ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

3 de julho de 2019 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Artigos 34.o e 36.o TFUE — Livre circulação de mercadorias — Medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa — Proteção da saúde e da vida das pessoas — Importação paralela de medicamentos — Medicamentos de referência e medicamentos genéricos — Requisito segundo o qual o medicamento importado e aquele que foi objeto de uma autorização de introdução no mercado no Estado‑Membro de importação devem ambos ser medicamentos de referência ou ambos medicamentos genéricos»

No processo C‑387/18,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Wojewódzki Sąd Administracyjny w Warszawie (Tribunal Administrativo da província de Varsóvia, Polónia), por Decisão de 18 de abril de 2018, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 12 de junho de 2018, no processo

Delfarma sp. z o.o.

contra

Prezes Urzędu Rejestracji Produktów Leczniczych, Wyrobów Medycznych i Produktów Biobójczych,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: E. Regan, presidente de secção, C. Lycourgos, E. Juhász, M. Ilešič e I. Jarukaitis (relator), juízes,

advogado‑geral: G. Hogan,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Delfarma sp. z o.o., por J. Dudzik, radca prawny,

em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

em representação do Governo checo, por M. Smolek e J. Vláčil, na qualidade de agentes,

em representação da Irlanda, por M. Browne, G. Hodge, J. Quaney e A. Joyce, na qualidade de agentes, assistidos por C. Donnelly, barrister,

em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por M. Russo, avvocato dello Stato,

em representação da Comissão Europeia, por K. Herrmann, E. Manhaeve e A. Sipos, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 34.o e 36.o TFUE.

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Delfarma sp. z o.o. ao Prezes Urzędu Rejestracji Produktów Leczniczych, Wyrobów Medycznych i Produktów Biobójczych (Presidente do Instituto de Registo de Medicamentos, Dispositivos Médicos e Produtos Biocidas, Polónia) (a seguir «Presidente do Instituto») a respeito da recusa em conceder uma autorização de importação paralela de um medicamento genérico.

Quadro jurídico

Direito da União

3

Nos termos do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2001/83/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de novembro de 2001, que estabelece um código comunitário relativo aos medicamentos para uso humano (JO 2001, L 311, p. 67; retificações no JO 2009, L 87, p. 174, e no JO 2011, L 276, p. 63), conforme alterada pela Diretiva 2012/26/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2012 (JO 2012, L 299, p. 1) (a seguir «Diretiva 2001/83»):

«Não pode ser introduzido um medicamento no mercado de um Estado‑Membro sem que para tal tenha sido emitida pela autoridade competente desse Estado‑Membro uma autorização de introdução no mercado, em conformidade com a presente diretiva, ou sem que tenha sido concedida uma autorização em conformidade com o Regulamento (CE) n.o 726/2004 [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, que estabelece procedimentos comunitários de autorização e de fiscalização de medicamentos para uso humano e veterinário e que institui uma Agência Europeia de Medicamentos (JO 2004, L 136, p. 1)], em conjugação com o Regulamento (CE) n.o 1901/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, relativo a medicamentos para uso pediátrico e que altera o Regulamento (CEE) n.o 1768/92, a Diretiva 2001/20/CE, a Diretiva 2001/83/CE e o Regulamento n.o 726/2004 (JO 2006, L 378, p. 1),] e com o Regulamento (CE) n.o 1394/2007 [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007, relativo a medicamentos de terapia avançada e que altera a Diretiva 2001/83 e o Regulamento n.o 726/2004 (JO 2007, L 324, p. 121)].

[…]»

4

O artigo 8.o, n.o 3, desta diretiva especifica as informações e os documentos que devem acompanhar o pedido de autorização de introdução no mercado apresentado à autoridade competente do Estado‑Membro em causa, os quais incluem os resultados dos ensaios farmacêuticos (físico‑químicos, biológicos ou microbiológicos), pré‑clínicos (toxicológicos e farmacológicos) e clínicos.

5

O artigo 10.o da referida diretiva dispõe:

«1.   Em derrogação da alínea i) do n.o 3 do artigo 8.o e sem prejuízo das leis relativas à proteção da propriedade industrial e comercial, o requerente não é obrigado a fornecer os resultados dos ensaios pré‑clínicos e clínicos se puder demonstrar que o medicamento é um genérico de um medicamento de referência que seja ou tenha sido autorizado nos termos do artigo 6.o há, pelo menos, oito anos num Estado‑Membro ou na [União Europeia].

[…]

2.   Para efeitos do presente artigo entende‑se por:

a)

Medicamento de referência, um medicamento autorizado, nos termos do artigo 6.o, em conformidade com o disposto no artigo 8.o;

b)

Medicamento genérico, um medicamento com a mesma composição qualitativa e quantitativa em substâncias ativas, a mesma forma farmacêutica que o medicamento de referência e cuja bioequivalência com este último tenha sido demonstrada por estudos adequados de biodisponibilidade. […]

[…]»

Direito polaco

6

O artigo 2.o, ponto 7b, da Ustawa — Prawo farmaceutyczne (Lei Relativa ao Direito Farmacêutico), de 6 de setembro de 2001 (a seguir «Lei dos Medicamentos»), define o conceito de «importação paralela» nos termos seguintes:

«[…] qualquer atividade, na aceção do artigo 72.o, n.o 4, que consista em importar de um Estado‑Membro da União Europeia ou de um Estado‑Membro da Associação Europeia de Comércio Livre (EFTA), que sejam parte no Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, um medicamento que satisfaça as seguintes condições cumulativas:

a)

o medicamento importado contém a mesma substância ativa (ou substâncias ativas), pelo menos as mesmas indicações de nível 3 do código ATC/ATCvet (código internacional de classificação anatómica, terapêutica e química de medicamentos/código internacional de classificação anatómica, terapêutica e química de medicamentos veterinários), a mesma dosagem, a mesma via de administração e a mesma forma de um medicamento autorizado no mercado da República da Polónia ou uma forma semelhante que não apresente diferenças terapêuticas em relação ao medicamento autorizado no mercado da República da Polónia;

b)

o medicamento importado e o medicamento autorizado no mercado da República da Polónia são, simultaneamente, medicamentos de referência ou produtos equivalentes aos medicamentos de referência, respetivamente, no Estado onde o medicamento é importado e na República da Polónia.»

7

O artigo 21a, n.o 5, da Lei dos Medicamentos prevê:

«Caso o Presidente do Instituto não possa, com base na documentação disponível, determinar se as diferenças entre o medicamento objeto de importação paralela e o medicamento titular da autorização de introdução no mercado da República da Polónia podem ser consideradas pertinentes para a segurança ou eficácia desse medicamento, deve requerer às autoridades competentes do Estado‑Membro da União Europeia ou do Estado‑Membro da Associação Europeia de Comércio Livre (EFTA), que sejam parte no Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, do qual o medicamento é importado, documentação adicional, que não a referida nos n.os 7 e 8.»

Litígio no processo principal e questão prejudicial

8

A Delfarma é uma empresa que exerce a atividade de importação paralela de medicamentos para o mercado polaco. A mesma empresa apresentou ao Presidente do Instituto um pedido de autorização de importação paralela, a partir do Reino Unido, do medicamento «Sumamed, Azithromycinum, comprimidos revestidos por película, 500 mg» (a seguir «Sumamed»), conhecido no Reino Unido por «Azithromycin 500 mg Film‑Coated Tablets» (a seguir «Azithromycin»). No pedido, indicou que o Azithromycin, autorizado no Reino Unido, e o Sumamed, autorizado na Polónia, eram totalmente idênticos.

9

Por Decisão de 13 de junho de 2017, o Presidente do Instituto indeferiu esse pedido com fundamento no artigo 2.o, ponto 7b, da Lei dos Medicamentos após ter declarado que o Azithromycin tinha sido autorizado no Reino Unido em face de documentação abreviada, enquanto produto equivalente a um medicamento de referência, ao passo que o Sumamed tinha sido introduzido no mercado na Polónia em face de documentação completa, enquanto medicamento de referência. Na fundamentação da sua decisão, o Presidente do Instituto salientou, nomeadamente, que a proibição das restrições quantitativas à importação e das medidas equivalentes resultante do artigo 34.o TFUE não obstava à aplicação de proibições e de restrições justificadas por razões de proteção da saúde e da vida das pessoas.

10

A Delfarma requereu uma reapreciação do seu pedido, solicitando ao Presidente do Instituto que não fosse aplicado o artigo 2.o, ponto 7b, alínea b), da Lei dos Medicamentos, com o fundamento de que o mesmo institui uma restrição à livre circulação de mercadorias, proibida pelo artigo 34.o TFUE. Como fundamento para este pedido, a Delfarma contestou, por um lado, a consideração segundo a qual o equivalente a um medicamento de referência e um medicamento de referência não poderem ser considerados idênticos ou semelhantes pelo simples facto de terem sido autorizados perante documentos diferentes. Por outro lado, alega que o requisito suplementar previsto no artigo 2.o, ponto 7b, alínea b), da Lei dos Medicamentos, segundo a qual o medicamento importado e o medicamento autorizado no Estado de importação devem entrar na mesma categoria de registo dos medicamentos, revestia um caráter formal e não se justificava por razões de proteção da saúde pública.

11

Por Decisão de 3 de agosto de 2017, o Presidente do Instituto confirmou a sua decisão anterior, considerando que a documentação relativa a um medicamento de referência não podia atestar a qualidade, a segurança e a eficácia de um equivalente ao medicamento de referência e que a introdução no mercado de um medicamento, relativamente ao qual a autoridade competente não dispunha de documentação que permitisse verificar esses dados, constituía uma ameaça para a vida e a saúde, o que justificava o requisito previsto no artigo 2.o, ponto 7b, alínea b), da Lei dos Medicamentos.

12

Como fundamento do recurso interposto desta decisão no órgão jurisdicional de reenvio, a Delfarma acusa o Presidente do Instituto de não ter comparado os dois medicamentos em causa quando dispunha das informações obtidas junto da autoridade competente do Reino Unido e de que podia, por força do artigo 21a, n.o 5, da Lei dos Medicamentos, solicitar a essa autoridade informações suplementares se o tivesse por necessário. Alega que o Presidente do Instituto considerou erradamente que o artigo 2.o, ponto 7b, alínea b), desta lei se justificava por razões de segurança, mas a interpretação que fez desta disposição levou‑o a excluir a possibilidade de proceder a um exame da identidade terapêutica destes dois medicamentos e a tomar uma decisão que configura uma restrição à livre circulação de mercadorias, não justificada ao abrigo do artigo 36.o TFUE.

13

O órgão jurisdicional de reenvio entende que a solução do litígio no processo principal necessita que seja decidida a questão de saber se o Tratado FUE obsta à aplicação do artigo 2.o, ponto 7b, alínea b), da Lei dos Medicamentos, nos termos do qual a inobservância do requisito nele previsto pode constituir um fundamento autónomo e exclusivo para que seja recusada a concessão de uma autorização de importação paralela de um medicamento.

14

Afigura‑se ao órgão jurisdicional de reenvio que da jurisprudência do Tribunal de Justiça se extrai uma posição restritiva quanto à introdução de restrições à livre circulação de mercadorias, no que respeita aos produtos farmacêuticos. Esse órgão jurisdicional tem, portanto, dúvidas quanto à questão de saber se o direito da União permite que seja recusada a concessão de uma autorização de importação paralela de um medicamento apenas com o fundamento de que o pedido não preenche um requisito formal suplementar como o previsto no artigo 2.o, ponto 7b, alínea b), da Lei dos Medicamentos, o qual exige que o medicamento importado e o medicamento já autorizado no Estado‑Membro de importação tenham sido objeto de uma autorização de introdução no mercado (a seguir «AIM») à luz de documentações idênticas.

15

O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, especialmente, sobre a conformidade dessa disposição com o princípio da proporcionalidade, a qual permite recusar a concessão de uma autorização de importação paralela de um medicamento na falta de documentação idêntica, ao passo que, ao abrigo do direito nacional, o Presidente do Instituto pode solicitar às autoridades competentes do Estado‑Membro de exportação que lhe enviem a documentação pertinente, a fim de comparar os medicamentos em causa.

16

Foi nestas circunstâncias que o Wojewódzki Sąd Administracyjny w Warszawie (Tribunal Administrativo da província de Varsóvia, Polónia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão:

«Deve o direito da União, especialmente os artigos 34.o e 36.o [TFUE], ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional segundo a qual a autorização de introdução no mercado de um Estado‑Membro de um medicamento de importação paralela não é concedida pelo simples facto de esse medicamento, objeto de importação paralela, já ter sido autorizado no Estado‑Membro de exportação como equivalente ao produto de referência, ou seja, com base no processo abreviado, e no Estado‑Membro de importação ter sido autorizada a colocação no mercado desse medicamento como medicamento de referência, ou seja, com base no processo completo, pelo que a recusa ocorre sem o estudo das principais semelhanças terapêuticas entre ambos os medicamentos e sem a autoridade nacional requerer o processo junto da autoridade competente no país de exportação, apesar de existir esta possibilidade?»

Quanto à questão prejudicial

17

Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 34.o e 36.o TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação de um Estado‑Membro, como a que está em causa no processo principal, que exige, para que possa ser concedida uma autorização de importação paralela de um medicamento, que esse medicamento e o medicamento que foi objeto de uma AIM nesse Estado‑Membro sejam ambos medicamentos de referência ou ambos medicamentos genéricos e que, consequentemente, proíbe a concessão de qualquer autorização de importação paralela de um medicamento quando este seja um medicamento genérico e o medicamento já autorizado nesse Estado‑Membro seja um medicamento de referência.

18

A este respeito, deve recordar‑se que, por força do artigo 6.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2001/83, nenhum medicamento pode ser introduzido no mercado pela primeira vez num Estado‑Membro sem que para tal tenha sido emitida pela autoridade competente desse Estado‑Membro uma AIM, nos termos dessa diretiva, ou sem que tenha sido concedida uma autorização nos termos das disposições do Regulamento n.o 726/2004. O pedido de AIM deve ser acompanhado das informações e dos documentos previstos no artigo 8.o, n.o 3, da referida diretiva, mesmo quando o medicamento em causa já beneficie de uma AIM emitida pela autoridade competente de outro Estado‑Membro (v., neste sentido, Acórdãos de 12 de novembro de 1996, Smith & Nephew e Primecrown, C‑201/94, EU:C:1996:432, n.o 19; de 16 de dezembro de 1999, Rhône‑Poulenc Rorer e May & Baker, C‑94/98, EU:C:1999:614, n.o 23; e de 10 de setembro de 2002, Ferring, C‑172/00, EU:C:2002:474, n.o 19).

19

Todavia, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a Diretiva 2001/83 não é aplicável a um medicamento que beneficia de uma AIM num Estado‑Membro e cuja importação noutro Estado‑Membro constitua uma importação paralela em relação a um medicamento que já beneficia de uma AIM nesse segundo Estado‑Membro, não podendo este medicamento importado, neste caso, ser considerado como sendo introduzido pela primeira vez no mercado no Estado‑Membro de importação. Tal situação está, por conseguinte, abrangida pelas disposições do Tratado FUE relativas à livre circulação de mercadorias (v., neste sentido, Acórdãos de 12 de novembro de 1996, Smith & Nephew e Primecrown, C‑201/94, EU:C:1996:432, n.o 21, e de 16 de dezembro de 1999, Rhône‑Poulenc Rorer e May & Baker, C‑94/98, EU:C:1999:614, n.o 27; v., igualmente, no que respeita aos produtos fitofarmacêuticos, Acórdão de 6 de novembro de 2014, Mac, C‑108/13, EU:C:2014:2346, n.o 27 e jurisprudência referida, e, no que respeita aos medicamentos veterinários, Acórdão de 27 de outubro de 2016, Audace e o., C‑114/15, EU:C:2016:813, n.o 51 e jurisprudência referida).

20

Deve recordar‑se que resulta de jurisprudência constante que qualquer medida de um Estado‑Membro suscetível de entravar, direta ou indiretamente, efetiva ou potencialmente, o comércio na União deve ser considerada uma medida de efeito equivalente a restrições quantitativas, na aceção do artigo 34.o TFUE (v., neste sentido, Acórdãos de 20 de maio de 1976, de Peijper, 104/75, EU:C:1976:67, n.o 12, e de 23 de dezembro de 2015, Scotch Whisky Association e o., C‑333/14, EU:C:2015:845, n.o 31 e jurisprudência referida).

21

A livre circulação de mercadorias implica que um operador que tenha adquirido um medicamento legalmente comercializado num Estado‑Membro ao abrigo de uma AIM emitida nesse Estado possa importar o medicamento noutro Estado‑Membro, onde já beneficia de uma AIM, sem ser obrigado a obter aquela autorização em conformidade com a Diretiva 2001/83 e sem ter de fornecer todas as informações e os documentos previstos nesta para o controlo da eficácia e da inocuidade do medicamento (v., neste sentido, Acórdão de 10 de setembro de 2002, Ferring, C‑172/00, EU:C:2002:474, n.o 21 e jurisprudência referida).

22

Resulta dos artigos 34.o e 36.o TFUE que um Estado‑Membro não deve obstaculizar a importação paralela de um medicamento impondo ao importador o cumprimento dos mesmos requisitos aplicáveis às empresas que pedem, pela primeira vez, uma AIM para um medicamento. No entanto, a importação está sujeita à condição de o medicamento não pôr em causa a proteção da saúde pública (v., neste sentido, Acórdão de 16 de dezembro de 1999, Rhône‑Poulenc Rorer e May & Baker, C‑94/98, EU:C:1999:614, n.o 40).

23

Deve, portanto, a autoridade competente do Estado‑Membro de importação, no momento da importação e com fundamento nas informações de que dispõe, assegurar‑se de que o medicamento importado paralelamente e aquele que é objeto de uma AIM no Estado‑Membro de importação, embora não sendo idênticos em todos os detalhes, foram pelo menos fabricados segundo a mesma fórmula e utilizando a mesma substância ativa, de que têm os mesmos efeitos terapêuticos e de que o medicamento importado não coloca nenhum problema no plano da qualidade, da eficácia e da inocuidade (v., neste sentido, Acórdãos de 12 de novembro de 1996, Smith & Nephew e Primecrown, C‑201/94, EU:C:1996:432, n.o 26, e de 16 de dezembro de 1999, Rhône‑Poulenc Rorer e May & Baker, C‑94/98, EU:C:1999:614, n.o 45).

24

Se, no final da análise realizada, a autoridade competente do Estado‑Membro de importação verificar que estão preenchidos todos os critérios enunciados no número anterior do presente acórdão, o medicamento a importar deve ser considerado como tendo sido já introduzido no mercado no Estado‑Membro de importação e, por conseguinte, deve poder beneficiar da AIM concedida para o medicamento já existente no mercado, a não ser que a tal se oponham considerações atinentes à proteção eficaz da vida e da saúde das pessoas (v., neste sentido, Acórdão de 12 de novembro de 1996, Smith & Nephew e Primecrown, C‑201/94, EU:C:1996:432, n.o 29; v., igualmente, no que respeita aos produtos fitofarmacêuticos, Acórdãos de 11 de março de 1999, British Agrochemicals Association, C‑100/96, EU:C:1999:129, n.o 36, e de 6 de novembro de 2014, Mac, C‑108/13, EU:C:2014:2346, n.o 28). Assim, esta autoridade é obrigada a autorizar a especialidade farmacêutica importada paralelamente que satisfaça esses critérios, sempre que esteja convencida de que essa especialidade, não obstante a eventual existência de diferenças relativas aos excipientes, não coloca nenhum problema no plano da qualidade, da eficácia e da inocuidade (Acórdão de 16 de dezembro de 1999, Rhône‑Poulenc Rorer e May & Baker, C‑94/98, EU:C:1999:614, n.o 45).

25

Baseando‑se na jurisprudência do Tribunal de Justiça, a comunicação da Comissão sobre as importações paralelas de medicamentos cuja introdução no mercado já foi autorizada, de 30 de dezembro de 2003 [COM (2003) 839 final], indica, no seu ponto 3, que, «[e]specificamente, sempre que as informações necessárias à proteção da saúde pública já foram disponibilizadas às autoridades competentes do Estado‑Membro destinatário em resultado da primeira colocação no mercado desse Estado‑Membro de determinado medicamento, o medicamento importado paralelamente está sujeito a uma licença concedida com base num procedimento proporcionalmente simplificado, desde que ao medicamento importado tenha sido concedida uma [AIM] no Estado‑Membro exportador [e que] o medicamento importado seja suficientemente semelhante a um medicamento cuja introdução no mercado já tenha sido autorizada no Estado‑Membro destinatário, ainda que possa haver diferenças nos excipientes».

26

No caso em apreço, é pacífico que o artigo 2.o, ponto 7b, alínea b), da Lei dos Medicamentos — que exige, para que possa ser concedida uma autorização de importação paralela de um medicamento na Polónia, que esse medicamento e o medicamento que foi objeto de uma AIM nesse Estado‑Membro sejam ambos medicamentos de referência ou ambos medicamentos genéricos e que, consequentemente, proíbe a concessão de qualquer autorização de importação paralela de um medicamento quando este seja um medicamento genérico e o medicamento já autorizado nesse Estado‑Membro seja um medicamento de referência — constitui um obstáculo ao acesso ao mercado em causa desse medicamento genérico e constitui, por conseguinte, uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa à importação, proibida pelo artigo 34.o TFUE, a menos que seja justificada por razões atinentes à proteção da saúde e da vida das pessoas, prevista no artigo 36.o TFUE.

27

O Governo polaco alega que este requisito é justificado por razões de proteção da saúde e da vida das pessoas. Com efeito, em seu entender, este requisito constitui um dos elementos que permite garantir que os medicamentos em causa são essencialmente semelhantes, o que não é possível quando estes tenham sido objeto de registos diferentes, com base em documentação diferente. O mesmo sucederia se o Presidente do Instituto tivesse obtido uma documentação completa relativa ao medicamento importado pelo Estado‑Membro de exportação, pois seria necessário, para confirmar a bioequivalência dos medicamentos em causa, que o medicamento de referência autorizado nesse Estado fosse idêntico ao medicamento de referência autorizado na Polónia. Assim, este requisito previne a introdução no mercado de medicamentos relativamente aos quais o Presidente do Instituto não dispõe de documentação que permita confirmar a sua semelhança com medicamentos que beneficiem de uma AIM na Polónia e, portanto, garantir a sua segurança e eficácia.

28

Este governo acrescenta que não devia ser necessário a autoridade competente do Estado‑Membro de importação solicitar a apresentação da documentação completa relativa ao medicamento importado, tendo em conta o caráter simplificado do processo de importação paralela relativamente ao processo de AIM previsto na Diretiva 2001/83. Além disso, na sua opinião, na falta do requisito previsto no artigo 2.o, ponto 7b, alínea b), da Lei dos Medicamentos haveria o risco de este último procedimento ser contornado, dado que o procedimento de importação paralela permitiria obter o mesmo resultado com menor custo e mais rapidamente.

29

A este respeito, importa salientar que, embora seja certo que, entre os bens ou interesses protegidos pelo artigo 36.o TFUE, a saúde e a vida das pessoas ocupam o primeiro lugar e ainda que caiba aos Estados‑Membros, dentro dos limites impostos no Tratado FUE, estabelecer a que nível pretendem assegurar essa proteção, especialmente sobre o grau de severidade dos controlos a efetuar, também é verdade que, segundo jurisprudência constante, uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa à importação só pode ser justificada, nomeadamente, por razões de proteção da saúde e da vida das pessoas, na aceção deste artigo, se essa medida for adequada para garantir a realização do objetivo prosseguido e não ultrapassar o necessário para o alcançar (v., neste sentido, Acórdãos de 20 de maio de 1976, de Peijper, 104/75, EU:C:1976:67, n.os 15 a 17, e de 23 de dezembro de 2015, Scotch Whisky Association e o., C‑333/14, EU:C:2015:845, n.o 33).

30

O artigo 36.o TFUE não pode ser invocado, nomeadamente, para justificar legislações ou práticas, ainda que úteis, mas cujos aspetos restritivos se explicam essencialmente pela preocupação de reduzir o encargo administrativo ou as despesas públicas, a menos que, na ausência das referidas legislações ou práticas, este encargo ou estas despesas ultrapassem manifestamente os limites do que pode ser razoavelmente exigido (Acórdão de 20 de maio de 1976, de Peijper, 104/75, EU:C:1976:67, n.o 18).

31

No caso em apreço, há que salientar que, por um lado, como indicou o órgão jurisdicional de reenvio, o artigo 2.o, ponto 7b, alínea b), da Lei dos Medicamentos prevê um requisito formal cuja inobservância pode, por si só, constituir um motivo autónomo de recusa de concessão de uma autorização de importação paralela de um medicamento. Assim, por força desta disposição, a autoridade nacional competente pode recusar a concessão dessa autorização sem sequer analisar as informações de que dispõe relativamente aos medicamentos em causa para averiguar se estes são semelhantes, embora decorra da jurisprudência recordada nos n.os 23 e 24 do presente acórdão que lhe incumbe efetuar essa análise.

32

Por outro lado, não se afigura que, numa situação como a que está em causa no processo principal, em que o medicamento importado é um medicamento genérico, ao passo que o medicamento já autorizado no Estado‑Membro de importação é um medicamento de referência, a documentação relativa a esse medicamento genérico, apresentada pelo importador, e a documentação relativa a esse medicamento de referência, de que essa autoridade dispõe, sejam sistematicamente insuficientes e que uma documentação mais completa, que inclui a que é atinente ao medicamento de referência, o qual foi objeto de uma AIM no Estado‑Membro de exportação, seja indispensável em todos os casos para verificar que esses medicamentos foram, pelo menos, fabricados de acordo com a mesma fórmula e utilizando a mesma substância ativa, e que têm os mesmos efeitos terapêuticos.

33

Quanto ao demais, no que respeita às informações necessárias à análise de um pedido de autorização de importação paralela de um medicamento, o Tribunal de Justiça já salientou que as autoridades nacionais competentes dispõem de meios legislativos e administrativos capazes de obrigar o fabricante ou o seu representante autorizado a fornecer as indicações de que dispõem e que consideram necessárias, e que uma simples colaboração entre as autoridades dos Estados‑Membros lhes permite obter reciprocamente os documentos necessários à verificação (v., neste sentido, Acórdãos de20 de maio de 1976, de Peijper,104/75, EU:C:1976:67, n.os 26 e 27, e de 12 de novembro de 1996, Smith & Nephew et Primecrown, C‑201/94, EU:C:1996:432, n.os 27 e 28; v., igualmente, no que diz respeito aos produtos fitofarmacêuticos, Acórdão de 6 de novembro de 2014, Mac, C‑108/13, EU:C:2014:2346, n.o 36 e jurisprudência referida).

34

O Tribunal de Justiça precisou que, quando o requerente não puder aceder a todas as informações necessárias, mas fornecer elementos que, no mínimo, tornem plausível que os dois medicamentos em causa não apresentam diferenças significativas no que respeita à avaliação da sua segurança e da sua eficácia, as autoridades competentes devem proceder de forma a que a sua decisão relativamente à possibilidade de alargar ao segundo medicamento a AIM concedida ao primeiro seja tomada com base em informações tão completas quanto possível, incluindo aquelas de que disponham ou que possam obter no âmbito da cooperação com as autoridades sanitárias de outros Estados‑Membros (Acórdão de 1 de abril de 2004, Kohlpharma, C‑112/02, EU:C:2004:208, n.o 20).

35

Daqui decorre que incumbe à autoridade nacional competente, se considerar que está insuficientemente informada para apreciar a semelhança entre o medicamento importado e o medicamento de referência já autorizado no Estado‑Membro de importação, pedir ao importador que apresente indicações suplementares e, sendo caso disso, solicitar à autoridade nacional competente do Estado‑Membro de exportação, no âmbito da cooperação entre Estados‑Membros, os documentos necessários às verificações, incluindo, se necessário, os relativos ao medicamento de referência que tenha sido objeto de uma AIM nesse Estado‑Membro. Este tipo de investigação, que o órgão jurisdicional de reenvio indica estar previsto no artigo 21a, n.o 5, da Lei dos Medicamentos, não pode ser considerado um ónus que ultrapassa manifestamente os limites do que pode ser razoavelmente exigido.

36

Assim, apesar dessa investigação, no caso de a autoridade nacional competente continuar a estar insuficientemente informada ou, em qualquer caso, se, após ter efetuado as verificações necessárias, tiver dúvidas sobre se o medicamento importado coloca algum problema no plano da qualidade, da eficácia e da inocuidade, deverá, em conformidade com a jurisprudência recordada nos n.os 22 a 24 do presente acórdão, recusar conceder a autorização de importação paralela do medicamento.

37

A este respeito, há que salientar que, no processo principal, o Presidente do Instituto já dispunha de documentação completa sobre o medicamento de referência Sumamed que foi objeto de uma AIM na Polónia e que a recusa de autorização de importação paralela não assentava nos fundamentos evocados no número anterior do presente acórdão, mas unicamente no facto de esses medicamentos não entrarem na mesma categoria de registo, sendo um deles um medicamento de referência e o outro um medicamento genérico.

38

Daqui resulta que o requisito previsto no artigo 2.o, ponto 7b, alínea b), da Lei dos Medicamentos, na medida em que impede qualquer análise do caráter semelhante dos medicamentos em causa e se baseia numa alegada insuficiência sistemática de documentação para proceder às verificações necessárias ou no risco dessa insuficiência, ultrapassa o que é necessário para atingir o objetivo de proteção da saúde e da vida das pessoas invocado.

39

Além disso, este requisito é tão-pouco necessário para evitar o risco de a Diretiva 2001/83 ser contornada, uma vez que, para não estarem sujeitos aos procedimentos de AIM previstos por esta diretiva, os medicamentos importados devem cumprir estritamente os critérios recordados no n.o 23 do presente acórdão, e a reunião desses critérios deve ser verificada em cada caso pela autoridade nacional competente.

40

Tendo em conta todas estas considerações, não se pode considerar que esta exigência seja justificada ao abrigo do artigo 36.o TFUE.

41

Em consequência, há que responder à questão submetida que os artigos 34.o e 36.o TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação de um Estado‑Membro, como a que está em causa no processo principal, que exige, para que possa ser concedida uma autorização de importação paralela de um medicamento, que esse medicamento e o medicamento que foi objeto de uma AIM nesse Estado‑Membro sejam ambos medicamentos de referência ou ambos medicamentos genéricos e que, consequentemente, proíbe a concessão de qualquer autorização de importação paralela de um medicamento quando este seja um medicamento genérico e o medicamento já autorizado nesse Estado‑Membro seja um medicamento de referência.

Quanto às despesas

42

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:

 

Os artigos 34.o e 36.o TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação de um Estado‑Membro, como a que está em causa no processo principal, que exige, para que possa ser concedida uma autorização de importação paralela de um medicamento, que esse medicamento e o medicamento que foi objeto de uma autorização de introdução no mercado nesse Estado‑Membro sejam ambos medicamentos de referência ou ambos medicamentos genéricos e que, consequentemente, proíbe a concessão de qualquer autorização de importação paralela de um medicamento quando este seja um medicamento genérico e o medicamento já autorizado nesse Estado‑Membro seja um medicamento de referência.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: polaco.