ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

10 de julho de 2019 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Livre circulação de pessoas — Igualdade de tratamento — Vantagens sociais — Regulamento (UE) n.o 492/2011 — Artigo 7.o, n.o 2 — Auxílio financeiro para estudos superiores — Estudantes não residentes — Requisito relativo ao período de trabalho dos seus progenitores no território nacional — Período mínimo de cinco anos — Período de referência de sete anos — Modo de cálculo do período de referência — Data da apresentação do pedido de auxílio financeiro — Discriminação indireta — Justificação — Proporcionalidade»

No processo C‑410/18,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Tribunal administratif (Tribunal Administrativo, Luxemburgo), por Decisão de 20 de junho de 2018, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 22 de junho de 2018, no processo

Nicolas Aubriet

contra

Ministre de l’Enseignement supérieur et de la Recherche,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: J.‑C. Bonichot, presidente de secção, C. Toader, A. Rosas (relator), L. Bay Larsen e M. Safjan, juízes,

advogado‑geral: G. Pitruzzella,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação de N. Aubriet, por S. Jacquet, avocate,

em representação do Governo luxemburguês, por D. Holderer, na qualidade de agente, assistida por P. Kinsch, avocat,

em representação do Governo dinamarquês, por J. Nymann‑Lindegren e M. Wolff, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por M. Van Hoof e D. Martin, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 45.o TFUE e do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento (UE) n.o 492/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de abril de 2011, relativo à livre circulação dos trabalhadores na União (JO 2011, L 141, p. 1).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe Nicolas Aubriet (a seguir «Aubriet‑filho») ao ministre de l’Enseignement supérieur et de la Recherche (Ministro do Ensino Superior e da Investigação, Luxemburgo) a respeito da recusa das autoridades luxemburguesas em conceder‑lhe um auxílio financeiro para o ano letivo de 2014/2015, a fim de prosseguir os seus estudos superiores em Estrasburgo (França).

Quadro jurídico

Direito da União

3

O artigo 7.o do Regulamento n.o 492/2011 prevê:

«1.   O trabalhador nacional de um Estado‑Membro não pode ser sujeito no território de outro Estado‑Membro, em razão da sua nacionalidade, a um tratamento diferente daquele que é concedido aos trabalhadores nacionais no que respeita a todas as condições de emprego e de trabalho, nomeadamente em matéria de remuneração, de despedimento e de reintegração profissional ou de reemprego, se ficar desempregado.

2.   O trabalhador referido no n.o 1 beneficia das mesmas vantagens sociais e fiscais que os trabalhadores nacionais.

[…]»

4

O artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 492/2011 está redigido nos mesmos termos que o artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento (CEE) n.o 1612/68 do Conselho, de 15 de outubro de 1968, relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade (JO 1968, L 257, p. 2; EE 05 F1 p. 77), conforme alterado pela Diretiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004 (JO 2004, L 158, p. 77, e retificações no JO 2004, L 229, p. 35, e no JO 2005, L 197, p. 34).

Direito luxemburguês

Regulamentação anterior a 2014

5

O auxílio financeiro do Estado para prossecução dos estudos superiores, concedido no Luxemburgo sob a forma de uma bolsa e de um empréstimo e que pode ser solicitado seja qual for o Estado onde o requerente pretenda prosseguir os seus estudos superiores, regia‑se, até 2014, pela loi du 22 juin 2000 concernant l’aide financière de l’État pour études supérieures (Lei de 22 de junho de 2000, relativa ao auxílio financeiro do Estado para estudos superiores) (Mémorial A 2000, p. 1106), que foi alterada diversas vezes.

6

Nos termos da Lei de 22 de junho de 2000, conforme alterada pela loi du 26 juillet 2010 (Lei de 26 de julho de 2010) (Mémorial A 2010, p. 2040), que estava em vigor à data dos factos no processo principal que deu origem ao Acórdão de 20 de junho de 2013, Giersch e o. (C‑20/12, EU:C:2013:411), o benefício do auxílio financeiro para estudos superiores era concedido a qualquer estudante admitido a prosseguir estudos superiores que fosse nacional luxemburguês ou membro da família de um nacional luxemburguês e residisse no Luxemburgo, ou que fosse nacional de outro Estado‑Membro da União Europeia e residisse no Luxemburgo enquanto trabalhador assalariado, trabalhador não assalariado, pessoa que mantivesse esse estatuto ou membro da família de uma das categorias de pessoas anteriores, ou que tivesse adquirido um direito de residência permanente.

7

Tendo o regime luxemburguês de auxílio financeiro do Estado para estudos superiores, instaurado pela Lei de 22 de junho de 2000, conforme alterada pela Lei de 26 de julho de 2010, sido declarado incompatível com o direito da União pelo Acórdão de 20 de junho de 2013, Giersch e o. (C‑20/12, EU:C:2013:411), os requisitos de concessão deste auxílio foram alterados pela loi du 19 juillet 2013 (Lei de 19 de julho de 2013) (Mémorial A 2013, p. 3214). A Lei de 22 de junho de 2000, conforme alterada pela Lei de 19 de julho de 2013, subordinava a concessão de um auxílio financeiro para estudos superiores a um requisito de residência do estudante no território luxemburguês ou, para os estudantes que não residissem neste território, ao requisito de serem filhos de trabalhadores que tivessem estado ou que tivessem exercido a sua atividade profissional no Luxemburgo durante um período ininterrupto de pelo menos cinco anos à data da apresentação do pedido de auxílio financeiro.

Lei de 24 de julho de 2014

8

A loi du 24 juillet 2014 concernant l’aide financière de l’État pour études supérieures (Lei de 24 de julho de 2014, relativa ao auxílio financeiro do Estado para estudos superiores) (Mémorial A 2014, p. 2188) (a seguir «Lei de 24 de julho de 2014») revogou a Lei alterada de 22 de junho de 2000.

9

O artigo 3.o da Lei de 24 de julho de 2014 prevê:

«Podem beneficiar do auxílio financeiro do Estado para estudos superiores os estudantes e alunos definidos no artigo 2.o, a seguir designados pelo termo “estudante”, e que preencham um dos seguintes requisitos:

(1)

ser nacional luxemburguês ou membro da família de um nacional luxemburguês e estar domiciliado no Grão‑Ducado do Luxemburgo, ou

(2)

ser nacional de outro Estado‑Membro da União Europeia, de um dos Estados Partes no Acordo sobre o Espaço Económico Europeu ou da Confederação Suíça e, em conformidade com o capítulo 2 da loi modifiée du 29 août 2008 sur la libre circulation des personnes et l’immigration [Lei alterada de 29 de agosto de 2008 relativa à livre circulação de pessoas e à imigração], residir no Grão‑Ducado do Luxemburgo enquanto trabalhador assalariado, trabalhador não assalariado, pessoa que mantém esse estatuto ou membro da família de uma das categorias de pessoas anteriores, ou ter adquirido um direito de residência permanente, ou

[…]

(5)

para os estudantes não residentes no Grão‑Ducado do Luxemburgo:

a)

ser um trabalhador nacional do Luxemburgo ou um cidadão da União Europeia […] que esteja empregado ou exerça a sua atividade no Grão‑Ducado do Luxemburgo no momento da apresentação o seu pedido de auxílio financeiro para estudos superiores; ou

b)

ser filho de um trabalhador nacional do Luxemburgo ou cidadão da União Europeia […] que esteja empregado ou exerça a sua atividade no Grão‑Ducado do Luxemburgo no momento da apresentação pelo estudante do pedido de auxílio financeiro para estudos superiores, desde que esse trabalhador continue a prover ao sustento do estudante e que tenha estado empregado ou tenha exercido a sua atividade no Grão‑Ducado do Luxemburgo durante um período de pelo menos cinco anos no momento da apresentação pelo estudante do pedido de auxílio financeiro para estudos superiores, no decurso de um período de referência de sete anos a contar retroativamente da data da apresentação do pedido de obtenção do auxílio financeiro para estudos superiores ou que, por derrogação, a pessoa que mantém o estatuto de trabalhador tenha cumprido o critério dos cinco anos em sete fixado acima, no momento de cessação da atividade.

[…]»

Litígio no processo principal e questão prejudicial

10

Aubriet‑filho, cidadão francês nascido em 1995, reside em França com o pai, Bruno Aubriet (a seguir «Aubriet‑pai»).

11

No início do ano letivo de 2014/2015, Aubriet‑filho inscreveu‑se numa formação para técnico superior (BTS) numa escola secundária de Estrasburgo.

12

Em 29 de setembro de 2014, Aubriet‑filho requereu ao serviço dos auxílios financeiros do Ministério do Ensino Superior e da Investigação luxemburguês a concessão, para o ano letivo de 2014/2015, de um auxílio financeiro do Estado para estudos superiores conforme previsto na Lei de 24 de julho de 2014.

13

Aubriet‑filho apresentou este pedido enquanto filho de um trabalhador assalariado no território do Grão‑Ducado do Luxemburgo.

14

Com efeito, Aubriet‑pai, residente francês, é um trabalhador fronteiriço que exerceu uma atividade assalariada no Luxemburgo com períodos de interrupção mais ou menos longos desde 1 de outubro de 1991. Assim, exerceu uma atividade profissional enquanto trabalhador assalariado no Luxemburgo durante dez anos, entre 1 de outubro de 1991 e 30 de setembro de 2001. Após ter estado desempregado até 5 de fevereiro de 2002, Aubriet‑pai teve novamente um emprego no território luxemburguês durante um período de seis anos, a saber, de 6 de fevereiro de 2002 a 14 de janeiro de 2008. Entre 15 de janeiro de 2008 e 16 de dezembro de 2012, exerceu uma atividade profissional em França. Após ter retomado uma atividade profissional no Luxemburgo entre 17 de dezembro de 2012 e 30 de setembro de 2014, ficou novamente desempregado na sequência de um despedimento por motivos económicos.

15

Em 5 de novembro de 2014, as autoridades luxemburguesas indeferiram o pedido de Aubriet‑filho destinado a obter um auxílio financeiro para prosseguir os seus estudos superiores em Estrasburgo, com base no artigo 3.o, n.o 5, alínea b), da Lei de 24 de julho de 2014, pelo facto de Aubriet‑pai não ter exercido uma atividade profissional no Luxemburgo durante pelo menos cinco anos no decurso de um período de referência de sete anos calculado retroativamente a partir de 29 de setembro de 2014, data da apresentação do pedido de auxílio financeiro.

16

Em 6 de maio de 2015, Aubriet‑filho intentou uma ação contra este indeferimento no Tribunal administratif (Tribunal Administrativo, Luxemburgo). Esta ação foi suspensa na sequência do reenvio prejudicial no processo que deu origem ao Acórdão de 14 de dezembro de 2016, Bragança Linares Verruga e o. (C‑238/15, EU:C:2016:949).

17

Em 1 de julho de 2016, Aubriet‑filho foi contratado por uma entidade patronal luxemburguesa com quem tinha efetuado os seus estágios profissionais durante os seus estudos. Continua a residir em França.

18

Por seu turno, Aubriet‑pai encontrou um novo emprego no Luxemburgo. Esteve inscrito no Centro Comum de Segurança Social luxemburguês de 14 de setembro de 2017 a 29 de setembro de 2017 e de 16 de outubro de 2017 a 15 de outubro de 2018.

19

Nestas circunstâncias, o Tribunal administratif (Tribunal Administrativo) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O requisito imposto aos estudantes não residentes no Grão‑Ducado do Luxemburgo pelo artigo 3.o, [n.o] 5, alínea b), da [Lei de 24 de julho de 2014], que não toma em consideração nenhum outro critério de conexão, a saber, o facto de os estudantes serem filhos de trabalhadores que estiveram empregados ou exerceram a sua atividade no Luxemburgo durante um período de pelo menos cinco anos no decurso de um período de referência de sete anos à data da apresentação do pedido de auxílio financeiro, é necessário para atingir o objetivo apresentado pelo legislador luxemburguês, a saber, procurar encorajar o aumento da proporção de pessoas titulares de um diploma do ensino superior?»

Quanto à questão prejudicial

20

A título preliminar, há que observar que, embora, no plano formal, o órgão jurisdicional de reenvio não interrogue, com a sua questão, o Tribunal de Justiça sobre a interpretação de uma disposição específica do direito da União, pedindo‑lhe apenas que tome posição sobre o caráter «necessário» de um requisito imposto pela legislação nacional aos estudantes que não residem no Luxemburgo para beneficiarem do auxílio financeiro do Estado para estudos superiores, requisito esse que deve permitir atingir o objetivo visado por esta legislação, o que remete para o princípio da proporcionalidade do direito da União, tal circunstância não obsta a que o Tribunal de Justiça lhe forneça todos os elementos de interpretação do direito da União que possam ser úteis para a decisão do processo que lhe foi submetido, quer esse órgão jurisdicional lhes tenha ou não feito referência no enunciado das suas questões.

21

Com efeito, conforme resulta de jurisprudência constante, cabe ao Tribunal de Justiça extrair do conjunto dos elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional de reenvio, designadamente da fundamentação da decisão de reenvio, os elementos do referido direito que requerem uma interpretação, tendo em conta o objeto do litígio no processo principal (Acórdão de 8 de maio de 2019, EN.SA., C‑712/17, EU:C:2019:374, n.o 19 e jurisprudência referida).

22

A este respeito, resulta claramente da decisão de reenvio que a questão prejudicial surge no seguimento dos Acórdãos de 20 de junho de 2013, Giersch e o. (C‑20/12, EU:C:2013:411), e de 14 de dezembro de 2016, Bragança Linares Verruga e o. (C‑238/15, EU:C:2016:949), proferidos sobre pedidos de decisão prejudicial provenientes do mesmo órgão jurisdicional nacional. Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio visa explicitamente, não na redação da questão prejudicial, mas no próprio texto da decisão de reenvio, as regras relativas à livre circulação dos trabalhadores e dos membros da sua família na União, em concreto, o artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 492/2011, lido em conjugação com o artigo 45.o TFUE. Por último, esse órgão jurisdicional expõe suficientemente as razões que o levaram a interrogar‑se sobre a interpretação destas disposições do direito da União, bem como o nexo que estabelece entre essas disposições e a legislação nacional aplicável ao litígio no processo principal.

23

Por conseguinte, há que entender a questão submetida no sentido de que visa, em substância, saber se o artigo 45.o TFUE e o artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 492/2011 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação de um Estado‑Membro que subordina a concessão de um auxílio financeiro para estudos superiores aos estudantes não residentes ao requisito de, à data da apresentação do pedido de auxílio financeiro, um dos progenitores do estudante ter estado empregado ou ter exercido uma atividade nesse Estado‑Membro durante um período de pelo menos cinco anos no decurso de um período de referência de sete anos calculado retroativamente a partir da data da apresentação do referido pedido de auxílio financeiro, excluindo a tomada em consideração de qualquer outro critério de conexão, quando tal requisito não está previsto para estudantes que residem no território do referido Estado‑Membro.

24

Segundo o artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 492/2011, o trabalhador nacional de um Estado‑Membro beneficia, no território dos outros Estados‑Membros, das mesmas vantagens sociais e fiscais que os trabalhadores nacionais. Esta disposição beneficia indistintamente tanto os trabalhadores migrantes que residem num Estado‑Membro de acolhimento como os trabalhadores fronteiriços que prestam o seu trabalho por conta de outrem neste último Estado‑Membro e, simultaneamente, residem noutro Estado‑Membro (v., neste sentido, Acórdãos de 27 de novembro de 1997, Meints, C‑57/96, EU:C:1997:564, n.o 50; de 20 de junho de 2013, Giersch e o., C‑20/12, EU:C:2013:411, n.o 37; e de 14 de dezembro de 2016, Bragança Linares Verruga e o., C‑238/15, EU:C:2016:949, n.o 39).

25

Resulta de jurisprudência constante que um auxílio à subsistência e à formação, concedido com vista ao prosseguimento de estudos universitários sancionados por uma qualificação profissional, constitui para o trabalhador migrante uma vantagem social na aceção do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 492/2011, de que o próprio filho do trabalhador migrante pode beneficiar caso, ao abrigo do direito nacional, o mesmo seja concedido diretamente ao estudante (Acórdãos de 20 de junho de 2013, Giersch e o., C‑20/12, EU:C:2013:411, n.os 38 e 40, e de 14 de dezembro de 2016, Bragança Linares Verruga e o., C‑238/15, EU:C:2016:949, n.o 40).

26

O princípio da igualdade de tratamento inscrito tanto no artigo 45.o TFUE como no artigo 7.o do Regulamento n.o 492/2011 proíbe não só as discriminações diretas, em razão da nacionalidade, mas ainda qualquer forma indireta de discriminação que, mediante a aplicação de outros critérios de distinção, conduza efetivamente ao mesmo resultado (v. Acórdãos de 13 de abril de 2010, Bressol e o., C‑73/08, EU:C:2010:181, n.o 40, e de 14 de dezembro de 2016, Bragança Linares Verruga e o., C‑238/15, EU:C:2016:949, n.o 41).

27

A legislação nacional em causa no processo principal subordina a concessão de um auxílio financeiro para estudos superiores a um requisito de residência do estudante no território luxemburguês ou, para os estudantes que não residem neste território, ao requisito de serem filhos de trabalhadores que estiveram empregados ou exerceram a sua atividade profissional no Luxemburgo durante um período de pelo menos cinco anos no decurso de um período de referência de sete anos anterior à apresentação do pedido de auxílio financeiro. Ainda que se aplique indiferentemente aos nacionais luxemburgueses e aos nacionais de outros Estados‑Membros, esse requisito do período de trabalho mínimo não se encontra previsto para os estudantes que residem no território luxemburguês.

28

Uma distinção deste tipo baseada na residência, que pode funcionar principalmente em detrimento dos cidadãos de outros Estados‑Membros, visto que os não residentes são, na maioria das vezes, não nacionais (v., neste sentido, Acórdãos de 14 de junho de 2012, Comissão/Países Baixos, C‑542/09, EU:C:2012:346, n.o 38; de 20 de junho de 2013, Giersch e o., C‑20/12, EU:C:2013:411, n.o 44; e de 14 de dezembro de 2016, Bragança Linares Verruga e o., C‑238/15, EU:C:2016:949, n.o 43), constitui uma discriminação indireta com base na nacionalidade que só pode ser admitida se for objetivamente justificada.

29

Para ser justificada, deve ser adequada para garantir a realização de um objetivo legítimo e não pode ir além do necessário para atingir esse objetivo.

30

Em primeiro lugar, há que salientar a este respeito que, como sublinha o Governo luxemburguês, a Lei de 24 de julho de 2014 visa, tal como a Lei de 22 de junho de 2000 conforme alterada pela Lei de 26 de julho de 2010, aumentar de forma significativa a proporção dos residentes titulares de um diploma do ensino superior no Luxemburgo.

31

Ora, o Tribunal de Justiça já declarou que o objetivo de promover o prosseguimento dos estudos superiores é um objetivo de interesse geral reconhecido a nível da União e que uma ação empreendida por um Estado‑Membro para assegurar um nível elevado de formação da sua população residente prossegue um objetivo legítimo suscetível de justificar uma discriminação indireta com base na nacionalidade (Acórdãos de 20 de junho de 2013, Giersch e o., C‑20/12, EU:C:2013:411, n.os 53 e 56, e de 14 de dezembro de 2016, Bragança Linares Verruga e o., C‑238/15, EU:C:2016:949, n.o 46).

32

Em segundo lugar, no que respeita à questão de saber se um requisito de período de trabalho mínimo de cinco anos à data da apresentação do pedido de bolsa de estudos, como o que está em causa no processo principal, é adequado para atingir tal objetivo, há que recordar que, segundo jurisprudência constante quanto aos trabalhadores migrantes e aos trabalhadores fronteiriços, o facto de terem acedido ao mercado de trabalho de um Estado‑Membro gera, em princípio, o vínculo de integração suficiente na sociedade desse Estado para lhes permitir aí beneficiar do princípio da igualdade de tratamento, relativamente aos trabalhadores nacionais, no tocante às vantagens sociais (v., neste sentido, Acórdãos de 14 de junho de 2012, Comissão/Países Baixos, C‑542/09, EU:C:2012:346, n.o 65, e de 20 de junho de 2013, Giersch e o., C‑20/12, EU:C:2013:411, n.o 63).

33

O vínculo de integração resulta, nomeadamente, do facto de, com as contribuições fiscais e sociais que pagam no Estado‑Membro de acolhimento em virtude da atividade assalariada que aí exercem, os trabalhadores migrantes contribuírem para o financiamento das políticas sociais deste Estado. Estes devem, por conseguinte, poder beneficiar dessas políticas nas mesmas condições que os trabalhadores nacionais (v, neste sentido, Acórdãos de 14 de junho de 2012, Comissão/Países Baixos, C‑542/09, EU:C:2012:346, n.o 66, e de 20 de junho de 2013, Giersch e o., C‑20/12, EU:C:2013:411, n.o 63).

34

Todavia, o Tribunal de Justiça já admitiu que uma legislação nacional indiretamente discriminatória e que restringe a concessão aos trabalhadores fronteiriços de vantagens sociais, na aceção do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 492/2011, na falta de uma conexão suficiente com a sociedade na qual exercem uma atividade sem ali residir, pode ser objetivamente justificada (v. Acórdãos de 18 de julho de 2007, Geven, C‑213/05, EU:C:2007:438, n.o 26, e de 14 de dezembro de 2016, Bragança Linares Verruga e o., C‑238/15, EU:C:2016:949, n.o 51).

35

No que respeita, em particular, à concessão de um auxílio financeiro do Estado para estudos superiores aos filhos não residentes de trabalhadores migrantes e fronteiriços, o Tribunal de Justiça referiu que o facto de os pais do estudante em causa terem um emprego há um período de tempo significativo no Estado‑Membro que atribui o auxílio solicitado podia ser adequado para demonstrar o grau real de conexão com a sociedade ou com o mercado de trabalho desse Estado (Acórdãos de 20 de junho de 2013, Giersch e o., C‑20/12, EU:C:2013:411, n.o 78, e de 14 de dezembro de 2016, Bragança Linares Verruga e o., C‑238/15, EU:C:2016:949, n.o 55).

36

No n.o 58 do Acórdão de 14 de dezembro de 2016, Bragança Linares Verruga e o. (C‑238/15, EU:C:2016:949), o Tribunal de Justiça admitiu, neste contexto, que o requisito segundo o qual, para que os filhos de um trabalhador fronteiriço possam beneficiar de um auxílio financeiro do Estado para estudos superiores, o progenitor, trabalhador fronteiriço, deve ter trabalhado pelo menos cinco anos no Estado‑Membro que atribui o auxílio é suscetível de demonstrar uma conexão desse tipo entre estes trabalhadores e esse Estado, bem como uma probabilidade razoável de um regresso do estudante ao Estado‑Membro que atribui o auxílio, após ter terminado os seus estudos.

37

Por conseguinte, embora um requisito relativo ao período de trabalho mínimo à data da apresentação do pedido de auxílio financeiro, como o que está em causa no processo principal, seja adequado para realizar o objetivo de promover o prosseguimento dos estudos superiores e aumentar, de forma significativa, a proporção dos titulares de um diploma do ensino superior residentes no Luxemburgo, há que verificar, em terceiro lugar, se a instauração, pelo artigo 3.o, n.o 5, alínea b), da Lei de 24 de julho de 2014, de um período de referência de sete anos anterior à apresentação do pedido de auxílio financeiro para calcular o período mínimo de trabalho de cinco anos não vai além do necessário para atingir o objetivo pretendido.

38

A este respeito, há que recordar que, no processo que deu origem ao Acórdão de 14 de dezembro de 2016, Bragança Linares Verruga e o. (C‑238/15, EU:C:2016:949), a legislação examinada subordinava a concessão aos estudantes não residentes de um auxílio financeiro para estudos superiores ao requisito de ter um progenitor que trabalhou no Luxemburgo de forma ininterrupta durante um período mínimo de cinco anos à data da apresentação do pedido de auxílio financeiro.

39

O Tribunal de Justiça considerou que tal legislação encerrava uma restrição que ia além do necessário para atingir o objetivo legítimo de aumentar o número de titulares de um diploma do ensino superior no âmbito da população residente, na medida em que não permitia às autoridades competentes conceder este auxílio quando os progenitores tinham, não obstante algumas breves interrupções, trabalhado no Luxemburgo durante um período de tempo significativo, em concreto durante quase oito anos, no período anterior à apresentação do pedido de auxílio financeiro, não sendo essas interrupções suscetíveis de quebrar o nexo de conexão entre o requerente do auxílio financeiro e o Grão‑Ducado do Luxemburgo (Acórdão de 14 de dezembro de 2016, Bragança Linares Verruga e o., C‑238/15, EU:C:2016:949, n.o 69).

40

No presente processo, o Governo luxemburguês alega que a instauração, pelo artigo 3.o, n.o 5, alínea b), da Lei de 24 de julho de 2014, de um período de referência de sete anos para calcular o período mínimo de trabalho de cinco anos permite, precisamente, ter em conta breves interrupções de trabalho dos progenitores fronteiriços, uma vez que abrange as situações em que o progenitor fronteiriço não exerceu uma atividade no Luxemburgo durante dois anos no decurso de um período total de sete anos. Em contrapartida, o legislador nacional tem o direito de considerar que, ao invés de interrupções menores, as interrupções maiores quebram o nexo de conexão dos trabalhadores fronteiriços e dos seus filhos estudantes com o Luxemburgo e levam à perda do interesse deste Estado‑Membro em conceder um auxílio a esses estudantes. Em particular, pode legitimamente atribuir‑se esse efeito a uma interrupção do trabalho de quase cinco anos, como a de Aubriet‑pai.

41

Por outro lado, o Governo luxemburguês considera ser necessário, para permitir o tratamento dos pedidos de auxílio financeiro por uma Administração encarregada de um processo uniforme em grande escala, optar por um critério objetivo e neutro, como o período mínimo de trabalho no decurso de um período de referência determinado, excluindo a tomada em consideração de qualquer outro critério de conexão suscetível de provar que o trabalhador fronteiriço apresenta um nexo suficiente com a sociedade luxemburguesa.

42

Essa possibilidade implicaria, com efeito, a tomada em consideração, pela Administração encarregada do tratamento dos pedidos de auxílio financeiro, das circunstâncias específicas de cada caso, e a apreciação caso a caso da existência ou inexistência de um elemento subjetivo, a saber, o «nexo suficiente com a sociedade luxemburguesa» dos trabalhadores fronteiriços empregados no Luxemburgo durante menos de cinco anos no decurso de um período de referência de sete anos. Ora, o princípio da não discriminação e o princípio da proporcionalidade não podem ser interpretados no sentido de que impõem semelhante apreciação caso a caso por uma Administração Pública encarregada de um processo uniforme em grande escala.

43

Todavia, há que salientar que, no processo principal, o benefício do auxílio financeiro do Estado para estudos superiores foi recusado a Aubriet‑filho, não obstante o seu pai ter tido de forma duradoura, nos anos que antecederam a apresentação pelo filho do pedido de auxílio financeiro, um emprego assalariado no Luxemburgo durante um período significativo, largamente superior ao período mínimo de cinco anos. Com efeito, Aubriet‑pai foi contribuinte no Luxemburgo e pagou as suas contribuições para o regime de segurança social deste Estado durante mais de 17 anos no decurso dos 23 anos que antecederam o pedido do seu filho de um auxílio financeiro para estudos superiores, a saber de 1991 a 2014.

44

Em contrapartida, Aubriet‑pai não preenche o requisito do período de trabalho mínimo no decurso do período de referência previsto na Lei de 24 de julho de 2014, uma vez que teve de interromper a sua atividade no Luxemburgo no período entre 15 de janeiro de 2008 e 16 de dezembro de 2012, para procurar emprego no seu Estado de residência.

45

Conforme resulta da situação de Aubriet‑pai, tomar em consideração apenas a atividade exercida no Luxemburgo pelo trabalhador fronteiriço no decurso de um período de referência de sete anos anterior à apresentação do pedido de auxílio financeiro não é suficiente para apreciar, de forma completa, a importância do nexo desse trabalhador fronteiriço com o mercado de trabalho luxemburguês, nomeadamente quando esse trabalhador já ali esteve empregado durante um período significativo antes do período de referência.

46

Por conseguinte, uma regra como a prevista pela legislação nacional em causa no processo principal, que subordina a concessão aos estudantes não residentes de um auxílio financeiro para estudos superiores ao requisito de ter um progenitor que trabalhou no Luxemburgo durante um período mínimo de cinco anos no decurso de um período de referência de sete anos anterior à apresentação do pedido de auxílio financeiro, encerra uma restrição que vai além do necessário para atingir o objetivo legítimo de aumentar o número de titulares de um diploma do ensino superior no âmbito da população residente.

47

Resulta de todas as considerações precedentes que há que responder à questão submetida que o artigo 45.o TFUE e o artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 492/2011 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação de um Estado‑Membro, como a que está em causa no processo principal, que subordina a concessão de um auxílio financeiro para estudos superiores aos estudantes não residentes ao requisito de, à data da apresentação do pedido de auxílio financeiro, um dos progenitores do estudante ter estado empregado ou ter exercido uma atividade nesse Estado‑Membro durante um período de pelo menos cinco anos no decurso de um período de referência de sete anos calculado retroativamente a partir da data da apresentação do referido pedido de auxílio financeiro, na medida em que não permite identificar de forma suficientemente ampla a existência de um eventual nexo de conexão suficiente com o mercado de trabalho desse Estado‑Membro.

Quanto às despesas

48

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

 

O artigo 45.o TFUE e o artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento (UE) n.o 492/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de abril de 2011, relativo à livre circulação dos trabalhadores na União, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação de um Estado‑Membro, como a que está em causa no processo principal, que subordina a concessão de um auxílio financeiro para estudos superiores aos estudantes não residentes ao requisito de, à data da apresentação do pedido de auxílio financeiro, um dos progenitores do estudante ter estado empregado ou ter exercido uma atividade nesse Estado‑Membro durante um período de pelo menos cinco anos no decurso de um período de referência de sete anos calculado retroativamente a partir da data da apresentação do referido pedido de auxílio financeiro, na medida em que não permite identificar de forma suficientemente ampla a existência de um eventual nexo de conexão suficiente com o mercado de trabalho desse Estado‑Membro.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: francês.