ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção)

4 de dezembro de 2019 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil — Processos de insolvência — Regulamento (CE) n.o 1346/2000 — Artigo 3.o, n.o 1 — Ações diretamente decorrentes do processo de insolvência e com este estreitamente relacionadas — Venda de imóvel e constituição de uma hipoteca — Ação de impugnação intentada pelo administrador da insolvência — Artigo 25.o, n.o 1 — Competência exclusiva dos órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro da abertura do processo de insolvência»

No processo C‑493/18,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela Cour de cassation (Tribunal de Cassação, França), por Decisão de 24 de maio de 2018, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 26 de julho de 2018, no processo

UB

contra

VA,

Tiger SCI,

WZ, na qualidade de administrador da insolvência de UB,

Banque patrimoine et immobilier SA,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção),

composto por: S. Rodin, presidente de secção, D. Šváby e K. Jürimäe (relatora), juízes,

advogado‑geral: M. Bobek,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação de UB, VA e da Tiger SCI, por J. Ghestin, avocat,

em representação da Banque patrimoine et immobilier SA, por P. Spinosi, avocat,

em representação do Governo francês, por D. Colas, D. Dubois e E. de Moustier, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por M. Wilderspin, na qualidade de agente,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 3.o, n.o 1, e 25.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 1346/2000 do Conselho, de 29 de maio de 2000, relativo aos processos de insolvência (JO 2000, L 160, p. 1).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe UB a VA, à Tiger SCI, a WZ, na qualidade de administrador da insolvência de UB, e à Banque patrimoine et immobilier SA a respeito da venda de bens imóveis pertencentes inicialmente a UB, às hipotecas por ele constituídas sobre esses bens e à ação intentada por WZ, a fim de obter a declaração de que tais operações não são oponíveis à massa insolvente.

Quadro jurídico

Regulamento n.o 1346/2000

3

Os considerandos 2 e 6 do Regulamento n.o 1346/2000 enunciam:

«(2)

O bom funcionamento do mercado interno exige que os processos de insolvência que produzem efeitos transfronteiriços se efetuem de forma eficiente e eficaz. A aprovação do presente regulamento é necessária para alcançar esse objetivo, o qual se insere no âmbito da cooperação judiciária em matéria civil, na aceção do artigo 65.o do Tratado.

[…]

(6)

De acordo com o princípio da proporcionalidade, o presente regulamento deve limitar‑se às disposições que regulam a competência em matéria de abertura de processos de insolvência e de decisões diretamente decorrentes de processos de insolvência e com eles estreitamente relacionadas. Além disso, o presente regulamento deve conter disposições relativas ao reconhecimento dessas decisões e ao direito aplicável, que respeitam igualmente aquele princípio.»

4

Nos termos do artigo 1.o, n.o 1, deste regulamento:

«O presente regulamento é aplicável aos processos coletivos em matéria de insolvência do devedor que determinem a inibição parcial ou total desse devedor da administração ou disposição de bens e a designação de um síndico.»

5

O artigo 3.o, n.o 1, do referido regulamento, sob a epígrafe «Competência internacional», dispõe:

«Os órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro em cujo território está situado o centro dos interesses principais do devedor são competentes para abrir o processo de insolvência. Presume‑se, até prova em contrário, que o centro dos interesses principais das sociedades e pessoas coletivas é o local da respetiva sede estatutária.»

6

O artigo 4.o do mesmo regulamento precisa:

«1.   Salvo disposição em contrário do presente regulamento, a lei aplicável ao processo de insolvência e aos seus efeitos é a lei do Estado‑Membro em cujo território é aberto o processo, a seguir designado “Estado de abertura do processo”.

2.   A lei do Estado de abertura do processo determina as condições de abertura, tramitação e encerramento do processo de insolvência. A lei do Estado de abertura do processo determina, nomeadamente:

[…]

m)

As regras referentes à nulidade, à anulação ou à impugnação dos atos prejudiciais aos credores.»

7

O artigo 16.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 1346/2000 prevê:

«Qualquer decisão que determine a abertura de um processo de insolvência, proferida por um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro competente por força do artigo 3.o, é reconhecida em todos os outros Estados‑Membros logo que produza efeitos no Estado de abertura do processo.»

8

Nos termos do artigo 25.o, n.o 1, deste regulamento:

«As decisões relativas à tramitação e ao encerramento de um processo de insolvência proferidas por um órgão jurisdicional cuja decisão de abertura do processo seja reconhecida por força do artigo 16.o, bem como qualquer acordo homologado por esse órgão jurisdicional, são igualmente reconhecidos sem mais formalidades. […]

O primeiro parágrafo é igualmente aplicável às decisões diretamente decorrentes do processo de insolvência e que com este se encontrem estreitamente relacionadas, mesmo que proferidas por outro órgão jurisdicional.

O primeiro parágrafo é igualmente aplicável às decisões relativas às medidas cautelares tomadas após a apresentação do requerimento de abertura de um processo de insolvência.»

Regulamento (CE) n.o 44/2001

9

O artigo 1.o do Regulamento (CE) n.o 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2001, L 12, p. 1), dispõe, nos seus n.os 1 e n.o 2, alínea b):

«1.   O presente regulamento aplica‑se em matéria civil e comercial e independentemente da natureza da jurisdição. O presente regulamento não abrange, nomeadamente, as matérias fiscais, aduaneiras e administrativas.

2.   São excluídos da sua aplicação:

[…]

b)

As falências, as concordatas e os processos análogos».

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

10

Em 7 de agosto de 2008, a Wirecard, uma sociedade de direito alemão, obteve de um juiz do Reino Unido uma decisão de congelamento de bens de UB, um nacional neerlandês. Nessa data, este último era proprietário de um apartamento e de um complexo imobiliário em França.

11

Em 22 de agosto de 2008, UB e a sua irmã, VA, assinaram, perante um notário francês, um reconhecimento de dívida pela qual UB reconheceu dever a VA a quantia de 500000 euros referentes a diversos empréstimos, comprometeu‑se a reembolsar esse montante o mais tardar até 22 de agosto de 2017 e hipotecou, em seguida, a favor de VA, o apartamento e o complexo imobiliário que possuía em França.

12

Em 18 e 24 de março de 2010, UB vendeu estes bens imóveis, mediante o pagamento dos montantes, respetivamente, de 395000 euros e de 780000 euros, à Tiger, constituída em 25 de fevereiro de 2010 por VA, que detinha 90 % das ações dessa sociedade.

13

Em 10 de maio de 2011, UB foi, a seu pedido, declarado insolvente pela Croydon County Court (Tribunal de Primeira Instância de Croydon, Reino Unido), nos termos do Regulamento n.o 1346/2000 e das disposições pertinentes do direito falimentar do Reino Unido. Em 1 de julho de 2011, WZ foi designado administrador da insolvência de UB, com efeito em 6 de julho de 2011.

14

A pedido de WZ, a Croydon County Court (Tribunal de Primeira Instância de Croydon) autorizou este último, em 26 de outubro de 2011, a intentar uma ação nos órgãos jurisdicionais franceses para, por um lado, registar o despacho declarativo da insolvência e, por outro, obter uma decisão declarando que a venda dos bens imóveis referidos no n.o 12 do presente acórdão e as hipotecas sobre eles constituídas a favor de VA (a seguir «vendas e hipotecas em causa») constituíam transações sem contrapartida real ou significativa, na aceção das disposições pertinentes do direito falimentar do Reino Unido. WZ pretendia obter, assim, uma decisão que permitisse a reintegração desses bens imóveis no património de UB, em insolvência, para efeitos da sua liquidação.

15

Em 12 de dezembro de 2011, WZ, na qualidade de administrador da insolvência de UB, intentou uma ação contra este último, a VA e a Tiger, no tribunal de grande instance de Paris (France) (Tribunal de Primeira Instância de Paris, França), pedindo que fosse declarado que as vendas e as hipotecas em causa não eram oponíveis à massa insolvente. A Banque patrimoine et immobilier, que tinha financiado a aquisição destes bens imóveis, interveio na instância.

16

Considerando que UB não cumpriu as suas obrigações legais ao não fornecer informações suficientes sobre a existência de ativos não divulgados que não estavam localizados no Reino Unido, a Croydon County Court (Tribunal de Primeira Instância de Croydon) ordenou, em 3 de julho de 2012, que o prazo automático de encerramento da insolvência fosse suspenso enquanto UB não cumprisse essas obrigações. Por Decisão de 19 de novembro de 2013, este órgão jurisdicional decidiu finalmente levantar essa suspensão e decidiu que a data efetiva do encerramento da insolvência de UB seria a data dessa decisão.

17

Por sentença do mesmo dia, o tribunal de grande instance de Paris (Tribunal de Primeira Instância de Paris) decidiu que as vendas e hipotecas em causa não eram oponíveis a WZ, na sua qualidade de administrador da insolvência de UB, no limite dos montantes ainda em dívida aos credores. Por Acórdão de 13 de maio de 2016, a cour d’appel de Paris (France) (Tribunal de Recurso de Paris, França) não só confirmou esta falta de oponibilidade como também decidiu, além disso, que esta não devia ser limitada dessa forma.

18

UB recorreu desse acórdão no órgão jurisdicional de reenvio, a Cour de cassation (França) (Tribunal de Cassação, França). VA e a Tiger interpuseram recurso subordinado contra esse mesmo acórdão, assim como WZ, na sua qualidade de administrador da insolvência de UB. Como fundamentos invocados, UB, VA e a Tiger alegam que, nos termos do artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1346/2000, os órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro em cujo território está situado o centro dos interesses principais do devedor são competentes para abrir o processo principal de insolvência. Alegam igualmente que o Tribunal de Justiça declarou, nos Acórdãos de 12 de fevereiro de 2009, Seagon (C‑339/07, EU:C:2009:83), e de 16 de janeiro de 2014, Schmid (C‑328/12, EU:C:2014:6), que esta disposição deve ser interpretada no sentido de que os órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro em cujo território foi aberto o processo de insolvência têm competência para conhecer de uma ação revogatória baseada na insolvência. Ora, UB, VA e a Tiger consideram que, no caso em apreço, só os órgãos jurisdicionais do Reino Unido eram competentes para decidir da ação de impugnação das vendas e hipotecas em causa, uma vez que o processo de insolvência contra UB foi aberto no Reino Unido. Por conseguinte, ao não ter suscitado oficiosamente a sua incompetência, a cour d’appel de Paris (Tribunal de Recurso de Paris) violou, nomeadamente, o artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1346/2000.

19

WZ alega que a competência internacional dos órgãos jurisdicionais franceses deriva, no processo principal, da decisão da Croydon County Court (Tribunal de Primeira Instância de Croydon), de 26 de outubro de 2011, pela qual este órgão jurisdicional o autorizou a intentar a ação nos órgãos jurisdicionais franceses. Esta decisão beneficia do reconhecimento, em França, sem outra formalidade, nos termos do artigo 25.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1346/2000.

20

O órgão jurisdicional de reenvio observa que resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1346/2000 que os órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro de abertura do processo de insolvência têm competência para conhecer de uma ação revogatória baseada na insolvência. No entanto, este órgão jurisdicional tem dúvidas quanto à qualificação da ação em causa no processo principal e quanto à articulação desta disposição do Regulamento n.o 1346/2000 com o seu artigo 25.o, n.o 1, para determinar o órgão jurisdicional com a competência internacional para conhecer do litígio no processo principal.

21

Nestas circunstâncias, a Cour de cassation (Tribunal de Cassação) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

A ação do administrador da insolvência designado pelo órgão jurisdicional do Estado‑Membro de abertura do processo de insolvência, que tem por objeto impugnar neste processo as hipotecas registadas sobre os imóveis do devedor situados noutro Estado‑Membro, bem como as vendas destes imóveis realizadas nesse Estado‑Membro, com vista à reintegração destes bens no património do devedor, resulta diretamente do processo de insolvência e insere-se no âmbito estrito do mesmo?

2)

Em caso de resposta afirmativa, são os órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro onde o processo de insolvência foi aberto exclusivamente competentes para conhecer desta ação do administrador da insolvência ou, pelo contrário, são os órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro onde se situam os imóveis os únicos competentes para este fim, ou existe entre estes diferentes órgãos jurisdicionais uma competência concorrente, e em que condições?

3)

A decisão pela qual o juiz do Estado‑Membro da abertura do processo de insolvência autoriza o administrador da insolvência a intentar, noutro Estado‑Membro, uma ação que, em princípio, estaria abrangida pela competência do órgão jurisdicional de abertura do processo, pode ter como efeito impor a competência jurisdicional desse outro Estado‑Membro na medida em que, nomeadamente, essa decisão possa ser qualificada de decisão relativa à tramitação de um processo de insolvência na aceção do artigo 25.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1346/2000, e seja suscetível, a este título, de ser reconhecida sem mais formalidades, em aplicação desta mesma disposição?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira e segunda questões

22

Com a primeira e segunda questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1346/2000 deve ser interpretado no sentido de que a ação do administrador da insolvência, designado por um órgão jurisdicional do Estado‑Membro em cujo território foi aberto o processo de insolvência, que tem por objeto fazer declarar que são inoponíveis à massa dos credores a venda de um bem imóvel situado noutro Estado‑Membro assim como a hipoteca sobre ele constituída, é da competência exclusiva dos órgãos jurisdicionais do primeiro Estado‑Membro.

23

O artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1346/2000 atribui competência exclusiva para instaurar o processo de insolvência principal aos órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro em cujo território está situado o centro dos interesses do devedor (Acórdão de 14 de novembro de 2018, Wiemer & Trachte, C‑296/17, EU:C:2018:902, n.o 23 e jurisprudência referida).

24

Há que determinar se esta disposição deve ser interpretada no sentido de que essa competência exclusiva se estende igualmente a uma ação de impugnação de atos passados em detrimento dos direitos da massa dos credores, como a que está em causa no processo principal.

25

A este respeito, em primeiro lugar, há que salientar que, baseando‑se no considerando 6 do Regulamento n.o 1346/2000, e com a preocupação de garantir o efeito útil deste regulamento, o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 3.o, n.o 1, do referido regulamento atribui aos órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro competente para dar início ao processo de insolvência uma competência internacional para conhecer das ações decorrentes diretamente desse processo e com ele estreitamente relacionadas (v., neste sentido, Acórdão de 19 de abril de 2012, F‑Tex, C‑213/10, EU:C:2012:215, n.os 26 e 27 e jurisprudência referida).

26

Assim, para determinar se uma ação é da competência internacional dos órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro em cujo território foi iniciado o processo de insolvência, há que determinar se esta ação preenche estes dois critérios cumulativos.

27

Quanto ao primeiro critério, a fim de determinar se uma ação decorre diretamente de um processo de insolvência, há que observar que resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que o elemento determinante para decidir do domínio onde se integra uma ação não é o contexto processual em que se insere, mas o fundamento jurídico da mesma. Segundo esta abordagem, há que aferir se o direito ou a obrigação que está na base da ação tem a sua origem nas regras comuns do direito civil ou comercial ou nas normas derrogatórias específicas dos processos de insolvência (v., neste sentido, Acórdão de 9 de novembro de 2017, Tünkers France e Tünkers Maschinenbau, C‑641/16, EU:C:2017:847, n.o 22 e jurisprudência referida).

28

Quanto ao segundo critério, para determinar se uma ação se enquadra estritamente num processo de insolvência, é também jurisprudência constante que é a intensidade do nexo existente entre essa ação e o processo de insolvência que é determinante para decidir se a exclusão prevista no artigo 1.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento n.o 44/2001 é aplicável (Acórdão de 9 de novembro de 2017, Tünkers France e Tünkers Maschinenbau, C‑641/16, EU:C:2017:847, n.o 28 e jurisprudência referida).

29

Em segundo lugar, o Tribunal de Justiça deduziu de uma análise dos âmbitos de aplicação respetivos dos Regulamentos n.os 44/2001 e 1346/2000, bem como dos objetivos visados pelo Regulamento n.o 1346/2000, que os órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro em cujo território foi aberto o processo de insolvência, referidos no artigo 3.o, n.o 1, deste regulamento, dispõem de competência exclusiva para conhecer das ações decorrentes diretamente desse processo e com ele estreitamente relacionadas (v., neste sentido, Acórdão de 14 de novembro de 2018, Wiemer & Trachte, C‑296/17, EU:C:2018:902, n.o 36).

30

No caso em apreço, resulta dos elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional de reenvio que, por um lado, a ação em causa no processo principal tem o seu fundamento jurídico nas regras de direito do Reino Unido que dizem especificamente respeito à insolvência. Por outro lado, essa ação foi iniciada, sem prejuízo das verificações que compete ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar quanto a esse ponto, pelo administrador da insolvência de UB, no âmbito da sua missão geral de gerir e liquidar os ativos da massa no interesse dos credores.

31

Assim, uma ação do administrador da insolvência designado por um órgão jurisdicional do Estado‑Membro de abertura do processo de insolvência, como a que está em causa no processo principal, que tem por objeto fazer declarar inoponíveis à massa insolvente as hipotecas registadas sobre imóveis situados noutro Estado‑Membro, bem como as vendas desses imóveis, decorre diretamente desse processo e está com ele estreitamente relacionada.

32

Resulta das considerações que figuram nos n.os 27 a 31 do presente acórdão que essa ação é da competência exclusiva dos órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro de abertura do processo de insolvência.

33

Este raciocínio não pode ser posto em causa pelo facto de a ação em causa no processo principal ter por objeto bens imóveis que se encontram no território de um Estado‑Membro diferente daquele em cujo território foi aberto o processo de insolvência.

34

Com efeito, o Regulamento n.o 1346/2000 não prevê nenhuma regra que confira aos órgãos jurisdicionais do lugar onde estão situados bens imóveis a competência internacional para conhecer de uma ação destinada a obter a reintegração desses bens na massa formada no âmbito de um processo de insolvência. Além disso, uma concentração de todas as ações diretamente ligadas ao processo de insolvência nos órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro em cujo território esse processo foi aberto está em conformidade com o objetivo de melhorar a eficácia e a celeridade dos processos de insolvência que produzem efeitos transfronteiriços, referido nos considerandos 2 e 8 do Regulamento n.o 1346/2000 (v., neste sentido, Acórdão de 14 de novembro de 2018, Wiemer & Trachte, C‑296/17, EU:C:2018:902, n.o 33 e jurisprudência referida).

35

Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à primeira e segunda questões que o artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1346/2000 deve ser interpretado no sentido de que a ação do administrador da insolvência, designado por um órgão jurisdicional do Estado‑Membro em cujo território foi aberto o processo de insolvência, que tem por objeto fazer declarar que são inoponíveis à massa dos credores a venda de um bem imóvel situado noutro Estado‑Membro assim como a hipoteca sobre ele constituída, é da competência exclusiva dos órgãos jurisdicionais do primeiro Estado‑Membro.

Quanto à terceira questão

36

Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 25.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1346/2000 deve ser interpretado no sentido de que uma decisão pela qual um órgão jurisdicional do Estado‑Membro de abertura autoriza o administrador da insolvência a intentar uma ação noutro Estado‑Membro, mesmo que esta seja abrangida pela competência exclusiva desse órgão jurisdicional, tem por efeito conferir uma competência internacional aos órgãos jurisdicionais desse outro Estado‑Membro.

37

O artigo 25.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 1346/2000 dispõe que as decisões relativas à tramitação e ao encerramento de um processo de insolvência proferidas por um órgão jurisdicional cuja decisão de abertura do processo seja reconhecida por força do artigo 16.o deste regulamento são igualmente reconhecidas sem qualquer outra formalidade. O segundo parágrafo do n.o 1 especifica que o primeiro parágrafo é igualmente aplicável às decisões diretamente decorrentes do processo de insolvência e que com este se encontrem estreitamente relacionadas, mesmo que proferidas por outro órgão jurisdicional.

38

Ora, o artigo 25.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1346/2000 não pode ser interpretado no sentido de pôr em causa o caráter exclusivo da competência internacional dos órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro em cujo território foi aberto o processo de insolvência para conhecer das ações decorrentes diretamente desse processo e que com este se encontrem estreitamente relacionadas.

39

De qualquer modo, este artigo prevê um sistema simplificado de reconhecimento e de execução das decisões de abertura e não um mecanismo de atribuição de competência internacional em benefício de um órgão jurisdicional diferente daquele que dispõe de uma competência exclusiva nos termos do artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1346/2000.

40

A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 25.o, n.o 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 1346/2000 visa unicamente o reconhecimento e o caráter executório das decisões que decorram diretamente do processo de insolvência e que com este se encontrem estreitamente relacionadas, mesmo que proferidas por outro órgão jurisdicional do Estado‑Membro em cujo território foi aberto o processo de insolvência. Esta disposição apenas admite, portanto, a possibilidade de os órgãos jurisdicionais de um Estado‑Membro em cujo território foi aberto o processo de insolvência, ao abrigo do artigo 3.o, n.o 1, deste regulamento, decidirem também uma ação que decorre diretamente desse processo e com ele está estreitamente relacionada, quer se trate do órgão jurisdicional que procedeu à abertura do processo de insolvência, ao abrigo do referido artigo 3.o, n.o 1, quer de outro órgão jurisdicional territorial e materialmente competente desse mesmo Estado‑Membro (v., neste sentido, Acórdão de 14 de novembro de 2018, Wiemer & Trachte, C‑296/17, EU:C:2018:902, n.o 42 e jurisprudência referida).

41

Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à terceira questão que o artigo 25.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1346/2000 deve ser interpretado no sentido de que uma decisão pela qual um órgão jurisdicional do Estado‑Membro de abertura autoriza o administrador da insolvência a intentar noutro Estado‑Membro uma ação, mesmo que esta seja abrangida pela competência exclusiva desse órgão jurisdicional, não pode ter por efeito conferir uma competência internacional aos tribunais desse outro Estado‑Membro.

Quanto às despesas

42

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Nona Secção) declara:

 

1)

O artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 1346/2000 do Conselho, de 29 de maio de 2000, relativo aos processos de insolvência, deve ser interpretado no sentido de que a ação do administrador da insolvência, designado por um órgão jurisdicional do Estado‑Membro em cujo território foi aberto o processo de insolvência, que tem por objeto fazer declarar que são inoponíveis à massa dos credores a venda de um bem imóvel situado noutro Estado‑Membro assim como a hipoteca sobre ele constituída, é da competência exclusiva dos órgãos jurisdicionais do primeiro Estado‑Membro.

 

2)

O artigo 25.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1346/2000 deve ser interpretado no sentido de que uma decisão pela qual um órgão jurisdicional do Estado‑Membro de abertura autoriza o administrador da insolvência a intentar noutro Estado‑Membro uma ação, mesmo que esta seja abrangida pela competência exclusiva desse órgão jurisdicional, não pode ter por efeito conferir uma competência internacional aos órgãos jurisdicionais desse outro Estado‑Membro.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: francês.