumeradas no presente artigo são realizadas por uma ou mais autoridades, organismos ou estruturas. Os Estados‑Membros devem indicar à Comissão todas as autoridades ou estruturas competentes para estas tarefas.

2.   Os Estados‑Membros asseguram a monitorização da aplicação das regras de contratação pública.

[…]»

Direito húngaro

Lei sobre os Contratos Públicos de 2003

12

O artigo 303.o, n.o 1, da közbeszerzésekről szóló 2003. évi CXXIX. törvény (Lei CXXIX de 2003 sobre os Contratos Públicos; a seguir «Lei sobre os Contratos Públicos de 2003») dispõe:

«As partes podem modificar a parte do contrato determinada nos termos das condições estabelecidas no anúncio de concurso, no caderno de encargos e/ou no conteúdo da proposta, unicamente quando o contrato devido a circunstâncias ocorridas depois da sua celebração — por um motivo não previsível no momento da celebração do contrato — viole um interesse substancial e lícito de uma das partes contratantes.»

13

O artigo 306.o‑A, n.o 2, da Lei sobre os Contratos Públicos de 2003 tem a seguinte redação:

«Qualquer contrato abrangido pelo âmbito de aplicação da presente lei será nulo quando:

a)

ao celebrar o contrato não se observou o procedimento de contratação pública

[…]»

14

O artigo 307.o da Lei sobre os Contratos Públicos de 2003 prevê:

«(1)   A entidade adjudicante tem a obrigação de redigir, em conformidade com o modelo previsto numa norma jurídica específica, um comunicado sobre a alteração do contrato, bem como sobre a execução deste e de o publicar através de um aviso que deve figurar no Közbeszerzési Értesítő [(Jornal da Contratação Pública)]. Este aviso deve ser publicado, o mais tardar, no prazo de quinze dias úteis a contar da alteração do contrato ou da execução do contrato por ambas as partes. No caso de um contrato celebrado por um prazo superior a um ano ou por tempo indeterminado, deve ser redigido anualmente, a contar da data de celebração do contrato, um comunicado sobre a execução parcial do contrato. No âmbito da obrigação de informação relativa à execução do contrato — se a execução tiver lugar noutra data, ou noutras datas diferentes das previstas — há que indicar especificamente a data de execução do contrato reconhecida pela entidade adjudicante, bem como a data de execução da contrapartida. No comunicado, a parte que celebrou o contrato como proponente deve declarar se está de acordo com os elementos que aí figuram.

[…]

(3)   O presidente do Conselho da Contratação Pública deve tomar a iniciativa de instaurar oficiosamente um processo na [Comissão Arbitral] se for plausível que a modificação do contrato foi efetuada em violação do artigo 303.o, ou que a execução do contrato correu em violação do artigo 304.o ou do artigo 305.o»

15

O artigo 327.o da Lei sobre os Contratos Públicos de 2003 dispõe:

«(1)   Os seguintes organismos ou pessoas podem tomar a iniciativa de instaurar oficiosamente processos na [Comissão Arbitral] se, no exercício das suas competências, tomarem conhecimento de uma ação ou omissão contrária à presente lei:

a)

o presidente do Conselho da Contratação Pública;

[…]

(2)   Podem ser instaurados oficiosamente processos na [Comissão Arbitral]:

a)

por iniciativa de um dos organismos referidos no n.o 1, alíneas a), b) e d) a i), no prazo de 30 dias a contar da data em que esse organismo tomou conhecimento da infração ou, caso o procedimento de contratação pública não tenha sido observado, a contar da data de celebração do contrato ou, se essa data não puder ser determinada, a partir da data em que esse organismo tomou conhecimento do início da execução do contrato por uma das partes, mas, o mais tardar, no prazo de um ano a contar da ocorrência da infração, ou de três anos nos casos em que o procedimento de contratação pública não tenha sido observado.

[…]»

16

O artigo 328.o da Lei sobre os Contratos Públicos de 2003 prevê:

«(1)   O presidente do Conselho da Contratação Pública deve tomar a iniciativa de instaurar oficiosamente um processo na [Comissão Arbitral]

[…]

c)

no caso referido no artigo 307.o, n.o 3.

(2)   O artigo 327.o, n.os 2 a 7, é aplicável à iniciativa prevista no n.o 1, supra

17

Nos termos do artigo 379.o, n.o 2, da Lei sobre os Contratos Públicos de 2003:

«O Conselho [da Contratação Pública]

[…]

l)

deve acompanhar atentamente a alteração e a execução dos contratos celebrados na sequência de um procedimento de contratação pública (artigo 307.o, n.o 4).

[…]»

Lei sobre os Contratos Públicos de 2015

18

O artigo 2.o, n.o 8, da közbeszerzésekről szóló 2015. évi CXLIII. törvény (Lei CXLIII de 2015, sobre os Contratos Públicos, a seguir «Lei sobre os Contratos Públicos de 2015») dispõe:

«Na medida em que a presente lei não disponha em sentido contrário, as disposições do [Código Civil] são aplicáveis aos contratos celebrados na sequência de um procedimento de contratação pública.»

19

O artigo 148.o, n.o 1, da Lei sobre os Contratos Públicos de 2015 tem a seguinte redação:

«O processo perante a [Comissão Arbitral] é iniciado mediante requerimento ou oficiosamente.»

20

O artigo 152.o, n.os 1 e 2, da Lei sobre os Contratos Públicos de 2015 prevê:

«(1)   Os seguintes organismos ou pessoas podem tomar a iniciativa de instaurar oficiosamente processos na [Comissão Arbitral] se, no exercício das suas competências, tomarem conhecimento de uma ação ou omissão contrária à presente lei:

a)

o Közbeszerzési Hatóság Elnöke [(presidente da Autoridade da Contratação Pública, Hungria)];

[…]

(2)   Qualquer das entidades ou pessoas referidas no n.o 1 podem tomar a iniciativa de instaurar oficiosamente um processo na [Comissão Arbitral] no prazo de 60 dias a contar da data em que esse organismo tomou conhecimento da infração, mas

a)

o mais tardar no prazo de 3 anos a contar da ocorrência da infração,

b)

em derrogação da alínea a), se tiverem sido feitas aquisições sem que tenha sido organizado um procedimento de contratação pública, no prazo máximo de 5 anos a contar da data de celebração do contrato ou, se essa data não puder ser determinada, a contar do início da execução do contrato por uma das partes, ou

c)

em derrogação das alíneas a) e b), se as aquisições tiverem sido feitas graças a um auxílio, durante o período de conservação dos documentos, em conformidade com uma norma jurídica específica, relativos ao pagamento e à utilização do auxílio em questão, mas, no mínimo, durante um período de 5 anos a contar da ocorrência da infração, no caso de aquisições feitas sem que tenha sido organizado um procedimento de contratação pública, a contar da data de celebração do contrato ou, se essa data não puder ser determinada, a contar do início da execução do contrato por uma das partes.»

21

Nos termos do artigo 153.o da Lei sobre os Contratos Públicos de 2015:

«(1)   O presidente da Autoridade da Contratação Pública deve tomar a iniciativa de instaurar oficiosamente um processo na [Comissão Arbitral]

[…]

c)

se for plausível, à luz do resultado da monitorização administrativa efetuada pela Autoridade da Contratação Pública nos termos do artigo 187.o, n.o 2, alínea j), ou mesmo sem que tenha sido efetuada uma monitorização administrativa, que a alteração ou a execução do contrato foram feitas em violação da presente lei, em especial se tiver sido cometida uma infração como a referida no artigo 142.o, n.o 2.

[…]

(3)   O artigo 152.o, n.os 2 a 8, é aplicável à iniciativa referida nos n.os 1 e 2.»

22

O artigo 187.o, n.os 1 e 2, da Lei sobre os Contratos Públicos de 2015 prevê:

«(1)   A Autoridade da Contratação Pública tem por missão contribuir eficazmente, tendo em conta o interesse público e os interesses das entidades adjudicantes e dos proponentes, para a conceção da política em matéria de contratação pública, para a emergência e para a generalização de comportamentos conformes com o direito em matéria de contratação pública, a fim de favorecer a publicidade e a transparência da despesa pública.

(2)   A Autoridade

[…]

j)

deve acompanhar atentamente a alteração de contratos celebrados na sequência de um procedimento de contratação pública e, no contexto da fiscalização administrativa […], fiscaliza igualmente a execução, em conformidade com as modalidades previstas especificamente por lei e, nomeadamente, adotar as medidas referidas no artigo 153.o, n.o 1, alínea c), e no artigo 175.o;

[…]»

23

Nos termos do artigo 197.o, n.o 1, da Lei sobre os Contratos Públicos de 2015:

«As disposições da presente lei aplicam‑se aos contratos celebrados na sequência de procedimentos de adjudicação […] ou de procedimentos de contratação pública iniciados após a sua entrada em vigor, aos procedimentos de concurso iniciados após essa data, bem como aos processos de recurso a eles relativos, que tenham sido requeridos, instaurados ou iniciados oficiosamente por uma autoridade, incluindo os processos de resolução prévia de litígios. As disposições dos artigos 139.o, 141.o, 142.o, 153.o, n.o 1, alínea c), e do artigo 175.o são aplicáveis à possibilidade de alterar, sem dar início a um novo procedimento de contratação pública, os contratos celebrados na sequência de procedimentos de contratação pública iniciados antes da entrada em vigor da presente lei, bem como ao acompanhamento das alterações e da execução dos contratos. Além disso, as disposições do capítulo XXI são aplicáveis aos processos de recurso relativos a esses contratos.»

Decreto n.o 4/2011

24

O artigo 1.o, n.o 1, do 2007‑2013 programozási időszakban az Európai Regionális Fejlesztési Alapból, az Európai Szociális Alapból és a Kohéziós Alapból származó támogatások felhasználásának rendjéről szóló 4/2011 (I. 28) Korm. Rendelet [Decreto n.o 4/2011 (I. 28.) Relativo à Utilização dos Auxílios do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, do Fundo Social Europeu e do Fundo de Coesão para o Período de Programação 2007‑2013; a seguir «Decreto n.o 4/2011»] prevê:

«O âmbito de aplicação do presente regulamento abrange a tomada e a execução de compromissos — a título oneroso ou destinados a subvenções — provenientes do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, do Fundo Social Europeu e do Fundo de Coesão […] para o período de programação 2007‑2013 — com exceção das contribuições dos programas de cooperação territorial europeia —, o controlo da execução, as pessoas singulares, coletivas e entidades sem personalidade jurídica que participem na sua utilização, na liquidação e no controlo, e os requerentes, destinatários e beneficiários de subvenções.»

25

Nos termos do artigo 80.o, n.o 3, do Decreto n.o 4/2011:

«O beneficiário e os organismos envolvidos no pagamento dos auxílios devem manter uma contabilidade separada para cada projeto, registar separadamente todos os documentos relacionados com o projeto e conservá‑los, pelo menos, até 31 de dezembro de 2020.»

Código Civil

26

O artigo 200.o, n.o 2, da Polgári Törvénykönyvről szóló 1959. évi IV. törvény (Lei IV de 1959 que Aprova o Código Civil) dispõe:

«É nulo o contrato que viole disposições legais ou que tenha sido celebrado com fraude à lei, salvo se a lei previr outra consequência jurídica.»

27

O artigo 6:95 da Polgári törvénykönyvről szóló 2013. évi V. törvény (Lei V de 2013 que Aprova o Código Civil) prevê:

«É nulo o contrato que viole disposições legais ou que tenha sido celebrado com fraude à lei, salvo se a lei previr outra consequência jurídica. Sem prejuízo de outras sanções jurídicas, um contrato também é nulo quando uma norma jurídica o enuncie especificamente ou quando o seu objetivo seja proibir o efeito jurídico pretendido através do contrato em causa.»

Litígios nos processos principais e questões prejudiciais

Processo C‑496/18

28

Em 30 de setembro de 2005, a Budapesti Közlekedési publicou, na qualidade de entidade adjudicante, um anúncio de concurso no Jornal Oficial da União Europeia destinado à adjudicação de um contrato público que tinha por objeto a «aquisição de um sistema de monitorização para a vigilância dos movimentos das estruturas e o controlo do ruído e das vibrações durante a primeira fase de construção da linha 4 do Metro de Budapeste [(Hungria)]», cujo valor estimado excedia os limiares comunitários e que beneficiava de uma contribuição financeira da União Europeia. O contrato foi adjudicado a um consórcio de empresas, composto pela Hungeod e pela Sixense.

29

Em 1 de março de 2006, foi assinado o contrato relativo ao concurso.

30

Em 5 de outubro de 2009, as partes contratantes decidiram alterar o contrato invocando circunstâncias imprevisíveis. Esta alteração foi objeto de um comunicado publicado no Közbeszerzési Értesítő (Jornal da Contratação Pública) em 18 de novembro de 2009.

31

Em 29 de maio de 2017, o presidente da Autoridade da Contratação Pública submeteu o assunto à Comissão Arbitral, pedindo‑lhe, por um lado, que declarasse que as recorrentes no processo principal tinham cometido uma infração ao alterar o contrato em violação do artigo 303.o, n.o 1, da Lei sobre os Contratos Públicos de 2003 e, por outro, que lhes aplicasse coimas. Indicou ter tomado conhecimento da infração em 30 de março de 2017 e, para fundamentar o seu pedido, invocou o artigo 153.o, n.o 3, e o artigo 152.o, n.o 2, alínea a), da Lei sobre os Contratos Públicos de 2015.

32

Na sua Decisão de 3 de agosto de 2017, a Comissão Arbitral considerou, antes de mais, que as disposições processuais da Lei sobre os Contratos Públicos de 2015 eram aplicáveis ao caso em apreço, uma vez que, embora esta lei só tenha entrado em vigor em 1 de novembro de 2015 e, em princípio, só dizer respeito aos contratos celebrados após essa data, essa lei era aplicável, por força das disposições transitórias constantes do seu artigo 197.o, n.o 1, à fiscalização das alterações de contratos ocorridas antes da sua entrada em vigor. Precisou que o projeto executado no âmbito do contrato em causa no processo principal beneficiava de financiamento da União e que, por conseguinte, em conformidade com o artigo 80.o, n.o 3, do Decreto n.o 4/2011, o prazo para instaurar oficiosamente um processo expirava em 31 de dezembro de 2020.

33

Quanto ao mérito, após ter constatado a violação do artigo 303.o da Lei sobre os Contratos Públicos de 2003, a Comissão Arbitral condenou a Budapesti Közlekedési no pagamento de uma coima de 25000000 forints húngaros (HUF) (aproximadamente 81275 euros) e condenou, solidariamente, a Hungeod e a Sixense no pagamento de uma coima de 5000000 HUF (aproximadamente 16255 euros).

34

As recorrentes no processo principal interpuseram recurso da decisão da Comissão Arbitral no Fővárosi Törvényszék (Tribunal de Budapeste‑Capital, Hungria).

35

O órgão jurisdicional de reenvio questiona‑se sobre as exigências decorrentes do direito da União, mais precisamente do princípio da segurança jurídica, num caso em que a nova regulamentação de um Estado‑Membro, como a Lei sobre os Contratos Públicos de 2015, autoriza, relativamente a um contrato público celebrado antes da sua entrada em vigor, a autoridade de supervisão a instaurar oficiosamente, apesar do termo dos prazos de caducidade previstos pela regulamentação nacional anterior, um inquérito relativo às infrações em matéria de contratação pública cometidas antes da sua entrada em vigor, e a obter a declaração de ocorrência de uma infração e a condenação numa sanção pela Comissão Arbitral.

36

O órgão jurisdicional de reenvio indica que, contrariamente aos processos em que o Tribunal de Justiça se pronunciou em matéria de prazos de recurso no contexto de procedimentos de contratação pública, o processo C‑496/18 diz respeito ao direito de uma autoridade de supervisão instaurar um recurso no interesse da proteção objetiva dos direitos. Interroga‑se sobre a aplicação nesse contexto dos princípios do direito da União, como os princípios da segurança jurídica ou da efetividade.

37

O órgão jurisdicional de reenvio faz igualmente referência ao conteúdo do artigo 99.o da Diretiva 2014/25 e questiona‑se se existem limites aos poderes conferidos aos Estados‑Membros em matéria de prerrogativas das autoridades de supervisão e se as exigências do direito da União em matéria de proteção das pessoas interessadas em obter um contrato particular são igualmente válidas neste âmbito.

38

O órgão jurisdicional de reenvio expressa as suas dúvidas quanto à compatibilidade com o direito da União da faculdade prevista, a título de medida transitória, no artigo 197.o, n.o 1, da Lei sobre os Contratos Públicos de 2015, de controlar as alterações contratuais ocorridas antes da entrada em vigor dessa lei.

39

O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a possibilidade de aplicar a regra segundo a qual, no caso de um projeto financiado por fundos da União, o prazo de recurso está ligado ao prazo de conservação dos documentos, uma vez que esta regra foi introduzida pela Lei sobre os Contratos Públicos de 2015.

40

Questiona‑se se é pertinente, para efeitos da apreciação destas questões de direito, saber quais eram as lacunas jurídicas, regulamentares, técnicas ou organizacionais ou os outros obstáculos devido aos quais a infração à regulamentação sobre contratos públicos não foi objeto de investigação no momento em que foi cometida.

41

O órgão jurisdicional de reenvio sublinha que os considerandos 25 e 27 da Diretiva 2007/66 apenas insistem na exigência de segurança jurídica no que respeita aos recursos destinados a que seja declarada a privação de efeitos do contrato e não aos que se destinam à declaração de uma infração e a sancioná‑la.

42

Nestas condições, o Fővárosi Törvényszék (Tribunal de Budapeste‑Capital) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Devem os artigos 41.o, n.o 1, e 47.o da [Carta], os considerandos 2, 25, 27 e 36 da Diretiva [2007/66], o artigo 1.o, n.os 1 e 3, da Diretiva [92/13] e, neste contexto, o princípio da segurança jurídica, como princípio geral do direito da União, e a exigência de efetividade e celeridade dos recursos disponíveis em matéria de contratação pública face às decisões das autoridades adjudicantes, ser interpretados no sentido de que se opõem à legislação de um Estado‑Membro que, em relação aos contratos públicos celebrados antes da sua entrada em vigor, decorridos os prazos de caducidade do recurso estabelecidos na legislação anterior do Estado‑Membro para a investigação das infrações em matéria de contratação pública cometidas antes da entrada em vigor da referida legislação, autoriza com caráter geral a autoridade (de supervisão) competente por ela criada a instaurar um procedimento de investigação de determinada infração em matéria de contratação pública e a pronunciar‑se sobre a questão de mérito e, por conseguinte, a declarar a prática da infração, a impor uma sanção em matéria de contratação pública e a aplicar as consequências da nulidade do contrato?

2)

Podem as normas jurídicas e os princípios referidos na primeira questão — e também o princípio do exercício efetivo do direito (subjetivo e pessoal) de recurso que os interessados na adjudicação de um contrato público têm — ser aplicados ao direito de instaurar e tramitar um processo de recurso das autoridades (de supervisão) criadas pelo ordenamento jurídico do Estado‑Membro com competência para identificar e investigar oficiosamente uma infração em matéria de contratação pública e cuja função é a defesa do interesse público?

3)

Deduz‑se do artigo 99.o, n.os 1 e 2, da Diretiva [2014/25] que, através da adoção de uma nova lei, o direito nacional de um Estado‑Membro pode — para defender os interesses financeiros da União em matéria de contratação pública — autorizar com caráter geral as autoridades (de supervisão), com competência no ordenamento jurídico do Estado‑Membro para identificar e investigar oficiosamente uma infração em matéria de contratação pública e cuja função é a defesa do interesse público, a investigar infrações em matéria de contratação pública cometidas antes da entrada em vigor da referida lei e a iniciar e tramitar um processo, não obstante já terem decorrido os prazos de caducidade nos termos da legislação anterior?

4)

Ao apreciar — tendo em conta as normas jurídicas e os princípios aos quais se refere a primeira questão — a compatibilidade com o direito da União do poder de investigação conferido às autoridades (de supervisão) que se descreve nas questões primeira e terceira, tem alguma relevância saber quais as lacunas legais, normativas, técnicas ou orgânicas ou os obstáculos de outro tipo pelos quais a infração em matéria de contratação pública não foi investigada no momento em que foi cometida?

5)

Devem os artigos 41.o, n.o 1, e 47.o da [Carta], os considerandos 2, 25, 27 e 36 da Diretiva [2007/66], o artigo 1.o, n.os 1 e 3, da Diretiva [92/13] e, neste contexto, o princípio da segurança jurídica, como princípio geral do direito da União, a exigência de efetividade e celeridade dos recursos disponíveis face às decisões das autoridades adjudicantes e o princípio da proporcionalidade, ser interpretados no sentido de que — mesmo que, à luz destes princípios, se possa conceder o poder a que se referem as questões primeira [a] quarta às autoridades (de supervisão) com competência no ordenamento jurídico do Estado‑Membro para identificar e investigar oficiosamente uma infração em matéria de contratação pública e cuja função é a defesa do interesse público — o tribunal nacional pode apreciar a razoabilidade e a proporcionalidade do período de tempo decorrido entre a data da infração, o termo do prazo de caducidade do recurso previsto anteriormente e o início do procedimento de investigação da infração e deduzir destes elementos a consequência jurídica da ineficácia da decisão controvertida ou outra consequência estabelecida pelo direito do Estado‑Membro?»

Processo C‑497/18

43

Em 3 de janeiro de 2009, a Budapesti Közlekedési publicou, na qualidade de entidade adjudicante, um anúncio de concurso no Jornal Oficial da União Europeia destinado à adjudicação de um contrato público que tinha por objeto «a realização de tarefas que exigem conhecimentos especializados relativamente à gestão do projeto DBR durante a primeira fase de construção da Linha de Metro 4. 7.a parte: Perito em gestão dos riscos», cujo valor estimado excedia os limiares comunitários e que beneficiava de uma contribuição financeira da União. O contrato foi adjudicado à Matrics Consults Ltd, com sede no Reino Unido.

44

Em 14 de maio de 2009, foi assinado o contrato relativo ao concurso. O contrato foi resolvido em 16 de novembro de 2011 pela Budapesti Közlekedési, com efeitos a partir de 31 de dezembro de 2011.

45

Em 30 de maio de 2017, o presidente da Autoridade da Contratação Pública submeteu o assunto à Comissão Arbitral, pedindo‑lhe, por um lado, que declarasse que a Budapesti Közlekedési e a Matrics Consults tinham cometido infrações e, por outro, que lhes aplicasse coimas. Declarou que, embora as partes no contrato não o tivessem alterado por escrito, se tinham, através do seu comportamento no momento do pagamento das faturas e da emissão dos certificados de execução, afastado das condições de pagamento definidas no momento da apresentação da proposta e inseridas nesse contrato, de tal forma que essas modificações deviam ser consideradas uma alteração do contrato. Assim, segundo o presidente da Autoridade da Contratação Pública, essas partes tinham violado o artigo 303.o, n.o 1, da Lei sobre os Contratos Públicos de 2003. Indicou ter tomado conhecimento da infração em 31 de março de 2017, presumindo‑se que esta ocorreu em 8 de fevereiro de 2010.

46

Na sua Decisão de 18 de agosto de 2017, a Comissão Arbitral considerou, antes de mais, que as disposições processuais da Lei sobre os Contratos Públicos de 2015 se aplicavam ao caso em apreço, uma vez que, embora esta lei só tenha entrado em vigor em 1 de novembro de 2015 e, em princípio, só dizer respeito aos contratos celebrados após essa data, essa lei era aplicável, por força das disposições transitórias constantes do seu artigo 197.o, n.o 1, à fiscalização das alterações de contratos ocorridas antes da sua entrada em vigor.

47

Quanto ao mérito, após ter constatado uma violação do artigo 303.o da Lei sobre os Contratos Públicos de 2003, a Comissão Arbitral aplicou uma coima de 27000000 HUF (aproximadamente 88938 euros) à Budapesti Közlekedési e uma coima de 13000000 HUF (aproximadamente 42822 euros) à Matrics Consults.

48

A Budapesti Közlekedési e a Matrics Consults interpuseram recurso da decisão da Comissão Arbitral no Fővárosi Törvényszék (Tribunal de Budapeste‑Capital).

49

O órgão jurisdicional de reenvio expõe considerações semelhantes às formuladas no processo C‑496/18, conforme expostas nos n.os 35 a 41 do presente acórdão.

50

Nestas condições, o Fővárosi Törvényszék (Tribunal de Budapeste‑Capital) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Devem os artigos 41.o, n.o 1, e 47.o da [Carta], os considerandos 2, 25, 27 e 36 da Diretiva [2007/66], o artigo 1.o, n.os 1 e 3, da Diretiva [89/665] e, neste contexto, o princípio da segurança jurídica, como princípio geral do direito da União, e a exigência de efetividade e celeridade dos recursos disponíveis em matéria de contratação pública face às decisões das autoridades adjudicantes, ser interpretados no sentido de que se opõem à legislação de um Estado‑Membro que, em relação a contratos públicos celebrados antes da sua entrada em vigor, decorridos os prazos de caducidade do recurso estabelecidos na legislação anterior do Estado‑Membro para a investigação das infrações em matéria de contratação pública cometidas antes da entrada em vigor da referida legislação, autoriza com caráter geral a autoridade (de supervisão) competente por ela criada a instaurar um procedimento de investigação de determinada infração em matéria de contratação pública e, por conseguinte, a declarar a prática da infração, a impor uma sanção em matéria de contratação pública e a aplicar as consequências da nulidade do contrato público?

2)

Podem as normas jurídicas e os princípios referidos na primeira questão — e também o princípio do exercício efetivo do direito (subjetivo e pessoal) de recurso que os interessados na adjudicação de um contrato público têm — ser aplicados ao direito de instaurar e tramitar um processo de recurso das autoridades (de supervisão) criadas pelo ordenamento jurídico do Estado‑Membro com competência para identificar e investigar oficiosamente uma infração em matéria de contratação pública e cuja função é a defesa do interesse público?

3)

Deduz‑se do artigo 83.o, n.os 1 e 2, da Diretiva [2014/24] que, através da adoção de uma nova lei, o direito nacional de um Estado‑Membro pode — para defender os interesses financeiros da União em matéria de contratação pública — autorizar com caráter geral as autoridades (de supervisão), com competência no ordenamento jurídico do Estado‑Membro para identificar e investigar oficiosamente uma infração em matéria de contratação pública e cuja função é a defesa do interesse público, a investigar infrações em matéria de contratação pública cometidas antes da entrada em vigor da referida lei e a iniciar e tramitar um processo, não obstante já terem decorrido os prazos de caducidade nos termos da legislação anterior?

4)

Ao apreciar — tendo em conta as normas jurídicas e os princípios aos quais se refere a primeira questão — a compatibilidade com o direito da União do poder de investigação conferido às autoridades (de supervisão) que se descreve nas questões primeira e terceira, tem alguma relevância saber quais as lacunas legais, normativas, técnicas ou orgânicas ou os obstáculos de outro tipo pelos quais a infração em matéria de contratação pública não foi investigada no momento em que foi cometida?

5)

Devem os artigos 41.o, n.o 1, e 47.o da [Carta], os considerandos 2, 25, 27 e 36 da Diretiva [2007/66], o artigo 1.o, n.os 1 e 3, da Diretiva [89/665] e, neste contexto, o princípio da segurança jurídica, como princípio geral do direito da União, a exigência de efetividade e celeridade dos recursos disponíveis face às decisões das autoridades adjudicantes e o princípio da proporcionalidade, ser interpretados no sentido de que — mesmo que, à luz destes princípios, se possa conceder o poder a que se referem as questões primeira [a] quarta às autoridades (de supervisão) com competência no ordenamento jurídico do Estado‑Membro para identificar e investigar oficiosamente uma infração em matéria de contratação pública e cuja função é a defesa do interesse público — o tribunal nacional pode apreciar a razoabilidade e a proporcionalidade do período de tempo decorrido entre a data da infração, o termo do prazo de caducidade do recurso previsto anteriormente e o início do procedimento de investigação da infração e deduzir destes elementos a consequência jurídica da ineficácia da decisão controvertida ou outra consequência estabelecida pelo direito do Estado‑Membro?»

51

Por Decisão do presidente do Tribunal de Justiça de 18 de setembro de 2018, os processos C‑496/18 e C‑497/18 foram apensados para efeitos das fases escrita e oral, bem como do acórdão.

Quanto à admissibilidade dos pedidos de decisão prejudicial

52

O presidente da Autoridade da Contratação Pública e o Governo húngaro consideram que os pedidos de decisão prejudicial são inadmissíveis pelo facto de a regulamentação nacional em causa nos processos principais, mais especificamente o artigo 303.o da Lei sobre os Contratos Públicos de 2003 e o artigo 197.o da Lei sobre os Contratos Públicos de 2015, não estar abrangida pelo âmbito de aplicação do direito da União.

53

A este respeito, há que recordar que, segundo jurisprudência constante, as questões relativas à interpretação do direito da União submetidas pelo juiz nacional no quadro regulamentar e factual que define sob a sua responsabilidade, e cuja exatidão não cabe ao Tribunal de Justiça verificar, gozam de uma presunção de pertinência. Com efeito, desde que essas questões sejam relativas à interpretação do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se (v., neste sentido, Acórdão de 17 de outubro de 2019, Comida paralela 12, C‑579/18, EU:C:2019:875, n.o 18 e jurisprudência referida).

54

Os órgãos jurisdicionais nacionais, a quem foi submetido o litígio e que devem assumir a responsabilidade pela decisão judicial a tomar, têm competência exclusiva para apreciar, tendo em conta as especificidades próprias de cada processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submetem ao Tribunal de Justiça (Acórdão de 17 de outubro de 2019, Comida paralela 12, C‑579/18, EU:C:2019:875, n.o 19 e jurisprudência referida).

55

Todavia, se for manifesto que a interpretação solicitada do direito da União não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, ou que o Tribunal de Justiça não dispõe dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas, pode julgar inadmissível o pedido de decisão prejudicial (Acórdão de 17 de outubro de 2019, Comida paralela 12, C‑579/18, EU:C:2019:875, n.o 20 e jurisprudência referida).

56

Nos casos em apreço, com as suas questões prejudiciais, o órgão jurisdicional de reenvio interroga o Tribunal de Justiça sobre a questão de saber se diferentes disposições do direito da União, quer se trate da Carta, das Diretivas 89/665 e 92/13, relativas aos processos de recurso em matéria de adjudicação de contratos públicos, ou das Diretivas 2014/24 e 2014/25, relativas aos contratos públicos, bem como certos princípios gerais deste direito, nomeadamente os da segurança jurídica e da proporcionalidade, se opõem à possibilidade, prevista pela regulamentação húngara, de autorizar uma autoridade nacional de supervisão a instaurar oficiosamente, na vigência de uma lei nova, um processo de fiscalização das alterações introduzidas a um contrato público, para que a autoridade de supervisão imponha sanções às partes nesse contrato e para que seja, eventualmente, declarada pelo juiz nacional a nulidade dessas alterações contratuais.

57

Ora, resulta das decisões de reenvio que os contratos objeto das alterações em causa nos processos principais estavam abrangidos, à data da sua celebração, pelo âmbito de aplicação do direito da União, uma vez que os correspondentes contratos públicos excediam os limiares previstos pela regulamentação da União pertinente.

58

Por outro lado, à primeira vista, parece particularmente necessário esclarecer o órgão jurisdicional de reenvio sobre a questão de saber se as diretivas ou os princípios gerais do direito da União que invoca se opõem a um processo oficioso como o que está em causa nos processos principais.

59

Por último, nenhum elemento dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe permite supor que a interpretação do direito da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto dos litígios nos processos principais, ou que o Tribunal de Justiça não dispõe dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões submetidas.

60

Decorre do exposto que os pedidos de decisão prejudicial são admissíveis.

Quanto às questões prejudiciais

Observações preliminares

61

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a resolução dos litígios nos processos principais depende da questão de saber se as diretivas e os princípios gerais do direito da União, referidos no n.o 56 do presente acórdão, se opõem a uma legislação nacional por força da qual uma autoridade nacional de supervisão pode instaurar oficiosamente um processo de recurso relativo a alterações introduzidas em contratos de adjudicação de contratos públicos, mesmo que essas alterações tenham ocorrido ao abrigo de uma regulamentação anterior e o prazo de caducidade por esta previsto já tivesse expirado na data em que o processo foi instaurado oficiosamente.

62

Em primeiro lugar, importa constatar que as disposições da Carta invocadas pelo órgão jurisdicional de reenvio não são pertinentes para o esclarecer no âmbito dos litígios nos processos principais.

63

Com efeito, por um lado, resulta claramente da redação do artigo 41.o da Carta que este não se dirige aos Estados‑Membros, mas unicamente às instituições, órgãos e organismos da União (v., neste sentido, Acórdãos de 21 de dezembro de 2011, Cicala, C‑482/10, EU:C:2011:868, n.o 28, e de 9 de março de 2017, Doux, C‑141/15, EU:C:2017:188, n.o 60).

64

Por outro lado, há que recordar que, quando definem as modalidades processuais em matéria de recursos judiciais destinadas a garantir a proteção dos direitos conferidos pelo direito da União aos candidatos e aos proponentes lesados por decisões das entidades adjudicantes, os Estados‑Membros devem zelar para que não sejam postos em causa os direitos conferidos aos particulares pelo direito da União, especialmente o direito a um recurso efetivo e o acesso a um tribunal imparcial, consagrado no artigo 47.o da Carta (v., neste sentido, Acórdão de 15 de setembro de 2016, Star Storage e o., C‑439/14 e C‑488/14, EU:C:2016:688, n.os 43 a 45; e Despacho de 14 de fevereiro de 2019, Cooperativa Animazione Valdocco, C‑54/18, EU:C:2019:118, n.o 30).

65

Ora, não resulta de nenhum elemento dos autos à disposição do Tribunal de Justiça que o processo de recurso oficioso relativo a infrações à regulamentação em matéria de contratação pública tenha por efeito lesar o direito a um recurso efetivo ou o direito a um tribunal imparcial.

66

Em segundo lugar, dado que as diferentes questões prejudiciais se sobrepõem em diversos níveis, devem ser reagrupadas e reformuladas, para dar ao órgão jurisdicional de reenvio as respostas mais precisas possíveis.

67

Por conseguinte, deve considerar‑se que o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, em primeiro lugar, através das suas segundas questões, se os considerandos 25 e 27 da Diretiva 2007/66, o artigo 1.o, n.os 1 e 3, da Diretiva 89/665, o artigo 1.o, n.os 1 e 3, da Diretiva 92/13, o artigo 83.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2014/24 e o artigo 99.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2014/25 impõem ou proíbem que os Estados‑Membros adotem uma regulamentação por força da qual uma autoridade de supervisão pode instaurar oficiosamente, com fundamento na proteção dos interesses financeiros da União, um processo de recurso para fiscalizar as infrações à regulamentação em matéria de contratação pública, em segundo lugar, através das suas primeiras, terceiras e quartas questões, se o princípio geral da segurança jurídica se opõe a que, no âmbito de um processo de recurso oficioso instaurado por uma autoridade de supervisão com fundamento na proteção dos interesses financeiros da União, uma regulamentação nacional preveja, para fiscalizar a legalidade de alterações a contratos de contratação pública, a instauração desse processo no prazo de caducidade que essa regulamentação estabelece, apesar de ter expirado o prazo de caducidade previsto pela regulamentação anterior, aplicável à data em que ocorreram essas alterações, e, em terceiro lugar, através das suas quintas questões, se, em caso de resposta negativa às primeiras, às terceiras e às quartas questões, o princípio da proporcionalidade se opõe a que um órgão jurisdicional nacional possa apreciar o caráter razoável e proporcionado dos períodos decorridos entre a data em que foi cometida a infração, aquela em que expiraram os prazos de caducidade anteriores e a data em que foi instaurado o processo para investigar a infração, e possa extrair daí consequências quanto à validade da decisão administrativa impugnada ou qualquer outra consequência jurídica prevista pelo direito do Estado‑Membro.

Quanto às segundas questões

68

Com as suas segundas questões, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os considerandos 25 e 27 da Diretiva 2007/66, o artigo 1.o, n.os 1 e 3, da Diretiva 89/665, o artigo 1.o, n.os 1 e 3, da Diretiva 92/13, o artigo 83.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2014/24 e o artigo 99.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2014/25 impõem ou proíbem que os Estados‑Membros adotem uma regulamentação por força da qual uma autoridade de supervisão pode instaurar oficiosamente, com fundamento na proteção dos interesses financeiros da União, um processo de recurso para fiscalizar as infrações à regulamentação em matéria de contratação pública.

69

Em primeiro lugar, embora o Governo húngaro alegue que os considerandos de um ato da União não têm caráter obrigatório, importa recordar que o dispositivo de um ato é indissociável da sua fundamentação, pelo que deve ser interpretado, se necessário, tendo em conta os motivos que levaram à sua adoção (Acórdãos de 27 de junho de 2000, Comissão/Portugal, C‑404/97, EU:C:2000:345, n.o 41; e de 4 de dezembro de 2019, Consorzio Tutela Aceto Balsamico di Modena, C‑432/18, EU:C:2019:1045, n.o 29).

70

Daqui resulta que a Diretiva 2007/66 deve ser interpretada à luz dos seus considerandos 25 e 27.

71

Em segundo lugar, importa sublinhar que, é certo que as Diretivas 89/665 e 92/13, nomeadamente os seus artigos 1.o, n.o 3, se limitam a prever que os Estados‑Membros garantem que os processos de recurso sejam acessíveis, pelo menos a qualquer pessoa que esteja ou tenha estado interessada em obter um determinado contrato público e que tenha sido ou possa vir a ser lesada por uma alegada violação (v., neste sentido, Acórdão de 21 de outubro de 2010, Symvoulio Apochetefseon Lefkosias, C‑570/08, EU:C:2010:621, n.o 37).

72

Com efeito, estas disposições destinam‑se a proteger os operadores económicos contra a arbitrariedade da entidade adjudicante e visam assim garantir a existência, em todos os Estados‑Membros, de meios de recurso eficazes, a fim de assegurar a aplicação efetiva das regras da União em matéria de adjudicação de contratos públicos, especialmente numa fase em que as violações ainda podem ser corrigidas (v., neste sentido, Acórdão de 15 de setembro de 2016, Star Storage e o., C‑439/14 e C‑488/14, EU:C:2016:688, n.o 41).

73

No entanto, embora as Diretivas 89/665 e 92/13 imponham a existência de vias de recurso à disposição de empresas que tenham ou tenham tido interesse em obter um determinado contrato público e que tenham sido ou possam vir a ser lesadas por uma alegada violação, como salientou o advogado‑geral no n.o 63 das suas conclusões, não se pode considerar que o artigo 1.o, n.o 3, da Diretiva 89/665 e o artigo 1.o, n.o 3, da Diretiva 92/13 procedem a uma harmonização completa nem, portanto, que contemplam todas as vias de recurso possíveis em matéria de contratos públicos.

74

Por conseguinte, estas disposições devem ser interpretadas no sentido de que não impõem nem proíbem que os Estados‑Membros prevejam a existência de recursos a favor de autoridades nacionais de supervisão, para que estas possam obter a declaração, com vista a assegurar a proteção dos interesses financeiros da União, da ocorrência das infrações à regulamentação em matéria de contratação pública.

75

Nem os considerandos 25 e 27 nem os artigos 1.o e 2.o da Diretiva 2007/66, que inseriram um artigo 2.o‑D, respetivamente, na Diretiva 89/665 e na Diretiva 92/13, desvirtuam tal interpretação.

76

Com efeito, ao prever que, em substância, os Estados‑Membros asseguram que um contrato seja considerado desprovido de efeitos por uma instância independente da entidade adjudicante, o artigo 2.o‑D da Diretiva 89/665 e o artigo 2.o‑D da Diretiva 92/13 mais não fizeram do que reforçar os efeitos dos recursos que estas diretivas impõem que os Estados‑Membros implementem, a saber, recursos à disposição das empresas que tenham ou tenham tido interesse em obter um determinado contrato público e que tenham sido ou possam vir a ser lesadas por uma alegada violação.

77

Em terceiro lugar, há que considerar que o artigo 83.o da Diretiva 2014/24 e o artigo 99.o da Diretiva 2014/25, que estão redigidos em termos idênticos, não podem ser interpretados no sentido de que impõem nem no sentido de que proíbem os Estados‑Membros de prever um mecanismo de recurso oficioso no interesse público, como o que está em causa nos processos principais.

78

A este respeito, há que observar que o artigo 83.o da Diretiva 2014/24 e o artigo 99.o da Diretiva 2014/25, conforme elucidados, respetivamente, pelos considerandos 121 e 122 da primeira e pelos considerandos 127 e 128 da segunda, figuram no título IV, intitulado «Governança», de cada uma destas diretivas.

79

Assim, o considerando 121 da Diretiva 2014/24 e o considerando 127 da Diretiva 2014/25 limitam‑se a enunciar que as referidas disposições visam assegurar uma «boa visão geral dos eventuais problemas estruturais e padrões gerais das políticas nacionais em matéria de contratação pública, a fim de resolver esses eventuais problemas de forma mais orientada».

80

Quanto ao considerando 122 da Diretiva 2014/24 e ao considerando 128 da Diretiva 2014/25, estes esclarecem que as vias de recurso previstas, respetivamente, pelas Diretivas 89/665 e 92/13 não devem ser afetadas pelas Diretivas 2014/24 e 2014/25. Acrescentam que os cidadãos e as partes interessadas, bem como outras pessoas ou organismos que não tenham acesso a essas vias de recurso, têm um interesse legítimo, enquanto contribuintes, em que a contratação pública obedeça a regras e devem, pois, ter a possibilidade — sem ser através do regime de recurso nos termos das Diretiva 89/665 e 92/13 e sem que tenham de ser dotados de estatuto para estarem em juízo — de denunciar eventuais violações das Diretivas 2014/24 e 2014/25 a uma autoridade ou estrutura competente

81

Neste contexto, o artigo 83.o da Diretiva 2014/24 e o artigo 99.o da Diretiva 2014/25 dispõem ambos, no seu n.o 1, que, a fim de garantir de facto uma execução eficaz e correta dessas diretivas, os Estados‑Membros devem certificar‑se de que pelo menos as tarefas enumeradas nesses artigos são realizadas por uma ou mais autoridades, organismos ou estruturas, e, no seu n.o 2, que os Estados‑Membros asseguram a monitorização da aplicação das regras de contratação pública.

82

Deste modo, estas disposições contêm exigências mínimas que impõem aos Estados‑Membros que prevejam mecanismos que permitam fiscalizar a aplicação das regras relativas aos processos de adjudicação de contratos públicos.

83

Neste contexto, há que constatar que estas disposições não proíbem os Estados‑Membros de prever a existência de processos de recurso oficiosos a favor das autoridades nacionais de supervisão, que lhes permitam, com vista a assegurar a proteção dos interesses financeiros da União em matéria de contratação pública, obter a declaração da existência de infrações à regulamentação em matéria de contratação pública. Bem pelo contrário, como sublinhou o advogado‑geral nos n.os 72 e 73 das suas conclusões, um procedimento desta natureza constitui uma das expressões possíveis do novo papel atribuído às autoridades nacionais de supervisão pelo artigo 83.o da Diretiva 2014/24 e pelo artigo 99.o da Diretiva 2014/25.

84

Decorre do exposto que as diferentes disposições e considerandos examinados nos n.os 69 a 83 do presente acórdão não impõem nem proíbem os Estados‑Membros de permitir que uma autoridade de supervisão instaure oficiosamente, com fundamento na proteção dos interesses financeiros da União em matéria de contratação pública, um processo de recurso a fim de fiscalizar as infrações à regulamentação em matéria de contratação pública.

85

Todavia, importa observar que, quando estiver previsto, tal processo de recurso oficioso está abrangido pelo âmbito de aplicação do direito da União, na medida em que os contratos públicos objeto de tal recurso estão abrangidos pelo âmbito de aplicação material das diretivas relativas à contratação pública.

86

Por conseguinte, tal processo de recurso oficioso deve respeitar o direito da União, incluindo os princípios gerais desse direito, dos quais faz parte o princípio geral da segurança jurídica.

87

Consequentemente, há que responder às segundas questões submetidas que os considerandos 25 e 27 da Diretiva 2007/66, o artigo 1.o, n.os 1 e 3, da Diretiva 89/665, o artigo 1.o, n.os 1 e 3, da Diretiva 92/13, o artigo 83.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2014/24 e o artigo 99.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2014/25 devem ser interpretados no sentido de que não impõem nem proíbem que os Estados‑Membros adotem uma regulamentação por força da qual uma autoridade de supervisão pode instaurar oficiosamente, com fundamento na proteção dos interesses financeiros da União, um processo de recurso para fiscalizar as infrações à regulamentação em matéria de contratação pública. Todavia, quando estiver previsto, tal processo está abrangido pelo âmbito de aplicação do direito da União, na medida em que os contratos públicos objeto de tal recurso estão abrangidos pelo âmbito de aplicação material das diretivas relativas à contratação pública, e deve, por conseguinte, respeitar esse direito, incluindo os seus princípios gerais, dos quais faz parte o princípio geral da segurança jurídica.

Quanto às primeiras, terceiras e quartas questões

88

Com as suas primeiras, terceiras e quartas questões prejudiciais, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o princípio geral da segurança jurídica se opõe a que, no âmbito de um processo de recurso oficioso instaurado por uma autoridade de supervisão com fundamento na proteção dos interesses financeiros da União, uma nova regulamentação nacional preveja, para fiscalizar a legalidade de alterações a contratos de contratação pública, a instauração desse procedimento no prazo de caducidade que essa regulamentação estabelece, apesar de ter expirado o prazo de caducidade previsto pela regulamentação anterior, aplicável à data dessas alterações.

89

Como ponto prévio, importa recordar que o direito da União apenas proíbe as alterações substanciais de um contrato público, que correspondem às alterações introduzidas nas condições de um contrato público durante a sua vigência que constituam uma nova adjudicação do contrato na aceção da Diretiva 2014/24 pelo facto de apresentarem características substancialmente diferentes das do contrato inicial e de serem, consequentemente, suscetíveis de demonstrar a vontade das partes de renegociar os termos essenciais desse contrato (v., neste sentido, Acórdãos de 19 de junho de 2008, pressetext Nachrichtenagentur, C‑454/06, EU:C:2008:351, n.o 34, e de 29 de abril de 2010, Comissão/Alemanha, C‑160/08, EU:C:2010:230, n.o 99).

90

Há que salientar que, embora o princípio da segurança jurídica se imponha, ao abrigo do direito da União, a quaisquer autoridades nacionais, só é assim quando estão incumbidas da aplicação do direito da União (Acórdãos de 17 de julho de 2008, ASM Brescia, C‑347/06, EU:C:2008:416, n.o 65, e de 21 de março de 2019, Unareti, C‑702/17, EU:C:2019:233, n.o 34).

91

Ora, como resulta do n.o 85 do presente acórdão, quando uma autoridade nacional de supervisão instaura oficiosamente um processo de recurso contra as alterações introduzidas, durante a sua execução, num contrato público abrangido pelo âmbito de aplicação da regulamentação da União em matéria de contratação pública, esse recurso está igualmente abrangido pelo âmbito de aplicação do direito da União.

92

Como tal, é necessário examinar se tal recurso, instaurado oficiosamente a fim de obter a imposição de uma sanção aos cocontratantes que alteraram ilegalmente o contrato que os vincula ou mesmo obter a declaração da privação de efeitos desse contrato por esse motivo, respeita o princípio da segurança jurídica quando a nova regulamentação nacional que o implementa permite reabrir os prazos de caducidade relativamente às alterações ocorridas, mesmo que estas tenham ocorrido na vigência de uma lei anterior e que o prazo de caducidade previsto por esta última já tenha expirado na data em que o processo foi oficiosamente instaurado.

93

A este respeito, o princípio da segurança jurídica exige, nomeadamente, que as normas jurídicas sejam claras, precisas e previsíveis nos seus efeitos, particularmente quando podem ter consequências desfavoráveis para os indivíduos e as empresas (Acórdãos de 17 de julho de 2008, ASM Brescia, C‑347/06, EU:C:2008:416, n.o 69, e de 17 de dezembro de 2015, X‑Steuerberatungsgesellschaft, C‑342/14, EU:C:2015:827, n.o 59).

94

Importa igualmente recordar que, embora o princípio da segurança jurídica se oponha a que uma regulamentação seja aplicada retroativamente, a saber, a uma situação ocorrida antes da sua entrada em vigor, e isso independentemente dos efeitos favoráveis ou desfavoráveis eventualmente resultantes para o interessado dessa aplicação, este mesmo princípio exige que qualquer situação de facto seja, em regra, e salvo indicação expressa em contrário, apreciada à luz das normas jurídicas dela contemporâneas, pelo que a regulamentação nova vigora apenas para o futuro e se aplica também, salvo derrogação, aos efeitos futuros das situações nascidas na vigência da lei antiga (v., neste sentido, Acórdãos de 3 de setembro de 2015, A2A, C‑89/14, EU:C:2015:537, n.o 37, e de 26 de maio de 2016, Județul Neamț e Județul Bacău, C‑260/14 e C‑261/14, EU:C:2016:360, n.o 55).

95

Além disso, no que se refere especificamente aos prazos de caducidade, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, para cumprir a sua função de garantir a segurança jurídica, estes prazos devem ser fixados antecipadamente (v., neste sentido, Acórdãos de 15 de julho de 1970, ACF Chemiefarma/Comissão, 41/69, EU:C:1970:71, n.o 19, e de 5 de maio de 2011, Ze Fu Fleischhandel e Vion Trading, C‑201/10 e C‑202/10, EU:C:2011:282, n.o 52) e ser suficientemente previsíveis (v., neste sentido, Acórdãos de 5 de maio de 2011, Ze Fu Fleischhandel e Vion Trading, C‑201/10 e C‑202/10, EU:C:2011:282, n.o 34, e de 17 de setembro de 2014, Cruz & Companhia, C‑341/13, EU:C:2014:2230, n.o 58).

96

Nos casos em apreço, resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que, tendo em conta as datas em que ocorreram as alterações dos contratos públicos em causa nos processos principais, o artigo 327.o, n.o 2, alínea a), da Lei sobre os Contratos Públicos de 2003 era aplicável. Ora, o prazo que esta disposição concedia ao presidente do Conselho da Contratação Pública para instaurar, relativamente a essas alterações, um processo oficioso na Comissão Arbitral já tinha expirado há vários anos à data da entrada em vigor da Lei sobre os Contratos Públicos de 2015, o que cabe, todavia, ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

97

Assim, ao permitir a abertura de processos oficiosos relativamente a alterações introduzidas a contratos públicos, que tinham caducado à luz das disposições pertinentes da Lei sobre os Contratos Públicos de 2003 aplicáveis a essas alterações, o artigo 197.o, n.o 1, da Lei sobre os Contratos Públicos de 2015 não visa abranger situações jurídicas em curso, constituindo uma disposição com caráter retroativo.

98

Com efeito, como sublinharam a Budapesti Közlekedési e a Comissão, esta regulamentação autoriza a autoridade competente para instaurar esse processo a reabrir os prazos de caducidade mesmo que esta tenha ocorrido na vigência da regulamentação anterior.

99

É certo que o direito da União admite, como exceção, que um ato possa ter um efeito retroativo, quando a finalidade a atingir o exija e a confiança legítima dos interessados seja devidamente respeitada (v., neste sentido, Acórdão de 15 de julho de 2004, Gerekens e Procola, C‑459/02, EU:C:2004:454, n.o 24).

100

Todavia, o princípio da proteção da confiança legítima opõe‑se a que alterações introduzidas numa regulamentação nacional permitam que uma autoridade nacional de supervisão instaure um processo de recurso apesar de o prazo de caducidade previsto pela regulamentação anterior, aplicável à data dessas alterações, ter expirado.

101

Por último, as considerações que figuram nos n.os 90 a 100 do presente acórdão não podem ser postas em causa pelo facto de a Lei sobre os Contratos Públicos de 2015 visar assegurar a proteção dos interesses financeiros da União em matéria de contratação pública e colmatar as lacunas jurídicas, técnicas ou organizacionais que pudessem resultar da aplicação da regulamentação anterior.

102

Por conseguinte, há que responder às primeiras, terceiras e quartas questões que o princípio geral da segurança jurídica se opõe a que, no âmbito de um processo de recurso oficioso instaurado por uma autoridade de supervisão com fundamento na proteção dos interesses financeiros da União, uma nova regulamentação nacional preveja, para fiscalizar a legalidade de alterações a contratos de contratação pública, a instauração desse procedimento no prazo de caducidade que essa regulamentação fixa, apesar de ter expirado o prazo de caducidade previsto pela regulamentação anterior, aplicável à data dessas alterações.

Quanto às quintas questões

103

Com as suas quintas questões, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se, em caso de resposta negativa às primeiras, às terceiras e às quartas questões, o princípio da proporcionalidade se opõe a que um órgão jurisdicional nacional possa apreciar o caráter razoável e proporcionado dos períodos decorridos entre a data em que foi cometida a infração, aquela em que expiraram os prazos de caducidade anteriores e a data em que foi instaurado o processo para investigar a infração, e possa extrair daí consequências quanto à validade da decisão administrativa impugnada ou qualquer outra consequência jurídica prevista pelo direito do Estado‑Membro.

104

Tendo em conta a resposta dada às primeiras, terceiras e quartas questões, não há que responder às quintas questões.

Quanto às despesas

105

Revestindo o processo, quanto às partes nas causas principais, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

 

1)

Os considerandos 25 e 27 da Diretiva 2007/66/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2007, que altera as Diretivas 89/665/CEE e 92/13/CEE do Conselho no que diz respeito à melhoria da eficácia do recurso em matéria de adjudicação de contratos públicos, o artigo 1.o, n.os 1 e 3, da Diretiva 89/665/CEE do Conselho, de 21 de dezembro de 1989, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas relativas à aplicação dos procedimentos de recurso em matéria de celebração dos contratos de direito público de fornecimentos e de obras, conforme alterada pela Diretiva 2007/66, o artigo 1.o, n.os 1 e 3, da Diretiva 92/13/CEE do Conselho, de 25 de fevereiro de 1992, relativa à coordenação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes à aplicação das regras comunitárias em matéria de procedimentos de celebração de contratos de direito público pelas entidades que operam nos setores da água, da energia, dos transportes e das telecomunicações, conforme alterada pela Diretiva 2007/66, o artigo 83.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2014/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos públicos e que revoga a Diretiva 2004/18/CE, e o artigo 99.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2014/25/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos públicos celebrados pelas entidades que operam nos setores da água, da energia, dos transportes e dos serviços postais e que revoga a Diretiva 2004/17/CE, devem ser interpretados no sentido de que não impõem nem proíbem que os Estados‑Membros adotem uma regulamentação por força da qual uma autoridade de supervisão pode instaurar oficiosamente, com fundamento na proteção dos interesses financeiros da União Europeia, um processo de recurso para fiscalizar as infrações à regulamentação em matéria de contratação pública. Todavia, quando estiver previsto, tal processo está abrangido pelo âmbito de aplicação do direito da União, na medida em que os contratos públicos objeto de tal recurso estão abrangidos pelo âmbito de aplicação material das diretivas relativas à contratação pública, e deve, por conseguinte, respeitar esse direito, incluindo os seus princípios gerais, dos quais faz parte o princípio geral da segurança jurídica.

 

2)

O princípio geral da segurança jurídica opõe-se a que, no âmbito de um processo de recurso oficioso instaurado por uma autoridade de supervisão com fundamento na proteção dos interesses financeiros da União Europeia, uma nova regulamentação nacional preveja, para fiscalizar a legalidade de alterações a contratos de contratação pública, a instauração desse procedimento no prazo de caducidade que essa regulamentação fixa, apesar de ter expirado o prazo de caducidade previsto pela regulamentação anterior, aplicável à data dessas alterações.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: húngaro.