ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

7 de outubro de 2019 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Política social — Artigo 119.o do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 141.o CE) — Trabalhadores do sexo masculino e trabalhadores do sexo feminino — Igualdade de remuneração — Regime profissional privado de pensões de reforma — Idade normal de reforma diferenciada em razão do sexo — Data de adoção de medidas que restabelecem a igualdade de tratamento — Uniformização retroativa dessa idade pela das pessoas anteriormente desfavorecidas»

No processo C‑171/18,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela Court of Appeal (England & Wales) (Civil Division) [Tribunal de Recurso (Inglaterra e País de Gales) (Secção Cível), Reino Unido], por Decisão de 16 de fevereiro de 2018, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 5 de março de 2018, no processo

Safeway Ltd

contra

Andrew Richard Newton,

Safeway Pension Trustees Ltd,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, R. Silva de Lapuerta, vice‑presidente, A. Arabadjiev, A. Prechal, M. Vilaras, P. G. Xuereb e L. S. Rossi, presidentes de secção, A. Rosas, E. Juhász, M. Ilešič, J. Malenovský, T. von Danwitz (relator) e N. Piçarra, juízes,

advogado‑geral: E. Tanchev,

secretário: V. Giacobbo‑Peyronnel, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 4 de fevereiro de 2019,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Safeway Ltd, por B. Green, S. Allen, D. Pannick, QC, R. Mehta, barrister, T. Green e J. Heap, solicitors,

em representação de A. R. Newton, por A. Short, QC, C. Bell, M. Uberoi, barristers, C. Rowland‑Frank e J. H. C. Briggs, solicitors,

em representação de Safeway Pension Trustees Ltd, por D. Murphy, E. King, solicitors, e D. Grant, barrister,

em representação da Comissão Europeia, por A. Szmytkowska e L. Flynn, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 28 de março de 2019,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 119.o do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 141.o CE).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Safeway Ltd a Andrew Richard Newton e à Safeway Pension Trustees Ltd a respeito da uniformização das prestações de reforma dos membros femininos e masculinos do regime de pensões gerido pela Safeway Pension Trustees.

Quadro jurídico

3

O princípio da igualdade de remuneração entre trabalhadores masculinos e trabalhadores femininos, atualmente consagrado pelo artigo 157.o TFUE, era, à data dos factos em causa no processo principal, consagrado pelo artigo 119.o do Tratado CE.

4

Nos termos desta última disposição:

«Cada Estado‑Membro garantirá, durante a primeira fase, e manterá em seguida a aplicação do princípio da igualdade de remunerações entre trabalhadores masculinos e trabalhadores femininos, por trabalho igual.

Por “remuneração” deve entender‑se, para efeitos do disposto no presente artigo, o salário ou vencimento ordinário, de base ou mínimo, e quaisquer outras regalias pagas, direta ou indiretamente, em dinheiro ou em espécie, pela entidade patronal ao trabalhador em razão do emprego deste último.

A igualdade de remuneração sem discriminação em razão do sexo implica que:

1.

A remuneração do mesmo trabalho pago à tarefa seja estabelecida na base de uma mesma unidade de medida;

2.

A remuneração do trabalho pago por unidade de tempo seja a mesma para um mesmo posto de trabalho.»

Litígio no processo principal e questão prejudicial

5

O regime de pensões em causa no processo principal foi criado sob a forma de um trust pela Safeway em 1978. A cláusula 19.a do ato de constituição deste regime de pensões (a seguir «cláusula de alteração») permite, no essencial, a alteração retroativa, a partir da data de uma comunicação escrita aos membros, do referido regime de pensões, incluindo do valor das prestações, através de um ato de trust. A referida cláusula tem a seguinte redação:

«A empresa principal pode, a qualquer momento e na medida do necessário, mediante autorização dos administradores (“trustees”) e por ato adicional (“supplemental deed”) elaborado pela empresa principal e pelos administradores, alterar ou completar as competências estabelecidas no âmbito do trust e as disposições do regime de pensões, designadamente o presente ato de constituição do trust e quaisquer disposições do regime de pensões, incluindo o presente ato de constituição do referido regime (“trust deed”) e as respetivas regras (“rules”), bem como quaisquer atos e outros instrumentos escritos que completem o presente ato e os atos referidos no segundo anexo, podendo essa competência ser exercida de tal modo que a data de produção de efeitos, indicada no ato modificativo, possa ser a data do ato em questão ou a data de uma comunicação escrita anterior, dirigida aos membros, informando‑os dos elementos alterados ou completados, ou ainda, dentro dos limites do razoável, uma data anterior ou posterior à data desse ato modificativo, de modo a que a alteração ou o aditamento se apliquem retroativamente ou no futuro, consoante o caso.»

6

Enquanto o regime de pensões em causa no processo principal tinha inicialmente fixado uma idade normal de reforma (a seguir «INR») diferente para homens e mulheres, concretamente 65 anos para os primeiros e 60 anos para as segundas, o Tribunal de Justiça declarou, em substância, no seu Acórdão de 17 de maio de 1990, Barber (C‑262/88, EU:C:1990:209), que a fixação de uma INR diferente em razão do sexo constitui uma discriminação proibida pelo artigo 119.o do Tratado CE. Na sequência desse acórdão, por anúncios efetuados em 1 de setembro de 1991 e 1 de dezembro de 1991 (a seguir «anúncios de 1991»), a Safeway e a Safeway Pension Trustees informaram os membros do regime de pensões que este ia ser modificado, com efeitos a partir de 1 de dezembro de 1991, mediante a introdução de uma INR uniforme de 65 anos para todos os membros. Em 2 de maio de 1996, foi adotado um ato de trust que alterou o referido regime, tendo fixado uma INR uniforme de 65 anos de idade, com efeitos a partir de 1 de dezembro de 1991.

7

Uma vez que, em 2009, foi suscitada a questão da conformidade da alteração retroativa do regime de pensões em causa no processo principal com o direito da União, a Safeway instaurou o processo principal, destinado a obter a declaração de que a INR uniforme de 65 anos tinha sido validamente estabelecida a partir de 1 de dezembro de 1991. No âmbito desse processo, A. R. Newton foi designado para intervir em representação dos membros.

8

Por Decisão de 29 de fevereiro de 2016, a High Court of Justice (England & Wales), Chancery Division [Tribunal Superior de Justiça (Inglaterra e País de Gales), Secção da Chancelaria, Reino Unido], considerou que a alteração retroativa do regime de pensões em causa no processo principal era contrária ao artigo 119.o do Tratado CE e que, consequentemente, os direitos à pensão dos membros deviam ser calculados com base numa INR uniforme de 60 anos relativamente ao período compreendido entre 1 de dezembro de 1991 e 2 de maio de 1996.

9

Pronunciando‑se em sede de recurso do referido acórdão, interposto pela Safeway, o órgão jurisdicional de reenvio considera que, por força do direito nacional, os anúncios de 1991 não podiam, por si só, alterar validamente o regime de pensões em causa no processo principal e que a única alteração válida era a resultante do ato de trust de 2 de maio de 1996.

10

Todavia, esse órgão jurisdicional precisa que, por força do referido direito nacional, a cláusula de alteração e os anúncios de 1991 tiveram por efeito conferir aos direitos adquiridos pelos membros, no período compreendido entre 1 de dezembro de 1991 e 2 de maio de 1996, um caráter «revogável» (defeasible), pelo que esses direitos podiam posteriormente, em qualquer momento, ser reduzidos de forma retroativa. Assim, embora considere que, nos termos do direito nacional, o ato de trust de 2 de maio de 1996 tinha podido aumentar validamente a INR das mulheres para 65 anos de idade e manter a dos homens nessa mesma idade, relativamente a esse período, o referido órgão jurisdicional questiona‑se sobre se a referida solução é conforme ao artigo 119.o do Tratado CE, tal como interpretado pelo Tribunal de Justiça.

11

Nestas circunstâncias, a Court of Appeal (England & Wales) (Civil Division) [Tribunal de Recurso (Inglaterra e País de Gales) (Secção Cível) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Quando as regras de um regime de pensões conferem, no quadro do direito interno, através de uma alteração do ato de constituição do trust (trust deed), o poder de reduzir retroativamente o valor dos direitos [à] pensão adquiridos por homens e mulheres, num período compreendido entre a data de um [anúncio] escrito dando conta das alterações que se [tenciona] introduzir e a data em que o ato de constituição do trust é efetivamente alterado, [exige] o artigo 157.o [TFUE] (anteriormente e [à época] dos factos, artigo 119.o do Tratado [CE]) […] que esses direitos [à] pensão adquiridos sejam considerados irrevogáveis durante o referido período, no sentido de que estão protegidos contra [qualquer redução] operada retroativamente [na sequência do exercício do poder reconhecido] no direito interno?»

Quanto à questão prejudicial

12

A título preliminar, cumpre salientar, como resulta da decisão de reenvio, que o litígio no processo principal apenas diz respeito aos direitos de pensão adquiridos pelos membros do regime de pensões em causa no processo principal durante o período compreendido entre 1 de dezembro de 1991 e 2 de maio de 1996. Nestas condições, há que examinar a questão submetida à luz do artigo 119.o do Tratado CE, em vigor nesse período.

13

Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 119.o do Tratado CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que, para pôr termo a uma discriminação contrária a essa mesma disposição, resultante da fixação de uma INR diferente em razão do sexo, um regime de pensões adote uma medida que uniformiza, de forma retroativa, a INR dos membros do referido regime pelo nível da INR das pessoas da categoria anteriormente desfavorecida, no período compreendido entre o anúncio e a adoção da referida medida, quando esta é permitida pelo direito nacional e pelo ato de constituição do referido regime de pensões.

14

Para responder a esta questão, importa recordar que, no Acórdão de 17 de maio de 1990, Barber (C‑262/88, EU:C:1990:209), o Tribunal de Justiça declarou, em substância, que a fixação de uma INR diferente em função do sexo para as pensões pagas por um regime de pensões constitui uma discriminação proibida pelo artigo 119.o do Tratado CE.

15

O Tribunal de Justiça pronunciou‑se igualmente sobre as consequências a retirar da constatação de tal discriminação, nomeadamente nos Acórdãos de 28 de setembro de 1994, Coloroll Pension Trustees (C‑200/91, EU:C:1994:348), de 28 de setembro de 1994, Avdel Systems (C‑408/92, EU:C:1994:349), e de 28 de setembro de 1994, van den Akker (C‑28/93, EU:C:1994:351). Conforme resulta desta jurisprudência, essas consequências diferem consoante os períodos de emprego em causa.

16

No que respeita, em primeiro lugar, aos períodos de emprego anteriores à data da prolação do Acórdão Barber (C‑262/88, EU:C:1990:209), isto é, 17 de maio de 1990, os regimes de pensão não estão obrigados a aplicar uma INR uniforme, dado que o Tribunal de Justiça limitou os efeitos do referido acórdão no tempo ao excluir a aplicabilidade do artigo 119.o do Tratado CE às prestações de pensão devidas a título desses períodos (v., neste sentido, Acórdãos de 28 de setembro de 1994, Coloroll Pension Trustees, C‑200/91, EU:C:1994:348, n.o 34; de 28 de setembro de 1994, Avdel Systems, C‑408/92, EU:C:1994:349, n.o 19; e de 28 de setembro de 1994, van den Akker, C‑28/93, EU:C:1994:351, n.o 12).

17

No que respeita, em segundo lugar, aos períodos de emprego compreendidos entre 17 de maio de 1990 e a adoção, pelo regime de pensão em causa, de medidas que restabeleceram a igualdade de tratamento, devem ser asseguradas às pessoas da categoria desfavorecida as mesmas regalias de que beneficiam as pessoas da categoria privilegiada, regalias que, na falta de transposição correta do artigo 119.o do Tratado CE para o direito nacional, são o único sistema de referência válido (v., neste sentido, Acórdãos de 28 de setembro de 1994, Coloroll Pension Trustees, C‑200/91, EU:C:1994:348, n.os 31 e 32; de 28 de setembro de 1994, Avdel Systems, C‑408/92, EU:C:1994:349, n.os 16 e 17; e de 28 de setembro de 1994, van den Akker, C‑28/93, EU:C:1994:351, n.os 16 e 17).

18

No que respeita, em terceiro lugar, aos períodos de emprego cumpridos após a adoção, pelo regime de pensão em causa, de medidas que restabeleceram a igualdade de tratamento, o artigo 119.o do Tratado CE não se opõe a que as regalias das pessoas anteriormente privilegiadas sejam reduzidas ao nível das regalias das pessoas anteriormente desfavorecidas, exigindo apenas que os trabalhadores masculinos e os trabalhadores femininos aufiram a mesma remuneração pelo mesmo trabalho, sem no entanto lhes impor um nível determinado (v., neste sentido, Acórdãos de 28 de setembro de 1994, Coloroll Pension Trustees, C‑200/91, EU:C:1994:348, n.o 33; de 28 de setembro de 1994, Avdel Systems, C‑408/92, EU:C:1994:349, n.o 21; e de 28 de setembro de 1994, van den Akker, C‑28/93, EU:C:1994:351, n.o 19).

19

No presente caso, o litígio no processo principal respeita unicamente à questão de saber se os direitos à pensão dos membros do regime de pensões em causa no processo principal, relativos ao período compreendido entre 1 de dezembro de 1991 e 2 de maio de 1996, devem ser calculados com base numa INR uniforme de 60 ou de 65 anos. Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta‑se, em substância, sobre se, à luz da jurisprudência referida no n.o 17 do presente acórdão, o ato de trust de 2 de maio de 1996 permitiu uniformizar retroativamente de forma válida, relativamente a esse período, a INR desses membros pelo nível da INR das pessoas da categoria anteriormente desfavorecida, concretamente os trabalhadores masculinos.

20

A este respeito, saliente‑se, em primeiro lugar, que, na medida em que a questão prejudicial e a fundamentação da decisão de reenvio visam a uniformização, efetuada por este ato de trust com efeitos retroativos a contar de 1 de dezembro de 1991, da INR dos membros do regime de pensões em causa no processo principal pelo nível do regime das pessoas da categoria anteriormente desfavorecida, se deve considerar que esta questão assenta no pressuposto de que as medidas que restabeleceram a igualdade de tratamento só foram tomadas em 2 de maio de 1996, por meio deste ato de trust.

21

Perante o Tribunal de Justiça, a Safeway e a Comissão contestaram esse pressuposto, alegando, no essencial, que os anúncios de 1991 e a gestão do regime de pensões em causa no processo principal com base numa INR uniforme de 65 anos a contar de 1 de dezembro de 1991 devem ser considerados medidas que restabeleceram a igualdade de tratamento com efeitos a partir dessa data.

22

Embora incumba, em princípio, ao órgão jurisdicional de reenvio, que tem conhecimento direto do litígio em causa no processo principal e competência exclusiva para interpretar o direito interno, determinar a data em que as medidas destinadas a restabelecer a igualdade de tratamento foram adotadas, tais medidas devem, contudo, satisfazer as exigências do direito da União, para que o Tribunal de Justiça possa fornecer ao órgão jurisdicional nacional os elementos pertinentes para a interpretação desse direito (v., neste sentido, Acórdãos de 16 de junho de 2016, EURO 2004. Hungary, C‑291/15, EU:C:2016:455, n.o 36, e de 30 de junho de 2016, Ciup, C‑288/14, não publicado, EU:C:2016:495, n.o 33).

23

A esse título, cumpre recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o artigo 119.o do Tratado CE tem efeito direto ao criar, na esfera jurídica dos particulares, direitos que os órgãos jurisdicionais nacionais têm por missão salvaguardar (v., neste sentido, Acórdãos de 8 de abril de 1976, Defrenne, 43/75, EU:C:1976:56, n.o 24, e de 28 de setembro de 1994, van den Akker, C‑28/93, EU:C:1994:351, n.o 21).

24

Tendo em conta o efeito direto do artigo 119.o do Tratado CE, a aplicação desta disposição pelo empregador após a verificação da existência de uma discriminação deve ser imediata e completa, de modo que as medidas tomadas para restabelecer a igualdade de tratamento não podem, em princípio, ser sujeitas a condições que se traduzam pela manutenção, ainda que transitória, de uma discriminação (v., neste sentido, Acórdão de 28 de setembro de 1994, Avdel Systems, C‑408/92, EU:C:1994:349, n.os 25 e 26).

25

Além disso, deve igualmente ser respeitado o princípio da segurança jurídica. Este último princípio, que se impõe com especial rigor na presença de uma regulamentação suscetível de ter consequências financeiras, exige que os direitos conferidos aos particulares pelo direito da União sejam exercidos de forma suficientemente precisa, clara e previsível a fim de permitir aos interessados que conheçam com exatidão os seus direitos e obrigações e tomem as suas medidas em conformidade, se for caso disso, recorrendo aos tribunais nacionais. A instauração de uma mera prática, desprovida de efeitos jurídicos vinculativos para os interessados, não cumpre essas exigências (v., neste sentido, Acórdãos de 2 de dezembro de 2009, Aventis Pasteur, C‑358/08, EU:C:2009:744, n.o 47, e de 8 de março de 2017, Euro Park Service, C‑14/16, EU:C:2017:177, n.os 36 a 38, 40, 42 e jurisprudência aí referida).

26

Assim, para se poder considerar que restabelecem a igualdade de tratamento exigida pela referida disposição, as medidas adotadas para pôr termo a uma discriminação contrária ao artigo 119.o do Tratado CE devem cumprir os requisitos enunciados nos n.os 24 e 25 do presente acórdão.

27

Ora, no caso em apreço, as medidas adotadas pelo regime de pensões em causa no processo principal anteriormente à adoção do ato de trust de 2 de maio de 1996 não cumprem esses requisitos.

28

Com efeito, conforme resulta da decisão de reenvio, o regime de pensões em causa no processo principal só foi validamente alterado, à luz do direito nacional, pela adoção do referido ato de trust. A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio declarou, num acórdão proferido em 5 de outubro de 2017 no processo principal, que a redação da cláusula de alteração só permite modificações através de um ato de trust e que o direito nacional se opõe a uma interpretação da referida cláusula que se afaste dessa redação, tendo em conta a necessidade de proteger os beneficiários do referido regime de pensões e de lhes permitir que conheçam os seus direitos.

29

Parece decorrer igualmente da decisão de reenvio que a cláusula de alteração e os anúncios de 1991 têm por único efeito jurídico reservar aos responsáveis pelo regime de pensões em causa no processo principal a faculdade de uniformizar, de forma retroativa, a INR dos membros desse regime pelo nível da INR dos homens, através da adoção de um ato de trust em qualquer momento posterior.

30

Ora, não se pode considerar que a instituição dessa faculdade, que pode ser exercida num momento escolhido discricionariamente por esses responsáveis, tenha posto termo à discriminação em causa no processo principal ou tenha permitido aos membros conhecer com exatidão os seus direitos.

31

No que se refere à gestão do regime a partir de 1 de dezembro de 1991, resulta do n.o 25 do presente acórdão que a instauração de uma mera prática, desprovida de efeitos jurídicos vinculativos para os interessados, não cumpre os requisitos do princípio da segurança jurídica e, consequentemente, não pode ser considerada uma medida que restabelece a igualdade de tratamento exigida pelo artigo 119.o do Tratado CE.

32

Nestas condições, verifica‑se que, no âmbito do regime de pensões em causa no processo principal, as medidas que cumprem os requisitos do direito da União evocados nos n.os 24 e 25 do presente acórdão só foram tomadas em 2 de maio de 1996, através do ato de trust adotado nessa data.

33

No que respeita, em segundo lugar, à questão de saber se o artigo 119.o do Tratado CE permite uma medida, como a prevista pelo referido ato de trust, que consiste em uniformizar com efeitos retroativos, a partir de 1 de dezembro de 1991, a INR dos membros de um regime de pensões pelo nível da INR das pessoas da categoria anteriormente desfavorecida, importa recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, quando seja detetada uma discriminação contrária ao direito da União e enquanto não forem adotadas medidas que restabeleçam a igualdade de tratamento, o respeito do princípio da igualdade só pode ser assegurado pela concessão, às pessoas da categoria desfavorecida, das mesmas vantagens de que beneficiam as pessoas da categoria privilegiada (Acórdãos de 28 de janeiro de 2015, Starjakob, C‑417/13, EU:C:2015:38, n.o 46, e de 22 de janeiro de 2019, Cresco Investigation, C‑193/17, EU:C:2019:43, n.o 79 e jurisprudência aí referida).

34

O Tribunal de Justiça já afirmou que o referido princípio se opõe a que um regime de pensões elimine uma discriminação contrária ao artigo 119.o do Tratado CE procedendo à supressão retroativa das vantagens das pessoas da categoria privilegiada (v., neste sentido, Acórdão de 28 de setembro de 1994, Avdel Systems, C‑408/92, EU:C:1994:349, n.os 5, 13, 14, 17 e 18).

35

Todavia, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta‑se sobre se essa jurisprudência é igualmente aplicável a situações, como a que está em causa no processo principal, em que os direitos à pensão em causa são revogáveis à luz do direito nacional e do ato de constituição do regime de pensões em causa.

36

Embora esta questão ainda não tenha sido expressamente dirimida pelo Tribunal de Justiça, a possibilidade, em tais situações, de harmonizar de forma retroativa as condições relativas aos direitos dos membros de um regime de pensões pelo nível das pessoas da categoria anteriormente desfavorecida não encontra qualquer apoio na referida jurisprudência. Pelo contrário, como recordou o advogado‑geral no n.o 64 das suas conclusões, o reconhecimento dessa faculdade privaria em grande medida essa mesma jurisprudência do seu alcance, na medida em que só seria aplicável nos casos em que tal uniformização retroativa já fosse, de qualquer modo, proibida pelo direito nacional ou pelo ato de constituição do regime de pensões.

37

Além disso e acima de tudo, importa sublinhar que qualquer medida destinada a eliminar uma discriminação contrária ao direito da União constitui um ato de execução desse direito, que deve cumprir os seus requisitos. Em especial, nem o direito nacional nem as disposições do ato de constituição do regime de pensões em causa podem ser invocados para contornar esses requisitos.

38

No que respeita aos referidos requisitos, resulta de jurisprudência constante que o princípio da segurança jurídica se opõe, em geral, a que um ato de execução do direito da União tenha efeitos retroativos. Só assim não será, a título excecional, quando uma finalidade de interesse geral o exija e a confiança legítima dos interessados seja devidamente respeitada (v., neste sentido, Acórdão de 26 de abril de 2005, Goed Wonen, C‑376/02, EU:C:2005:251, n.os 33, 34 e jurisprudência aí referida).

39

A este princípio acrescem as exigências, decorrentes mais especificamente do artigo 119.o do Tratado CE, que se impõem aos responsáveis por um regime de pensões após a verificação de uma discriminação contrária a esta disposição.

40

No que respeita à obrigação de atribuir às pessoas da categoria desfavorecida as mesmas regalias de que beneficiam as pessoas da categoria privilegiada, enquanto não tiverem sido adotadas medidas que restabeleçam a igualdade de tratamento, o Tribunal de Justiça já declarou que a mesma encontra justificação, designadamente, na ligação do artigo 119.o do Tratado CE ao objetivo da igualização das condições de trabalho no sentido do progresso, o qual resulta do preâmbulo do mesmo Tratado e do seu artigo 117.o (v., neste sentido, Acórdãos de 8 de abril de 1976, Defrenne, 43/75, EU:C:1976:56, n.os 10, 11 e 15, e de 28 de setembro de 1994, Avdel Systems, C‑408/92, EU:C:1994:349, n.os 15 e 17).

41

Ora, seria contrário a esse objetivo, bem como ao princípio da segurança jurídica e aos requisitos referidos nos n.os 17, 24 e 34 do presente acórdão, permitir que os responsáveis pelo regime de pensões em causa eliminassem uma discriminação contrária ao artigo 119.o do Tratado CE mediante a adoção de uma medida que uniformizasse, com efeitos retroativos, a INR dos membros do referido regime pelo nível da INR das pessoas da categoria anteriormente desfavorecida. Com efeito, admitir tal solução dispensaria esses responsáveis da obrigação de, após a verificação da discriminação, proceder à sua eliminação imediata e completa. Além disso, infringiria a obrigação de atribuir às pessoas da categoria anteriormente desfavorecida o benefício da INR das pessoas da categoria anteriormente favorecida no que respeita aos direitos à pensão relativos a períodos de emprego compreendidos entre a data de prolação do Acórdão de 17 de maio de 1990, Barber (C‑262/88, EU:C:1990:209), e a data da adoção das medidas que restabeleceram a igualdade de tratamento, bem como a proibição de suprimir, relativamente ao passado, os benefícios destas últimas pessoas. Por último, até que as referidas medidas fossem adotadas, criaria incertezas, contrárias ao princípio da segurança jurídica, quanto ao alcance dos direitos dos membros.

42

Estas considerações continuam a ser válidas no caso de os membros do regime de pensões em causa terem sido informados, através de um anúncio desprovido de efeitos modificativos, de que, a fim de restabelecer a igualdade de tratamento, a INR dos membros desse regime de pensões seria uniformizada com a INR das pessoas da categoria anteriormente desfavorecida.

43

Não obstante, como resulta do n.o 38 do presente acórdão, não se pode excluir que medidas destinadas a pôr termo a uma discriminação contrária ao direito da União possam, excecionalmente, ser tomadas com efeitos retroativos, desde que, além do respeito da confiança legítima dos interessados, tais medidas respondam efetivamente a razões imperiosas de interesse geral. Em particular, segundo jurisprudência constante, um risco de prejuízo grave para o equilíbrio financeiro do sistema de pensões pode constituir uma razão imperiosa de interesse geral (v., neste sentido, Acórdãos de 11 de janeiro de 2007, ITC, C‑208/05, EU:C:2007:16, n.o 43, e de 7 de março de 2018, DW, C‑651/16, EU:C:2018:162, n.o 33).

44

No caso em apreço, embora o órgão jurisdicional de reenvio explique, na decisão de reenvio, que os interesses financeiros em jogo no litígio em causa no processo principal ascendem a cerca de 100 milhões de libras esterlinas, não refere, porém, que a uniformização retroativa da INR dos membros do regime de pensões em causa no processo principal pela INR das pessoas da categoria anteriormente desfavorecida fosse necessária a fim de evitar um prejuízo grave para o equilíbrio financeiro desse regime de pensões. Uma vez que os autos no Tribunal de Justiça não contêm outros elementos suscetíveis de demonstrar que esta medida respondia efetivamente a razões imperiosas de interesse geral, não existe qualquer justificação objetiva para a mesma, o que cabe, no entanto, ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

45

Em face das considerações anteriores, há que responder à questão submetida que o artigo 119.o do Tratado CE deve ser interpretado no sentido de que, na falta de uma justificação objetiva, se opõe a que, para pôr termo a uma discriminação contrária a esta disposição, resultante da fixação de uma INR diferente em razão do sexo, um regime de pensões adote uma medida que uniformiza, de forma retroativa, a INR dos membros do referido regime pelo nível da INR das pessoas da categoria anteriormente desfavorecida, relativamente ao período compreendido entre o anúncio e a adoção da referida medida, mesmo quando esta seja permitida pelo direito nacional e pelo ato de constituição daquele regime de pensões.

Quanto às despesas

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Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

 

O artigo 119.o do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 141.o CE) deve ser interpretado no sentido de que, na falta de uma justificação objetiva, se opõe a que, para pôr termo a uma discriminação contrária a esta disposição, resultante da fixação de uma idade normal de reforma diferente em razão do sexo, um regime de pensões adote uma medida que uniformiza, de forma retroativa, a idade normal de reforma dos membros do referido regime pelo nível da idade normal de reforma das pessoas da categoria anteriormente desfavorecida, relativamente ao período compreendido entre o anúncio e a adoção da referida medida, mesmo quando esta seja permitida pelo direito nacional e pelo ato de constituição daquele regime de pensões.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: inglês.