ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção)

10 de julho de 2019 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Código Aduaneiro — Declaração aduaneira — Indicação errada da subposição da Nomenclatura Combinada — Aviso de liquidação — Artigo 78.o desse código — Revisão da declaração — Alteração do valor transacional — Artigo 221.o do referido código — Prazo de prescrição do direito à cobrança da dívida aduaneira — Interrupção»

No processo C‑249/18,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Hoge Raad der Nederlanden (Supremo Tribunal dos Países Baixos), por Decisão de 6 de abril de 2018, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 11 de abril de 2018, no processo

Staatssecretaris van Financiën

contra

CEVA Freight Holland BV,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção),

composto por: F. Biltgen, presidente de secção, J. Malenovský e L. S. Rossi (relatora), juízes,

advogado‑geral: E. Sharpston,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 14 de fevereiro de 2019,

vistas as observações apresentadas:

em representação da CEVA Freight Holland BV, por B. J. B. Boersma, advocaat,

em representação do Governo neerlandês, por M. Bulterman e J. M. Hoogveld, na qualidade de agentes,

em representação do Governo espanhol, por S. Jiménez García, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por W. Roels, F. Clotuche‑Duvieusart e M. Kocjan, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 26 de março de 2019,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 78.o e 221.o do Regulamento (CEE) n.o 2913/92 do Conselho, de 12 de outubro de 1992, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário (JO 1992, L 302, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 2700/2000 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de novembro de 2000 (JO 2000, L 311, p. 17) (a seguir «Código Aduaneiro»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe o Staatssecretaris van Financiën (Secretário de Estado das Finanças, Países Baixos, a seguir «Secretário de Estado») à CEVA Freight Holland BV (a seguir «CEVA Freight») a respeito da legalidade de determinadas injunções de pagamento de direitos aduaneiros, dirigidas a essa sociedade.

Quadro jurídico

3

O Regulamento n.o 2913/92 foi revogado e substituído pelo Regulamento (CE) n.o 450/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2008, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário (JO 2008, L 145, p. 1). Todavia, em aplicação do artigo 188.o deste último regulamento, no que respeita às disposições que se seguem, este regulamento não é aplicável ao litígio no processo principal. Com efeito, o presente litígio continua a reger‑se pelas disposições do Código Aduaneiro.

4

O artigo 29.o, n.o 1, do Código Aduaneiro previa:

«O valor aduaneiro das mercadorias importadas é o valor transacional, isto é, o preço efetivamente pago ou a pagar pelas mercadorias quando são vendidas para exportação com destino ao território aduaneiro da Comunidade […]»

5

O artigo 65.o desse código previa:

«O declarante será autorizado, a seu pedido, a retificar um ou vários elementos de declaração após aceitação desta última pelas autoridades aduaneiras. A retificação não pode ter por efeito fazer incidir a declaração sobre mercadorias distintas daquelas a que inicialmente se referia.

Não obstante, a retificação não pode ser autorizada se o respetivo pedido tiver sido formulado após as autoridades aduaneiras:

a)

Terem informado o declarante da sua intenção de proceder a uma verificação das mercadorias;

b)

Terem verificado a inexatidão dos elementos em causa;

c)

Terem autorizado a saída das mercadorias.»

6

O artigo 76.o, n.o 1, do referido código dispunha:

«A fim de simplificar tanto quanto possível o cumprimento das formalidades e dos procedimentos, salvaguardando a regularidade das operações, as autoridades aduaneiras permitirão, nas condições definidas de acordo com o procedimento do comité, que:

[…]

c)

A declaração das mercadorias para o regime em causa se efetue através da inscrição das mercadorias nos registos; nesse caso, as autoridades aduaneiras podem dispensar o declarante da apresentação das mercadorias na alfândega.

[…]»

7

O artigo 78.o do mesmo código previa:

«1.   As autoridades aduaneiras podem, oficiosamente ou a pedido do declarante, proceder à revisão da declaração após a concessão da autorização de saída das mercadorias.

[…]

3.   Quando resultar da revisão da declaração ou dos controlos a posteriori que as disposições que regem o regime aduaneiro em causa foram aplicadas com base em elementos inexatos ou incompletos, as autoridades aduaneiras, respeitando as disposições eventualmente fixadas, tomarão as medidas necessárias para regularizar a situação, tendo em conta os novos elementos de que dispõem.»

8

O artigo 201.o, n.o 2, do Código Aduaneiro tinha a seguinte redação:

«A dívida aduaneira considera‑se constituída no momento da aceitação da declaração aduaneira em causa.»

9

O artigo 221.o, n.os 1 a 3, desse código dispunha:

«1.   O montante dos direitos deve ser comunicado ao devedor, de acordo com modalidades adequadas, logo que o respetivo registo de liquidação seja efetuado.

2.   Sempre que o montante de direitos a pagar tenha sido mencionado na declaração aduaneira, a título indicativo, as autoridades aduaneiras podem prever que a comunicação referida no n.o 1 seja feita apenas se o montante de direitos indicado não corresponder ao montante por elas determinado.

Sem prejuízo da aplicação do segundo parágrafo do n.o 1 do artigo 218.o, quando for utilizada a possibilidade prevista no primeiro parágrafo do presente número, a concessão, pelas autoridades aduaneiras, da autorização de saída das mercadorias equivale à comunicação ao devedor do montante de direitos objeto do registo de liquidação.

3.   A comunicação ao devedor não se pode efetuar após o termo de um prazo de três anos a contar da data de constituição da dívida aduaneira. Este prazo é suspenso a partir do momento em que for interposto um recurso na aceção do artigo 243.o, até ao termo do processo de recurso.»

10

O artigo 147.o do Regulamento (CEE) n.o 2454/93 da Comissão, de 2 de julho de 1993, que fixa determinadas disposições de aplicação do Regulamento n.o 2913/92 (JO 1993, L 253, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 1762/95 da Comissão, de 19 de julho de 1995 (JO 1995, L 171, p. 8; a seguir «Regulamento de Aplicação), dispunha, no seu n.o 1:

«Para efeitos do artigo 29.o do [Código Aduaneiro], o facto de as mercadorias objeto de uma venda serem declaradas para introdução em livre prática deve ser considerado como indicação suficiente de que foram vendidas para exportação com destino ao território aduaneiro da Comunidade. Esta indicação só é válida, em caso de vendas sucessivas antes da avaliação, em relação à última venda com base na qual as mercadorias foram introduzidas no território aduaneiro da Comunidade ou em relação a uma venda efetuada no território aduaneiro da Comunidade antes da introdução em livre prática das mercadorias.

Quando for declarado um preço relativo a uma venda que preceda a última venda com base na qual as mercadorias foram introduzidas no território aduaneiro da Comunidade, deve ser apresentada às autoridades aduaneiras prova bastante de que essa venda foi realizada tendo em vista a exportação com destino ao referido território.

É aplicável o disposto nos artigos 178.o a 181.o‑A.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

11

Na qualidade de despachante alfandegária, a CEVA Freight efetua declarações simplificadas de introdução em livre prática, a pedido dos importadores, em aplicação do procedimento previsto no artigo 76.o, n.o 1, alínea c), do Código Aduaneiro.

12

Entre 1 de março e 31 de outubro de 2010, inclusive, a CEVA Freight efetuou essas declarações com vista à introdução em livre prática de diversos modelos de leitores multimédia. Para o efeito, classificou os referidos leitores nas subposições pautais 84717050 e 85176200 da Nomenclatura Combinada, às quais correspondia uma taxa de direitos aduaneiros de 0 %. As autoridades aduaneiras autorizaram a saída destes leitores multimédia sem cobrarem direitos aduaneiros de importação.

13

Em 2011, na sequência de uma fiscalização destas declarações, o inspetor aduaneiro considerou que os leitores multimédia em questão deviam ter sido classificados na subposição pautal 85219000 da Nomenclatura Combinada, à qual correspondia uma taxa de direitos aduaneiros de 13,9 %.

14

Por carta de 22 de fevereiro de 2013, esse inspetor notificou a CEVA Freight da sua intenção de proceder à cobrança dos direitos aduaneiros. Para efeitos dessa cobrança, fixou o valor aduaneiro dos leitores multimédia com base no preço declarado pela CEVA Freight, ou seja, no preço a que os importadores tinham vendido os leitores multimédia.

15

Em 27 de fevereiro de 2013, na sua resposta ao inspetor aduaneiro, a CEVA Freight solicitou, com base no artigo 78.o do Código Aduaneiro, a revisão do valor aduaneiro, pedindo que este fosse calculado com base no preço inferior que o fabricante dos leitores multimédia, estabelecido na Ásia, tinha faturado aos importadores, uma vez que este preço podia igualmente servir de base para efeitos do cálculo do valor aduaneiro.

16

Este inspetor emitiu um aviso de liquidação único, datado de 28 de fevereiro de 2013, que reunia as injunções de pagamento relativas às declarações de importação em causa. A CEVA Freight recebeu este aviso em 4 de março de 2013.

17

A CEVA Freight apresentou então uma reclamação contra as referidas injunções de pagamento, na qual reiterou o seu pedido de revisão.

18

Tendo o inspetor aduaneiro, no essencial, indeferido este pedido, a CEVA Freight interpôs recurso no Gerechtshof Amsterdam (Tribunal de Recurso de Amesterdão, Países Baixos), o qual, por Acórdão de 10 de fevereiro de 2016, ordenou que aquele se pronunciasse novamente sobre o pedido de revisão. O Secretário de Estado interpôs então recurso de cassação no Hoge Raad der Nederlanden (Supremo Tribunal dos Países Baixos).

19

O órgão jurisdicional de reenvio precisa que é pacífico que, à data em que efetuou as declarações aduaneiras, a CEVA Freight não tinha dúvidas quanto à interpretação correta ou à aplicabilidade do artigo 147.o, n.o 1, do Regulamento de Aplicação, lido em conjugação com o artigo 29.o do Código Aduaneiro. Refere que esta sociedade considerava, no entanto, que, uma vez que os leitores multimédia podiam ser importados com isenção de todos os direitos aduaneiros, a indicação do montante do seu preço era irrelevante. Este órgão jurisdicional observa que, no entender do Secretário de Estado, para efeitos da revisão de uma declaração ao abrigo do artigo 78.o do Código Aduaneiro, é indiferente que o declarante tenha ou não cometido um erro. Só o caráter «inexato» ou «incompleto» dos elementos constantes da declaração permitiria proceder à sua revisão.

20

Segundo o órgão jurisdicional, é possível considerar que, caso não se verifique inexatidão dos elementos que constam da declaração, o declarante está vinculado pelos referidos elementos e tem de ter em conta que esses elementos devem poder ser utilizados sem reservas pelas autoridades aduaneiras, incluindo quando da verificação do montante da dívida aduaneira. Todavia, nem as disposições materiais do Código Aduaneiro ou do Regulamento de Aplicação relativas ao valor aduaneiro nem o objetivo ou a finalidade destas disposições se opõem a que, após a aceitação de uma declaração aduaneira, o declarante forneça elementos complementares com vista à determinação do valor aduaneiro das mercadorias em causa. Nesta última situação, o órgão jurisdicional de reenvio observa que, em circunstâncias como as do litígio no caso vertente, a Administração Fiscal seria obrigada a diminuir o valor aduaneiro das mercadorias, mesmo sem haver erro do declarante.

21

Além disso, a CEVA Freight interpôs recurso subordinado no qual alegava, nomeadamente, que o Gerechtshof Amsterdam (Tribunal de Recurso de Amesterdão) violou o artigo 221.o, n.o 3, do Código Aduaneiro por ter considerado que o aviso de liquidação não era extemporâneo, uma vez que, para efeitos do cálculo do prazo de prescrição previsto naquela disposição, devia ser tida em conta a data do envio de liquidação, tal como previam as disposições nacionais aplicáveis no processo principal, e não a data de receção do referido aviso pelo devedor. Coloca‑se, portanto, a questão de saber se o requisito previsto no artigo 221.o, n.o 3, do Código Aduaneiro, ao abrigo do qual a comunicação ao devedor deve ocorrer no prazo de três anos a contar da data de constituição da dívida aduaneira, está preenchido nos casos em que essa comunicação não tenha sido recebida pelo devedor antes do termo desse prazo.

22

O órgão jurisdicional de reenvio recorda, a este respeito, que as modalidades da comunicação previstas no artigo 221.o, n.o 1, do referido código são as da ordem jurídica interna de cada Estado‑Membro. Interroga‑se, por conseguinte, sobre a questão de saber se compete aos Estados‑Membros determinar a data em que se considera efetuada a comunicação ao devedor ou se as modalidades de determinação dessa data são abrangidas pelo direito da União. Nesse caso, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta ainda se, para esse efeito, haveria que considerar a data de envio ou a data de receção dessa comunicação.

23

Face ao exposto, o Hoge Raad der Nederlanden (Supremo Tribunal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o artigo 78.o do [Código Aduaneiro] ser interpretado no sentido de que, no âmbito de um registo de liquidação a posteriori, um declarante pode ainda, invocando o artigo 147.o, n.o 1, segundo parágrafo, do [Regulamento de Aplicação], optar por um preço da transação dos produtos importados inferior e distinto, com o intuito de reduzir a dívida aduaneira?

2

a)

Para efeitos do artigo 221.o, n.o 3, do [Código Aduaneiro], a determinação do momento em que ocorreu a comunicação ao devedor constitui uma questão de direito da União?

b)

Em caso de resposta afirmativa à [segunda] questão [alínea a)], deve o artigo 221.o, n.o 3, do [Código Aduaneiro] ser interpretado no sentido de que a comunicação ao devedor deve ser recebida no prazo de três anos a contar da constituição da dívida, ou basta que essa comunicação seja enviada ao devedor dentro desse prazo?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

24

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se o artigo 78.o do Código Aduaneiro deve ser interpretado no sentido de que, quando dispõe da faculdade de escolher o preço das mercadorias vendidas para exportação com destino ao território da União, que pode servir de base de avaliação para a determinação do respetivo valor aduaneiro, o declarante pode pedir, com fundamento no referido artigo 78.o, a revisão da declaração aduaneira que apresentou, para obter a substituição do preço inicialmente indicado por um preço de transação inferior, no intuito de reduzir o montante da sua dívida aduaneira.

25

Para responder a esta questão, importa recordar que decorre do artigo 29.o do Código Aduaneiro e do artigo 147.o do Regulamento de Aplicação que, em caso de vendas sucessivas de mercadorias com vista à sua importação para o território aduaneiro da União, o importador é livre de escolher, de entre os preços convencionados para cada uma dessas vendas, aquele que servirá de base para determinar o valor aduaneiro das mercadorias em causa, desde que possa fornecer, relativamente ao preço que escolher, todos os elementos e os documentos necessários às autoridades aduaneiras (v., neste sentido, Acórdão de 28 de fevereiro de 2008, Carboni e derivati, C‑263/06, EU:C:2008:128, n.os 27 a 31 e jurisprudência referida).

26

Além disso, em conformidade com o artigo 65.o desse código, o declarante é autorizado, a seu pedido, a retificar um ou vários elementos da declaração após aceitação desta última pelas autoridades aduaneiras. Daqui resulta que o declarante pode, em particular, alterar o preço que escolheu como base para determinar o valor aduaneiro das mercadorias em causa.

27

Como a Comissão recorda, no que respeita ao artigo 8.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 79/695/CEE do Conselho, de 24 de julho de 1979, relativa à harmonização dos procedimentos de introdução em livre prática das mercadorias (JO 1979, L 205, p. 19; EE 02 F6 p. 57), disposição substancialmente idêntica à do artigo 65.o, segundo parágrafo, alínea c), do Código Aduaneiro, o Tribunal de Justiça precisou que se o importador se referiu a um dos preços que podia servir de base para determinar o valor aduaneiro, não pode retificar a referida declaração após a autorização de saída das mercadorias para a livre prática (Acórdão de 6 de junho de 1990, Unifert, C‑11/89, EU:C:1990:237, n.o 21).

28

No entanto, embora, antes da entrada em vigor do Código Aduaneiro, em 1 de janeiro de 1994, fosse proibido a um declarante retificar a sua declaração após a concessão da autorização de saída das mercadorias, o artigo 78.o desse código introduziu expressamente, a partir dessa data, a possibilidade de as autoridades aduaneiras reverem uma declaração aduaneira, a pedido do declarante apresentado após a concessão da autorização de saída das mercadorias (Acórdão de 20 de outubro de 2005, Overland Footwear, C‑468/03, EU:C:2005:624, n.os 61 e 62).

29

Assim, os artigos 65.o e 78.o do Código Aduaneiro passaram a prever dois regimes diferentes aplicáveis, respetivamente, antes e depois da concessão da autorização de saída das mercadorias, às alterações suscetíveis de ser introduzidas nos elementos considerados para a determinação do valor aduaneiro e, consequentemente, dos direitos de importação (Acórdão de 20 de outubro de 2005, Overland Footwear, C‑468/03, EU:C:2005:624, n.o 64).

30

Por um lado, o referido artigo 65.o do Código Aduaneiro permite a retificação unilateral, pelo próprio declarante, da sua declaração aduaneira, enquanto não tiver sido concedida a autorização de saída das mercadorias. Este direito explica‑se pelo facto de, até à concessão da autorização de saída, a exatidão das retificações poder ser facilmente verificada, se necessário, pelas autoridades aduaneiras, através de um controlo físico das mercadorias. Além disso, a retificação pode ocorrer, sendo o caso, mesmo que o montante dos direitos de importação ainda não tenha sido determinado pelas autoridades aduaneiras (Acórdão de 20 de outubro de 2005, Overland Footwear, C‑468/03, EU:C:2005:624, n.o 65).

31

Por outro lado, o artigo 78.o do Código Aduaneiro institui um regime mais restritivo. Este artigo aplica‑se depois de ter sido concedida a autorização de saída das mercadorias, num momento em que a apresentação destas se pode revelar impossível e em que os direitos de importação já foram determinados. Assim, incumbe as autoridades aduaneiras da realização da revisão pedida pelo declarante e deixa essa revisão à sua apreciação, no que se refere tanto ao seu princípio como ao seu resultado (Acórdão de 20 de outubro de 2005, Overland Footwear, C‑468/03, EU:C:2005:624, n.o 66).

32

Ora, o artigo 78.o, n.o 3, deste código não distingue os erros ou omissões que podem ser corrigidos daqueles que não podem. Os termos «elementos inexatos ou incompletos», que figuram nesta disposição, devem ser interpretados no sentido de que abrangem simultaneamente erros ou omissões materiais e erros de interpretação do direito aplicável (Acórdão de 20 de outubro de 2005, Overland Footwear, C‑468/03, EU:C:2005:624, n.o 63).

33

Por conseguinte, há que verificar se as declarações da CEVA Freight contêm um elemento inexato ou incompleto no preço das mercadorias que irá servir de base para a determinação do valor aduaneiro das mesmas.

34

Resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que o preço declarado pela CEVA Freight correspondia ao preço de venda das mercadorias praticado pelas sociedades por conta das quais a CEVA Freight efetuava essas declarações, que esse preço era, portanto, materialmente correto e que, com o seu pedido, a CEVA Freight não tinha a mínima intenção de o corrigir.

35

No entanto, daí resulta igualmente que, ao referir, nas suas declarações, que as mercadorias em causa deviam ser classificadas numa subposição pautal incorreta, a CEVA Freight cometeu um erro na interpretação do direito aplicável.

36

Esse erro teve manifestamente consequências na escolha do valor transacional destas mercadorias, ou seja, o preço efetivamente pago ou a pagar pelas mercadorias quando são vendidas para exportação com destino à União, que pode servir de base para a determinação do valor aduaneiro das mesmas, em conformidade com o artigo 29.o do Código Aduaneiro e o artigo 147.o do Regulamento de aplicação.

37

Com efeito, à data dessas declarações, a CEVA Freight tinha considerado, erradamente, que as mercadorias em causa deviam ser classificadas numa subposição pautal para a qual estava previsto um direito aduaneiro de 0 % e que, por conseguinte, o valor transacional dessas mercadorias não se repercutia no montante da sua dívida aduaneira. Foi, consequentemente, com base nesta interpretação errada do Código Aduaneiro, em particular da definição da subposição pautal pertinente, que a CEVA Freight indicou em seguida o preço que irá servir de base para a determinação do valor aduaneiro. Resulta claramente dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que se, à data das declarações em causa, a CEVA Freight tivesse interpretado corretamente a subposição aplicável, à qual correspondia um direito aduaneiro de 13,9 %, teria declarado um valor transacional inferior para reduzir o montante da sua dívida aduaneira.

38

Ora, uma vez que esse erro de interpretação do direito aplicável pela declarante a levou a indicar, para as mercadorias que foram objeto de vendas sucessivas, o seu valor transacional mais elevado como base para a determinação do seu valor aduaneiro, este erro não pode ser considerado o exercício de uma escolha, por definição, voluntária (v., neste sentido, Acórdão de 20 de outubro de 2005, Overland Footwear, C‑468/03, EU:C:2005:624, n.o 69).

39

Por conseguinte, tendo em conta a jurisprudência mencionada no n.o 32 do presente acórdão, o valor transacional indicado numa declaração aduaneira por um declarante como o que está em causa principal constitui um elemento inexato, na aceção do artigo 78.o do Código Aduaneiro, que confere o direito às autoridades aduaneiras de procederem à revisão dessa declaração.

40

Face ao exposto, há que responder à primeira questão que o artigo 78.o do Código Aduaneiro deve ser interpretado no sentido de que, quando o declarante dispõe da faculdade de escolher o preço das mercadorias vendidas para exportação com destino ao território da União Europeia, que pode servir de base de avaliação para a determinação do respetivo valor aduaneiro, e quando resulta de um controlo a posteriori que a declaração aduaneira que apresentou contém um erro de classificação aduaneira das mercadorias em causa que leva à aplicação de um direito aduaneiro mais elevado, o referido declarante pode pedir, com fundamento nesse artigo 78.o, a revisão dessa declaração, para obter a substituição do preço inicialmente indicado por um preço de transação inferior, no intuito de obter a redução do montante da sua dívida aduaneira.

Quanto à segunda questão

41

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 221.o, n.os 1 e 3, do Código Aduaneiro deve ser interpretado no sentido de que permite determinar a data em que se considera ter sido efetuada a comunicação do montante dos direitos ao devedor, para efeitos de interrupção do prazo de prescrição de três anos da dívida aduaneira, e, em caso de resposta afirmativa, se há que considerar a data de envio da comunicação pelas autoridades aduaneiras ou a data de receção dessa comunicação pelo devedor.

42

Para responder a esta questão, importa salientar que, por força do artigo 221.o, n.o 1, do Código Aduaneiro, o montante dos direitos deve ser comunicado ao devedor, de acordo com modalidades adequadas, logo que o respetivo registo de liquidação seja efetuado.

43

No n.o 3 deste artigo 221.o, o legislador da União pretendeu harmonizar o prazo em que as autoridades aduaneiras devem proceder à referida comunicação, bem como o início desse prazo. Todavia, não precisou as modalidades dessa comunicação nem a data em que a mesma deve ocorrer para efeitos da interrupção do referido prazo. Isso explica‑se, como o Tribunal de Justiça já observou, pela circunstância de a regra constante do artigo 221.o, n.o 3, do Código Aduaneiro apenas se aplicar à comunicação do montante dos direitos aduaneiros ao devedor e de a sua aplicação incumbir, a este título, exclusivamente, às autoridades aduaneiras nacionais, competentes para efetuar essa comunicação (v., neste sentido, Acórdãos de 13 de março de 2003, Países Baixos/Comissão, C‑156/00, EU:C:2003:149, n.os 63 e 64, e de 15 de março de 2018, Deichmann, C‑256/16, EU:C:2018:187, n.o 81).

44

Assim, na medida em que a regulamentação da União em matéria aduaneira não prevê nenhuma disposição relativa ao conteúdo do conceito de «modalidades adequadas» ou que atribua competência a entidades diferentes dos Estados‑Membros e das respetivas autoridades para determinar as referidas modalidades, importa considerar que estas são abrangidas pela ordem jurídica interna dos Estados‑Membros e que as autoridades nacionais, quando executam esta regulamentação, devem atuar de acordo com as normas formais e substantivas do seu direito nacional (v., neste sentido, Acórdão de 23 de fevereiro de 2006, Molenbergnatie, C‑201/04, EU:C:2006:136, n.os 52 e 53).

45

Por conseguinte, compete aos Estados‑Membros fixar a data em que se considera ter sido efetuada a comunicação do montante dos direitos devidos ao devedor. Como o Tribunal de Justiça já teve a ocasião de precisar, incumbe, em todo o caso, às autoridades nacionais competentes assegurar uma comunicação que permita ao devedor da dívida aduaneira ter um conhecimento exato dos seus direitos (Acórdão de 23 de fevereiro de 2006, Molenbergnatie, C‑201/04, EU:C:2006:136, n.o 53).

46

Por último, importa sublinhar que a determinação das modalidades de comunicação do montante dos direitos ao devedor, para efeitos da interrupção do prazo de prescrição previsto no artigo 221.o, n.o 3, do Código Aduaneiro, constitui uma modalidade processual que pretende garantir a salvaguarda de um direito que um particular, como a CEVA Freight, extrai do direito da União, concretamente, o direito de deixar de ser devedor, no termo do referido prazo, de quaisquer direitos aduaneiros pela importação das mercadorias em causa para o território aduaneiro da União.

47

Daqui resulta que, ao determinarem a data em que se considera ter sido efetuada a comunicação ao devedor, que, nos termos do artigo 221.o, n.o 3, do Código Aduaneiro, implica a interrupção do prazo de prescrição, os Estados‑Membros devem garantir que as disposições nacionais aplicáveis, por um lado, não sejam menos favoráveis do que as relativas a processos semelhantes de natureza interna (princípio da equivalência) e, por outro, não tornem impossível, na prática, ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União (princípio da efetividade) (v., neste sentido, Acórdão de 15 de abril de 2010, Barth, C‑542/08, EU:C:2010:193, n.o 17 e jurisprudência referida).

48

Face ao exposto, há que responder à segunda questão que o artigo 221.o, n.os 1 e 3, do Código Aduaneiro deve ser interpretado no sentido de que cabe aos Estados‑Membros determinar, no respeito dos princípios da efetividade e da equivalência, a data em que deve ser efetuada a comunicação do montante dos direitos ao devedor, para efeitos de interrupção do prazo de prescrição de três anos no termo do qual se extingue a dívida aduaneira.

Quanto às despesas

49

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Oitava Secção) declara:

 

1)

O artigo 78.o do Regulamento (CEE) n.o 2913/92 do Conselho, de 12 de outubro de 1992, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário, conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 2700/2000 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de novembro de 2000, deve ser interpretado no sentido de que, quando o declarante dispõe da faculdade de escolher o preço das mercadorias vendidas para exportação com destino ao território da União Europeia, que pode servir de base de avaliação para a determinação do respetivo valor aduaneiro, e quando resulta de um controlo a posteriori que a declaração aduaneira que apresentou contém um erro de classificação aduaneira das mercadorias em causa que leva à aplicação de um direito aduaneiro mais elevado, o referido declarante pode pedir, com fundamento nesse artigo 78.o, a revisão dessa declaração, para obter a substituição do preço inicialmente indicado por um preço de transação inferior, no intuito de obter a redução do montante da sua dívida aduaneira.

 

2)

O artigo 221.o, n.os 1 e 3, do Regulamento n.o 2913/92, conforme alterado pelo Regulamento n.o 2700/2000, deve ser interpretado no sentido de que cabe aos Estados‑Membros determinar, no respeito dos princípios da efetividade e da equivalência, a data em que deve ser efetuada a comunicação do montante dos direitos ao devedor, para efeitos de interrupção do prazo de prescrição de três anos no termo do qual se extingue a dívida aduaneira.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: neerlandês.