ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

19 de dezembro de 2019 ( *1 )

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Direito institucional — Iniciativa de cidadania “Um de nós” — Comunicação da Comissão Europeia que apresenta as suas conclusões e os motivos que a levam a não tomar as medidas pedidas na iniciativa de cidadania»

No processo C‑418/18 P,

que tem por objeto um recurso de um acórdão do Tribunal Geral, nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 22 de junho de 2018,

Patrick Grégor Puppinck, residente em Estrasburgo (França),

Filippo Vari, residente em Roma (Itália),

Josephine Quintavalle, residente em Londres (Reino Unido),

Edith Frivaldszky, residente em Tata (Hungria),

Jakub Baltroszewicz, residente em Cracóvia (Polónia),

Alicia Latorre Canizares, residente em Cuenca (Espanha),

Manfred Liebner, residente em Zeitlofs (Alemanha),

representados por R. Kiska, solicitor, e P. Diamond, barrister,

recorrentes,

sendo as outras partes no processo:

European Citizens’ Initiative One of Us,

recorrente em primeira instância,

Comissão Europeia, representada por H. Krämer, na qualidade de agente,

recorrida em primeira instância,

República da Polónia,

Parlamento Europeu,

Conselho da União Europeia,

intervenientes em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, R. Silva de Lapuerta, vice‑presidente, A. Prechal, M. Vilaras, E. Regan, S. Rodin (relator), P. G. Xuereb, L. S. Rossi e I. Jarukaitis, presidentes de secção, E. Juhász, M. Ilešič, J. Malenovský e N. Piçarra, juízes,

advogado‑geral: M. Bobek,

secretário: M. Aleksejev, chefe de unidade,

vistos os autos e após a audiência de 25 de março de 2019,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 29 de julho de 2019,

profere o presente

Acórdão

1

Com o presente recurso, Patrick Grégor Puppinck, Filippo Vari, Jakub Baltroszewicz, Manfred Liebner, Josephine Quintavalle, Edith Frivaldszky e Alicia Latorre Canizares pedem a anulação do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 23 de abril de 2018, One of Us e o./Comissão (T‑561/14, a seguir «acórdão recorrido», EU:T:2018:210), através do qual este negou provimento ao seu recurso destinado a obter a anulação da Comunicação COM(2014) 355 final da Comissão, de 28 de maio de 2014, relativa à iniciativa de cidadania europeia «Um de nós» (a seguir «comunicação controvertida»).

Quadro jurídico

2

O considerando 1 do Regulamento (UE) n.o 211/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de fevereiro de 2011, sobre a iniciativa de cidadania (JO 2011, L 65, p. 1; retificação no JO 2012, L 94, p. 49), tem a seguinte redação:

«O Tratado da União Europeia (TUE) reforça a cidadania da União e melhora o seu funcionamento democrático, prevendo nomeadamente que todos os cidadãos têm o direito de participar na vida democrática da União através de uma iniciativa de cidadania europeia. Esse direito oferece aos cidadãos a possibilidade de abordarem diretamente a Comissão, convidando‑a a apresentar uma proposta de ato jurídico da União para aplicar os Tratados, semelhante ao direito conferido ao Parlamento Europeu pelo artigo 225.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) e ao Conselho pelo artigo 241.o do TFUE.»

3

O considerando 20 deste regulamento enuncia:

«A Comissão deverá apreciar as iniciativas de cidadania e formular separadamente as suas conclusões jurídicas e políticas. Deverá também identificar as medidas que tenciona tomar a seu respeito no prazo de três meses. A fim de demonstrar que uma iniciativa de cidadania é apoiada pelo menos por um milhão de cidadãos da União e que o seu eventual seguimento será examinado cuidadosamente, a Comissão deverá expor de forma clara, inteligível e circunstanciada as razões pelas quais tenciona tomar medidas e, da mesma forma, expor as razões pelas quais não tenciona tomar qualquer medida. Caso a Comissão receba uma iniciativa de cidadania que tenha o apoio do número de subscritores previsto e que preencha os restantes requisitos previstos no presente regulamento, os organizadores deverão ter o direito de apresentar essa iniciativa numa audição pública a nível da União.»

4

Nos termos do artigo 2.o, ponto 1, do referido regulamento:

«Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

1.

“Iniciativa de cidadania”, uma iniciativa apresentada à Comissão nos termos do presente regulamento pela qual esta é convidada a apresentar, no âmbito das suas atribuições, uma proposta adequada sobre matérias em relação às quais os cidadãos consideram necessário um ato jurídico da União para aplicar os Tratados, e que tenha recebido o apoio de pelo menos um milhão de subscritores elegíveis, provenientes de pelo menos um quarto dos Estados‑Membros;»

5

O artigo 4.o, n.os 1 e 2, do Regulamento n.o 211/2011 enuncia:

«1.   Antes de dar início à recolha das declarações de apoio dos subscritores de uma proposta de iniciativa de cidadania, compete aos organizadores registá‑la junto da Comissão, prestando as informações constantes do anexo II, em especial sobre o objeto e os objetivos da iniciativa de cidadania proposta.

Essas informações são prestadas numa das línguas oficiais da União, num registo eletrónico disponibilizado pela Comissão para esse efeito (“registo”).

Os organizadores facultam para o registo, e se for caso disso no seu sítio na Internet, informações regularmente atualizadas sobre as fontes de apoio e de financiamento da proposta de iniciativa de cidadania.

Após a confirmação do registo nos termos do n.o 2, os organizadores podem apresentar versões da proposta de iniciativa de cidadania noutras línguas oficiais da União para inclusão no registo. A tradução da proposta de iniciativa de cidadania para outras línguas oficiais da União é da responsabilidade dos organizadores.

A Comissão cria um ponto de contacto para prestar informações e assistência.

2.   No prazo de dois meses a contar da receção das informações constantes do anexo II, a Comissão deve registar uma proposta de iniciativa de cidadania com um número de registo único e enviar uma confirmação aos organizadores, desde que estejam preenchidas as seguintes condições:

a)

O comité de cidadãos foi formado e as pessoas de contacto foram designadas nos termos do n.o 2 do artigo 3.o;

b)

A proposta de iniciativa de cidadania não está manifestamente fora da competência da Comissão para apresentar uma proposta de ato jurídico da União para efeitos de aplicação dos Tratados;

c)

A proposta de iniciativa de cidadania não é manifestamente abusiva, frívola ou vexatória;

d)

A proposta de iniciativa de cidadania não é manifestamente contrária aos valores da União consagrados no artigo 2.o do TUE.»

6

O artigo 9.o deste regulamento, sob a epígrafe «Apresentação de uma iniciativa de cidadania à Comissão», dispõe, no seu primeiro parágrafo:

«Após terem obtido os certificados previstos no n.o 2 do artigo 8.o, e desde que tenham sido cumpridos todos os procedimentos e todas as condições estabelecidas no presente regulamento, os organizadores podem apresentar a iniciativa de cidadania à Comissão, acompanhada de informações sobre quaisquer apoios e financiamentos recebidos para a iniciativa. Essas informações são publicadas no registo.»

7

O artigo 10.o do referido regulamento prevê:

«1.   Quando a Comissão receber uma iniciativa de cidadania nos termos do artigo 9.o, deve:

a)

Publicá‑la sem demora no registo;

b)

Receber os organizadores a um nível adequado para lhes permitir explicar detalhadamente as questões suscitadas pela iniciativa de cidadania;

c)

Apresentar no prazo de três meses, por meio de uma comunicação, as suas conclusões jurídicas e políticas sobre a iniciativa de cidadania, as medidas que tenciona tomar, se for caso disso, e os motivos que a levam a tomar ou não tomar essas medidas.

2.   A comunicação referida na alínea c) do n.o 1 é notificada aos organizadores, ao Parlamento Europeu e ao Conselho, e divulgada ao público.»

8

O artigo 11.o do Regulamento n.o 211/2011, sob a epígrafe «Audição pública», enuncia:

«Se estiverem preenchidas as condições referidas nas alíneas a) e b) do n.o 1 do artigo 10.o, e dentro do prazo fixado na alínea c) do n.o 1 do artigo 10.o, deve ser dada aos organizadores a oportunidade de apresentarem a iniciativa de cidadania numa audição pública. A Comissão e o Parlamento Europeu devem assegurar que esta audição seja organizada no Parlamento Europeu, se adequado, com a participação de outras instituições e organismos da União que demonstrem interesse em participar, e que a Comissão esteja representada a um nível adequado.»

9

O anexo II deste regulamento, sob a epígrafe «Informações para o registo de uma proposta de iniciativa de cidadania», tem a seguinte redação:

«Para inscrever uma proposta de iniciativa de cidadania no registo eletrónico da Comissão, devem ser prestadas as seguintes informações:

1.

Título da proposta de iniciativa de cidadania, até 100 carateres;

2.

Objeto, até 200 carateres;

3.

Descrição dos objetivos da proposta de iniciativa de cidadania com base na qual a Comissão é convidada a tomar medidas, até 500 carateres;

4.

As disposições dos Tratados que, [segundo] os organizadores, são relevantes para a medida proposta;

[…]

Os organizadores podem apresentar, em anexo, informações mais pormenorizadas sobre o objeto, os objetivos e os antecedentes da proposta de iniciativa de cidadania. Podem também, se assim o desejarem, apresentar um projeto de ato jurídico.»

Antecedentes do litígio

10

Os antecedentes do litígio constam dos n.os 1 a 30 do acórdão recorrido e podem ser resumidos da forma que se segue.

11

Em 11 de maio de 2012, a Comissão, em conformidade com o artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento n.o 211/2011, registou a proposta de iniciativa de cidadania europeia intitulada «Um de nós» (a seguir «ICE controvertida»).

12

O objeto da ICE controvertida era a «[p]roteção jurídica da dignidade, do direito à vida e da integridade de cada ser humano desde a conceção nas áreas de competência da [União Europeia] nas quais tal proteção se afigure relevante».

13

Os objetivos dessa ICE eram descritos nos seguintes termos:

«O embrião humano merece o respeito pela sua dignidade e integridade. Assim é afirmado no Acórdão do [Tribunal de Justiça da União Europeia] no caso Brüstle que define o embrião humano como o início do desenvolvimento do ser humano. Para garantir a coerência entre as áreas da sua competência em que a vida do embrião humano está em causa, a [União] deve introduzir uma proibição e pôr fim ao financiamento das atividades que pressupõem a destruição de embriões humanos, em particular no que respeita à investigação, ajuda ao desenvolvimento e saúde pública.»

14

Num anexo junto ao pedido de registo da ICE controvertida, sugeria‑se a introdução de três alterações a atos da União, existentes ou em projeto. Os organizadores desta ICE pediram, em primeiro lugar, que se inserisse no Regulamento (CE, Euratom) n.o 1605/2002 do Conselho, de 25 de junho de 2002, que institui o Regulamento Financeiro aplicável ao orçamento geral das Comunidades Europeias (JO 2002, L 248, p. 1), um novo artigo dispondo que o financiamento pela União de atividades que destroem embriões humanos, ou que exigem a sua destruição, fosse proibido. Em segundo lugar, propuseram inserir uma nova alínea no artigo 16.o, n.o 3, da proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que institui o Programa‑Quadro para a Investigação e Inovação «Horizonte 2020» (2014‑2020) [COM(2011) 809 final], excluindo de qualquer financiamento ao abrigo deste programa‑quadro as atividades de investigação que destroem embriões humanos, incluindo as destinadas a obter células estaminais, e pesquisas que envolvem o uso de células estaminais embrionárias humanas nas suas etapas de produção. Em terceiro lugar, propuseram acrescentar um n.o 5 ao artigo 2.o do Regulamento (CE) n.o 1905/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de dezembro de 2006, que institui um instrumento de financiamento da cooperação para o desenvolvimento (JO 2006, L 378, p. 41), prevendo, em substância, que a assistência financeira da União não deve ser usada, direta ou indiretamente, para financiar abortos.

15

As disposições dos Tratados consideradas pertinentes pelos organizadores da ICE controvertida eram os artigos 2.o e 17.o TUE, bem como o artigo 4.o, n.os 3 e 4, e os artigos 168.o, 180.o, 182.o, 209.o, 210.o e 322.o TFUE.

16

Em 28 de fevereiro de 2014, em conformidade com o artigo 9.o do Regulamento n.o 211/2011, os organizadores da ICE controvertida apresentaram a iniciativa à Comissão.

17

Em 9 de abril de 2014, em conformidade com o artigo 10.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 211/2011, representantes da Comissão receberam os organizadores da ICE controvertida. No dia seguinte, foi concedida a estes, em conformidade com o artigo 11.o deste regulamento, a oportunidade de apresentarem esta ICE numa audição pública organizada no Parlamento Europeu.

18

Em 28 de maio de 2014, a Comissão, com base no artigo 10.o, n.o 1, alínea c), do mesmo regulamento, adotou a comunicação controvertida, dividida em quatro partes, na qual indicou que não levaria a cabo nenhuma medida na sequência da ICE controvertida.

19

No ponto 1 dessa comunicação, intitulado «Introdução», a Comissão apresentou, designadamente, o objeto e os objetivos da ICE controvertida e as três alterações legislativas sugeridas.

20

No ponto 2 da referida comunicação, intitulado «Ponto da situação», a Comissão expôs, antes de mais, a situação atual da legislação da União relativa à proteção da dignidade humana e precisou as competências da União a este respeito, salientando, nomeadamente, que a jurisprudência do Tribunal de Justiça não tratou a questão de determinar se a investigação científica que recorre à utilização de embriões humanos pode ou não ser efetuada e financiada pela União.

21

Em seguida, a Comissão expôs o estado da investigação sobre as células estaminais embrionárias humanas (a seguir «investigação sobre as CEEH»), as competências e as atividades dos Estados‑Membros e da União neste domínio, bem como os mecanismos implementados pela União para garantir o respeito da dignidade humana no âmbito do financiamento dessa investigação. A este respeito, quanto às competências da União, a Comissão salientou que a investigação sobre as CEEH funciona num quadro ético estrito que inclui um sistema de «tripla segurança», segundo o qual, em primeiro lugar, os projetos da União devem respeitar a legislação do país em que a investigação é realizada, em segundo lugar, todos os projetos devem ser cientificamente validados com base numa análise interpares e submetidos a um exame ético rigoroso e, em terceiro lugar, os fundos da União não podem ser utilizados para o isolamento de novas linhas de células estaminais, nem para investigações que implicam a destruição de embriões humanos.

22

Por último, a Comissão apresentou a competência e as atividades dos Estados‑Membros e da União no que respeita à saúde materno‑infantil no âmbito da cooperação para o desenvolvimento.

23

No ponto 3 da comunicação controvertida, intitulado «Avaliação dos pedidos de [ICE]», a Comissão expôs as razões pelas quais não tencionava tomar nenhuma das medidas propostas pelos organizadores dessa ICE.

24

A Comissão salientou, antes de mais, que o Regulamento Financeiro já garantia que todas as despesas da União, nomeadamente nos domínios da investigação, cooperação para o desenvolvimento e saúde pública, deviam respeitar a dignidade humana, o direito à vida e o direito à integridade do ser humano.

25

Em seguida, precisou que as disposições do Programa‑Quadro «Horizonte 2020» relativas a investigação sobre as CEEH já contemplavam uma série de importantes pedidos dos organizadores da ICE controvertida, nomeadamente de que a União não financiasse a destruição de embriões humanos e de que fossem efetuados controlos adequados.

26

Por último, referiu que a proibição de financiamento do aborto praticado nos países em desenvolvimento, como a preconizada pelos organizadores da ICE controvertida, poderia restringir a capacidade da União para cumprir os objetivos fixados em matéria de cooperação para o desenvolvimento.

27

O ponto 4 da comunicação controvertida, intitulado «Conclusões», contém um resumo dos desenvolvimentos expostos nos números anteriores dessa comunicação.

Tramitação do processo no Tribunal Geral e acórdão recorrido

28

Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 25 de julho de 2014, a entidade denominada «European Citizens’ Initiative One of Us» e as sete pessoas singulares que são os organizadores da ICE controvertida e que compõem o comité de cidadãos desta última interpuseram um recurso destinado a obter a anulação da comunicação controvertida e, a título subsidiário, a anulação do artigo 10.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 211/2011.

29

Por Despacho de 26 de novembro de 2015, One of Us e o./Comissão (T‑561/14, não publicado, EU:T:2015:917), o Tribunal Geral julgou esse recurso inadmissível na parte em que era dirigido contra o artigo 10.o, n.o 1, alínea c), desse regulamento. O Parlamento e o Conselho, dado que deixaram de poder ser considerados recorridos na instância, foram, em conformidade com o seu pedido, admitidos na qualidade de intervenientes por Decisão do presidente da Primeira Secção do Tribunal Geral de 30 de novembro de 2015.

30

Através do acórdão recorrido, o Tribunal Geral negou provimento ao recurso.

31

Após ter considerado, nos n.os 53 a 65 desse acórdão, que o recurso era inadmissível na parte em que tinha sido interposto pela entidade European Citizens’ Initiative One of Us, o Tribunal Geral examinou, nos n.os 68 a 101 do referido acórdão, o caráter impugnável, na aceção do artigo 263.o TFUE, da comunicação controvertida. Entendeu, no n.o 77 do mesmo acórdão, que essa comunicação produzia efeitos jurídicos vinculativos suscetíveis de afetar os interesses dos recorrentes, modificando de forma caracterizada a sua situação jurídica. O Tribunal Geral salientou a este respeito que, em aplicação do artigo 10.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 211/2011, a Comissão estava obrigada a apresentar uma comunicação, como a comunicação controvertida, expondo as suas conclusões jurídicas e políticas sobre a iniciativa de cidadania tomada. Considerou, assim, que o recurso interposto dessa comunicação era admissível.

32

Quanto ao exame do mérito desse recurso, o Tribunal Geral julgou improcedente, nos n.os 105 a 118 do acórdão recorrido, o primeiro fundamento de recurso, relativo à violação do artigo 10.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 211/2011 por não ter sido apresentada uma proposta de ato jurídico em resposta à ICE controvertida, uma vez que a Comissão dispõe, ao abrigo tanto dessa disposição como dos artigos 11.o TUE e 24.o TFUE, do poder de dar seguimento a uma ICE. O Tribunal Geral recordou, a este título, que os Tratados conferem à Comissão um quase monopólio da iniciativa legislativa.

33

Pelas mesmas razões, julgou improcedente, nos n.os 122 a 125 do acórdão recorrido, o segundo fundamento de recurso, relativo à violação do artigo 11.o, n.o 4, TUE.

34

O Tribunal Geral julgou improcedente, nos n.os 128 a 132 desse acórdão, o terceiro fundamento do recurso, relativo ao facto de a Comissão ter violado o artigo 10.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 211/2011, lido à luz do considerando 20 deste último, ao não ter apresentado, de maneira separada, as suas conclusões jurídicas e políticas sobre a ICE controvertida. A este respeito, recordou que, embora este considerando preveja que a Comissão formula as suas conclusões jurídicas e políticas separadamente, não se pode entender que o mesmo instituiu uma obrigação nesse sentido a cargo da Comissão, uma vez que o preâmbulo de um ato da União não tem valor jurídico vinculativo. De igual modo, uma vez que não resulta da redação desse artigo 10.o que a Comissão esteja obrigada a recorrer a tal formulação, esta não pode ser criticada por não ter procedido a uma apresentação separada das suas conclusões. A título exaustivo, o Tribunal Geral precisou que, admitindo que tal obrigação existisse, a violação desta não poderia ter conduzido à anulação da comunicação controvertida.

35

O Tribunal Geral também julgou improcedente, nos n.os 141 a 158 do acórdão recorrido, o quarto fundamento de recurso, relativo ao incumprimento do dever de fundamentação, uma vez que os elementos que constantes da comunicação controvertida bastavam para permitir que os recorrentes compreendessem as razões pelas quais a Comissão se recusou a tomar medidas na sequência da ICE controvertida. Além disso, o Tribunal Geral considerou que o argumento segundo o qual a Comissão tinha violado o dever de fundamentação por não ter definido nem clarificado o estatuto jurídico do embrião humano na comunicação controvertida era inoperante e devia ser afastado, uma vez que o caráter suficiente da fundamentação só devia ser apreciado por referência ao objetivo da ICE controvertida.

36

Por último, o Tribunal Geral julgou improcedente, nos n.os 168 a 183 do acórdão recorrido, o quinto fundamento de recurso, relativo a erros de apreciação cometidos pela Comissão na comunicação controvertida.

37

Considerou a este respeito que, tendo em conta o amplo poder de apreciação de que a Comissão dispõe no exercício do seu poder de iniciativa legislativa, a decisão desta de não submeter nenhuma proposta de ato jurídico ao legislador deve ser objeto de fiscalização restrita.

38

O Tribunal Geral entendeu, em primeiro lugar, nos n.os 172 a 175 do acórdão recorrido, que a Comissão não tinha cometido um erro manifesto de apreciação ao considerar que o Acórdão do Tribunal de Justiça de 18 de outubro de 2011, Brüstle (C‑34/10, EU:C:2011:669), não era pertinente para apreciar a legalidade da comunicação controvertida, uma vez que esse acórdão apenas diz respeito à questão da patenteabilidade das invenções biotecnológicas e não aborda a do financiamento das atividades de investigação que impliquem ou pressuponham a destruição de embriões humanos.

39

O Tribunal Geral declarou, em segundo lugar, no n.o 176 do acórdão recorrido, que os recorrentes não tinham demonstrado a existência de um erro manifesto de apreciação no que respeita à abordagem ética da Comissão relativa à investigação sobre as CEEH. Rejeitou igualmente, uma vez que estava insuficientemente desenvolvida, a sua alegação segundo a qual essa investigação não era necessária.

40

Em terceiro lugar, o Tribunal Geral considerou, no n.o 180 do acórdão recorrido, que a Comissão também não tinha cometido um erro manifesto de apreciação ao basear‑se numa publicação da Organização Mundial de Saúde, segundo a qual existe uma ligação entre os abortos feitos em condições perigosas e a mortalidade materna, para daí deduzir que a proibição de financiamento de abortos colocaria entraves à capacidade da União de alcançar o objetivo relativo à redução da mortalidade materna.

41

Por último, em quarto lugar, o Tribunal Geral declarou, no n.o 182 do acórdão recorrido, que a Comissão não tinha cometido nenhum erro manifesto de apreciação ao ter decidido não apresentar ao legislador da União uma proposta de alteração do Regulamento Financeiro destinada a proibir o financiamento das atividades que se afiguram contrárias à dignidade humana e aos direitos humanos.

Pedidos das partes no Tribunal de Justiça

42

Os recorrentes pedem ao Tribunal de Justiça que se digne:

anular o acórdão recorrido;

anular a comunicação controvertida;

condenar a Comissão nas despesas.

43

A Comissão pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

negar provimento ao recurso;

condenar os recorrentes nas despesas.

Quanto ao presente recurso

44

Os recorrentes invocam cinco fundamentos de recurso.

Quanto ao primeiro fundamento

Argumentos das partes

45

Com o seu primeiro fundamento, os recorrentes alegam que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito quando julgou improcedente, nos n.os 118 e 125 do acórdão recorrido, o seu argumento relativo à interpretação do artigo 11.o, n.o 4, TUE e do Regulamento n.o 211/2011. Entendem que o Tribunal Geral, ao ter declarado, nos n.os 111 e 113 do acórdão recorrido, que o quase‑monopólio da iniciativa legislativa da Comissão não era afetado pela instauração do mecanismo da ICE, violou a natureza específica do referido mecanismo.

46

Os recorrentes consideram que, embora o artigo 17.o, n.o 2, TUE preveja que os atos legislativos da União só podem ser adotados sob proposta da Comissão, esta disposição não pode, todavia, ser interpretada no sentido de que confere à Comissão um poder discricionário ilimitado quanto às propostas legislativas relativamente a questões que foram objeto de uma iniciativa de cidadania que recebeu o apoio necessário, na aceção do artigo 2.o, ponto l, do Regulamento n.o 211/2011. Os recorrentes deduzem do Acórdão de 14 de abril de 2015, Conselho/Comissão (C‑409/13, EU:C:2015:217), que o poder discricionário de iniciativa legislativa da Comissão deve ter limites quando esta decide não apresentar uma proposta de ato legislativo na sequência de uma ICE, devendo o exercício do seu poder discricionário para impedir os objetivos de uma ICE ser, portanto, considerado ilegal.

47

Os recorrentes defendem que, por um lado, a decisão da Comissão de não apresentar uma proposta legislativa na sequência de uma ICE deve ser fundamentada, devendo os fundamentos ser suportados por elementos convincentes e não contrários ao objetivo da ICE em causa. Por outro lado, entendem que o poder discricionário de apreciação da Comissão deve ser exercido no respeito das políticas gerais e dos objetivos de política pública, sob a fiscalização do juiz. Ora, segundo os recorrentes, o Tribunal Geral não tratou nem identificou os objetivos de política pública da ICE controvertida nem a interdependência entre o título III do TUE e o artigo 24.o TFUE que decorre do Regulamento n.o 211/2011.

48

Os recorrentes consideram que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito quando declarou, no n.o 124 do acórdão recorrido, que o mecanismo da ICE tinha unicamente por objetivo «convidar» a Comissão a apresentar uma proposta. Na medida em que o artigo 11.o, n.o 4, TUE não dispõe que só as pessoas que tenham recolhido pelo menos um milhão de assinaturas podem «convidar» a Comissão a tomar medidas adequadas, os recorrentes entendem que cada pessoa ou grupo pode «convidar» a Comissão a tomar tais medidas. Em seu entender, tendo em conta as suas características, os custos e as dificuldades de organização que implica, uma ICE não pode ser equiparada a um simples «convite» à Comissão para tomar as medidas adequadas.

49

Os recorrentes alegam que a interpretação do mecanismo da ICE adotada pelo Tribunal Geral nos n.os 111, 113 e 124 do acórdão recorrido priva o mecanismo da ICE de todo o efeito útil e não permite sanar o défice democrático da União.

50

Entendem que, tendo em conta a influência do Conselho e do Parlamento sobre a Comissão, o Tribunal Geral deveria ter reconhecido a um grupo de pelo menos um milhão de cidadãos que apoiaram uma ICE a mesma força de que dispõem essas instituições. Consideram que o poder da Comissão de dar ou não seguimento a uma ICE deve assentar em critérios de apreciação cujo respeito pode ser fiscalizado por um juiz. Em seu entender, a apreciação efetuada pelo Tribunal Geral no acórdão recorrido é incoerente, na medida em que a própria existência da fiscalização de legalidade da comunicação controvertida, efetuada pelo Tribunal Geral nesse acórdão, apoia a sua argumentação segundo a qual a Comissão não é livre de dar ou não seguimento a uma ICE.

51

Por último, os recorrentes sustentam que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao considerar que o Regulamento n.o 211/2011 devia ser interpretado no sentido de que permitia à Comissão privar os cidadãos do seu direito de que, no âmbito de uma ICE, as suas propostas de atos legislativos sejam examinados pelo Parlamento.

52

A Comissão recorda que alegou no Tribunal Geral que a comunicação controvertida não constituía um ato suscetível de recurso, na aceção do artigo 263.o TFUE. Quanto ao mérito, entende que o primeiro fundamento deve ser julgado improcedente.

Apreciação do Tribunal de Justiça

53

O artigo 11.o, n.o 4, TUE, introduzido pelo Tratado de Lisboa, reconhece aos cidadãos da União, sob certas condições, o direito de tomarem a iniciativa de convidar a Comissão, no âmbito das suas atribuições, a apresentar uma proposta adequada em matérias sobre as quais esses cidadãos considerem que um ato jurídico da União é necessário para efeitos da aplicação dos Tratados (Acórdão de 12 de setembro de 2017, Anagnostakis/Comissão, C‑589/15 P, EU:C:2017:663, n.o 23).

54

O direito de tomar uma ICE constitui, à semelhança, nomeadamente, do direito de petição perante o Parlamento Europeu, um instrumento relacionado com o direito dos cidadãos de participarem na vida democrática da União, previsto no artigo 10.o, n.o 3, TUE, na medida em que permite que aqueles se dirijam diretamente à Comissão para lhe apresentarem um pedido através do qual a convidam a apresentar uma proposta de ato jurídico da União para efeitos da aplicação dos Tratados (Acórdão de 12 de setembro de 2017, Anagnostakis/Comissão, C‑589/15 P, EU:C:2017:663, n.o 24).

55

Em aplicação do artigo 24.o, primeiro parágrafo, TFUE, os procedimentos e as condições exigidas para a apresentação de uma ICE foram precisadas no Regulamento n.o 211/2011.

56

Com o seu primeiro fundamento, os recorrentes sustentam que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao ter declarado que a Comissão não estava obrigada, nos termos do artigo 11.o, n.o 4, TUE e do Regulamento n.o 211/2011, a apresentar uma proposta de ato legislativo na sequência da ICE controvertida.

57

A este respeito, importa, em primeiro lugar, salientar que resulta da própria redação do artigo 11.o, n.o 4, TUE que a ICE pretende «convidar» a Comissão a apresentar uma proposta adequada para efeitos de aplicação dos Tratados, e não, como sustentam os recorrentes, obrigar essa instituição a tomar a ação ou as ações previstas pela ICE em causa. Esta interpretação literal é corroborada pela redação do artigo 2.o, ponto 1, do Regulamento n.o 211/2011, que define a «iniciativa de cidadania» como uma iniciativa apresentada à Comissão, em conformidade com esse regulamento, pela qual esta é «convidada» a apresentar uma proposta como a prevista no artigo 11.o, n.o 4, TUE. Por outro lado, resulta dos termos do artigo 10.o, n.o 1, alínea c), e do considerando 20 do referido regulamento que, quando recebe uma ICE, a Comissão apresenta as medidas que tenciona, se for caso disso, tomar, e os motivos que a levam a tomar ou não tomar medidas, o que confirma que a apresentação pela Comissão de uma proposta de ato da União na sequência de uma ICE reveste caráter facultativo.

58

Em segundo lugar, quanto ao contexto em que se inscreve o mecanismo da ICE, não se pode, como alega a Comissão, inferir do Acórdão de 14 de abril de 2015, Conselho/Comissão (C‑409/13, EU:C:2015:217), que dizia respeito à retirada, pela Comissão, de uma proposta de ato da União durante o processo legislativo, que essa instituição está obrigada a apresentar uma proposta de ato da União na sequência de uma ICE.

59

Pelo contrário, como o Tribunal de Justiça recordou nesse acórdão, tanto o artigo 17.o, n.o 2, TUE como o artigo 289.o TFUE conferem à Comissão o poder de iniciativa legislativa, o qual implica que compete a esta instituição decidir apresentar, ou não, uma proposta de ato legislativo, salvo no caso de, por força do direito da União, ter a obrigação de apresentar tal proposta. Ao abrigo desse poder, em caso de apresentação de uma proposta de ato legislativo, compete igualmente à Comissão, que, de acordo com o artigo 17.o, n.o 1, TUE, promove o interesse geral da União e toma as iniciativas adequadas para esse efeito, determinar o objeto, a finalidade e o conteúdo dessa proposta (Acórdão de 14 de abril de 2015, Conselho/Comissão, C‑409/13, EU:C:2015:217, n.o 70).

60

Esse poder de iniciativa legislativa da Comissão é uma das expressões do princípio do equilíbrio institucional, característico da estrutura institucional da União, que implica que cada uma das instituições exerça as suas competências com respeito pelas das outras (v., neste sentido, Acórdão de 14 de abril de 2015, Conselho/Comissão, C‑409/13, EU:C:2015:217, n.o 64 e jurisprudência referida).

61

A este respeito, importa salientar que, como resulta do considerando 1 do Regulamento n.o 211/2011, a ICE pretende conferir aos cidadãos da União um direito comparável àquele de que dispõem, ao abrigo, respetivamente, dos artigos 225.o e 241.o TFUE, o Parlamento e o Conselho de pedir à Comissão que apresente todas as propostas adequadas para aplicar os Tratados. Ora, resulta destes dois artigos que o direito assim reconhecido ao Parlamento e ao Conselho não prejudica o poder de iniciativa legislativa da Comissão, a qual continua a ser livre de não apresentar uma proposta, desde que comunique os motivos à instituição em causa. Por conseguinte, uma ICE apresentada com base no artigo 11.o, n.o 4, TUE e no Regulamento n.o 211/2011 também não pode afetar esse poder.

62

Além disso, a tese dos recorrentes segundo a qual a Comissão está obrigada, em todos os casos, a dar seguimento às propostas que figuram numa ICE registada e que tenham recebido os apoios necessários seria inconciliável com o poder de apreciação de que dispõe a Comissão, por força do artigo 17.o, n.o 1, TUE, na sua missão de promover o interesse geral da União e de tomar qualquer iniciativa adequada para esse fim, bem como com a obrigação geral que incumbe a essa instituição, por força do n.o 3 desse artigo, de agir com total independência no exercício do seu poder de iniciativa.

63

Portanto, o Tribunal Geral considerou, corretamente, no n.o 111 do acórdão recorrido, que o quase‑monopólio da iniciativa legislativa conferida pelos Tratados à Comissão não é afetado pelo direito à ICE previsto no artigo 11.o, n.o 4, TUE.

64

Em terceiro lugar, quanto ao argumento dos recorrentes segundo o qual a interpretação do mecanismo da ICE pelo Tribunal Geral no acórdão recorrido priva esse mecanismo de qualquer efeito útil, importa recordar que, nos termos do artigo 10.o, n.o 1, TUE, o funcionamento da União baseia‑se na democracia representativa, a qual concretiza o valor de democracia. Esta constitui, ao abrigo do artigo 2.o TUE, um dos valores em que se funda a União.

65

Este sistema de democracia representativa foi completado, pelo Tratado de Lisboa, por instrumentos de democracia participativa, como o mecanismo da ICE, que têm por objetivo favorecer a participação dos cidadãos no processo democrático e promover o diálogo entre os cidadãos e as instituições da União. Ora, como salientou, em substância, o advogado‑geral no n.o 71 das suas conclusões, este objetivo insere‑se no equilíbrio institucional preexistente e exerce‑se dentro dos limites das atribuições que são conferidas a cada instituição da União pelos Tratados, cujos autores não pretenderam, através da instauração deste mecanismo, privar a Comissão do poder de iniciativa legislativa que lhe é reconhecido pelo artigo 17.o TUE.

66

No entanto, o facto de a Comissão não estar obrigada a tomar uma medida na sequência de uma ICE não significa que essa iniciativa seja privada de efeito útil.

67

Com efeito, uma ICE que foi registada em conformidade com o artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento n.o 211/2011 e que respeita todos os procedimentos e condições previstos por este último, desencadeia uma série de obrigações específicas para a Comissão, enumeradas nos artigos 10.o e 11.o deste regulamento.

68

Antes de mais, quando recebe uma ICE, a Comissão deve, em aplicação do artigo 10.o, n.o 1, alínea a), desse regulamento, publicá‑la sem demora no registo previsto para esse efeito, a fim de levar ao conhecimento do público as questões que figuram nessa ICE em relação às quais os cidadãos consideram necessário um ato jurídico da União. Em seguida, por força da alínea b) desta disposição, a Comissão é obrigada a receber, a um nível adequado, os organizadores de uma ICE que tenha recebido o apoio de pelo menos um milhão de subscritores, a fim de lhes permitir expor pormenorizadamente as questões suscitadas por essa ICE. Por último, a alínea c) da referida disposição prevê que a Comissão apresenta, por meio de uma comunicação, as suas conclusões jurídicas e políticas sobre a ICE, as medidas que tenciona tomar, se for caso disso, e os motivos que a levam a tomar ou não tomar essas medidas.

69

Resulta igualmente do artigo 11.o do Regulamento n.o 211/2011 que os organizadores de uma ICE que reúne as condições estabelecidas no artigo 10.o, n.o 1, alíneas a) e b), deste regulamento têm a oportunidade de apresentar essa iniciativa numa audição pública, organizada no Parlamento, se adequado, com a participação de outras instituições e organismos da União que demonstrem interesse em participar, e na presença da Comissão, o que lhes garante um acesso privilegiado às instituições da União.

70

Por conseguinte, o Tribunal Geral considerou, adequadamente, no n.o 124 do acórdão recorrido, que a rejeição da tese dos recorrentes quanto à obrigação de a Comissão tomar uma medida na sequência da ICE controvertida não priva de efeito útil o mecanismo da ICE. Como o advogado‑geral salientou no n.o 78 das suas conclusões, o valor acrescentado específico deste mecanismo reside não na certeza do seu resultado, mas nos meios e nas oportunidades que cria para os cidadãos da União desencadearem um debate político nas instituições desta sem terem de esperar pelo desencadeamento de um processo legislativo.

71

Tendo em conta as considerações precedentes, o Tribunal Geral tinha fundamento para considerar, nos n.os 105 a 118 do acórdão recorrido, que a interpretação do artigo 10.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 211/2011, adotada pelos recorrentes, padece de um erro de direito. Foi também corretamente que julgou improcedente, nos n.os 122 a 125 do acórdão recorrido, a argumentação dos recorrentes segundo a qual o artigo 11.o, n.o 4, TUE desencadeia uma obrigação de a Comissão iniciar um processo legislativo na sequência de uma ICE registada e que beneficia do apoio exigido.

72

Daqui se conclui que o primeiro fundamento do presente recurso deve ser julgado improcedente.

Quanto ao segundo fundamento

Argumentos das partes

73

Com o seu segundo fundamento, os recorrentes alegam que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao declarar, nos n.os 128 e 132 do acórdão recorrido, que a Comissão não estava obrigada, por força do artigo 10.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 211/2011, a apresentar de maneira separada as suas conclusões jurídicas e políticas sobre as ICE que lhe são submetidas. Sustentam que esta disposição deve ser lida à luz do considerando 20 deste regulamento, do qual resulta que a Comissão deve formular separadamente as suas conclusões «jurídicas» e «políticas».

74

A Comissão considera, subscrevendo a apreciação do Tribunal Geral segundo a qual o preâmbulo de um ato da União não tem valor jurídico vinculativo e não pode ser invocado para derrogar uma disposição nem para interpretar essa disposição em sentido manifestamente contrário à sua redação, que este segundo fundamento deve ser julgado improcedente.

Apreciação do Tribunal de Justiça

75

O preâmbulo de um ato da União é suscetível de precisar o conteúdo das disposições do referido ato (v., neste sentido, Acórdão de 10 de janeiro de 2006, IATA e ELFAA, C‑344/04, EU:C:2006:10, n.o 76). Como salientou o advogado‑geral no n.o 93 das suas conclusões, os considerandos de um ato da União constituem, com efeito, importantes elementos interpretativos, que são suscetíveis de esclarecer a vontade do autor desse ato.

76

Em contrapartida, o preâmbulo de um ato da União não tem valor jurídico vinculativo e não poderá ser invocado para derrogar as próprias disposições do ato em causa nem para interpretar essas disposições em sentido manifestamente contrário à sua redação (v., neste sentido, Acórdão de 24 de novembro de 2005, Deutsches Milch‑Kontor, C‑136/04, EU:C:2005:716, n.o 32 e jurisprudência referida).

77

No caso em apreço, o Tribunal Geral, após ter recordado, no n.o 128 do acórdão recorrido, a jurisprudência constante relativa ao valor jurídico de um preâmbulo, considerou, nos n.os 129 e 130 desse acórdão, que a Comissão não estava sujeita à obrigação de apresentar separadamente as suas conclusões jurídicas e políticas, na medida em que essa obrigação, que consta do considerando 20 do Regulamento n.o 211/2011, não é retomada no artigo 10.o, n.o 1, alínea c), do referido regulamento. A título exaustivo, o Tribunal Geral acrescentou, no n.o 131 do acórdão recorrido, que, admitindo que a Comissão estivesse obrigada, por força desta disposição, a apresentar de maneira separada as suas conclusões jurídicas e políticas, essa obrigação seria meramente formal, pelo que a violação dessa disposição não implicaria a anulação da comunicação controvertida.

78

Não se pode deixar de observar que as respetivas redações do artigo 10.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 211/2011 e do considerando 20 deste regulamento diferem unicamente na medida em que apenas este considerando faz menção à apresentação «separada» pela Comissão das suas conclusões jurídicas e políticas. Tal menção vem, assim, precisar a obrigação que impende sobre a Comissão por força da referida disposição.

79

A este respeito, o termo «separadamente», utilizado no considerando 20 do referido regulamento, deve ser entendido no sentido de que tanto as conclusões jurídicas como as conclusões políticas da Comissão devem constar da comunicação relativa à ICE em causa de uma maneira que permita compreender a natureza jurídica e política dos fundamentos que essa comunicação contém.

80

Em contrapartida, o referido termo não pode ser entendido no sentido de que impõe uma obrigação de separação formal das conclusões jurídicas, por um lado, e das conclusões políticas, por outro, obrigação cuja violação poderia ser sancionada com a anulação da comunicação em causa.

81

No caso em apreço, como salientou igualmente o advogado‑geral no n.o 104 das suas conclusões, resulta dos n.os 13 a 30 do acórdão recorrido que a comunicação controvertida cumpre a exigência referida no n.o 79 do presente acórdão.

82

Daqui resulta que a argumentação desenvolvida pelos recorrentes no âmbito do segundo fundamento de recurso não pode, em todo o caso, ser acolhida.

83

Por conseguinte, o segundo fundamento deve ser julgado improcedente, por ser inoperante.

Quanto ao terceiro fundamento

Argumentos das partes

84

Com o seu terceiro fundamento, os recorrentes sustentam que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito no n.o 170 do acórdão recorrido, ao considerar que a comunicação controvertida devia ser objeto de uma fiscalização restrita pelo Tribunal Geral, limitada aos erros manifestos de apreciação. Entendem, por um lado, que o Tribunal Geral se baseou numa jurisprudência não aplicável ao mecanismo da ICE e, por outro, que não propôs nenhum critério que permitisse distinguir entre os erros «manifestos» e os que não o são.

85

Os recorrentes alegam, mais especificamente, que o Tribunal Geral errou ao reconhecer à Comissão, quando esta apresenta uma comunicação na sequência de uma ICE, um amplo poder de apreciação comparável àquele de que dispõe em matéria de política socioeconómica. Acrescentam que o Tribunal Geral não expôs os fundamentos pelos quais se baseou por analogia no Acórdão de 14 de julho de 2005, Rica Foods/Comissão (C‑40/03 P, EU:C:2005:455), apesar de não ser transponível para o mecanismo da ICE.

86

A Comissão entende que o terceiro fundamento é improcedente.

Apreciação do Tribunal de Justiça

87

No n.o 169 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral declarou que, no âmbito do exercício do seu poder de iniciativa legislativa, a Comissão deve beneficiar de um amplo poder de apreciação, na medida em que, através desse exercício, é chamada, por força do artigo 17.o, n.o 1, TUE, a promover o interesse geral da União procedendo, eventualmente, a arbitragens difíceis entre interesses divergentes. Consequentemente, considerou, no n.o 170 desse acórdão, que a comunicação controvertida devia ser objeto de fiscalização jurisdicional restrita.

88

A este respeito, como foi sublinhado no âmbito da análise do primeiro fundamento do presente recurso, a decisão da Comissão de não tomar medidas na sequência de uma ICE que foi registada e recebeu o apoio exigido está abrangida pelo exercício, por essa instituição, do seu poder de iniciativa legislativa consagrado no artigo 17.o TUE.

89

Ora, uma vez que, como o Tribunal Geral sublinhou, adequadamente, no n.o 169 do acórdão recorrido, a Comissão dispõe, no exercício desse poder, de um amplo poder de apreciação, foi igualmente com razão que declarou, no n.o 170 do referido acórdão, que a comunicação controvertida estava sujeita a uma fiscalização jurisdicional restrita, e não a uma fiscalização plena como alegaram os recorrentes.

90

Importa, além disso, precisar a este respeito que, embora seja verdade, como a Comissão sublinhou, que o Tribunal de Justiça declarou, no Acórdão de 9 de dezembro de 2014, Schönberger/Parlamento (C‑261/13 P, EU:C:2014:2423, n.o 24), que uma decisão do Parlamento relativa às respostas a dar a uma petição que preencha os requisitos enunciados no artigo 227.o TFUE escapa à fiscalização do juiz da União, uma comunicação da Comissão adotada ao abrigo do artigo 10.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 211/2011 distingue‑se, no entanto, dessa decisão em diversos aspetos.

91

Com efeito, diferentemente de uma petição desse tipo, uma ICE registada com base no artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento n.o 211/2011 está sujeita, por força deste regulamento, a condições estritas e a garantias processuais precisas. Além disso, ao passo que uma decisão do Parlamento conforme referida no número anterior se enquadra no âmbito de um poder de apreciação «de natureza política» (Acórdão de 9 de dezembro de 2014, Schönberger/Parlamento, C‑261/13 P, EU:C:2014:2423, n.o 24), resulta do artigo 10.o, n.o 1, alínea c), deste regulamento que a Comissão está obrigada a apresentar, por meio de uma comunicação, as suas conclusões, tanto jurídicas como políticas, sobre a ICE em causa, as medidas que tenciona tomar, se for caso disso, e os motivos que a levam a tomar ou não tomar essas medidas.

92

Tais exigências destinam‑se não só a informar, de forma clara, compreensível e circunstanciada, os organizadores de uma ICE acerca da posição da Comissão sobre a sua iniciativa, mas, igualmente, a permitir ao juiz da União fiscalizar as comunicações da Comissão adotadas em conformidade com o artigo 10.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 211/2011.

93

Quanto ao alcance dessa fiscalização, o Tribunal Geral declarou, no n.o 170 do acórdão recorrido, que a referida fiscalização tem em vista verificar, além do caráter suficiente da fundamentação da comunicação controvertida, a existência, designadamente, de erros manifestos de apreciação que viciem essa comunicação.

94

A este respeito, importa, por um lado, recordar que o dever de fundamentação deve aplicar‑se, em princípio, a qualquer ato da União que produza efeitos jurídicos [v., neste sentido, Acórdão de 25 de outubro de 2017, Comissão/Conselho (CMR‑15), C‑687/15, EU:C:2017:803, n.o 52]. A fundamentação deve evidenciar de forma clara e inequívoca o raciocínio da instituição autora do ato, por forma a permitir, por um lado, aos interessados conhecerem as razões da decisão tomada a fim de defenderem os seus direitos e, por outro, ao juiz da União exercer a sua fiscalização sobre a legalidade dessa decisão (v., neste sentido, Acórdão de 12 de setembro de 2017, Anagnostakis/Comissão, C‑589/15 P, EU:C:2017:663, n.o 28)

95

Por outro lado, quando as instituições da União dispõem, como é o caso da Comissão no caso em apreço, de um amplo poder de apreciação e, em particular, quando são levadas a efetuar opções de natureza, designadamente, política e apreciações complexas, a fiscalização jurisdicional das apreciações subjacentes ao exercício desse poder deve consistir em verificar a inexistência de erros manifestos (v., neste sentido, Acórdão de 6 de setembro de 2017, Eslováquia e Hungria/Conselho, C‑643/15 e C‑647/15, EU:C:2017:631, n.os 123 e 124 e jurisprudência referida).

96

Por conseguinte, o Tribunal Geral não cometeu um erro de direito ao declarar, nos n.os 169 e 170 do acórdão recorrido, que a comunicação controvertida se enquadra no exercício de um amplo poder de apreciação da Comissão e deve, em consequência, ser objeto de uma fiscalização jurisdicional restrita, com vista a verificar, designadamente, o caráter suficiente da sua fundamentação e a inexistência de erros manifestos de apreciação.

97

Daqui se conclui que o terceiro fundamento do presente recurso deve ser julgado improcedente.

Quanto ao quarto fundamento

Argumentos das partes

98

Com o seu quarto fundamento, os recorrentes sustentam que o Tribunal Geral, por um lado, cometeu erros de direito quando procedeu à fiscalização restrita do poder de apreciação da Comissão e, por outro, efetuou uma fiscalização incompleta da comunicação controvertida.

99

Mais precisamente, os recorrentes alegam que o Tribunal Geral, nos n.os 159 a 165 do acórdão recorrido, identificou os erros de apreciação alegados e restringiu, nos n.os 166 a 177 do referido acórdão, a sua fiscalização à determinação do caráter manifesto de tais erros. No entanto, segundo os recorrentes, resulta dos n.os 172 a 183 do acórdão recorrido que o Tribunal Geral só aplicou essa fiscalização a alguns dos erros de apreciação alegados.

100

A este respeito, alegam, em primeiro lugar, que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito, por um lado, ao não ter constatado uma incoerência entre a proibição, enunciada no Acórdão de 18 de outubro de 2011, Brüstle (C‑34/10, EU:C:2011:669), de patentear as invenções que pressupõem a destruição de embriões humanos e o financiamento da investigação relativa a tais invenções e, por outro, ao não ter deduzido desse acórdão que podia ser atribuída ao embrião humano a qualidade de ser humano. Consideram que os n.os 33 e 34 do referido acórdão estabelecem a dignidade humana como princípio de direito que prevalece sobre o direito das patentes e que deve igualmente ser «tomado em conta para decidir sobre a contribuição económica e financeira da União para a destruição de embriões humanos».

101

Em segundo lugar, os recorrentes consideram que o Tribunal Geral não declarou que a Comissão estava obrigada a expor previamente o estatuto jurídico de um embrião humano, para poder procurar um equilíbrio entre o interesse da investigação sobre as CEEH e a dignidade do embrião humano. Em seu entender, o reconhecimento pela Comissão da dignidade humana do embrião não lhe teria permitido procurar um equilíbrio entre essa dignidade e qualquer interesse societal concorrente, dado que o próprio conceito de dignidade humana proíbe essa ponderação.

102

Em terceiro lugar, quanto à investigação sobre as CEEH, os recorrentes alegam que a afirmação segundo a qual o sistema de «tripla segurança» constitui um critério adequado a nível ético para apreciar os projetos de investigação é manifestamente errada na medida em que um tal sistema não impede o financiamento de projetos de investigação ilegais e constitui mesmo um incentivo a que os Estados‑Membros flexibilizem as suas normas éticas. Sustentam que a constatação feita pelo Tribunal Geral, no n.o 176 do acórdão recorrido, segundo a qual a abordagem ética da Comissão, que difere da abordagem da ICE controvertida, não padece de um erro manifesto de apreciação, constitui um erro de direito. Segundo os recorrentes, não cabe ao Tribunal Geral determinar os méritos das vantagens sócio‑éticas em confronto, na medida em que tal constatação é de natureza política e não jurídica. Os recorrentes acrescentam que a fiscalização efetuada pelo Tribunal Geral está incompleta, uma vez que este último não analisou todos os erros de apreciação alegados. A este respeito, alegam que o Tribunal Geral não analisou o caráter manifestamente errado das afirmações da Comissão relativas ao sistema de «tripla segurança» nem proferiu observações suplementares sobre essas afirmações.

103

Em quarto lugar, os recorrentes alegam que é manifestamente paradoxal afirmar, sem fornecer qualquer prova a esse respeito, que a prestação de serviços de aborto financiados pelo orçamento da União reduz o número de abortos.

104

Em quinto lugar, os recorrentes sustentam que o Tribunal Geral, no n.o 164 do acórdão recorrido, desvirtuou os seus argumentos, na medida em que, na realidade, estes incidiam sobre o facto de a Comissão ter qualificado erradamente de obrigações jurídicas vinculativas os compromissos assumidos no âmbito dos objetivos do «Desenvolvimento do Milénio» (a seguir «ODM») e do programa de ação da Conferência Internacional sobre a População e Desenvolvimento (a seguir «CIPD»).

105

A Comissão sustenta que o quarto fundamento deve ser julgado improcedente.

Apreciação do Tribunal de Justiça

106

Em primeiro lugar, há que afastar o argumento dos recorrentes segundo o qual o Tribunal Geral cometeu um erro quando constatou, nos n.os 173 a 175 do acórdão recorrido, que a questão de saber se uma investigação científica que implique a utilização de embriões humanos pode ser financiada por fundos da União é claramente distinta da que deu origem ao Acórdão de 18 de outubro de 2011, Brüstle (C‑34/10, EU:C:2011:669).

107

Com efeito, como resulta do n.o 40 desse acórdão, o Tribunal de Justiça salientou que a Diretiva 98/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de julho de 1998, relativa à proteção jurídica das invenções biotecnológicas (JO 1998, L 213, p. 13), cuja interpretação estava em causa no referido acórdão, não tem por objeto regulamentar a utilização dos embriões humanos no âmbito de investigações científicas, limitando‑se o objeto dessa diretiva ao caráter patenteável das invenções tecnológicas (v., igualmente, neste sentido, Acórdão de 18 de dezembro de 2014, International Stem Cell, C‑364/13, EU:C:2014:2451, n.o 22). O Acórdão de 18 de outubro de 2011, Brüstle (C‑34/10, EU:C:2011:669), não contém, de resto, nenhuma apreciação do Tribunal de Justiça segundo a qual as investigações científicas que recorrem à utilização de embriões humanos não podem em caso algum ser financiadas pela União.

108

Por conseguinte, uma vez que esse argumento assenta numa leitura errada do Acórdão de 18 de outubro de 2011, Brüstle (C‑34/10, EU:C:2011:669), o Tribunal Geral não cometeu um erro de direito ao constatar que esse acórdão não podia ser invocado pelos recorrentes para demonstrar a incoerência da abordagem da Comissão quanto à utilização de embriões humanos no âmbito de investigações científicas.

109

Em segundo lugar, o argumento dos recorrentes respeitante à obrigação de clarificação do estatuto jurídico de um embrião humano refere‑se, como salientou o advogado‑geral no n.o 136 das suas conclusões, ao n.o 156 do acórdão recorrido que diz respeito ao quarto fundamento invocado perante o Tribunal Geral, relativo à violação do dever de fundamentação que incumbe à Comissão.

110

Nestas condições, e além do facto de que este argumento mais não faz do que reiterar um argumento desenvolvido no âmbito do processo no Tribunal Geral contra a comunicação controvertida, o referido argumento não pode utilmente sustentar o quarto fundamento do presente recurso, relativo à não constatação, pelo Tribunal Geral, de pretensos erros manifestos de apreciação da Comissão nessa comunicação.

111

Em terceiro lugar, quanto aos argumentos relativos à investigação sobre as CEEH, segundo os quais o Tribunal Geral determinou, nos n.os 176 e 177 do acórdão recorrido, os méritos das vantagens sócio‑éticas em confronto, importa salientar que esses argumentos assentam numa leitura errada do acórdão recorrido.

112

Com efeito, resulta do n.o 176 do acórdão recorrido que o Tribunal Geral apresentou as abordagens éticas relativas à investigação sobre as CEEH seguidas, respetivamente, na ICE controvertida e pela Comissão. Considerou que a abordagem desta instituição não padecia de um erro manifesto de apreciação. Além disso, no n.o 177 do referido acórdão, rejeitou por insuficientemente desenvolvido o argumento dos recorrentes, relativo à existência de soluções alternativas à investigação sobre as CEEH que tornariam essa investigação obsoleta.

113

Ao ter atuado deste modo, o Tribunal Geral não procedeu de modo algum à análise dos respetivos méritos das abordagens sócio‑éticas em confronto. Com efeito, verificou unicamente se a Comissão, na escolha da abordagem que decidiu adotar, não tinha cometido nenhum erro manifesto de apreciação.

114

Daqui resulta que os argumentos dos recorrentes relativos à investigação sobre as CEEH devem ser julgados improcedentes.

115

Em quarto lugar, no que respeita ao argumento relativo ao pretenso erro cometido pelo Tribunal Geral nos n.os 179 e 180 do acórdão recorrido, nos termos dos quais a prestação de serviços de aborto financiados pelo orçamento da União reduz o número de abortos, importa constatar que este assenta numa leitura errada do acórdão recorrido.

116

Com efeito, no n.o 180 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral salientou, adequadamente, que, na comunicação controvertida, a Comissão, baseando‑se numa publicação da Organização Mundial de Saúde, tinha referido o facto de que a melhoria da segurança dos serviços de saúde ligados, nomeadamente, ao aborto contribui para a redução da mortalidade e das doenças maternas, das quais uma das causas reside na prática do aborto em condições perigosas.

117

Por conseguinte, o Tribunal Geral considerou, corretamente, que a Comissão não tinha cometido nenhum erro manifesto de apreciação ao ter considerado que o financiamento pela União de um conjunto de serviços de saúde seguros e eficazes, nomeadamente em matéria de abortos, contribuía para a redução do número de abortos em condições perigosas e, portanto, do risco de mortalidade e de doenças maternas. Daqui resulta que o argumento dos recorrentes deve ser julgado manifestamente improcedente.

118

Em quinto lugar, quanto ao argumento relativo à desvirtuação da argumentação dos recorrentes reproduzida no n.o 164 do acórdão recorrido, respeitante aos ODM e ao programa de ação da CIPD, basta observar, como salientou o advogado‑geral no n.o 146 das suas conclusões, que o referido argumento não pode, em todo o caso, proceder na medida em que a comunicação controvertida não inclui nenhuma afirmação segundo a qual os ODM e o programa de ação da CIPD contêm obrigações jurídicas vinculativas.

119

Resulta do conjunto das considerações precedentes que o quarto fundamento de recurso deve ser julgado improcedente.

Quanto ao quinto fundamento

Argumentos das partes

120

Com o quinto fundamento, os recorrentes sustentam que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao ter salientado, no n.o 156 do acórdão recorrido, que não era necessário clarificar o estatuto jurídico do embrião humano para rejeitar as três propostas de alteração de atos da União existentes ou em projeto sugeridas pela ICE controvertida. O objetivo da ICE controvertida não diz unicamente respeito à adoção das três medidas sugeridas à Comissão, mas diz principalmente respeito à proteção jurídica da dignidade, do direito à vida e do direito à integridade de cada ser humano desde a conceção. Os recorrentes consideram que a Comissão estava obrigada a cooperar com os organizadores da ICE controvertida e a apresentar uma proposta de ato legislativo na sequência desta. O Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao não ter tido em conta o objeto específico dessa ICE quando considerou que a Comissão não estava obrigada a dar seguimento a esta última.

121

A Comissão considera que o quinto fundamento deve ser julgado improcedente.

Apreciação do Tribunal de Justiça

122

Com este quinto fundamento, os recorrentes alegam, em substância, que o Tribunal Geral considerou, erradamente, no n.o 156 do acórdão recorrido, que a Comissão podia entender que a ICE controvertida se destinava unicamente à apresentação por essa instituição das três propostas legislativas descritas nessa ICE e não também à elaboração de uma definição ou de uma clarificação do estatuto jurídico do embrião humano.

123

A este respeito, resulta do artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 211/2011 que os organizadores de uma ICE, para efeitos do seu registo, devem prestar as informações descritas no anexo II do referido regulamento. Os requisitos enumerados nesse anexo incluem o título da proposta de ICE, o objeto da referida ICE, a descrição dos seus objetivos e as disposições dos Tratados que os organizadores consideram relevantes para a medida proposta. Além disso, os organizadores podem apresentar em anexo ao seu pedido de registo informações mais pormenorizadas sobre o objeto, os objetivos e os antecedentes da referida ICE ou um projeto de ato jurídico.

124

No caso em apreço, resulta dos n.os 2 a 4 do acórdão recorrido que, segundo as indicações que constam do registo eletrónico disponibilizado pela Comissão para efeitos do registo das ICE, em primeiro lugar, o objeto da ICE controvertida consistia na proteção jurídica da dignidade, do direito à vida e do direito à integridade de cada ser humano desde a conceção, nas áreas de competência da União nas quais tal proteção se afigure relevante.

125

Em segundo lugar, esta ICE tinha como objetivo a proteção da dignidade e da integridade do embrião humano na sequência do Acórdão de 18 de outubro de 2011, Brüstle (C‑34/10, EU:C:2011:669), que, segundo os organizadores, define o embrião humano como o início do desenvolvimento do ser humano. A este respeito, os organizadores indicaram que, para garantir a coerência entre as áreas da sua competência em que a vida do embrião humano está em causa, a União deve introduzir uma proibição e pôr fim ao financiamento das atividades que pressupõem a destruição de embriões humanos, em particular no que respeita à investigação, ajuda ao desenvolvimento e saúde pública.

126

Em terceiro lugar, os organizadores fizeram referência aos artigos 2.o e 17.o TUE, ao artigo 4.o, n.os 3 e 4, e aos artigos 168.o, 180.o, 182.o, 209.o, 210.o e 322.o TFUE como disposições relevantes.

127

Os organizadores da ICE controvertida tinham anexado ao seu pedido de registo três propostas de alteração de atos da União existentes ou em projeto.

128

Mais precisamente, como foi recordado no n.o 14 do presente acórdão, pediram, em primeiro lugar, que se inserisse, no Regulamento Financeiro aplicável ao orçamento da União, uma disposição destinada a proibir o financiamento pela União de atividades que destroem embriões humanos ou que exigem a sua destruição, em segundo lugar, acrescentar, numa proposta de regulamento da União que estabelece o Programa‑Quadro de Investigação e Inovação, uma disposição destinada a excluir de qualquer financiamento ao abrigo deste programa‑quadro as atividades de investigação que destroem embriões humanos, incluindo as destinadas a obter células estaminais, e as pesquisas que envolvem o uso de células estaminais embrionárias humanas nas suas etapas de produção, e, em terceiro lugar, acrescentar, na regulamentação da União que institui um instrumento de financiamento da cooperação para o desenvolvimento, uma disposição prevendo, em substância, que a assistência financeira da União não deve ser usada, direta ou indiretamente, para financiar abortos.

129

Decorre dos elementos que precedem que o Tribunal Geral considerou corretamente, no n.o 156 do acórdão recorrido, que o objetivo da ICE controvertida era convidar a Comissão a apresentar três propostas legislativas que consistiam em alterar atos da União, existentes ou em projeto, relativos, respetivamente, ao orçamento da União, à investigação, à inovação e à cooperação para o desenvolvimento, e não a submeter igualmente uma proposta destinada a definir ou a clarificar o estatuto jurídico do embrião humano.

130

Por conseguinte, há que afastar o quinto fundamento do recurso e, consequentemente, negar provimento ao recurso.

Quanto às despesas

131

Nos termos do artigo 184.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, se o recurso da decisão do Tribunal Geral for julgado improcedente, o Tribunal de Justiça decide sobre as despesas.

132

O artigo 138.o, n.o 1, desse regulamento, aplicável aos processos de recursos de decisões do Tribunal Geral por força do artigo 184.o, n.o 1, desse regulamento, dispõe que a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

133

Tendo a Comissão pedido a condenação dos recorrentes e tendo estes sido vencidos nos seus fundamentos, há que condená‑los a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela Comissão.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) decide:

 

1)

É negado provimento ao recurso.

 

2)

Patrick Grégor Puppinck, Filippo Vari, Jakub Baltroszewicz, Manfred Liebner, Josephine Quintavalle, Edith Frivaldszky e Alicia Latorre Canizares são condenados a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela Comissão Europeia.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: inglês.