ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

30 de janeiro de 2020 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Diretiva 82/891/CEE — Artigos 12.o e 19.o — Cisões das sociedades de responsabilidade limitada — Proteção dos interesses dos credores da sociedade cindida — Invalidade da cisão — Ação pauliana»

No processo C‑394/18,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela Corte d’appello di Napoli (Tribunal de Recurso de Nápoles, Itália), por Decisão de 27 de fevereiro de 2018, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 14 de junho de 2018, no processo

I.G.I. Srl

contra

Maria Grazia Cicenia,

Mario Di Pierro,

Salvatore de Vito,

Antonio Raffaele,

sendo interveniente:

Costruzioni Ing. G. Iandolo Srl,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: A. Arabadjiev, presidente de secção, P. G. Xuereb (relator), T. von Danwitz, C. Vajda e A. Kumin, juízes,

advogado‑geral: M. Szpunar,

secretário: R. Schiano, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 5 de junho de 2019,

vistas as observações apresentadas:

em representação da I.G.I. Srl, por S. Ietti, avvocatessa,

em representação da Costruzioni Ing. G. Iandolo Srl, por S. Pierro e S. Ietti, avvocatesse,

em representação da Comissão Europeia, por L. Malferrari, W. Mölls e H. Støvlbæk, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 26 de setembro de 2019,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 12.o e 19.o da Sexta Diretiva 82/891/CEE do Conselho, de 17 de dezembro de 1982, fundada no n.o 3, alínea g), do artigo 54.o do Tratado, relativa às cisões de sociedades anónimas (JO 1982, L 378, p. 47; EE 17 F1 p. 111), conforme alterada pela Diretiva 2007/63/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007 (JO 2007, L 300, p. 47) (a seguir «Sexta Diretiva»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a I.G.I. Srl a Maria Grazia Cicenia, Mario Di Pierro, Salvatore de Vito e Antonio Raffaele a respeito da possibilidade de estes últimos intentarem, na qualidade de credores de uma sociedade cindida cujo património foi parcialmente transferido para a I.G.I., uma ação pauliana com vista a declarar que o ato de cisão não produz efeitos relativamente a eles e proporem ações executivas ou cautelares quanto aos bens transferidos para a I.G.I.

Quadro jurídico

Direito da União

Terceira Diretiva 78/855/CEE

3

O artigo 1.o da Terceira Diretiva 78/855/CEE do Conselho, de 9 de outubro de 1978, fundada na alínea g) do n.o 3 do artigo 54.o do Tratado e relativa à fusão das sociedades anónimas (JO 1978, L 295, p. 36; EE 17 F1 p. 76), conforme alterada pela Diretiva 2007/63 (a seguir «Terceira Diretiva»), sob a epígrafe «Âmbito de aplicação», prevê, no seu n.o 1:

«As medidas de coordenação prescritas pela presente diretiva aplicar‑se‑ão às disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros relativas aos seguintes tipos de sociedades:

[…]

para a Itália:

la societá per azioni,

[…]»

4

O artigo 13.o, n.o 3, da Terceira Diretiva dispõe:

«A proteção pode ser diferente para os credores da sociedade incorporante e para os da sociedade incorporada.»

Sexta Diretiva

5

Nos termos do oitavo considerando da Sexta Diretiva:

«[…] os credores, obrigacionistas ou não, e os portadores de outros títulos das sociedades participantes na cisão devem ser protegidos de modo a evitar que a realização da cisão os prejudique».

6

O décimo primeiro considerando desta diretiva prevê:

«[…] para assegurar a segurança jurídica nas relações tanto entre as sociedades participantes na cisão, como entre estas e terceiros, bem como entre os acionistas, há que limitar os casos de invalidade, estabelecendo, por um lado, que os vícios do ato sejam sanáveis, sempre que possível, e, por outro lado, um prazo breve para invocar a invalidade».

7

O artigo 1.o da referida diretiva dispõe:

«1.   Se os Estados‑Membros permitirem a operação de cisão mediante incorporação, conforme adiante definida no artigo 2.o, de sociedades sujeitas à sua legislação e referidas no n.o 1 do artigo 1.o da [Terceira Diretiva], submeterão esta operação às disposições do capítulo I da presente diretiva.

2.   Se os Estados‑Membros permitirem a operação de cisão das sociedades referidas no n.o 1 mediante constituição de novas sociedades, conforme definida no artigo 21.o, submeterão esta operação às disposições do capítulo II.

[…]»

8

O artigo 2.o da Sexta Diretiva prevê:

«1.   Para os efeitos da presente diretiva, entende‑se por cisão mediante incorporação a operação pela qual uma sociedade, por meio da sua dissolução sem liquidação, transfere para várias outras sociedades todo o seu património ativo e passivo, mediante a atribuição aos acionistas da sociedade cindida de ações das sociedades beneficiárias das transmissões resultantes da cisão, adiante chamadas “sociedades beneficiárias”, e, eventualmente, de uma quantia em dinheiro não superior a 10 % do valor nominal das ações atribuídas ou, na falta de valor nominal, do seu valor contabilístico.

[…]

3.   Sempre que a presente diretiva remeta para a [Terceira Diretiva], a expressão “sociedades participantes na fusão” designará as sociedades que participam na cisão, a expressão “sociedade incorporada” designará a sociedade cindida, a expressão “sociedade incorporante” designará cada uma das sociedades beneficiárias e a expressão “projeto de fusão” designará o projeto de cisão.»

9

O artigo 12.o da Sexta Diretiva tem a seguinte redação:

«1.   As legislações dos Estados‑Membros devem prever um adequado sistema de proteção dos interesses dos credores das sociedades participantes na cisão, relativamente aos créditos anteriores à publicação do projeto de cisão e ainda não vencidos no momento desta publicação.

2.   Para este efeito, as legislações dos Estados‑Membros devem estabelecer, pelo menos, que estes credores têm o direito de obter garantias adequadas sempre que a situação financeira da sociedade cindida, bem como a da sociedade para a qual a obrigação será transferida em conformidade com o projeto de cisão, torne essa proteção necessária e esses credores não disponham já de tais garantias.

3.   Na medida em que o credor da sociedade para a qual a respetiva obrigação foi transferida, em conformidade com o projeto de cisão, não tenha obtido satisfação do seu crédito, as sociedades beneficiárias respondem solidariamente por esta obrigação. Os Estados‑Membros podem limitar esta responsabilidade ao ativo líquido atribuído a cada uma das outras sociedades, diversas daquela para a qual a obrigação foi transferida. Os Estados‑Membros podem não aplicar o disposto no presente n[úmero] se a operação de cisão for submetida ao controlo de uma autoridade judicial, nos termos do artigo 23.o, e a maioria dos credores, representando três quartos do montante dos créditos, ou a maioria de uma categoria de credores da sociedade cindida, representando três quartos do montante dos créditos desta categoria, tiver renunciado a fazer valer esta responsabilidade solidária, em assembleia realizada nos termos do disposto no n.o 1, alínea a), do artigo 23.o

4.   É aplicável o disposto no n.o 3 do artigo 13.o da [Terceira Diretiva].

5.   Sem prejuízo das normas relativas ao exercício coletivo dos seus direitos, o disposto nos n.os 1 a 4 é aplicável aos obrigacionistas das sociedades participantes na cisão, salvo se a cisão tiver sido aprovada por uma assembleia de obrigacionistas, quando a lei nacional preveja uma tal assembleia, ou pelos obrigacionistas individualmente.

6.   Os Estados‑Membros podem estabelecer que as sociedades beneficiárias respondam solidariamente pelas obrigações da sociedade cindida. Neste caso, podem não aplicar o disposto nos [números] anteriores.

7.   Se um Estado‑Membro combinar o regime de proteção dos credores referido nos n.os 1 a 5 com a responsabilidade solidária das sociedades beneficiárias referida no n.o 6, pode limitar esta responsabilidade ao ativo líquido atribuído a cada uma destas sociedades.»

10

O artigo 15.o da Sexta Diretiva enuncia:

«As legislações dos Estados‑Membros determinarão a data a partir da qual a cisão produz efeitos.»

11

O artigo 17.o, n.o 1, dessa diretiva prevê:

«A cisão produz ipso jure e simultaneamente os seguintes efeitos:

a)

A transmissão, do conjunto do património ativo e passivo da sociedade cindida para as sociedades beneficiárias, tanto no que a estas respeita, como relativamente a terceiros; esta transmissão efetua‑se por partes, nos termos da repartição prevista no projeto de cisão ou no n.o 3 do artigo 3.o;

b)

Os acionistas da sociedade cindida tornam‑se acionistas de uma ou das sociedades beneficiárias, nos termos da repartição prevista no projeto de cisão;

c)

A sociedade cindida extingue‑se.»

12

O artigo 19.o da referida diretiva tem a seguinte redação:

«1.   As legislações dos Estados‑Membros podem disciplinar o regime da invalidade da cisão, mas somente nas seguintes condições:

a)

A invalidade deve ser reconhecida por decisão judicial;

b)

A invalidade de uma cisão que se tornou eficaz nos termos do artigo 15.o só pode ser reconhecida com fundamento na falta do controlo preventivo de legalidade judicial ou administrativo, ou de documento autêntico, ou se for decidido que a deliberação da assembleia‑geral é nula ou anulável, por força do direito nacional;

c)

A ação de invalidade não pode ser intentada se a irregularidade já tiver sido sanada ou se já tiver decorrido o prazo de seis meses, a contar da data em que a cisão é oponível àquele que invocar a invalidade;

d)

No caso de ser possível sanar o vício suscetível de produzir a invalidade da cisão, o tribunal competente concederá às sociedades interessadas um prazo para regularizar a situação;

e)

A decisão que profira a invalidade da cisão deve ser objeto de uma publicidade a efetuar pelos modos previstos na legislação de cada Estado‑Membro, nos termos do artigo 3.o da [Primeira Diretiva 68/151/CEE do Conselho, de 9 de março de 1968, tendente a coordenar as garantias que, para proteção dos interesses dos sócios e de terceiros, são exigidas nos Estados‑Membros às sociedades, na aceção do segundo parágrafo do artigo 58.o do Tratado, a fim de tornar equivalentes essas garantias em toda a Comunidade (JO 1968, L 65, p. 8; EE 17 F1 p. 3)];

f)

A oposição de terceiros, no caso de ser prevista pela legislação de um Estado‑Membro, não pode ser admitida depois de decorridos seis meses a contar da publicidade da decisão, efetuada nos termos da Diretiva 68/151/CEE;

g)

A decisão que profira a invalidade da cisão não afeta, por si só, a validade das obrigações nascidas contra ou a favor das sociedades beneficiárias, anteriormente à publicidade da decisão, mas posteriormente à data mencionada no artigo 15.o;

h)

Cada uma das sociedades beneficiárias responde pelas obrigações postas a seu cargo e contraídas após a data em que a cisão produziu efeito mas antes da data em que a decisão que profira a invalidade da cisão seja publicada. A sociedade cindida responde também por estas obrigações; os Estados‑Membros podem prever que esta responsabilidade seja limitada ao ativo líquido atribuído à sociedade beneficiária a cargo da qual foram contraídas estas obrigações.

2.   Em derrogação do disposto no n.o 1, alínea a), a legislação de um Estado‑Membro pode também prever que a invalidade da cisão seja reconhecida por uma autoridade administrativa, desde que possa ser interposto um recurso de tal decisão perante uma autoridade judicial. As alíneas b), d), e), f), g) e h) são aplicáveis por analogia com relação à autoridade administrativa. Este processo de invalidade não pode ser iniciado depois de decorridos seis meses a contar da data referida no artigo 15.o

3.   Ficam ressalvadas as legislações dos Estados‑Membros relativas à invalidade de uma cisão, reconhecida na sequência de um controlo desta, diverso do controlo preventivo de legalidade judicial ou administrativo.»

13

Os artigos 2.o a 19.o da Sexta Diretiva figuram no capítulo I da mesma, sob a epígrafe «Cisão mediante incorporação».

14

No capítulo II desta diretiva, sob a epígrafe «Cisão mediante constituição de novas sociedades», o artigo 21.o, n.o 1, prevê:

«Para os efeitos da presente diretiva, entende‑se por cisão mediante constituição de novas sociedades a operação pela qual uma sociedade, por meio de uma dissolução sem liquidação, transfere para várias sociedades constituídas de novo todo o seu património ativo e passivo, mediante a atribuição aos acionistas da sociedade cindida de ações das sociedades beneficiárias e, eventualmente, de uma quantia em dinheiro não superior a 10 % do valor nominal das ações assim atribuídas ou, na falta de valor nominal, do seu valor contabilístico.»

15

Nos termos do artigo 22.o, n.o 1, da referida diretiva, que figura igualmente no seu capítulo II:

«Os artigos 3.o, 4.o, 5.o e 7.o[,] os n.os 1 e 2[…] do artigo 8.o e os artigos 9.o a 19.o são aplicáveis, sem prejuízo dos artigos 11.o e 12.o da Diretiva n.o 68/151/CEE, à cisão mediante constituição de novas sociedades. Para efeitos desta aplicação, a expressão “sociedades participantes na cisão” designa a sociedade cindida, a expressão “sociedade beneficiária das entradas resultantes da cisão” designa cada uma das novas sociedades.»

16

O artigo 25.o da Sexta Diretiva, que figura no seu capítulo IV, intitulado «Outras operações equiparadas à cisão», dispõe:

«Sempre que a legislação de um Estado‑Membro permitir uma das operações referidas no artigo 1.o, sem que a sociedade cindida se extinga, são aplicáveis os capítulos I, II e III, com exceção do disposto no n.o 1, alínea c), do artigo 17.o»

Direito italiano

17

O artigo 2503.o do codice civile (Código Civil), sob a epígrafe «Oposição dos credores», dispõe:

«A fusão só pode ser realizada decorridos sessenta dias da última das inscrições no registo previstas no artigo 2502.o‑bis, salvo em caso de consentimento dos credores das sociedades que nela participam cujo crédito seja anterior ao registo ou à publicação prevista no terceiro parágrafo do artigo 2501.o‑ter, ou de pagamento dos credores que não tenham dado o seu consentimento, ou ainda em caso de depósito dos montantes correspondentes num banco, salvo se o relatório previsto no artigo 2501.o‑sexies tiver sido elaborado, para todas as sociedades participantes na fusão, por uma única sociedade de auditoria que certifique, sob a sua própria responsabilidade em conformidade com o artigo 2501.o‑sexies, sexto parágrafo, que, atendendo à situação patrimonial e financeira das sociedades participantes na fusão, não é necessário constituir garantias para proteger os referidos credores.

Se não for aplicável nenhuma destas exceções, os credores a que se refere o parágrafo anterior podem deduzir oposição à fusão no referido prazo de sessenta dias. Nesse caso, é aplicável o último parágrafo do artigo 2445.o»

18

O artigo 2504.o‑quater desse código, intitulado «Invalidez da fusão», prevê:

«Uma vez registado o ato de fusão nos termos do segundo parágrafo do artigo 2504.o, não poderá ser declarada a invalidade do ato de fusão.

Tal não afeta o direito de os sócios ou dos terceiros prejudicados pela fusão serem indemnizados pelos danos eventualmente sofridos.»

19

O artigo 2506.o do referido código, sob a epígrafe «Formas de cisão», dispõe:

«No âmbito da cisão, uma sociedade atribui a integralidade do seu património a várias sociedades, preexistentes ou constituídas de novo, ou parte do seu património, neste caso eventualmente a uma só sociedade, e as respetivas ações ou participações aos seus acionistas.

É permitido o pagamento de uma quantia em dinheiro, desde que não seja superior a 10 % do valor nominal das ações ou participações atribuídas. É ainda permitido que, por consentimento unânime, determinados acionistas não recebam ações ou participações de uma das sociedades beneficiárias da cisão, mas ações ou participações da sociedade cindida.

A sociedade cindida pode, no âmbito da cisão, quer proceder à sua própria dissolução sem liquidação quer prosseguir a sua atividade.

Não é permitido participarem numa cisão as sociedades em liquidação que tenham iniciado a repartição dos ativos.»

20

O artigo 2506.o‑ter, último parágrafo, do Código Civil, sob a epígrafe «Disposições aplicáveis», prevê:

«São igualmente aplicáveis à cisão os artigos 2501.o‑septies, 2502.o, 2502.o‑bis, 2503.o, 2503.o‑bis, 2504.o, 2504.o‑ter, 2504.o‑quater, 2505.o, primeiro e segundo parágrafos, 2505.o‑bis e 2505.o‑ter. Todas as referências à fusão contidas nestes artigos consideram‑se igualmente aplicáveis à cisão.»

21

O artigo 2506.o‑quater desse código, intitulado «Efeitos da cisão», dispõe, no seu último parágrafo:

«Cada sociedade é solidariamente responsável, nos limites do valor real do ativo líquido que lhe foi atribuído ou que manteve, pelas dívidas da sociedade cindida que não tenham sido liquidadas pela sociedade devedora.»

22

Nos termos do artigo 2901.o do referido código, que figura numa secção intitulada «Sobre a ação revogatória»:

«O credor, mesmo no caso de o crédito estar sujeito a condição ou a termo, pode pedir que os atos de disposição do património mediante os quais o devedor cause prejuízo aos seus interesses sejam declarados ineficazes a seu respeito quando se verifiquem as seguintes condições:

1)

que o devedor tivesse conhecimento do prejuízo que o ato podia causar aos interesses do credor ou, tratando‑se de um ato anterior à constituição do crédito, que o ato tivesse sido levado a cabo de forma dolosa com o intuito de impedir a satisfação do crédito;

2)

que, além disso, tratando‑se de ato a título oneroso, o terceiro estivesse ciente do prejuízo e, no caso de um ato anterior à constituição do crédito, tivesse participado na preparação do ato com intenção de prejudicar o credor.

[…]»

23

Resulta do artigo 2902.o, primeiro parágrafo, do Código Civil que o credor que tenha obtido a declaração de que é ineficaz o ato de disposição do devedor lesivo da sua garantia sobre o património do devedor pode intentar contra os terceiros adquirentes ações executivas ou cautelares relativamente aos bens que são objeto do ato impugnado.

24

Por último, resulta do artigo 2903.o desse código que a ação revogatória está sujeita a um prazo de prescrição de cinco anos que corre a contar da prática do ato.

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

25

Por ato notarial de 16 de setembro de 2009, a Costruzioni Ing. G. Iandolo Srl transferiu, no âmbito de uma cisão, uma parte do seu património para a I.G.I., constituída para esse fim pelo mesmo ato notarial.

26

Considerando que esta cisão fez a Costruzioni Ing. G. Iandolo perder uma grande parte do seu património e que esta passou a ser apenas proprietária de parcelas de terreno de reduzido valor, M. G. Cicenia, M. Di Pierro, S. de Vito e A. Raffaele intentaram uma ação no Tribunale di Avellino (Tribunal de Primeira Instância de Avellino, Itália), contra a I.G.I e a Costruzioni Ing. G. Iandolo, na qual declararam ser credores desta última. A título principal, intentaram uma ação revogatória, denominada «ação pauliana», ao abrigo do artigo 2901.o do Código Civil, pedindo que o ato de cisão fosse declarado ineficaz em relação a eles. A título subsidiário, pediram que a Costruzioni Ing. G. Iandolo e a I.G.I. fossem declaradas solidariamente responsáveis pelas dívidas da Costruzioni Ing. G. Iandolo, nos termos do artigo 2506.o‑quater do Código Civil.

27

Por Sentença de 11 de dezembro de 2015, o Tribunale di Avellino (Tribunal de Primeira Instância de Avellino) deferiu o pedido principal dos credores e declarou o ato de transferência de bens contido no ato de cisão em causa ineficaz em relação a eles «e no que respeita aos bens referidos no ato revogado, ainda na titularidade d[a] I.G.I.»

28

A I.G.I. e a Costruzioni Ing. G. Iandolo interpuseram recurso desta sentença na Corte d’Appello di Napoli (Tribunal de Recurso de Nápoles, Itália), alegando que a ação pauliana intentada pelos credores em causa era inadmissível pelo facto de a oposição referida no artigo 2503.o do Código Civil ser a única via de recurso que os credores das sociedades participantes numa cisão podem exercer e que, não sendo deduzida nenhuma oposição, os efeitos da cisão tornam‑se definitivos em relação a esses credores. Estas sociedades alegam, além disso, que o artigo 2506.o‑quater do Código Civil se opõe a que uma cisão seja declarada inválida depois de terem sido efetuadas as formalidades de publicação.

29

O órgão jurisdicional de reenvio refere que os artigos 2503.o, 2504.o‑quater, 2506.o‑ter e o artigo 2506.o‑quater, último parágrafo, do Código Civil transpõem, para o direito nacional, os artigos 12.o e 19.o da Sexta Diretiva.

30

Mais precisamente, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que, para implementar o artigo 12.o da Sexta Diretiva, que tem por objeto a proteção dos interesses dos credores das sociedades participantes na cisão, relativamente aos créditos anteriores à publicação do projeto de cisão, o legislador italiano previu que os credores, cujos direitos sejam anteriores à cisão, podem opor‑se à mesma num curto período de tempo. Previu igualmente que cada sociedade é considerada solidariamente responsável, nos limites do ativo líquido que lhe foi atribuído ou por ela conservado, pelas dívidas da sociedade cindida não satisfeitas pela sociedade para a qual a obrigação foi transferida. Por último, previu, para o caso de o ato de cisão já não poder ser declarado inválido, um direito de indemnização pelos danos eventualmente sofridos pelos sócios ou por terceiros prejudicados pela cisão.

31

O órgão jurisdicional de reenvio salienta igualmente que, para implementar o artigo 19.o da Sexta Diretiva, que prevê o regime das invalidades de uma cisão, o legislador italiano previu que o ato de cisão deixa de poder ser invalidado depois de inscrito no Registo Comercial.

32

O órgão jurisdicional de reenvio sublinha também que, no que respeita à questão de saber se a ação pauliana intentada por credores de uma sociedade cindida é admissível, existem duas linhas jurisprudenciais opostas que foram desenvolvidas pelos tribunais.

33

De acordo com uma primeira linha jurisprudencial, essa ação é admissível pelo facto de que, embora tanto a oposição prevista no artigo 2503.o do Código Civil como a ação revogatória prevista no artigo 2901.o desse código tenham por objeto a conservação da garantia dos credores sobre o património dos devedores, estas ações não são comparáveis. Assim, elas diferem quanto às pessoas que delas podem beneficiar, quanto ao momento em que podem ser intentadas, quanto aos prazos em que devem ser intentadas, quanto ao facto de a ação revogatória visar punir um comportamento fraudulento e, por último, quanto aos seus efeitos.

34

De acordo com a segunda linha jurisprudencial, deve excluir‑se uma ação revogatória dos credores da sociedade cindida à luz do objetivo da Sexta Diretiva de garantir que os efeitos da cisão se tornem definitivos e irrevogáveis em relação aos credores, num curto espaço de tempo, a fim de salvaguardar os interesses das muitas partes interessadas, afetadas pela cisão, diferentes dos credores da sociedade cindida.

35

A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio observa que a preservação da segurança jurídica quanto aos efeitos da cisão e aos interesses das partes envolvidas na cisão, que constitui um dos objetivos da Sexta Diretiva, só pode ser assegurada se a não propositura das ações previstas no artigo 12.o da Sexta Diretiva tiver por efeito excluir a possibilidade de os credores intentarem posteriormente outras ações para proteger a sua segurança sobre o património do devedor. Assim, o conceito de «invalidade» previsto no artigo 19.o da Sexta Diretiva deve englobar todas as ações que impliquem a ineficácia da cisão, tanto absoluta como relativa, e, neste último caso, independentemente da validade da cisão.

36

O órgão jurisdicional de reenvio sublinha, no entanto, que o artigo 12.o da Sexta Diretiva não exclui o exercício de ações posteriores para proteger a garantia dos credores sobre o património do devedor e que existe um certo número de diferenças, no direito nacional, entre a ação de declaração de nulidade e a ação pauliana.

37

Nestas condições, a Corte d’appello di Napoli (Tribunal de Recurso de Nápoles) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Podem os credores da sociedade cindida, cujos créditos são anteriores à cisão, que não deduziram oposição nos termos do artigo [2503.o] do Código Civil (e, portanto, não recorreram ao instrumento de proteção estabelecido em aplicação do artigo 12.o da [Sexta Diretiva], intentar a ação revogatória [ou pauliana] prevista no artigo [2901.o] do Código Civil após a cisão ter sido efetuada, com o objetivo de obter a declaração de sua ineficácia em relação a eles e, portanto, de serem preferentes nas ações executivas em relação aos credores da ou das sociedades beneficiárias e aos próprios sócios das referidas sociedades?

2)

O conceito de “invalidade”, previsto no artigo 19.o da Sexta Diretiva, refere‑se apenas às ações que afetem a validade da cisão ou também àquelas que, embora não afetem a validade, determinem a “ineficácia” relativa ou a inoponibilidade da cisão?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à diretiva aplicável

38

No pedido de decisão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio refere‑se tanto à Sexta Diretiva como à Diretiva (UE) 2017/1132 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de junho de 2017, relativa a certos aspetos do direito das sociedades (JO 2017, L 169, p. 46), que revogou a Sexta Diretiva a partir da sua entrada em vigor em 20 de julho de 2017. Uma vez que os factos no processo principal são todos anteriores à data da entrada em vigor da Diretiva 2017/1132, é aplicável a Sexta Diretiva.

Quanto à competência do Tribunal de Justiça

39

A Comissão manifestou dúvidas quanto à competência do Tribunal de Justiça para se pronunciar a título prejudicial, devido ao facto de o litígio no processo principal não se enquadrar no âmbito de aplicação da Sexta Diretiva, uma vez que apenas uma parte do património da Costruzioni Ing. G. Iandolo foi transferido para a I.G.I.

40

Com efeito, segundo a Comissão, resulta do artigo 21.o, n.o 1, da Sexta Diretiva, lido em conjugação com o artigo 2.o, n.o 1, desta diretiva, que esta só se aplica às cisões mediante constituição de novas sociedades em caso de transferência de todo o património ativo e passivo da sociedade cindida.

41

Por um lado, como salienta o advogado‑geral no n.o 43 das suas conclusões, resulta claramente do título da Sexta Diretiva que esta abrange as cisões de sociedades anónimas. Resulta igualmente do artigo 1.o desta diretiva, lido em conjugação com o artigo 1.o, n.o 1, da Terceira Diretiva, que a Sexta Diretiva se aplica, para a República Italiana, às «società per azioni» (sociedades anónimas). Ora, a Costruzioni Ing. G. Iandolo e a I.G.I. não são sociedades anónimas, mas sim sociedades de responsabilidade limitada.

42

Por outro lado, nos termos do artigo 21.o da Sexta Diretiva, entende‑se por cisão mediante constituição de novas sociedades a operação pela qual uma sociedade, por meio de uma dissolução sem liquidação, transfere para várias sociedades constituídas de novo todo o seu património. No entanto, a Costruzioni Ing. G. Iandolo não transferiu todo o seu património para várias sociedades, mas apenas parte do seu património para uma sociedade, a I.G.I.

43

Consequentemente, a operação de cisão em causa no processo principal não se enquadra diretamente no âmbito de aplicação da Sexta Diretiva.

44

De acordo com o artigo 267.o TFUE, o Tribunal de Justiça é competente para decidir, a título prejudicial, sobre a interpretação dos Tratados e dos atos adotados pelas instituições da União Europeia. No âmbito da cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais, instituída por esse artigo, compete exclusivamente ao juiz nacional apreciar, atendendo às particularidades de cada caso, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial, para poder proferir a sua decisão, como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça. Por conseguinte, quando as questões submetidas pelos órgãos jurisdicionais nacionais tenham por objeto a interpretação de uma disposição do direito da União, o Tribunal de Justiça tem, em princípio, o dever de se pronunciar (Acórdão de 31 de maio de 2018, Ernst & Young, C‑633/16, EU:C:2018:371, n.o 29 e jurisprudência aí referida).

45

Em aplicação desta jurisprudência, o Tribunal de Justiça já se declarou reiteradamente competente para se pronunciar sobre os pedidos de decisão prejudicial respeitantes a disposições do direito da União em situações nas quais os factos do processo principal se situavam fora do âmbito de aplicação direta do direito da União, mas nas quais as referidas disposições tinham sido declaradas aplicáveis pela legislação nacional em razão de um reenvio operado por este último para o conteúdo das mesmas. Nestes casos, mesmo que os factos do processo principal não estivessem diretamente abrangidos pelo âmbito de aplicação do direito da União, as disposições passaram a ser aplicáveis por força da legislação nacional, a qual é conforme, nas soluções dadas a situações puramente internas, às soluções acolhidas pelo direito da União (v., neste sentido, Acórdãos de 18 de outubro de 1990, Dzodzi, C‑297/88 e C‑197/89, EU:C:1990:360, n.o 37; de 17 de julho de 1997, Leur‑Bloem, C‑28/95, EU:C:1997:369, n.os 27 e 32; e de 15 de novembro de 2016, Ullens de Schooten, C‑268/15, EU:C:2016:874, n.o 53).

46

Com efeito, quando uma legislação nacional se adequa, para as soluções que dá a situações puramente internas, às soluções adotadas no direito da União, a fim, por exemplo, de evitar o aparecimento de discriminações contra cidadãos nacionais ou de eventuais distorções de concorrência, ou ainda de assegurar um processo único em situações comparáveis, existe um interesse certo da União em que, para evitar divergências de interpretação futuras, as disposições ou os conceitos retomados do direito da União sejam interpretados de modo uniforme, independentemente das condições em que os mesmos devem ser aplicados. Assim, uma interpretação, pelo Tribunal de Justiça, das disposições do direito da União em situações puramente internas justifica‑se pelo facto de essas disposições terem sido declaradas direta e incondicionalmente aplicáveis pelo direito nacional, a fim de assegurar um tratamento idêntico das situações internas e das situações regidas pelo direito da União (Acórdãos de 21 de dezembro de 2011, Cicala, C‑482/10, EU:C:2011:868, n.os 18 e 19, e de 21 de novembro de 2019, Deutsche Post e o., C‑203/18 e C‑374/18, EU:C:2019:999, n.o 37).

47

Quando o Tribunal de Justiça é chamado a pronunciar‑se por um órgão jurisdicional nacional no contexto de uma situação que não se enquadre diretamente no âmbito de aplicação do direito da União, não pode, se não houver outra indicação por parte desse órgão jurisdicional além do facto de a regulamentação nacional em causa ser indistintamente aplicável às situações regidas pelas disposições do direito da União em causa e às situações puramente internas, considerar que o pedido de decisão prejudicial sobre as disposições desse direito lhe é necessário para a resolução do litígio nele pendente (v., neste sentido, Acórdão de 15 de novembro de 2016, Ullens de Schooten, C‑268/15, EU:C:2016:874, n.o 54).

48

Os elementos concretos que permitem estabelecer que as disposições do direito da União foram declaradas direta e incondicionalmente aplicáveis pelo direito nacional, a fim de assegurar um tratamento idêntico das situações internas e das situações regidas pelo direito da União, devem resultar da decisão de reenvio (Acórdão de 20 de setembro de 2018, Fremoluc, C‑343/17, EU:C:2018:754, n.o 21).

49

Para este efeito, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio indicar, em conformidade com o artigo 94.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, de que modo, não obstante o seu caráter puramente interno, o litígio que lhe é submetido tem um elemento de conexão com as disposições do direito da União que torna necessária a interpretação prejudicial solicitada para a resolução desse litígio. Essas exigências estão, aliás, refletidas nas Recomendações do Tribunal de Justiça da União Europeia à atenção dos órgãos jurisdicionais nacionais, relativas à apresentação de processos prejudiciais (JO 2019, C 380, p. 1).

50

No caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio, o único competente para interpretar o direito nacional no âmbito do sistema de cooperação judiciária estabelecido pelo artigo 267.o TFUE, precisou que os artigos 2503.o, 2504.o‑quater, 2506.o‑ter e o artigo 2506.o‑quater, último parágrafo, do Código Civil, cuja aplicação ao caso em apreço é pedida pelas partes no processo principal, transpõem, para o direito nacional, os artigos 12.o e 19.o da Sexta Diretiva. Tal resulta, com efeito, assim como salienta a Comissão, do decreto legislativo n.o 22 — Attuazione delle direttive n.o 78/855/CEE e n.o 82/891/CEE in materia di fusioni e scissioni societarie, ai sensi dell’art. 2, comma 1, della legge 26 marzo 1990, n.o 69 (Decreto Legislativo n.o 22, que aplica as Diretivas 78/855/CEE e 82/891/CE sobre as fusões e cisões, em conformidade com o artigo 2.o, n.o 1, da Lei n.o 69, de 26 de março de 1990), de 16 de janeiro de 1991 (GURI n.o 19, de 23 de janeiro de 1991).

51

Resulta igualmente da decisão de reenvio que estes artigos do Código Civil, que transpõem, para o direito nacional, os artigos 12.o e 19.o da Sexta Diretiva, se aplicam, por força do artigo 2506.o do Código Civil, tanto às operações de cisão pelas quais uma sociedade atribui apenas uma parte do seu património a uma ou a várias sociedades como às operações de cisão pelas quais uma sociedade atribui todo o seu património a várias sociedades, e isto tanto para as sociedades anónimas como para as sociedades de responsabilidade limitada.

52

Ao transpor a Sexta Diretiva desta maneira, o legislador italiano decidiu, portanto, aplicar os artigos 12.o e 19.o da Sexta Diretiva direta e incondicionalmente também às operações de cisão das sociedades de responsabilidade limitada pelas quais uma sociedade atribui apenas uma parte do seu património a outra sociedade.

53

Além disso, importa salientar que o artigo 25.o da Sexta Diretiva, invocado pela Comissão nas suas observações escritas, não proíbe o legislador nacional de aplicar o regime de cisão previsto na Sexta Diretiva a operações de cisão das sociedades de responsabilidade limitada por meio das quais uma sociedade atribui apenas uma parte do seu património a outra sociedade, como reconheceu a Comissão na audiência.

54

Nestas circunstâncias, há que considerar que, ao contrário do que sustenta a Comissão, o Tribunal de Justiça é competente para responder às questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio.

Quanto à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial

55

A I.G.I. alega que o pedido de decisão prejudicial é inadmissível pelo facto de não conter uma descrição do quadro factual e regulamentar das questões submetidas ao Tribunal de Justiça, contrariamente ao exigido pelo artigo 94.o do Regulamento de Processo. Além disso, a I.G.I. e a Costruzioni Ing. G. Iandolo alegam que as questões submetidas não são pertinentes, uma vez que os créditos que os demandados no processo principal pretenderam proteger ao intentar a ação pauliana foram todos extintos. Na audiência, a Comissão observou igualmente que, tendo esses créditos sido efetivamente extintos, o pedido de decisão prejudicial ficou sem objeto e deve ser declarado inadmissível.

56

A este respeito, há que recordar que, segundo jurisprudência constante, as questões relativas à interpretação do direito da União submetidas pelo juiz nacional no quadro regulamentar e factual por ele definido sob a sua responsabilidade, e cuja exatidão não cabe ao Tribunal de Justiça verificar, gozam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só pode recusar conhecer de um pedido apresentado por um órgão jurisdicional nacional se se verificar de forma manifesta que a interpretação do direito da União pedida não tem qualquer relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for de natureza hipotética ou ainda quando o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para responder utilmente às questões que lhe são submetidas (Acórdão de 10 de julho de 2019, Federal Express Corporation Deutsche Niederlassung, C‑26/18, EU:C:2019:579, n.o 32 e jurisprudência aí referida).

57

Resulta igualmente de jurisprudência constante que a necessidade de obter uma interpretação do direito da União que seja útil ao órgão jurisdicional nacional exige que este defina o quadro factual e regulamentar em que se inserem as questões que submete ou que, pelo menos, explique as hipóteses factuais em que essas questões assentam. Além disso, a decisão de reenvio deve indicar as razões precisas que levaram o juiz nacional a interrogar‑se sobre a interpretação do direito da União e a considerar necessário submeter questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça (Acórdão de 19 de dezembro de 2018, Stanley International Betting e Stanleybet Malta, C‑375/17, EU:C:2018:1026, n.o 29 e jurisprudência aí referida).

58

No pedido de decisão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio descreve suficientemente o quadro jurídico e factual do processo principal e explica claramente que as questões submetidas ao Tribunal de Justiça são necessárias para decidir a questão da compatibilidade da ação pauliana, que lhe foi submetida, com o direito da União.

59

Além disso, à luz das indicações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, único competente para interpretar o direito nacional no âmbito do sistema de cooperação judiciária estabelecido pelo artigo 267.o TFUE, não se pode considerar que as questões submetidas ao Tribunal de Justiça não têm relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal ou que dizem respeito a um problema de natureza hipotética.

60

Por consequência, o pedido de decisão prejudicial é admissível.

Quanto à primeira questão

61

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 12.o da Sexta Diretiva deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que, após a realização de uma cisão, os credores da sociedade cindida, cujos direitos são anteriores a esta cisão e que não tenham recorrido aos instrumentos de proteção dos credores previstos pela regulamentação nacional em aplicação deste artigo, possam intentar uma ação pauliana a fim de obter a declaração de que a referida cisão não produz efeitos relativamente a eles e propor ações executivas ou cautelares quanto aos bens transferidos para a sociedade beneficiária.

62

A título preliminar, importa salientar que, nos termos do artigo 22.o, n.o 1, da Sexta Diretiva, os artigos 12.o e 19.o desta diretiva são aplicáveis às cisões mediante constituição de novas sociedades, na aceção do artigo 21.o, n.o 1, da Sexta Diretiva. Resulta do referido artigo 22.o, n.o 1, que, para efeitos desta aplicação, a expressão «sociedades participantes na cisão» designa a sociedade cindida e a expressão «sociedade beneficiária» designa cada uma das novas sociedades.

63

Nos termos do artigo 12.o, n.o 1, da Sexta Diretiva, os Estados‑Membros devem prever um adequado sistema de proteção dos interesses dos credores da sociedade cindida, relativamente aos créditos anteriores à publicação do projeto de cisão e ainda não vencidos no momento desta publicação.

64

O artigo 12.o, n.o 2, da Sexta Diretiva prevê que, para efeitos do n.o 1 deste artigo, os Estados‑Membros devem estabelecer, pelo menos, que esses credores têm o direito de obter garantias adequadas sempre que a situação financeira da sociedade cindida, bem como a da sociedade para a qual a obrigação será transferida em conformidade com o projeto de cisão, torne essa proteção necessária e esses credores não disponham já de tais garantias.

65

Além disso, resulta do artigo 12.o, n.os 3 e 6, da Sexta Diretiva, lido em conjugação com o artigo 22.o, n.o 1, desta diretiva, que os Estados‑Membros podem prever uma responsabilidade solidária das sociedades constituídas de novo pelas obrigações da sociedade cindida.

66

É certo que, entre os instrumentos de proteção dos credores da sociedade cindida, previstos no artigo 12.o da Sexta Diretiva, não figuram as ações paulianas.

67

Contudo, como salientou o advogado‑geral, nos n.os 59 e 60 das suas conclusões, a utilização da locução «pelo menos», no artigo 12.o, n.o 2, da Sexta Diretiva, indica que este artigo prevê um sistema mínimo de proteção dos interesses dos credores da sociedade cindida, no que respeita aos créditos constituídos antes da publicação do projeto de cisão e ainda não vencidos no momento dessa publicação. Por conseguinte, o referido número não impede os Estados‑Membros de preverem instrumentos adicionais de proteção dos interesses desses credores no que respeita a esses créditos.

68

Além disso, não resulta do artigo 12.o da Sexta Diretiva que a falta de recurso a um dos instrumentos de proteção dos credores da sociedade cindida, previstos na regulamentação nacional em aplicação deste artigo, os impede de recorrer a instrumentos de proteção diferentes dos enumerados no referido artigo.

69

Nestas circunstâncias, deve considerar‑se, à luz do objetivo enunciado no oitavo considerando desta diretiva de proteger os credores, obrigacionistas ou não, e os portadores de outros títulos das sociedades participantes do prejuízo que pode resultar da realização da cisão, que o artigo 12.o da Sexta Diretiva não exclui a possibilidade de os credores de uma sociedade cindida intentarem uma ação pauliana, como a que está em causa no processo principal, quando a situação financeira da sociedade cindida e a da sociedade para a qual a obrigação será transferida em conformidade com o projeto de cisão torne essa proteção necessária. No entanto, os efeitos dessa ação não devem ser contrários ao objetivo desta disposição.

70

Neste contexto, há que salientar que resulta da própria redação da primeira questão que uma ação pauliana, como a prevista no artigo 2901.o do Código Civil, intentada por credores da sociedade cindida, pode permitir‑lhes obter, no âmbito da execução, uma posição preferencial relativamente aos credores da sociedade beneficiária ou das sociedades beneficiárias e serem preferentes em relação aos sócios destas últimas. Dado que a operação de cisão em causa no processo principal é uma operação de cisão mediante constituição de uma nova sociedade, a expressão «da ou das sociedades beneficiárias», utilizada pelo órgão jurisdicional de reenvio, deve ser entendida como referindo‑se à ou às sociedades constituídas de novo.

71

Ora, o sistema de proteção mínima dos interesses dos credores, previsto no artigo 12.o, n.o 1, da Sexta Diretiva, lido em conjugação com o artigo 22.o, n.o 1, desta diretiva, diz respeito aos credores da sociedade cindida e não aos credores das sociedades constituídas de novo ou aos sócios destas últimas, uma vez que estas sociedades não existiam antes da cisão.

72

Além disso, resulta do artigo 12.o, n.o 4, da Sexta Diretiva, lido em conjugação com o artigo 2.o, n.o 3, da mesma e o artigo 13.o, n.o 3, da Terceira Diretiva, que a proteção «pode ser diferente» para os credores das sociedades constituídas de novo e para os credores da sociedade cindida.

73

O artigo 12.o da Sexta Diretiva não exige, portanto, que a proteção dos credores das sociedades constituídas de novo prevista pelos Estados‑Membros seja equivalente à dos credores da sociedade cindida.

74

Por conseguinte, pode deduzir‑se de todas estas disposições que a harmonização mínima, operada pela Sexta Diretiva, da proteção dos interesses dos credores das sociedades participantes na cisão não se opõe a que, no contexto de uma cisão mediante constituição de uma nova sociedade como é o caso no litígio no processo principal, seja dada prioridade à proteção dos interesses dos credores da sociedade cindida.

75

Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que responder à primeira questão que o artigo 12.o da Sexta Diretiva, lido em conjugação com os artigos 21.o e 22.o desta diretiva, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que, após a realização de uma cisão, os credores da sociedade cindida, cujos direitos são anteriores a esta cisão e que não tenham recorrido aos instrumentos de proteção dos credores previstos pela regulamentação nacional em aplicação do mencionado artigo 12.o, possam intentar uma ação pauliana a fim de obter a declaração de que a referida cisão não produz efeitos relativamente a eles e propor ações executivas ou cautelares quanto aos bens transferidos para a sociedade constituída de novo.

Quanto à segunda questão

76

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 19.o da Sexta Diretiva, que prevê o regime da invalidade da cisão, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à propositura, após a realização de uma cisão, pelos credores da sociedade cindida, de uma ação pauliana que não prejudique a validade desta cisão, mas permita apenas torná‑la inoponível a esses credores.

77

O artigo 19.o da Sexta Diretiva prevê o regime da invalidade da cisão. Em particular, este artigo limita os casos de invalidade, prevê um prazo curto para invocar a invalidade e estabelece que, quando seja possível sanar a irregularidade suscetível de produzir a invalidade da cisão, é concedido às sociedades interessadas um prazo para regularizar a situação.

78

O conceito de «invalidade» não é definido pela Sexta Diretiva.

79

Na falta de definição deste conceito, importa, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, determinar o seu significado e alcance de acordo com o sentido habitual dos termos empregados, tendo em conta o contexto em que são utilizados e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que fazem parte (Acórdão de 26 de julho de 2017, Jafari, C‑646/16, EU:C:2017:586, n.o 73 e jurisprudência aí referida).

80

O conceito de «invalidade», no seu sentido habitual, refere‑se a ações que visam a anulação de um ato, conduzem à sua destruição e produzem efeitos erga omnes.

81

Esse significado do conceito de «invalidade» é confirmado pelo contexto desse conceito e pelos objetivos prosseguidos pela Sexta Diretiva, como salientou o advogado‑geral nos n.os 73 a 75 das suas conclusões.

82

Com efeito, no que diz respeito ao contexto do referido conceito, importa salientar que o artigo 19.o, n.o 1, alínea b), da Sexta Diretiva prevê que a invalidade de uma cisão que se tornou eficaz só pode ser reconhecida em três casos, a saber, com fundamento na falta do controlo preventivo de legalidade judicial ou administrativo, na falta de documento autêntico, ou se for decidido que a deliberação da assembleia‑geral, que aprovou o projeto de cisão, é nula ou anulável, por força do direito nacional.

83

Ora, estes três casos de invalidade estão relacionados com a formação da cisão e afetam a própria existência da mesma. Estes são, portanto, casos que conduzem à destruição da cisão.

84

No que respeita aos objetivos prosseguidos pela Sexta Diretiva, resulta do décimo primeiro considerando da Sexta Diretiva que o legislador da União entendeu que se devia limitar os casos de invalidade, estabelecendo, por um lado, que os vícios do ato sejam sanáveis, sempre que possível, e, por outro lado, um prazo breve para invocar a invalidade, a fim de assegurar a segurança jurídica nas relações tanto entre as sociedades participantes na cisão como entre estas e terceiros, bem como entre os acionistas. Este objetivo da Sexta Diretiva, que foi implementado no seu artigo 19.o, confirma que a invalidade de uma cisão produz efeitos erga omnes.

85

Ora, conforme observou o advogado‑geral no n.o 79 das suas conclusões, se a ação de invalidade visa sancionar o desrespeito das condições de constituição do ato de cisão, a ação pauliana como a que está em causa no processo principal tem apenas por objetivo a proteção dos credores cujos direitos foram lesados devido à cisão.

86

Com efeito, resulta da decisão de reenvio que a ação pauliana intentada pelos demandados no processo principal com base no artigo 2901.o do Código Civil, permite apenas tornar‑lhes inoponível a cisão em causa e, em especial, a transferência de determinados bens referidos no ato de cisão. Esta ação não afeta a validade dessa cisão, não conduz à sua destruição e não tem qualquer efeito erga omnes.

87

Por conseguinte, a referida ação não está abrangida pelo conceito de «invalidade» referido no artigo 19.o da Sexta Diretiva.

88

Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que responder à segunda questão que o artigo 19.o da Sexta Diretiva, lido em conjugação com os artigos 21.o e 22.o desta diretiva, que prevê o regime da invalidade da cisão, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe à propositura, após a realização de uma cisão, pelos credores da sociedade cindida, de uma ação pauliana que não prejudique a validade desta cisão, mas permita apenas torná‑la inoponível a esses credores.

Quanto às despesas

89

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

 

1)

O artigo 12.o da Sexta Diretiva 82/891/CEE do Conselho, de 17 de dezembro de 1982, fundada no n.o 3, alínea g), do artigo 54.o do Tratado, relativa às cisões de sociedades anónimas, conforme alterada pela Diretiva 2007/63/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007, lido em conjugação com os artigos 21.o e 22.o da referida Diretiva 82/891, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que, após a realização de uma cisão, os credores da sociedade cindida, cujos direitos são anteriores a esta cisão e que não tenham recorrido aos instrumentos de proteção dos credores previstos pela regulamentação nacional em aplicação do mencionado artigo 12.o, possam intentar uma ação pauliana a fim de obter a declaração de que a referida cisão não produz efeitos relativamente a eles e propor ações executivas ou cautelares quanto aos bens transferidos para a sociedade constituída de novo.

 

2)

O artigo 19.o da Diretiva 82/891, conforme alterada pela Diretiva 2007/63, lido em conjugação com os artigos 21.o e 22.o da referida Diretiva 82/891, que prevê o regime da invalidade da cisão, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe à propositura, após a realização de uma cisão, pelos credores da sociedade cindida, de uma ação pauliana que não prejudique a validade desta cisão, mas permita apenas torná‑la inoponível a esses credores.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: italiano.