ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

7 de novembro de 2019 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Transportes aéreos — Regulamento (UE) n.o 1178/2011 — Anexo I, ponto FCL.065 — Âmbito de aplicação ratione temporis — Diretiva 2000/78/CE — Igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional — Discriminação em razão da idade — Artigo 2.o, n.o 5 — Artigo 4.o, n.o 1 — Regulamentação nacional que prevê a cessação automática da relação de trabalho aos 60 anos de idade — Pilotos de aeronaves — Proteção da segurança nacional»

No processo C‑396/18,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação, Itália), por Decisão de 24 de abril de 2018, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 15 de junho de 2018, no processo

Gennaro Cafaro

contra

DQ,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: J.‑C. Bonichot, presidente de secção, R. Silva de Lapuerta (relatora), vice‑presidente do Tribunal de Justiça, M. Safjan, L. Bay Larsen e C. Toader, juízes,

advogado‑geral: M. Szpunar,

secretário: R. Schiano, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 11 de abril de 2019,

vistas as observações apresentadas:

em representação de G. Cafaro, por S. Assennato e G. Sacconi, avvocati,

em representação de DQ, por G. Guancioli e P. Busco, avvocati,

em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por G. De Bellis, avvocato dello Stato,

em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por V. Di Bucci, D. Martin, W. Mölls e C. Valero, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 26 de junho de 2019,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do ponto FCL.065 do anexo I do Regulamento (UE) n.o 1178/2011 da Comissão, de 3 de novembro de 2011, que estabelece os requisitos técnicos e os procedimentos administrativos para as tripulações da aviação civil, em conformidade com o Regulamento (CE) n.o 216/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho (JO 2011, L 311, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (UE) n.o 290/2012 da Comissão, de 30 de março de 2012 (JO 2012, L 100, p. 1) (a seguir «Regulamento n.o 1178/2011»), e da Diretiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional (JO 2000, L 303, p. 16).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe G. Cafaro ao seu antigo empregador, DQ, a respeito da cessação automática da sua relação de trabalho por ter atingido os 60 anos de idade.

Quadro jurídico

Direito da União

Regulamento n.o 1178/2011

3

O artigo 1.o do Regulamento n.o 1178/2011 dispõe:

«O presente regulamento estabelece regras detalhadas relativas ao seguinte:

1)

As diferentes qualificações para as licenças de piloto, as condições de emissão, manutenção, alteração, restrição, suspensão ou revogação das licenças, os privilégios e as responsabilidades dos titulares das licenças, as condições para a conversão das atuais licenças nacionais de piloto e das licenças nacionais de técnico de voo em licenças de piloto, assim como as condições para a aceitação das licenças de países terceiros;

[…]»

4

O artigo 2.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Definições», prevê:

«Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

1)

“Licença Parte FCL” — uma licença de tripulante de voo que satisfaz os requisitos do anexo I;

[…]»

5

O artigo 12.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Entrada em vigor e aplicação», dispõe:

«1.   O presente regulamento entra em vigor no vigésimo dia seguinte ao da sua publicação no Jornal Oficial da União Europeia.

É aplicável a partir de 8 de abril de 2012.

1‑B.   Por derrogação ao n.o 1, os Estados‑Membros podem decidir não aplicar as disposições dos anexos I a IV até 8 de abril de 2013.

[…]

7.   Sempre que um Estado‑Membro aplique as disposições dos n.os 1‑B a 6, deve notificar a [Comissão Europeia] e a [Agência Europeia para a Segurança da Aviação]. Essa notificação deve descrever as razões de tal derrogação, assim como o programa de implementação com as ações previstas e o respetivo calendário.

[…]»

6

O ponto FCL.065 do anexo I do Regulamento n.o 1178/2011, sob a epígrafe «Redução dos privilégios dos titulares de licenças com 60 anos de idade ou mais no transporte aéreo comercial», prevê:

«a)

Idades entre os 60 e os 64 anos. Aviões e helicópteros. O titular de uma licença de piloto que tenha atingido os 60 anos de idade não pode desempenhar funções de piloto numa aeronave que efetue transporte aéreo comercial, exceto:

1)

Como membro de uma tripulação multipiloto; e

2)

Desde que o titular seja o único piloto na tripulação de voo que atingiu os 60 anos de idade;

b)

6[5] anos. O titular de uma licença de piloto que tenha atingido os [65] anos não pode desempenhar funções de piloto numa aeronave que efetue transporte aéreo comercial.»

Diretiva 2000/78

7

O considerando 23 da Diretiva 2000/78 enuncia:

«Em circunstâncias muito limitadas, podem justificar‑se diferenças de tratamento sempre que uma característica relacionada com a religião ou as convicções, com uma deficiência, com a idade ou com a orientação sexual constitua um requisito genuíno e determinante para o exercício da atividade profissional, desde que o objetivo seja legítimo e o requisito proporcional. Essas circunstâncias devem ser mencionadas nas informações fornecidas pelos Estados‑Membros à Comissão.»

8

Nos termos do artigo 1.o desta diretiva, esta tem por objeto estabelecer um quadro geral para lutar contra a discriminação em razão da religião ou das convicções, de uma deficiência, da idade ou da orientação sexual, no que se refere ao emprego e à atividade profissional, com vista a pôr em prática nos Estados‑Membros o princípio da igualdade de tratamento.

9

O artigo 2.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Conceito de discriminação», dispõe:

«1.   Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por “princípio da igualdade de tratamento” a ausência de qualquer discriminação, direta ou indireta, por qualquer dos motivos referidos no artigo 1.o

2.   Para efeitos do n.o 1:

a)

Considera‑se que existe discriminação direta sempre que, por qualquer dos motivos referidos no artigo 1.o, uma pessoa seja objeto de um tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou possa vir a ser dado a outra pessoa em situação comparável.

[…]

5.   A presente diretiva não afeta as medidas previstas na legislação nacional que, numa sociedade democrática, sejam necessárias para efeitos de segurança pública, defesa da ordem e prevenção das infrações penais, proteção da saúde e proteção dos direitos e liberdades de terceiros.»

10

O artigo 4.o, n.o 1, da mesma diretiva prevê:

«Sem prejuízo do disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 2.o, os Estados‑Membros podem prever que uma diferença de tratamento baseada numa característica relacionada com qualquer dos motivos de discriminação referidos no artigo 1.o não constituirá discriminação sempre que, em virtude da natureza da atividade profissional em causa ou do contexto da sua execução, essa característica constitua um requisito essencial e determinante para o exercício dessa atividade, na condição de o objetivo ser legítimo e o requisito proporcional.»

Direito italiano

11

Resulta da decisão de reenvio que a DQ é uma sociedade de transporte aéreo constituída em conformidade com o artigo 25.o da Legge n. 124 — Sistema di informazione per la sicurezza della Republica e nuova disciplina del segreto (Lei n.o 124, Relativa ao Sistema de Informação para a Segurança da República e à Nova Regulamentação sobre a Classificação dos Dados Secretos), de 3 de agosto de 2007 (GURI n.o 187, de 13 de agosto de 2007, p. 4), que exerce atividades confidenciais para os serviços secretos do Estado italiano no âmbito da proteção da segurança nacional.

12

O artigo 744.o, quarto parágrafo, do Codice della Navigazione (Código da Navegação) equipara às aeronaves de Estado as aeronaves utilizadas por entidades públicas ou privadas que exercem atividades relacionadas com a proteção da segurança nacional.

13

Em conformidade com o artigo 748.o, primeiro parágrafo, do Código de Navegação, as suas disposições não se aplicam às aeronaves de Estado.

14

Segundo o artigo 748.o, terceiro parágrafo, do Código da Navegação, as operações de voo realizadas pelas aeronaves equiparadas às aeronaves de Estado garantem um nível adequado de segurança, determinado de acordo com as regulamentações especiais adotadas pelas Administrações competentes do Estado.

15

Segundo as indicações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, o decreto del Presidente del Consiglio dei Ministri sui limiti di impiego del personale navigante di [DQ] (Decreto do Presidente do Conselho de Ministros, que Estabelece o Regulamento Relativo aos Limites de Emprego dos Membros das Tripulações da [DQ]), de 9 de setembro de 2008 (a seguir «DPCM»), foi adotado com fundamento no artigo 748.o, terceiro parágrafo, do Código da Navegação.

16

Nos termos do DPCM:

«Tendo em conta os objetivos previstos nos artigos anteriores, estabelece‑se que os pilotos da [DQ] podem desenvolver a sua atividade profissional até completarem, sem ultrapassar, 60 anos de idade.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

17

G. Cafaro trabalhou para a DQ como piloto de aeronaves de 26 de setembro de 1988 a 19 de setembro de 2012.

18

Por carta de 19 de janeiro de 2012, a DQ informou G. Cafaro de que o seu contrato de trabalho cessaria automaticamente em 19 de setembro de 2012, por atingir, nesta última data, 60 anos de idade.

19

G. Cafaro intentou uma ação no Tribunale di Roma (Tribunal de Primeira Instância de Roma, Itália), pedindo que fosse declarada a ilegalidade do seu despedimento, a qual foi julgada improcedente.

20

G. Cafaro interpôs recurso da decisão do Tribunale di Roma (Tribunal Primeira Instância de Roma, Itália) para a Corte d’appello di Roma (Tribunal de Recurso de Roma) que, por Acórdão de 19 de fevereiro de 2016, negou provimento ao referido recurso. Este último órgão jurisdicional declarou, em substância, que G. Cafaro não tinha sido despedido, uma vez que a sua relação de trabalho tinha cessado automaticamente quando atingiu 60 anos de idade, em conformidade com as disposições do DPCM.

21

G. Cafaro interpôs recurso desse acórdão para o órgão jurisdicional de reenvio.

22

O referido órgão jurisdicional recorda que, em conformidade com o direito nacional, as aeronaves utilizadas pela DQ devem ser equiparadas às aeronaves de Estado e que, em virtude dessa qualificação, a relação de trabalho dos pilotos empregados pela DQ se rege pelas disposições especiais do DPCM, que preveem, nomeadamente, a cessação automática da sua relação de trabalho quando atingem 60 anos de idade.

23

Ora, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que o ponto FCL.065 do anexo I do Regulamento n.o 1178/2011 permite, sob certas restrições, que os titulares de uma licença de piloto continuem a exercer as funções como pilotos de aeronaves destinadas ao transporte aéreo comercial entre os 60 e os 64 anos de idade. Com efeito, sublinha que esta disposição apenas proíbe os titulares de uma licença de piloto de exercerem as suas funções no transporte aéreo comercial quando atingem 65 anos de idade.

24

Neste contexto, o referido órgão jurisdicional tem dúvidas quanto à questão de saber se o ponto FCL.065 do anexo I do Regulamento n.o 1178/2011 é aplicável à situação de um piloto de aeronaves empregado por uma empresa que exerce atividades relacionadas com a proteção da segurança nacional, como a DQ, e, em caso afirmativo, se essa disposição deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma disposição nacional que prevê a cessação automática da relação de trabalho dos pilotos de aeronaves empregados pela DQ aos 60 anos de idade.

25

A título subsidiário, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se uma disposição nacional desse tipo é compatível com o princípio da não discriminação em razão da idade consagrado na Diretiva 2000/78.

26

Nestas circunstâncias, a Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação, Itália) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

A regulamentação nacional constante do [DPCM], adotado em execução do artigo 748.o, [terceiro parágtafo,] do [Código da Navegação], que estabelece a regulamentação sobre os limites de emprego dos membros das tripulações da [DQ] e, em particular, a cessação automática da relação de trabalho ao atingir 60 anos de idade, é contrária ao Regulamento n.o 1178/2011 na parte em que fixa em 65 anos o limite de idade para o emprego dos pilotos no transporte aéreo comercial, e é este último aplicável ao caso dos autos, sendo previamente afastada a regulamentação nacional especial?

2)

A título subsidiário, se o [Regulamento n.o 1178/2011] for, em razão da matéria, considerado inaplicável ao caso dos autos, a regulamentação nacional referida é contrária ao princípio da não discriminação em razão da idade estabelecido na Diretiva 2000/78 e [no artigo 21.o, n.o 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia], ao qual [esta diretiva] confere expressão concreta?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

27

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se o ponto FCL.065 do anexo I do Regulamento n.o 1178/2011 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, que prevê a cessação automática da relação de trabalho dos pilotos empregados por uma sociedade que explora aeronaves no âmbito de atividades relacionadas com a proteção da segurança nacional de um Estado‑Membro quando atingem 60 anos de idade.

28

A título preliminar, cabe salientar que a DQ, o Governo italiano e a Comissão defendem que o ponto FCL.065 do anexo I do Regulamento n.o 1178/2011 não é aplicável, ratione temporis, ao litígio no processo principal.

29

A este respeito, resulta do artigo 12.o, n.o 1‑B, do Regulamento n.o 1178/2011 que os Estados‑Membros podem decidir não aplicar, nomeadamente, as disposições do anexo I desse regulamento até 8 de abril de 2013.

30

No caso em apreço, resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que a República Italiana fez uso desta faculdade. Assim, o ponto FCL.065 do anexo I do Regulamento n.o 1178/2011 só passou a ser aplicável no território desse Estado‑Membro a partir de 8 de abril de 2013.

31

Ora, resulta da decisão de reenvio que a cessação do contrato de trabalho de G. Cafaro ocorreu em 19 de setembro de 2012. Assim, os factos do litígio no processo principal são anteriores à data de aplicação do ponto FCL.065 do anexo I do Regulamento n.o 1178/2011 em Itália, de modo que esta disposição não é aplicável, ratione temporis, ao referido litígio.

32

Nestas condições, não há que responder à primeira questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio.

Quanto à segunda questão

33

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a Diretiva 2000/78 deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, que prevê a cessação automática da relação de trabalho dos pilotos empregados por uma sociedade que explora aeronaves no âmbito de atividades relacionadas com a proteção da segurança nacional de um Estado‑Membro quando atingem 60 anos de idade.

34

Nos termos do artigo 2.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78, o «princípio da igualdade de tratamento» é definido como a ausência de qualquer discriminação, direta ou indireta, por qualquer dos motivos referidos no artigo 1.o desta diretiva, entre os quais figura, nomeadamente, a idade. O artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da referida diretiva precisa que, para efeitos da aplicação do seu n.o 1, considera‑se que existe discriminação direta sempre que, por qualquer dos motivos referidos no artigo 1.o, uma pessoa seja objeto de um tratamento menos favorável do que outra pessoa que se encontre numa situação comparável.

35

Ao prever a cessação automática da relação de trabalho dos pilotos empregados pela DQ aos 60 anos de idade, o DPCM tem como consequência que algumas pessoas sejam tratadas de forma menos favorável do que outras que exercem a mesma atividade por conta do mesmo empregador, pelo simples facto de terem atingido 60 anos de idade.

36

Daqui resulta que a regulamentação nacional em causa no processo principal institui uma diferença de tratamento em razão da idade, na aceção das disposições conjugadas do artigo 1.o e do artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2000/78.

37

Por conseguinte, importa determinar, tendo em conta os objetivos prosseguidos pela regulamentação nacional em causa no processo principal, se a Diretiva 2000/78 deve ser interpretada no sentido de que se opõe a essa diferença de tratamento.

38

A este respeito, resulta claramente da decisão de reenvio que a regulamentação nacional em causa no processo principal tem por objeto garantir um nível de segurança adequado para os voos de Estado efetuados pela DQ no interesse da segurança nacional. Assim, a referida regulamentação visa garantir, por um lado, a segurança aérea e, por outro, a proteção da segurança nacional.

39

Por conseguinte, para responder à segunda questão, há que interpretar o artigo 2.o, n.o 5, e o artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78.

Quanto à interpretação do artigo 2.o, n.o 5, da Diretiva 2000/78

40

Nos termos do artigo 2.o, n.o 5, da Diretiva 2000/78, esta não afeta as medidas previstas na legislação nacional que, numa sociedade democrática, sejam necessárias para efeitos de segurança pública, defesa da ordem e prevenção das infrações penais, proteção da saúde e proteção dos direitos e liberdades de terceiros.

41

Ao adotar esta disposição, o legislador da União Europeia pretendeu, em matéria de emprego e de atividade profissional, evitar e arbitrar um conflito entre, por um lado, o princípio da igualdade de tratamento e, por outro, a necessidade de garantir a ordem, a segurança e a saúde públicas, a prevenção das infrações e a proteção dos direitos e liberdades individuais, indispensáveis ao funcionamento de uma sociedade democrática. Este mesmo legislador decidiu que, em certos casos enumerados no artigo 2.o, n.o 5, da Diretiva 2000/78, os princípios previstos por esta não se aplicam a medidas que contenham diferenças de tratamento com fundamento num dos motivos referidos no artigo 1.o da diretiva, desde que, contudo, tais medidas sejam necessárias para a realização dos objetivos acima referidos (Acórdão de 22 de janeiro de 2019, Cresco Investigation, C‑193/17, EU:C:2019:43, n.o 54 e jurisprudência referida).

42

Por outro lado, na medida em que o referido artigo 2.o, n.o 5, institui uma derrogação ao princípio da proibição das discriminações, deve ser interpretado de forma estrita. Os termos utilizados nesta disposição conduzem igualmente a essa abordagem (Acórdão de 22 de janeiro de 2019, Cresco Investigation, C‑193/17, EU:C:2019:43, n.o 55 e jurisprudência referida).

43

No caso em apreço, há que constatar, em primeiro lugar, que a regulamentação nacional em causa no processo principal constitui uma medida prevista na legislação nacional, na aceção do artigo 2.o, n.o 5, da Diretiva 2000/78.

44

Com efeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o conceito de «medidas previstas na legislação nacional», na aceção dessa disposição, não se limita às medidas resultantes de um ato adotado no termo de um processo legislativo, mas compreende igualmente medidas instauradas com base numa regra de habilitação suficientemente precisa (v., neste sentido, Acórdão de 13 de setembro de 2011, Prigge e o., C‑447/09, EU:C:2011:573, n.os 59 e 61).

45

A este respeito, decorre da decisão de reenvio que a diferença de tratamento foi instituída pelo DPCM, cujas disposições derrogam o Código de Navegação e o regime comum da relação de trabalho. Foram adotadas com base no artigo 748.o, terceiro parágrafo, do Código de Navegação, que habilita as autoridades nacionais competentes a adotar regras que permitam garantir um nível de segurança adequado. Nestas circunstâncias, deve considerar‑se que a diferença de tratamento instituída pelo DPCM resulta de uma medida prevista na legislação nacional, na aceção do artigo 2.o, n.o 5, da Diretiva 2000/78.

46

Em segundo lugar, a regulamentação nacional em causa no processo principal prossegue objetivos relacionados com a segurança pública, na aceção do artigo 2.o, n.o 5, da Diretiva 2000/78.

47

A este respeito, por um lado, o Tribunal de Justiça já declarou que a segurança aérea figura entre os objetivos enumerados no artigo 2.o, n.o 5, da Diretiva 2000/78. Com efeito, verifica‑se que as medidas destinadas a evitar acidentes aéreos através do controlo da aptidão e das capacidades físicas dos pilotos, de modo a que as falhas humanas não estejam na origem dos referidos acidentes, são, inegavelmente, medidas suscetíveis de garantir a segurança pública, na aceção desta disposição (Acórdão de 13 de setembro de 2011, Prigge e o., C‑447/09, EU:C:2011:573, n.o 58).

48

Por outro lado, no que respeita ao objetivo de proteção da segurança nacional, as medidas destinadas a garantir a realização e a boa execução de operações no interesse da segurança nacional constituem igualmente medidas suscetíveis de garantir a segurança pública, na aceção do artigo 2.o, n.o 5, da Diretiva 2000/78.

49

Em terceiro e último lugar, importa aferir se a legislação nacional em causa no processo principal é necessária para efeitos de segurança pública, na aceção do artigo 2.o, n.o 5, da Diretiva 2000/78.

50

A este respeito, há que recordar que, no n.o 64 do Acórdão de 13 de setembro de 2011, Prigge e o. (C‑447/09, EU:C:2011:573), o Tribunal de Justiça declarou que uma medida nacional que fixa em 60 anos o limite de idade a partir do qual os pilotos deixam de poder exercer as suas atividades profissionais, apesar de as regulamentações nacional e internacional fixarem essa idade em 65 anos, não é uma medida necessária para efeitos de segurança pública e de proteção da saúde, na aceção do artigo 2.o, n.o 5 da Diretiva 2000/78.

51

Com efeito, em conformidade com as regulamentações nacional e internacional que regulam a atividade de transporte aéreo comercial de passageiros, correio e/ou carga, aplicáveis no processo que deu origem ao referido acórdão, não era necessário proibir aos pilotos de linha o exercício das suas atividades depois dos 60 anos de idade, mas apenas restringir esse exercício. Por conseguinte, a proibição de pilotar depois dessa idade, contida na medida em causa naquele processo, não era necessária para alcançar o objetivo prosseguido.

52

No domínio do transporte aéreo comercial, que estava igualmente em causa no processo que deu origem ao referido acórdão, o legislador da União entendeu, como resulta do ponto FCL.065 do anexo I do Regulamento n.o 1178/2011, proibir o exercício da profissão de piloto de linha aos titulares de uma licença com mais de 65 anos de idade.

53

Todavia, no caso em apreço, por um lado, resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que os voos operados pela DQ se destinam à execução de operações relacionadas com a proteção da segurança nacional que, em geral, apresentam maiores riscos do que os associados ao transporte aéreo comercial. Com efeito, diferentemente dos pilotos de linha, os pilotos da DQ são habitualmente chamados a intervir em condições difíceis, ou mesmo extremas, pelo que a realização dessas operações implica exigências físicas particularmente elevadas.

54

Por outro lado, no estado atual, o direito da União e o direito internacional não preveem nenhuma regulamentação específica que fixe um limite de idade a partir do qual os pilotos de aeronaves exploradas no âmbito de operações relacionadas com a proteção da segurança nacional de um Estado‑Membro deixam de poder exercer a sua atividade profissional.

55

Por conseguinte, não há que considerar, em geral, que o limite de idade para efetuar voos como os realizados pela DQ deve, em princípio, corresponder à idade de 65 anos fixado no domínio do transporte aéreo comercial.

56

Nestas condições, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, à luz de todas as circunstâncias do processo principal, se, tendo em conta a natureza específica das atividades exercidas pela DQ e as exigências físicas impostas aos pilotos empregados por esta sociedade, a regulamentação nacional em causa no processo principal é necessária para efeitos de segurança pública, na aceção do artigo 2.o, n.o 5, da Diretiva 2000/78.

57

Tendo em conta o que precede, o artigo 2.o, n.o 5, da Diretiva 2000/78 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, que prevê a cessação automática da relação de trabalho dos pilotos empregados por uma sociedade que explora aeronaves no âmbito de atividades relacionadas com a proteção da segurança nacional de um Estado‑Membro quando atingem 60 anos de idade, desde que essa regulamentação seja necessária para efeitos de segurança pública, na aceção dessa disposição, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

Quanto à interpretação do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78

58

Nos termos do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78, «os Estados‑Membros podem prever que uma diferença de tratamento baseada numa característica relacionada com qualquer dos motivos de discriminação referidos no artigo 1.o [desta diretiva] não constituirá discriminação sempre que, em virtude da natureza da atividade profissional em causa ou do contexto da sua execução, essa característica constitua um requisito essencial e determinante para o exercício dessa atividade, na condição de o objetivo ser legítimo e o requisito proporcional».

59

Decorre da redação desta disposição que, para não constituir uma discriminação, a diferença de tratamento deve ser baseada numa característica relacionada com qualquer dos motivos de discriminação referidos no artigo 1.o da Diretiva 2000/78 e que essa característica deve constituir um requisito «essencial e determinante para o exercício [de uma] atividade». O Tribunal de Justiça declarou que não é o motivo em que se baseia a diferença de tratamento, mas uma característica relacionada com esse motivo, que deve constituir uma exigência essencial e determinante (Acórdão de 13 de setembro de 2011, Prigge e o., C‑447/09, EU:C:2011:573, n.o 66).

60

A esse respeito, o Tribunal de Justiça já declarou que é essencial que os pilotos de linha possuam, nomeadamente, capacidades físicas particulares, na medida em que nessa profissão as falhas físicas são suscetíveis de ter consequências importantes. É igualmente inegável que essas capacidades diminuem com a idade. Daqui resulta que o facto de possuir capacidades físicas particulares pode ser considerado um «requisito essencial e determinante», na aceção do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78, para o exercício da profissão de piloto de linha e que a posse de tais capacidades está ligada à idade (Acórdão de 13 de setembro de 2011, Prigge e o., C‑447/09, EU:C:2011:573, n.o 67).

61

Como o advogado‑geral salientou no n.o 94 das suas conclusões, essa interpretação aplica‑se igualmente aos pilotos de aeronaves que exercem missões relacionadas com a proteção da segurança nacional, como os pilotos empregados pela DQ. Com efeito, como indicado no n.o 53 do presente acórdão, os pilotos da DQ são habitualmente chamados a intervir em condições difíceis ou mesmo extremas, pelo que a realização dessas operações requer exigências físicas particularmente elevadas.

62

Daqui resulta que o facto de possuir capacidades físicas particulares pode ser considerado um «requisito essencial e determinante», na aceção do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78, para o exercício da profissão de piloto de aeronave que realiza operações relacionadas com a proteção da segurança nacional.

63

No que se refere aos objetivos prosseguidos pela regulamentação nacional em causa no processo principal, declarou‑se no n.o 38 do presente acórdão que essa regulamentação visa garantir, por um lado, a segurança do tráfego aéreo e, por outro, a proteção da segurança nacional.

64

O Tribunal de Justiça já declarou que o objetivo de garantir a segurança do tráfego aéreo é um objetivo legítimo, na aceção do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78 (Acórdão de 13 de setembro de 2011, Prigge e o., C‑447/09, EU:C:2011:573, n.o 69). O objetivo de garantir a proteção da segurança nacional deve igualmente ser considerado um objetivo legítimo, na aceção desta mesma disposição.

65

Deve, no entanto, averiguar‑se se, ao prever a cessação automática da relação de trabalho dos pilotos empregados pela DQ aos 60 anos de idade, a regulamentação nacional em causa no processo principal impôs um requisito proporcionado.

66

A este respeito, cabe recordar que o considerando 23 da Diretiva 2000/78 precisa que só em «circunstâncias muito limitadas» podem justificar‑se diferenças de tratamento sempre que uma característica relacionada, nomeadamente, com a idade constitua um requisito essencial e determinante (Acórdão de 13 de Setembro de 2011, Prigge e o., C‑447/09, EU:C:2011:573, n.o 71).

67

Por outro lado, na medida em que permite derrogar o princípio da não discriminação, o artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78 deve ser objeto de interpretação estrita (Acórdão de 13 de setembro de 2011, Prigge e o., C‑447/09, EU:C:2011:573, n.o 72).

68

No n.o 75 do Acórdão de 13 de setembro de 2011, Prigge e o. (C‑447/09, EU:C:2011:573, n.o 72), o Tribunal de Justiça declarou que, ao fixar em 60 anos o limite de idade a partir do qual se considera que os pilotos de linha deixam de ter as capacidades físicas para exercer a sua atividade profissional, apesar de as regulamentações nacional e internacional autorizarem o exercício dessa atividade, sob certas condições, até aos 65 anos, os parceiros sociais tinham imposto aos referidos pilotos uma exigência desproporcionada contrária ao artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78.

69

Todavia, pelos motivos expostos nos n.os 53 a 55 do presente acórdão, tal solução, aplicável ao transporte aéreo comercial, não pode ser transposta para o presente processo.

70

Nestas condições, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, à luz de todas as circunstâncias do processo principal, se, tendo em conta a natureza específica das atividades prosseguidas pela DQ e as exigências físicas impostas aos pilotos empregados por esta sociedade, a regulamentação nacional em causa no processo principal pode ser considerada proporcionada na aceção do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78.

71

Por conseguinte, o artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, que prevê a cessação automática da relação de trabalho dos pilotos empregados por uma sociedade que explora aeronaves no âmbito de atividades relacionadas com a proteção da segurança nacional de um Estado‑Membro quando atingem 60 anos de idade, desde que essa regulamentação seja proporcionada, na aceção dessa disposição, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

72

Atendendo ao conjunto das considerações anteriores, há que responder à questão submetida no sentido de que:

O artigo 2.o, n.o 5, da Diretiva 2000/78 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, que prevê a cessação automática da relação de trabalho dos pilotos empregados por uma sociedade que explora aeronaves no âmbito de atividades relacionadas com a proteção da segurança nacional de um Estado‑Membro quando atingem 60 anos de idade, desde que essa regulamentação seja necessária para efeitos de segurança pública, na aceção dessa disposição, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar;

O artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, que prevê a cessação automática da relação de trabalho dos pilotos empregados por uma sociedade que explora aeronaves no âmbito de atividades relacionadas com a proteção da segurança nacional de um Estado‑Membro quando atingem 60 anos de idade, desde que essa regulamentação seja proporcionada, na aceção dessa disposição, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

Quanto às despesas

73

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

 

O artigo 2.o, n.o 5, da Diretiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, que prevê a cessação automática da relação de trabalho dos pilotos empregados por uma sociedade que explora aeronaves no âmbito de atividades relacionadas com a proteção da segurança nacional de um Estado‑Membro quando atingem 60 anos de idade, desde que essa regulamentação seja necessária para efeitos de segurança pública, na aceção dessa disposição, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

 

O artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, que prevê a cessação automática da relação de trabalho dos pilotos empregados por uma sociedade que explora aeronaves no âmbito de atividades relacionadas com a proteção da segurança nacional de um Estado‑Membro quando atingem 60 anos de idade, desde que essa regulamentação seja proporcionada, na aceção dessa disposição, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: italiano.