ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

22 de janeiro de 2020 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Política social — Diretiva 1999/70/CE — Acordo‑Quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo — Artigo 4.o — Princípio da não discriminação — Artigo 5.o — Medidas destinadas a evitar os abusos decorrentes da utilização de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo — Indemnização em caso de cessação da relação laboral — Artigos 151.o e 153.o TFUE — Artigos 20.o e 21.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Aplicabilidade — Diferença de tratamento baseada no caráter público ou privado, na aceção do direito nacional, do regime que regula a relação laboral»

No processo C‑177/18,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Juzgado de lo Contencioso‑Administrativo n.o 14 de Madrid (Tribunal do Contencioso Administrativo n.o 14 de Madrid, Espanha), por Decisão de 16 de fevereiro de 2018, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 7 de março de 2018, no processo

Almudena Baldonedo Martín

contra

Ayuntamiento de Madrid,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: A. Arabadjiev (relator), presidente de secção, T. von Danwitz e C. Vajda, juízes,

advogado‑geral: M. Szpunar,

secretário: R. Schiano, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 28 de fevereiro de 2019,

vistas as observações apresentadas:

em representação de A. Baldonedo Martín, por L. Gil Fuertes, abogada,

em representação do Ayuntamiento de Madrid, por N. Taboada Rodríguez e I. Madroñero Peloche, letrados,

em representação do Governo espanhol, inicialmente, por M. J. García‑Valdecasas Dorrego, em seguida, por S. Jiménez García, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por N. Ruiz García e M. van Beek, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral apresentadas na audiência de 17 de outubro de 2019,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 151.o e 153.o TFUE, dos artigos 20.o e 21.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta») e dos artigos 4.o e 5.o do Acordo‑Quadro relativo a contratos de trabalho a termo, celebrado em 18 de março de 1999 (a seguir «Acordo‑Quadro»), que figura em anexo à Diretiva 1999/70/CE do Conselho, de 28 de junho de 1999, respeitante ao Acordo‑Quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo (JO 1999, L 175, p. 43).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio entre Almudena Baldonedo Martín e o Ayuntamiento de Madrid (Município de Madrid, Espanha) a respeito do pagamento de uma indemnização na sequência da cessação da relação laboral entre as partes.

Quadro jurídico

Direito da União

3

Nos termos do artigo 1.o da Diretiva 1999/70, esta tem como objetivo «a aplicação do Acordo‑Quadro […] celebrado […] entre as organizações interprofissionais de vocação geral (CES, UNICE e CEEP)».

4

O artigo 2.o, primeiro parágrafo, desta diretiva dispõe:

«Os Estados‑Membros devem pôr em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à presente diretiva [e devem] tomar qualquer disposição necessária para, em qualquer momento, poderem garantir os resultados impostos pela presente diretiva. […]»

5

Segundo o artigo 1.o do Acordo‑Quadro, este tem por objetivo, por um lado, melhorar a qualidade do trabalho sujeito a contrato a termo, garantindo a aplicação do princípio da não discriminação, e, por outro, estabelecer um quadro para evitar os abusos decorrentes da utilização de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo.

6

O artigo 3.o do Acordo‑Quadro, sob a epígrafe «Definições», dispõe:

«1.

Para efeitos do presente acordo, entende‑se por “trabalhador contratado a termo” o trabalhador titular de um contrato de trabalho ou de uma relação laboral concluído diretamente entre um empregador e um trabalhador cuja finalidade seja determinada por condições objetivas, tais como a definição de uma data concreta, de uma tarefa específica ou de um certo acontecimento.

2.

Para efeitos do presente acordo, entende‑se por “trabalhador permanente em situação comparável” um trabalhador titular de um contrato de trabalho ou relação laboral sem termo que, na mesma empresa, realize um trabalho ou uma atividade idêntico ou similar, tendo em conta as qualificações ou competências […]»

7

O artigo 4.o do Acordo‑Quadro, sob a epígrafe «Princípio da não discriminação», prevê, no seu n.o 1:

«No que diz respeito às condições de emprego, não poderão os trabalhadores contratados a termo receber um tratamento menos favorável do que os trabalhadores permanentes numa situação comparável pelo simples motivo de os primeiros terem um contrato ou uma relação laboral a termo, salvo se razões objetivas justificarem um tratamento diferente.»

8

O artigo 5.o do Acordo‑Quadro, sob a epígrafe «Disposições para evitar os abusos», enuncia:

«1. Para evitar os abusos decorrentes da conclusão de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo e sempre que não existam medidas legais equivalentes para a sua prevenção, os Estados‑Membros, após consulta dos parceiros sociais e de acordo com a lei, acordos coletivos ou práticas nacionais, e/ou os parceiros sociais deverão introduzir, de forma a que se tenham em conta as necessidades de setores e/ou categorias de trabalhadores específicos, uma ou várias das seguintes medidas:

a)

Razões objetivas que justifiquem a renovação dos supramencionados contratos ou relações laborais;

b)

Duração máxima total dos sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo;

c)

Número máximo de renovações dos contratos ou relações laborais a termo.

2. Os Estados‑Membros, após consulta dos parceiros sociais, e/ou os parceiros sociais, deverão, sempre que tal seja necessário, definir em que condições os contratos de trabalho ou relações de trabalho a termo deverão ser considerados:

a)

Como sucessivos;

b)

Como celebrados sem termo.»

Direito espanhol

9

A primeira disposição adicional do Real Decreto 896/1991, por el que se establecen las reglas básicas y los programas mínimos a que debe ajustarse el procedimiento de selección de los funcionarios de Administración Local (Real Decreto n.o 896/1991, que Estabelece as Regras de Base e os Programas Mínimos a Respeitar no Processo de Seleção dos Funcionários da Administração Local), de 7 de junho de 1991 (BOE n.o 142, de 14 de junho de 1991, p. 19669), dispõe:

«Após anúncio de concurso e no respeito, em quaisquer casos, dos princípios do mérito e da aptidão, o presidente do Conselho Municipal ou Provincial pode nomear funcionários interinos para lugares vagos, desde que esses lugares não possam, tendo em conta a urgência imposta pelas circunstâncias, ser preenchidos por funcionários de carreira. Esses lugares são dotados de recursos orçamentais e incluídos na oferta de emprego público, exceto quando ficarem vagos após a aprovação desta última.

[…]

Os lugares assim preenchidos são necessariamente incluídos no primeiro anúncio de concurso para preenchimento de postos de trabalho ou na primeira oferta de emprego público aprovada.

As funções do funcionário interino cessam quando o lugar for ocupado por um funcionário de carreira ou quando o Conselho Municipal ou Provincial considerar que deixaram de existir as razões de urgência que justificaram o seu preenchimento por um funcionário interino.»

10

O artigo 8.o do texto refundido de la Ley del Estatuto Básico del Empleado Público (texto consolidado da Lei do Estatuto de Base dos Funcionários Públicos), aprovado pelo Real Decreto Legislativo 5/2015 (Real Decreto Legislativo n.o 5/2015), de 30 de outubro de 2015 (BOE n.o 261, de 31 de outubro 2015, p. 103105; a seguir «EBEP»), prevê:

«1.   São trabalhadores do setor público as pessoas que desempenham funções remuneradas na Administração Pública ao serviço do interesse geral.

2.   Os trabalhadores do setor público classificam‑se em:

a)

Funcionários de carreira;

b)

Funcionários interinos;

c)

Agentes contratuais, quer sejam permanentes, por tempo indeterminado ou a termo;

d)

Pessoal auxiliar.»

11

O artigo 10.o do EBEP tem a seguinte redação:

«1.   São funcionários interinos as pessoas que, por razões de necessidade e urgência expressamente justificadas, são nomeadas nessa qualidade para exercer funções próprias dos funcionários de carreira, caso ocorra uma das situações seguintes:

a)

Existência de lugares vagos que não possam ser preenchidos por funcionários de carreira;

b)

Substituição temporária dos titulares desses lugares;

c)

Execução de programas de caráter temporário, cuja duração não pode ser superior a três anos, prorrogável por doze meses nos termos das leis em matéria de função pública aprovadas para a execução do presente Estatuto;

d)

Excesso ou aumento do volume de trabalho pelo prazo máximo de seis meses num período de doze meses.

[…]

3.   Para além das razões previstas no artigo 63.o, as funções dos funcionários interinos cessam quando cessar a razão que justificou a sua nomeação.

4.   Na situação prevista na alínea a) do n.o 1 do presente artigo, os lugares vagos ocupados por funcionários interinos serão incluídos na oferta de emprego correspondente ao exercício durante o qual são nomeados ou, se tal não for possível, ao exercício seguinte, salvo se for decidido suprimir o lugar.

5.   O regime geral dos funcionários de carreira é aplicável aos funcionários interinos, na medida em que seja adequado à natureza da sua situação […]»

12

O artigo 70.o, n.o 1, do EBEP dispõe:

«As necessidades de recursos humanos, com dotação orçamental, que devam ser satisfeitas pelo recrutamento de novos funcionários são objeto de uma oferta de emprego público ou providas por outro instrumento similar de gestão das necessidades de pessoal, o que implica organizar os procedimentos de seleção correspondentes aos lugares previstos, até 10 % adicionais, e fixar o prazo máximo para a publicação dos anúncios. Em quaisquer circunstâncias, a implementação da oferta de emprego público ou do instrumento similar deve ter lugar num prazo não prorrogável de três anos.»

13

O artigo 49.o do texto refundido de la Ley del Estatuto de los Trabajadores (texto consolidado da Lei do Estatuto dos Trabalhadores), aprovado pelo Real Decreto Legislativo 1/1995 (Real Decreto Legislativo n.o 1/1995), de 24 de março de 1995 (BOE n.o 75, de 29 de março de 1995, p. 9654), na versão aplicável na data dos factos no processo principal (a seguir «Estatuto dos Trabalhadores»), enuncia:

«1.   O contrato de trabalho cessa:

[…]

b)

Pelos motivos validamente indicados no contrato, a menos que estes constituam abuso de direito manifesto por parte do empregador;

c)

No termo do prazo acordado no contrato ou na conclusão da tarefa ou do serviço objeto do contrato. No final do contrato, exceto no caso dos contratos de interinidad e dos contratos de formação, o trabalhador tem direito a receber uma indemnização de um montante equivalente à percentagem do montante correspondente a doze dias de salário por ano de serviço, ou a indemnização prevista, se for o caso, pela regulamentação específica aplicável na matéria;

[…]

l)

Por razões objetivas legalmente admissíveis;

[…]»

14

Nos termos do artigo 52.o do Estatuto dos Trabalhadores, constituem «razões objetivas», suscetíveis de fundamentar a resolução do contrato de trabalho, a inaptidão do trabalhador, conhecida ou verificada após a sua entrada efetiva na empresa, a falta de adaptação do trabalhador às alterações técnicas razoáveis efetuadas no seu posto de trabalho, motivos económicos, técnicos ou relativos à organização ou à produção, quando o número de postos de trabalho suprimido for inferior ao exigido para qualificar de «despedimento coletivo» a resolução de contratos de trabalho, bem como, em determinadas condições, faltas repetidas ao trabalho, ainda que justificadas.

15

De acordo com o artigo 53.o, n.o 1, alínea b), do Estatuto dos Trabalhadores, a resolução de um contrato de trabalho por uma das razões previstas no artigo 52.o do referido Estatuto dá lugar ao pagamento ao trabalhador, no momento da notificação escrita, de uma indemnização correspondente a vinte dias de salário por ano de serviço, calculando‑se proporcionalmente ao número de meses os períodos inferiores a um ano, e até um máximo de doze mensalidades.

16

O artigo 56.o do Estatuto dos Trabalhadores prevê que a resolução de um contrato de trabalho por despedimento sem justa causa dá lugar ao pagamento ao trabalhador de uma indemnização correspondente a 33 dias de salário por ano de serviço.

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

17

O Município de Madrid nomeou A. Baldonedo Martín funcionária interina, a partir de 24 de novembro de 2005, para desempenhar funções de agente de manutenção de espaços verdes.

18

O ato de nomeação especificava que A. Baldonedo Martín era contratada para preencher um lugar vago até este ser provido pela nomeação de um funcionário de carreira. Indicava‑se igualmente que esse lugar seria extinto se o direito do funcionário substituído de manter o seu posto de trabalho se extinguisse ou se a Administração considerasse que tinham deixado de existir as razões de urgência que justificavam o preenchimento do lugar por um funcionário interino.

19

Em 15 de abril de 2013, A. Baldonedo Martín foi informada de que o seu lugar tinha sido preenchido, nessa mesma data, por um funcionário de carreira e que, por conseguinte, as suas funções cessavam.

20

Em 20 de fevereiro de 2017, A. Baldonedo Martín requereu ao Município de Madrid o pagamento de uma indemnização por cessação de funções, equivalente a 20 dias de salário por ano de antiguidade. O seu pedido baseava‑se no artigo 4.o, n.o 3, TUE, no artigo 20.o e no artigo 21.o, n.o 1, da Carta e nos artigos 4.o e 5.o do Acordo‑Quadro.

21

Por Decisão de 25 de abril de 2017, o Município de Madrid indeferiu aquele pedido, alegando que o lugar que A. Baldonedo Martín ocupara se encontrava vago e que era urgente e imperativo preenchê‑lo, que as suas funções tinham cessado porque o seu lugar tinha sido ocupado por um funcionário de carreira e que não existia discriminação em relação aos funcionários de carreira, uma vez que, em conformidade com o seu regime jurídico, estes não recebem, em caso algum, uma indemnização quando cessam as suas funções.

22

Chamado a conhecer do recurso interposto por A. Baldonedo Martín contra a referida decisão, o órgão jurisdicional de reenvio especifica que, durante a sua contratação, a interessada ocupou o mesmo posto de trabalho de forma contínua e constante e desempenhou tarefas idênticas às desempenhadas pelos agentes de manutenção de espaços verdes com o estatuto de funcionário de carreira.

23

Além disso, o referido órgão jurisdicional sublinha que o Município de Madrid não apresentou prova de que foi organizado um concurso durante o período de contratação de A. Baldonedo Martín nem de que foi aprovada uma oferta de emprego público durante esse período. Não era possível determinar se o lugar ocupado pela interessada foi preenchido por promoção interna, por concurso com base em qualificações ou por prestação de provas, ou por outro processo de seleção. O Município de Madrid não demonstrou a necessidade imperiosa de nomear A. Baldonedo Martín para o referido lugar. Também não era conhecida a razão pela qual o referido lugar estava vago.

24

No que respeita à interpretação do direito da União solicitada, o órgão jurisdicional de reenvio observa, em primeiro lugar, que o direito espanhol não reconhece aos funcionários de carreira, no momento da cessação das suas funções, o direito de receber uma indemnização como a pedida por A. Baldonedo Martín. Daqui decorre que a situação em causa no processo principal não constitui uma discriminação proibida pelo artigo 4.o do Acordo‑Quadro e, consequentemente, não está abrangida pelo âmbito de aplicação desse artigo. Do mesmo modo, o órgão jurisdicional de reenvio considera que resulta dos n.os 63 a 67 do Acórdão de 14 de setembro de 2016, Pérez López (C‑16/15, EU:C:2016:679), que a comparação entre, por um lado, os funcionários interinos e, por outro, os agentes contratuais, cuja relação laboral com a Administração é regida pelo Estatuto dos Trabalhadores, também não está abrangida pelo âmbito de aplicação do referido artigo, uma vez que se trata de duas categorias de pessoal temporário.

25

No entanto, o órgão jurisdicional de reenvio observa, em segundo lugar, que o Acordo‑Quadro visa aplicar o princípio da não discriminação aos trabalhadores contratados a termo, que o lugar de jardineiro na Administração Pública espanhola pode ser preenchido tanto por um funcionário como por um agente contratual, que a escolha do regime de trabalho para este lugar depende unicamente da vontade do empregador, que o Município de Madrid não invoca nenhuma razão objetiva suscetível de justificar uma diferença de tratamento e que resulta, nomeadamente, do Acórdão de 19 de abril de 2016, DI (C‑441/14, EU:C:2016:278), que o princípio da não discriminação deve, enquanto princípio geral do direito da União, ser objeto de aplicação direta vertical.

26

Este órgão jurisdicional interroga‑se sobre se, à luz destas considerações, é possível conceder a A. Baldonedo Martín o direito de obter a indemnização pedida, por comparação com os agentes contratuais contratados a termo ou por aplicação direta vertical do direito primário da União.

27

Em terceiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio observa que A. Baldonedo Martín exerceu as suas funções de funcionária interina durante mais de sete anos. O Município de Madrid desvirtuou, assim, o estatuto de funcionário interino ao utilizá‑lo para satisfazer, não necessidades temporárias ou transitórias mas necessidades permanentes. Deste modo, privou a interessada dos direitos reconhecidos aos funcionários de carreira ou dos reconhecidos aos agentes contratuais. Além disso, o Município de Madrid infringiu as garantias destinadas a evitar a perpetuação das relações laborais temporárias e que permitem evitar os abusos dessas relações, previstas nos artigos 10.o e 70.o do EBEP, bem como a exigência de que os postos de trabalho ocupados por funcionários interinos sejam necessariamente incluídos no primeiro anúncio de concurso, constante da primeira disposição adicional do Real Decreto n.o 896/1991, de 7 de junho de 1991.

28

O órgão jurisdicional de reenvio observa ainda que a legislação espanhola em causa no processo principal não permite prever a cessação da relação laboral de um funcionário interino, na medida em que essa relação pode cessar devido ao preenchimento do lugar por um funcionário, à supressão do lugar, à extinção do direito do funcionário substituído à manutenção do seu posto de trabalho ou quando a Administração considere que deixaram de existir as razões de urgência que justificaram a nomeação do funcionário interino.

29

A referida legislação exclui qualquer possibilidade de invocar perante o empregador público as garantias oponíveis ao empregador privado, previstas no Estatuto dos Trabalhadores, bem como as consequências da inobservância dessas garantias. Acresce que a referida legislação não permite obter o estatuto de funcionário de carreira a não ser na sequência de um processo de seleção.

30

Essa mesma legislação não permite alcançar os objetivos prosseguidos pelo artigo 5.o do Acordo‑Quadro. Do mesmo modo, a possibilidade de, em caso de fraude, converter o pessoal estatutário temporário em pessoal não permanente por tempo indeterminado, reconhecida pela jurisprudência do Tribunal Supremo (Supremo Tribunal, Espanha), não permite evitar e punir os abusos do recrutamento temporário. Com efeito, continua a ser possível suprimir o lugar ocupado pelo trabalhador em causa ou despedi‑lo se o seu lugar for preenchido pela nomeação de um funcionário, o que põe termo à sua relação laboral, sem que este tenha alcançado estabilidade no emprego.

31

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a sanção que consiste em converter a relação laboral a termo numa relação laboral estável é a única medida que permite respeitar os objetivos prosseguidos pela Diretiva 1999/70. No entanto, esta diretiva não foi transposta para o direito espanhol, no que respeita ao setor público. Coloca‑se, assim, a questão de saber se, com base no artigo 5.o do Acordo‑Quadro, pode ser paga uma indemnização a título de sanção.

32

Nestas condições, o Juzgado de lo Contencioso‑Administrativo n.o 14 de Madrid (Tribunal do Contencioso Administrativo n.o 14 de Madrid, Espanha) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

É correta a interpretação do artigo 4.o do Acordo‑Quadro de que uma situação como a descrita no presente caso, em que um funcionário interino realiza o mesmo trabalho que um funcionário de carreira (funcionário de carreira que não goza do direito a indemnização [por cessação de funções] porque a situação que fundamentaria a indemnização não existe no seu regime jurídico), não está abrangida pela situação descrita no referido artigo 4.o?

2)

É conforme com o Acordo‑Quadro […] a interpretação de que, para alcançar os seus objetivos, por o direito à igualdade de tratamento e a proibição de discriminação constituírem um princípio geral [do direito] da [União] consagrado numa diretiva, nos artigos 20.o e 21.o [da Carta] [e no] artigo 23.o da Declaração Universal dos Direitos do Homem[, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948,] e se considerarem direitos sociais fundamentais, [na aceção dos] artigos 151.o e 153.o TFUE, o direito a indemnização [por cessação de funções] do funcionário interino pode ser garantido quer por comparação com o trabalhador em regime de trabalho temporário, já que a sua condição (estatutária ou contratual) apenas depende da entidade patronal do setor público, quer mediante a aplicação direta vertical característica do direito primário [da União]?

3)

Atendendo à existência, caso se verifique, de um abuso na contratação a termo com o fim de satisfazer necessidades permanentes sem que haja nem causa objetiva nem uma necessidade urgente e imperiosa que a justifique, sem que existam sanções ou limites efetivos no direito espanhol, é consentânea com os objetivos prosseguidos pela [Diretiva 1999/70], como medida para prevenir o abuso e eliminar as consequências da violação do direito da União, no caso de a entidade patronal não dar estabilidade ao trabalhador, uma indemnização equiparável à de um despedimento abusivo, indemnização entendida como sanção adequada, proporcional, eficaz e dissuasiva?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

33

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 4.o, n.o 1, do Acordo‑Quadro deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que não prevê o pagamento de indemnização aos trabalhadores contratados a termo como funcionários interinos nem aos funcionários de carreira que são, eles próprios, contratados no âmbito de uma relação laboral por tempo indeterminado, aquando da cessação das suas funções.

34

A este respeito, importa recordar que o artigo 4.o, n.o 1, do Acordo‑Quadro estabelece, no que respeita às condições de emprego, uma proibição de os trabalhadores contratados a termo receberem um tratamento menos favorável do que os trabalhadores permanentes numa situação comparável, pelo simples motivo de os primeiros terem um contrato ou uma relação laboral a termo, salvo se razões objetivas justificarem um tratamento diferente.

35

O Tribunal de Justiça considerou que a referida disposição se destina a aplicar o princípio da não discriminação aos trabalhadores contratados a termo, com vista a impedir que uma relação laboral desta natureza seja utilizada por um empregador para privar estes trabalhadores dos direitos que são reconhecidos aos trabalhadores com contratos por tempo indeterminado (v., neste sentido, Acórdão de 5 de junho de 2018, Montero Mateos, C‑677/16, EU:C:2018:393, n.o 40 e jurisprudência referida).

36

No caso em apreço, por um lado, deve notar‑se que, na medida em que, como resulta da decisão de reenvio, A. Baldonedo Martín foi nomeada pelo Município de Madrid como funcionária interina para o lugar de agente de manutenção de espaços verdes até à ocorrência de um acontecimento específico, concretamente a nomeação de um funcionário de carreira para esse lugar, está abrangida pelo conceito de «trabalhador contratado a termo», na aceção do artigo 3.o, n.o 1, do Acordo‑Quadro, e, por conseguinte, pelo âmbito de aplicação da Diretiva 1999/70 e do referido acordo (v., neste sentido, Despacho de 22 de março de 2018, Centeno Meléndez, C‑315/17, não publicado, EU:C:2018:207, n.o 40). Por outro lado, importa recordar que uma indemnização concedida ao trabalhador em razão da resolução do contrato de trabalho que o vincula à sua entidade patronal, como a pedida por A. Baldonedo Martín, está abrangida pelo conceito de «condições de emprego», na aceção do artigo 4.o, n.o 1, do referido acordo (Despacho de 12 de junho de 2019, Aragón Carrasco e o., C‑367/18, não publicado, EU:C:2019:487, n.o 33 e jurisprudência referida).

37

No entanto, resulta das informações prestadas pelo órgão jurisdicional de reenvio que os funcionários interinos, como a interessada, não recebem um tratamento menos favorável do que os funcionários de carreira nem são privados de um direito reconhecido a estes últimos, uma vez que nem estes funcionários interinos nem os funcionários de carreira recebem a indemnização pedida por A. Baldonedo Martín.

38

Nestas condições, o artigo 4.o, n.o 1, do Acordo‑Quadro deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional que não prevê o pagamento de indemnização por cessação de funções aos trabalhadores contratados a termo como funcionários interinos nem aos funcionários de carreira que, eles próprios, são contratados no âmbito de uma relação laboral por tempo indeterminado.

39

Feita esta precisão, resulta da resposta de A. Baldonedo Martín e do Município de Madrid a uma questão colocada para a audiência pelo Tribunal de Justiça que o lugar ocupado pela interessada, quando contratada pelo Município de Madrid como funcionária interina, podia igualmente ser ocupado por trabalhadores contratados por tempo indeterminado e que esse trabalhador era contratado pelo referido município para um lugar idêntico, durante o mesmo período. Além disso, resulta dos elementos do processo de que dispõe o Tribunal de Justiça que um trabalhador contratado no âmbito do referido contrato de trabalho receberia a indemnização prevista no artigo 53.o, n.o 1, alínea b), do Estatuto dos Trabalhadores, pedida por A. Baldonedo Martín, se fosse despedido por uma das razões previstas no artigo 52.o do referido Estatuto.

40

Incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio, que tem competência exclusiva para apreciar os factos, verificar as referidas informações e, se for o caso, determinar se os funcionários interinos, como a interessada, se encontram numa situação comparável à dos trabalhadores contratados pelo Município de Madrid no âmbito de um contrato de trabalho por tempo indeterminado, durante o mesmo período (v., por analogia, Despacho de 12 de junho de 2019, Aragón Carrasco e o., C‑367/18, não publicado, EU:C:2019:487, n.o 37 e jurisprudência referida).

41

A este respeito, importa recordar que o Tribunal de Justiça declarou que, se se demonstrar que, quando estavam empregados, os trabalhadores contratados a termo exerciam as mesmas funções que os trabalhadores contratados por tempo indeterminado pelo mesmo empregador ou ocupavam o mesmo lugar que estes, em princípio, as situações destas duas categorias de trabalhadores devem ser consideradas comparáveis (v., neste sentido, Acórdãos de 5 de junho de 2018, Grupo Norte Facility, C‑574/16, EU:C:2018:390, n.os 50 e 51; de 5 de junho de 2018, Montero Mateos, C‑677/16, EU:C:2018:393, n.os 53 e 54; de 21 de novembro de 2018, De Diego Porras, C‑619/17, EU:C:2018:936, n.os 64 e 65; e Despacho de 12 de junho de 2019, Aragón Carrasco e o., C‑367/18, não publicado, EU:C:2019:487, n.o 36).

42

Cumpre, por conseguinte, verificar se existe uma razão objetiva que justifique que a cessação da relação laboral dos funcionários interinos não dê lugar ao pagamento de indemnização, ao passo que os agentes contratuais contratados por tempo indeterminado são indemnizados quando são despedidos por uma das razões referidas no artigo 52.o do Estatuto dos Trabalhadores.

43

No que respeita às diferenças de tratamento resultantes da aplicação do artigo 53.o, n.o 1, alínea b), do Estatuto dos trabalhadores, o Tribunal de Justiça já declarou que o objeto específico da indemnização por despedimento prevista nessa disposição assim como o contexto particular em que se insere o pagamento da referida indemnização constituem uma razão objetiva que justifica uma diferença de tratamento como a referida no número anterior do presente acórdão (v. Acórdãos de 5 de junho de 2018, Grupo Norte Facility, C‑574/16, EU:C:2018:390, n.o 60; de 5 de junho de 2018, Montero Mateos, C‑677/16, EU:C:2018:393, n.o 63; e de 21 de novembro de 2018, De Diego Porras, C‑619/17, EU:C:2018:936, n.o 74).

44

A este propósito, o Tribunal de Justiça declarou que a cessação de uma relação laboral a termo se insere num contexto sensivelmente diferente, do ponto de vista factual e jurídico, daquele em que o contrato de trabalho de um trabalhador por tempo indeterminado é resolvido por uma das razões referidas no artigo 52.o do Estatuto dos Trabalhadores. (v., neste sentido, Despacho de 12 de junho de 2019, Aragón Carrasco e o., C‑367/18, não publicado, EU:C:2019:487, n.o 44; e, por analogia, Acórdãos de 5 de junho de 2018, Grupo Norte Facility, C‑574/16, EU:C:2018:390, n.o 56; de 5 de junho de 2018, Montero Mateos, C‑677/16, EU:C:2018:393, n.o 59; e de 21 de novembro de 2018, De Diego Porras, C‑619/17, EU:C:2018:936, n.o 70).

45

Com efeito, decorre da definição do conceito de «relação laboral [a termo]» que figura no artigo 3.o, n.o 1, do Acordo‑Quadro que uma relação laboral desta natureza deixa de produzir efeitos para o futuro no termo nela previsto, podendo esse termo ser constituído pela chegada de uma data precisa, pela realização de uma tarefa determinada ou, como no caso vertente, pela ocorrência de um determinado acontecimento. Assim, as partes numa relação laboral a termo conhecem, desde a sua celebração, a data ou o acontecimento que determina o seu termo. Esse termo limita a duração da relação laboral, sem que as partes tenham de manifestar a sua vontade a este respeito após a celebração do referido contrato (v., por analogia, Acórdão de 21 de novembro de 2018, De Diego Porras, C‑619/17, EU:C:2018:936, n.o 71 e jurisprudência referida).

46

Em contrapartida, a resolução de um contrato de trabalho por tempo indeterminado, por iniciativa do empregador, por uma das razões previstas no artigo 52.o do Estatuto dos Trabalhadores resulta da ocorrência de circunstâncias que não estavam previstas à data da celebração deste contrato e que vêm perturbar a evolução normal da relação laboral. O artigo 53.o, n.o 1, alínea b), do Estatuto dos Trabalhadores visa, precisamente, compensar o caráter imprevisto da rutura da relação laboral por uma razão deste tipo e, portanto, a frustração das expectativas legítimas que o trabalhador podia alimentar, nessa data, no que se refere à estabilidade da referida relação (v., neste sentido, Acórdão de 21 de novembro de 2018, De Diego Porras, C‑619/17, EU:C:2018:936, n.o 72 e jurisprudência referida).

47

No caso em apreço, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, resulta dos elementos do processo de que dispõe o Tribunal de Justiça que a relação laboral de A. Baldonedo Martín terminou devido à ocorrência do acontecimento previsto para tal efeito, concretamente o facto de o lugar que ocupava temporariamente ter sido definitivamente provido pela nomeação de um funcionário de carreira.

48

Nestas condições, o artigo 4.o, n.o 1, do Acordo‑Quadro deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional que não prevê o pagamento de indemnização por cessação de funções aos trabalhadores contratados a termo como funcionários interinos, ao passo que prevê o pagamento da referida indemnização aos agentes contratuais por tempo indeterminado, aquando da resolução do seu contrato de trabalho por uma razão objetiva.

49

Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à primeira questão prejudicial que o artigo 4.o, n.o 1, do Acordo‑Quadro deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional que não prevê o pagamento de indemnização aos trabalhadores contratados a termo como funcionários interinos nem aos funcionários de carreira que são, eles próprios, contratados no âmbito de uma relação laboral por tempo indeterminado, aquando da cessação das suas funções, ao passo que prevê o pagamento da referida indemnização aos agentes contratuais contratados por tempo indeterminado, aquando da resolução do seu contrato de trabalho por uma razão objetiva.

Quanto à segunda questão

50

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 151.o e 153.o TFUE, os artigos 20.o e 21.o da Carta e o artigo 4.o, n.o 1, do Acordo‑Quadro devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional que não prevê o pagamento de indemnização aos trabalhadores contratados a termo como funcionários interinos, aquando da cessação das suas funções, ao passo que aos agentes contratuais contratados a termo é concedida uma indemnização aquando da cessação do seu contrato de trabalho.

51

A título preliminar, note‑se que esta questão se baseia no pressuposto de que, em primeiro lugar, os agentes contratuais contratados a termo pelo Município de Madrid, que estão abrangidos pelo Estatuto dos Trabalhadores, recebem, aquando da cessação do seu contrato de trabalho, a indemnização correspondente a doze dias de salário por ano de serviço, prevista no artigo 49.o, n.o 1, alínea c), do referido Estatuto, em segundo lugar, esta disposição não é aplicável aos trabalhadores contratados a termo na qualidade de funcionários interinos, como A. Baldonedo Martín, e, em terceiro lugar, o EBEP, pelo qual estão abrangidos estes últimos trabalhadores, não prevê a atribuição de uma indemnização equivalente, aquando da cessação das suas funções.

52

No que respeita, em primeiro lugar, ao artigo 4.o, n.o 1, do Acordo‑Quadro, importa recordar que, dado que o princípio da não discriminação foi aplicado e concretizado pelo referido acordo unicamente quanto às diferenças de tratamento entre os trabalhadores contratados a termo e os trabalhadores permanentes numa situação comparável, as eventuais diferenças de tratamento entre certas categorias de pessoal contratado a termo não estão abrangidas pelo âmbito de aplicação do princípio da não discriminação consagrado pelo mesmo acordo (Acórdão de 21 de novembro de 2018, Viejobueno Ibáñez e De la Vara González, C‑245/17, EU:C:2018:934, n.o 51 e jurisprudência referida).

53

Assim, uma vez que a diferença de tratamento entre as duas categorias de pessoal contratado a termo, em causa no processo principal, não se baseia na duração determinada ou indeterminada da relação laboral, mas na sua natureza estatutária ou contratual, tal diferença não está abrangida pelo artigo 4.o, n.o 1, do Acordo‑Quadro (v., neste sentido, Acórdão de 14 de setembro de 2016, Pérez López, C‑16/15, EU:C:2016:679, n.o 66).

54

Consequentemente, esta disposição deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional como a referida no n.o 50 do presente acórdão.

55

No que respeita, em segundo lugar, aos artigos 151.o e 153.o TFUE, basta salientar que, como observa a Comissão Europeia, estes artigos do Tratado FUE estabelecem os objetivos e as medidas gerais da política social da União e que o direito reivindicado por A. Baldonedo Martín ou a obrigação dum Estado‑Membro de assegurar esse direito não podem ser deduzidos de tais disposições (v., neste sentido, Acórdão de 21 de março de 2018, Podilă e o., C‑133/17 e C‑134/17, não publicado, EU:C:2018:203, n.o 37).

56

No que concerne, em terceiro lugar, aos artigos 20.o e 21.o da Carta, importa notar que uma diferença de tratamento baseada na natureza estatutária ou contratual da relação laboral pode, em princípio, ser apreciada à luz do princípio da igualdade de tratamento, que constitui um princípio geral do direito da União, atualmente consagrado nos artigos 20.o e 21.o da Carta (v., neste sentido, Acórdão de 9 de março de 2017, Milkova, C‑406/15, EU:C:2017:198, n.os 55 a 63).

57

Após estas precisões, há que recordar que o âmbito de aplicação da Carta, no que respeita à ação dos Estados‑Membros, está definido no seu artigo 51.o, n.o 1, nos termos do qual as disposições da Carta têm por destinatários os Estados‑Membros apenas quando apliquem o direito da União (Acórdão de 6 de outubro de 2016, Paoletti e o., C‑218/15, EU:C:2016:748, n.o 13 e jurisprudência referida).

58

Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o conceito de «apli[cação do] direito da União», na aceção do artigo 51.o, n.o 1, da Carta, pressupõe a existência de um nexo de ligação entre um ato do direito da União e a medida nacional em causa, que ultrapassa a proximidade das matérias visadas ou as incidências indiretas de uma das matérias na outra (Acórdão de 6 de outubro de 2016, Paoletti e o., C‑218/15, EU:C:2016:748, n.o 14 e jurisprudência referida).

59

Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, para determinar se uma medida nacional pertence ao âmbito de «apli[cação do] direito da União», na aceção do artigo 51.o, n.o 1, da Carta, importa verificar, entre outros elementos, se a legislação nacional em causa tem por objetivo aplicar uma disposição do direito da União, qual o caráter dessa legislação e se a mesma prossegue outros objetivos que não sejam os abrangidos pelo direito da União, ainda que seja suscetível de o afetar indiretamente, bem como se existe uma regulamentação de direito da União específica na matéria ou suscetível de o afetar (Acórdão de 10 de julho de 2014, Julián Hernández e o., C‑198/13, EU:C:2014:2055, n.o 37 e jurisprudência referida).

60

No caso em apreço, A. Baldonedo Martín alega que o artigo 49.o, n.o 1, alínea c), do Estatuto dos Trabalhadores visa aplicar o artigo 5.o do Acordo‑Quadro, ao passo que o Governo espanhol contesta essa afirmação.

61

A este respeito, há que salientar que o Tribunal de Justiça já declarou que a indemnização prevista no artigo 49.o, n.o 1, alínea c), do Estatuto dos Trabalhadores, por um lado, não está, à primeira vista, abrangida por uma das categorias de medidas previstas no artigo 5.o, n.o 1, alíneas a) a c), do Acordo‑Quadro, das quais os Estados‑Membros devem introduzir uma ou várias quando a sua ordem jurídica não contém medidas legais equivalentes, e, por outro lado, também não parece constituir tal medida legal equivalente, uma vez que não é suscetível de alcançar o objetivo geral que o referido artigo 5.o atribui aos Estados‑Membros, que consiste em evitar os abusos decorrentes do recurso a sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo (v., neste sentido, Acórdão de 21 de novembro de 2018, De Diego Porras, C‑619/17, EU:C:2018:936, n.os 92 a 94).

62

Com efeito, dado que é paga independentemente de qualquer consideração relativa ao caráter legítimo ou abusivo do recurso a tais contratos de trabalho ou relações laborais, a referida indemnização não se mostra apta a punir devidamente um recurso abusivo a sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo e a eliminar as consequências da violação do direito da União e, por conseguinte, não parece constituir, em si mesma, uma medida suficientemente eficaz e dissuasiva para garantir a plena eficácia das normas adotadas em aplicação do Acordo‑Quadro (v., neste sentido, Acórdão de 21 de novembro de 2018, De Diego Porras, C‑619/17, EU:C:2018:936, n.os 94 e 95).

63

Daqui resulta que o artigo 49.o, n.o 1, alínea c), do Estatuto dos Trabalhadores prossegue um objetivo diferente do prosseguido pelo artigo 5.o do Acordo‑Quadro e, consequentemente, não se pode considerar que «apliqu[e] o direito da União» na aceção do artigo 51.o, n.o 1, da Carta.

64

Consequentemente, a diferença de tratamento em causa no processo principal não pode ser apreciada à luz das garantias da Carta e, em especial, dos seus artigos 20.o e 21.o

65

Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à segunda questão prejudicial que os artigos 151.o e 153.o TFUE e o artigo 4.o, n.o 1, do Acordo‑Quadro devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma legislação nacional que não prevê o pagamento de indemnização aos trabalhadores contratados a termo como funcionários interinos, aquando da cessação das suas funções, ao passo que aos agentes contratuais contratados a termo é concedida uma indemnização aquando da cessação do seu contrato de trabalho.

Quanto à terceira questão

66

Resulta da decisão de reenvio que, com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se o artigo 5.o do Acordo‑Quadro deve ser interpretado no sentido de que, numa situação em que o empregador recorreu a uma relação laboral a termo para satisfazer necessidades permanentes e não por razões de necessidade e urgência expressamente justificadas, a atribuição de uma indemnização equivalente à que é paga aos trabalhadores, em caso de despedimento sem justa causa, nos termos do artigo 56.o do Estatuto dos Trabalhadores, constitui uma medida destinada a evitar e, eventualmente, a punir os abusos decorrentes da conclusão de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo, ou uma medida legal equivalente, na aceção do referido artigo.

67

O Governo espanhol considera que esta questão é inadmissível, com o fundamento de que o artigo 5.o do Acordo‑Quadro não é aplicável a uma situação como a do processo principal, que não se caracteriza pelo recurso a sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo nem por um abuso, na aceção do referido artigo.

68

Segundo jurisprudência constante, as questões relativas à interpretação do direito da União submetidas pelo juiz nacional no quadro regulamentar e factual que define sob a sua responsabilidade, e cuja exatidão não compete ao Tribunal de Justiça verificar, gozam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre um pedido de decisão prejudicial apresentado por um órgão jurisdicional nacional se for manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas (Acórdão de 21 de novembro de 2018, De Diego Porras, C‑619/17, EU:C:2018:936, n.o 77 e jurisprudência referida).

69

Além disso, a necessidade de obter uma interpretação do direito da União que seja útil ao órgão jurisdicional nacional exige que este defina o quadro factual e regulamentar em que se inserem as questões que coloca ou que, pelo menos, explique as situações factuais em que assentam essas questões (v., neste sentido, Acórdão de 31 de maio de 2018, Zheng, C‑190/17, EU:C:2018:357, n.o 48 e jurisprudência referida).

70

A este respeito, segundo jurisprudência constante, o artigo 5.o, n.o 1, do Acordo‑Quadro é aplicável unicamente a sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo (Acórdãos de 22 de novembro de 2005, Mangold, C‑144/04, EU:C:2005:709, n.os 41 e 42, e de 26 de janeiro de 2012, Kücük, C‑586/10, EU:C:2012:39, n.o 45; e Despacho de 12 de junho de 2019, Aragón Carrasco e o., C‑367/18, não publicado, EU:C:2019:487, n.o 55).

71

Resulta do artigo 5.o, n.o 2, alínea a), do Acordo‑Quadro que incumbe aos Estados‑Membros definir em que condições os contratos de trabalho ou relações de trabalho a termo deverão ser considerados «sucessivos» (Acórdão de 21 de novembro de 2018, De Diego Porras, C‑619/17, EU:C:2018:936, n.o 79, e Despacho de 12 de junho de 2019, Aragón Carrasco e o., C‑367/18, não publicado, EU:C:2019:487, n.o 56).

72

No caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio não apresenta nenhum indício que permita considerar que A. Baldonedo Martín foi contratada pelo Município de Madrid no âmbito de vários contratos de trabalho ou relações laborais, ou que a situação em causa no processo principal se caracteriza, nos termos do direito espanhol, por sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo.

73

Pelo contrário, o referido órgão jurisdicional especifica que a interessada ocupou o mesmo posto de trabalho de forma contínua e constante. Além disso, resulta dos elementos do processo de que dispõe o Tribunal de Justiça que a relação laboral entre as partes no processo principal é a primeira e única relação laboral estabelecida entre elas.

74

Nestas circunstâncias, é manifesto que o problema levantado na terceira questão é hipotético. Por conseguinte, a referida questão deve ser declarada inadmissível.

Quanto às despesas

75

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

 

1)

O artigo 4.o, n.o 1, do Acordo‑Quadro relativo a contratos de trabalho a termo, celebrado em 18 de março de 1999, que figura em anexo à Diretiva 1999/70/CE do Conselho, de 28 de junho de 1999, respeitante ao Acordo‑Quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional que não prevê o pagamento de indemnização aos trabalhadores contratados a termo como funcionários interinos nem aos funcionários de carreira que são, eles próprios, contratados no âmbito de uma relação laboral por tempo indeterminado, aquando da cessação das suas funções, ao passo que prevê o pagamento da referida indemnização aos agentes contratuais contratados por tempo indeterminado, aquando da resolução do seu contrato de trabalho por uma razão objetiva.

 

2)

Os artigos 151.o e 153.o TFUE e o artigo 4.o, n.o 1, do Acordo‑Quadro relativo a contratos de trabalho a termo que figura em anexo à Diretiva 1999/70 devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma legislação nacional que não prevê o pagamento de indemnização aos trabalhadores contratados a termo como funcionários interinos, aquando da cessação das suas funções, ao passo que aos agentes contratuais contratados a termo é concedida uma indemnização aquando da cessação do seu contrato de trabalho.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: espanhol.